Pedido de liberdade

Advogados de Flávio Maluf pedem Habeas Corpus ao TRF-3

Autor

13 de setembro de 2005, 14h58

Os advogados José Roberto Batochio e Guilherme Octávio Batochio entraram com pedido de Habeas Corpus em favor de Flávio Maluf no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, na tarde desta terça-feira (13/9). Os advogados pedem que o tribunal determine a imediata libertação do acusado. A expectativa era a de que Paulo Maluf também entrasse com HC nesta terça. Mas seu advogado, José Roberto Leal, deve apresentar o pedido nesta quarta-feira (14/9).

Flávio Maluf chegou à sede da PF, algemado e acompanhado de seu advogado, na manhã de sábado (10/9), depois que a juíza Silvia Maria da Rocha, da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo, decretou sua prisão e a de seu pai, o ex-prefeito paulistano Paulo Maluf, sob a acusação de coação de testemunhas. Maluf se entregou espontaneamente à Polícia Federal na madrugada do sábado, cerca de oito horas antes de seu filho.

Os dois foram denunciados pelo Ministério Público Federal por corrupção passiva, lavagem de dinheiro, crime contra o sistema financeiro e formação de quadrilha. O MPF também denunciou o ex-diretor da empreiteira Mendes Júnior, Simeão Damasceno, e o doleiro Vivaldo Alves, o Birigüi.

Os advogados refutam a idéia de coação de testemunhas. “Não se há de falar, por todo o exposto, em obstaculização, por qualquer forma, ao bom andamento da instrução criminal”. Segundo o HC, a acusação não pode se basear no fato de Flávio Maluf ter se encontrado com o doleiro Vivaldo Alves. Isso porque Vivaldo Alves é denunciado e não testemunha. “Daí porque não se poderia, sequer em tese, cogitar de periclitação da instrução criminal”.

O doleiro afirmou que operava contas bancárias da família Maluf em Nova Iorque e que foi procurado por Flávio às vésperas de depor. Flávio teria pedido que o doleiro não contasse nada que pudesse comprometer o ex-prefeito. Mas Maluf afirma que o doleiro teria procurado Flávio pedindo US$ 5 milhões para não revelar informações sobre a família.

Os advogados também protestam contra o fato de que apenas Paulo e Flávio Maluf foram denunciados por formação de quadrilha: “Estar-se-ia diante de uma insólita e novel figura jurídica: quadrilha de dois”. Segundo o pedido de Habeas Corpus para Flávio, a prisão preventiva “decorre de decisão manifestamente nula, dada a absoluta falta de fundamentação”. A defesa alega que a prisão preventiva é “medida excepcional e extrema” que não se aplica ao caso.

Outro ponto que, segundo os advogados, torna nulo o decreto de prisão é o fato de o inquérito policial ter sido comandado pelo delegado Protógenes Queiroz, da Diretoria de Inteligência Policial em Brasília, apesar de instaurado na Superintendência Regional de São Paulo da Polícia Federal.

“Tal circunstância é absolutamente insólita, verdadeiramente inédita no processo penal brasileiro, que se rege segundo os ditames constitucionais e regras próprias que definem os critérios de competência”, sustentam. Para a defesa, o fato “traduz procedimento de exceção, anômalo, a sugerir interesses outros” e comparam as atribuições do delegado com as do juiz natural.

Apesar de os advogados pedirem a distribuição por sorteio, o pedido de Habeas Corpus deve ser analisado pelo juiz federal Luciano Godoy, da 1ª Turma do TRF da 3ª Região. Por prevenção, o pedido seria enviado para análise da desembargadora Vesna Kolmar. A prevenção deve-se ao fato de ela já ter julgado vários recursos relativos aos processos envolvendo Paulo e Flávio Maluf.

Como a desembargadora está de férias, quem julga o caso é seu substituto regimental, o juiz Luciano Godoy.

Leia a íntegra do HC em favor de Flávio Maluf

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA DESEMBARGADORA FEDERAL PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3a REGIÃO.

Os advogados JOSÉ ROBERTO BATOCHIOe GUILHERME OCTÁVIO BATOCHIO, brasileiros, casados, devidamente inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de São Paulo, sob nos 20.685 e 123.000, respectivamente, ambos com escritório nesta Capital, na Avenida Paulista, no 1471, 16o andar, vêm, com o respeito devido, a Vossa Excelência para, com fundamento no artigo 5o, inciso LXVIII, da Constituição da República Federativa do Brasil, nos artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, nos artigos 178 usque 188 do Regimento Interno dessa Colenda Corte de Justiça, e nos demais dispositivos que regulamentam a matéria, impetrar, em favor de FLÁVIO MALUF, brasileiro, casado, empresário, residente e domiciliado nesta Capital, a presente ORDEM DE HABEAS CORPUS COM PLEITO DE MEDIDA LIMINAR, pelos motivos fáticos e jurídicos fundamentos articulados às folhas 3 e seguintes desta impetração.

Apontando como autoridade coatora a MMa Juíza Federal da 2a Vara Criminal da Subseção Judiciária de São Paulo, Dra. Silvia Maria Rocha (processo no 2002.61.81.006073-3), requerem digne-se Vossa Excelência receber o presente mandamus e ordenar o seu processamento nas formas da lei.


Nestes termos,

P.P.Deferimento.

São Paulo, 12 de setembro, 2005.

José Roberto Batochio, advogado.

OAB/SP no 20.685

Guilherme Octávio Batochio, advogado.

OAB/SP no 123.000

I – BREVE HISTÓRICO DOS FATOS

Em 21 de agosto de 2002, instaurou-se inquérito policial, na Superintendência Regional em São Paulo do Departamento de Polícia Federal (DELEFIN/SR/DPF/SP), por requisição do Ministério Público Federal, com o fito de apurar delitos de Evasão de Divisas, Sonegação Fiscal, Corrupção e de Lavagem de Capitais, que, supostamente, se originariam em desvio de recursos públicos da municipalidade de São Paulo, ao tempo em que o genitor do Paciente fora Prefeito.

Ao longo desses mais de três anos que consumiram as investigações, depoimentos foram colhidos e milhares de documentos foram acostados aos autos, tendo elas culminado com o relatório da Autoridade Policial em que se representou pela decretação da prisão preventiva do Paciente, de seu pai, PAULO SALIM MALUF, e de CELSO ROBERTO PITTA DO NASCIMENTO (que o sucedeu na Prefeitura do Município de São Paulo), pela busca e apreensão “de coisas e documentos nas residências, domicílios e empresas” que não especifica.

O Ministério Público Federal, ao tempo em que endossou o pleito de restrição de liberdade do Paciente, contra ele ofereceu acusação formal dando-o como incursos nas penas dos artigos 317, em referência ao artigo 30, e 288 do Código Penal, artigo 22, parágrafo único, da Lei no 7.492/86 (por duas vezes), e artigo 1o, incisos V, VI e VII, da Lei no 9.613/98.

Também foram denunciadas as pessoas de SIMEÃO DAMASCENO DE OLIVEIRA e VIVALDO ALVES, estes apontados como violadores dos preceitos primários dos artigos 22, parágrafo único, da Lei no 7.492/86 (o primeiro) e 22, parágrafo único, da Lei no 7.492/86 e 1o, § 1o, inciso II, da Lei no 9.613/98 (o segundo).

Sublinhe-se, para logo, que não se compreende como possa o Paciente, que jamais ocupou qualquer cargo público, ter sido denunciado pelo crime de corrupção passiva (artigo 317 do Código Penal), que é delito próprio de funcionário público1, nem como possa ele se ver acusado de formação de quadrilha (artigo 288 do CP) eis que, como é curial, se trata de crime plurissubjetivo e pressupõe a concorrência de mais de três pessoas (note-se que no caso presente não há essa imputação aos co-denunciados SIMEÃO DAMASCENO E VIVALDO ALVES)… In casu, como se vê, estar-se-ia diante de uma insólita e novel figura jurídica: quadrilha de dois…

Aliás, o que se tem visto ultimamente no cenário exegético nacional é que o instituto jurídico da co-participação e da co-autoria (artigo 29 do CP) veio mesmo de ser “revogado” pela figura típica elencada no preceito primário do artigo 288 da Lei Penal. Basta o quorum de mais de três acusados (ou mais de dois, como no caso), para que se viabilize uma acusação por formação de quadrilha. É o que tem ocorrido em acusações que envolvem pais e mais de um filho: a família passou a ser quadrilha!

A que ponto se chegou!

É verdadeiramente incompreensível que excessos acusatórios desse jaez, que só servem ao propósito de agravar indevidamente a situação do acusado no processo penal como meio de justificar medidas constritivas outras, passem incólumes pelo crivo do órgão jurisdicional.

Estranha e curiosamente, no caso presente, ficaram alijados da acusação não só Celso Roberto Pitta do Nascimento (por cuja custódia a Autoridade Policial representou formalmente), mas também outras pessoas que a investigação apontou como sendo mantenedoras de valores movimentados pelo “doleiro” VIVALDO ALVES, titular confesso da conta CHANANI mantida no Safra National Bank de Nova York… É preciso que se explique, declaradamente, essa “opção processual”, eis que a legislação processual penal do País impõe a indisponibilidade e a obrigatoriedade da ação penal pública, a unidade de processo e julgamento em casos de conexão ou continência (cf. artigos 76 e seguintes do Código de Processo Penal).

Alguma razão há de haver, até porque a facultativa separação a que alude o artigo 80 da Lei Penal Adjetiva é atribuível ao órgão jurisdicional, e tão-somente a ele, nos casos especificados, e tão-somente neles.

“Opções processuais” que tais importam em aberta violação ao princípio da indisponibilidade da ação penal pública e da obrigatoriedade, isso para se dizer o mínimo…

Ao Ministério Público não é dado escolher acusados, mesmo porque, segundo suas próprias palavras “a lei deste País, entretanto, é republicana […] todos estão submetidos aos mesmos princípios legais, ao menos é o que diz a Constituição” (cf. fls. 1264/1265), não é mesmo?

Como quer que seja, a exordial foi recebida e a custódia do Paciente — e tão-somente dele e de seu pai — decretada.


Soube-se, através da imprensa (eis que os autos sempre tramitaram sob um esotérico e ilegal “sigilo” que foi desde sempre imposto aos acusados e a seus advogados constituídos 2 ), que a medida constritiva teria se justificado “por conveniência da instrução criminal”, eis que o Paciente teria exortado o citado VIVALDO ALVES — então co-indiciado e agora co-réu — a “só falar em juízo”.

Não se compreende, diga-se para logo, como é que quem não é testemunha (mas sim acusado) em processo penal (e VIVALDO é RÉU, DENUNCIADO, no mesmo feito em que a prisão preventiva do Paciente foi decretada) possa ter sido constrangido ou aliciado para… EXERCER UM DIREITO…, aliás garantido constitucionalmente, que é o de permanecer em silêncio na fase policial (em que nenhum acesso ao inquérito foi permitido) e somente se explicar perante o juiz da causa. Esse direito constitucional agora virou crime? Não se sabia…

Não se deslembre: o que revelam as interceptações telefônicas é que o Paciente teria dialogado com o tal VIVALDO sobre ambos só falararem em Juízo3 Onde o crime ou a obstrução? E o quanto VIVALDO dialogou com o órgão do MPF ou com o Delegado Federal, não se conta? Seria necessário ter essas degravações (ou filmagens) para que o “serviço de inteligência“ da Defesa as interpretasse… Tem-se que seria surpreendente! Ou uma parte tem mais direitos que a outra? Não há par conditio no processo penal? A Constituição diz que sim!

Conversa com a Acusação é “negociação”, com a Defesa é “coação”, não é curioso? Parece que uma parte é mais parte que a outra, na novel e autoritária dialética de alguns…

Incompreensivelmente e ao arrepio da lei, todavia, foi decretada a abusiva medida restritiva de liberdade.

Sabedor dessa circunstância, mais uma vez pela imprensa, apresentou-se espontaneamente o Paciente à Polícia Federal, onde se acha recolhido até esta parte.

Ponha-se em destaque, por relevante, que foi ele filmado enquanto era algemado desnecessária, intolerável e abusivamente por Policiais Federais (contra os quais representara administrativamente, por abuso, tempos atrás) e exposto à degradação pública em rede nacional de televisão, o que será objeto de medidas próprias em sede adequada. E, ao contrário do que se pretendeu fazer crer — alguns órgãos de comunicação social veicularam que ele fora preso em uma fazenda no interior de São Paulo — reafirme-se ainda uma vez, ele se apresentou sponte sua às Autoridades, conforme adredemente ajustado, tanto que rumou do interior do Estado para esta Capital em veículo próprio para se submeter à decisão judicial aqui hostilizada. Segue preso, como dito, na Superintendência da Polícia Federal em São Paulo.

Estes, em estreita síntese, os fatos.

II – DO CONSTRANGIMENTO ILEGAL.

Acha-se o Paciente sob inequívoco constrangimento ilegal, consubstanciado na decretação da sua prisão preventiva – e sua conseqüente mantença in custodiam ad carcem – à absoluta falta de justa causa e ao arrepio da lei.

A situação fática aqui versada configura típica coação ilegal, a teor do que dispõe o artigo 648, incisos I e IV, do Código de Processo Penal:

Art. 648: A coação considerar-se-á ilegal:

I – quando não houver justa causa.

VI – quando o processo for manifestamente nulo.

Demonstremos a ilegalidade.

III – DOS FUNDAMENTOS DA IMPETRAÇÃO:

A – DA NULIDADE DOS ELEMENTOS INDICIÁRIOS COLHIDOS NESTES AUTOS.

Como se vê dos autos, a despeito do inquérito policial ter sido instaurado perante a Superintendência Regional em São Paulo do Departamento de Polícia Federal, tem-se que, por razões que se desconhece, a partir de determinado instante passou ele a tramitar por uma tal de DIP (Diretoria de Inteligência Policial) da PF, em Brasília…, por Delegado De Polícia Federal ali lotado.

Tal circunstância é absolutamente insólita, verdadeiramente inédita no processo penal brasileiro, que se rege segundo os ditames constitucionais e regras próprias que definem os critérios de competência. Traduz procedimento de exceção, anômalo, a sugerir interesses outros… Que se pensaria se um Magistrado de outra jurisdição, de outra unidade da Federação fosse designado para julgar um determinado e especial processo?

Dir-se-á que o juiz natural é constitucional e o presidente do apuratório extra judicium não tem essa previsão hierárquica. É certo, mas e o elemento ético, moral, da conduta persecutória do Estado? Às urtigas?

Ora, é inconcebível, qualquer que seja o pretexto e fora das causas de prorrogatio da competência, que o apuratório possa tramitar em outro local que não aquele onde teriam se verificados os fatos, a não ser que dele se queira alijar o investigado e o seu direito de defesa que, desnecessário sublinhar, tem previsão constitucional mesmo na fase inquisitorial (cf. art. 14 do CPP)…


Seria razoável — ou melhor, constitucional — obrigar a defesa técnica a se deslocar à Capital Federal cada vez que quisesse examinar os autos, sendo competentes para o caso, segundo a lei, as autoridades policiais e judiciárias da Capital de São Paulo? Parece que não…

Aliás, a defesa do Paciente (que tem assento constitucional, nunca é demais relembrar), quando tencionava consultar os autos, era sempre informada que eles se achavam no Ministério Público Federal. Naquela instituição, assegurava-se que os autos estavam na Polícia Federal. Ali foi esclarecido que o apuratório tramitava em Brasília, e que havia “uns quatro ou cinco inquéritos especiais” que eram conduzidos dessa mesma forma…

É bom que se reafirme, para os autoritários de plantão que conduzem investigações subterrâneas, que o Estado Democrático de Direito não se compadece com esse tipo de “apuração especial”, eleição de investigados “especiais”, seletividade investigatória segundo o critério do Poder Central e que a Constituição e as Leis existem e estão aí para serem cumpridas. Queiram ou não os atrabiliários.

Onde já se viu o Estado “escolher” pessoas, selecionar aqueles casos em que tem interesses (os mais variados e muitos deles impublicáveis) e promover investigações direcionadas, sigilosas, clandestinas mesmo, conforme melhor lhe convier, presididas por autoridades lotadas na Capital da República? Seletividade anti-republicana, e afronta ao princípio constitucional da isonomia?

Que Estado Policialesco é esse?

É preciso se dar um basta a este inaceitável estado de coisas, nem que se tenha que, mais uma vez, se lutar, ainda que de forma incruenta, pelo restabelecimento das liberdades e do verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Ora, a lei, que é a vontade do povo (e ainda vivemos uma Democracia, embora alguns acreditem poder tudo em nome do Estado), preceitua que, a jurisdição para a causa é a do juízo do local em que se verificaram os fatos. Assim dispõe o artigo 70 do Código de Processo Penal:

Art. 70. A competência será, se regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

Se a regra da competência do juízo natural é explícita, é inequívoco, pois, que o inquérito policial deveria tramitar em São Paulo, e não em Brasília, mesmo porque o que nele se apurou, segundo a própria Autoridade Policial, é “desvio de recursos públicos no período de administração pública municipal da cidade de São Paulo”.

Se assim é, segundo os ditames legais e os preceitos constitucionais em vigor (aos quais não se sobrepõe eventual e expressa “autorização do Delegado-Geral”), este inquérito jamais poderia ter deixado a Superintendência Regional em São Paulo da Polícia Federal para ir tramitar, inacessível, na Capital Federal… Mesmo porque, se o princípio do Delegado Natural não é explícito na Carta Política (como ocorre com o Juízo criminal), certo é que, como no caso do MP, decorre de princípios garantistas constitucionais. Quem pode responder a esta pergunta: por quê o inquérito que apurou indícios contra os Maluf foi presidido por Delegado de Brasília e não de São Paulo, como no comum dos casos? Privilégio às avessas? Não, só pode ser explicado por perseguição…

As investigações, portanto, assim como levadas a efeito por Autoridade manifestamente incompetente, são nulas, e não se prestam ao que quer que seja. A menos que se tenha estabelecido no País uma stalinista “polícia de exceção”. O que é legal para Chico, tem de sê-lo para Francisco, diz a isonomia constitucional, que excomunga atos de exceção…

Também irregular, e mesmo ilícita 4 , a degravação e publicização das interceptações telefônicas de conversas mantidas entre o Paciente, seu pai e seus advogados, que, cobertas pelo manto constitucional da privacidade que integra o direito de defesa e asseguradas em lei federal (art. 7°, II, da Lei no 8.906, de 04/07/1994) igualmente serão objeto de providência específica em sede adequada opportuno tempore.

É mesmo intolerável que, a pretexto de se investigar, tudo se possa, tudo valha.

B – DA ABSOLUTA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE DECRETOU A PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE.

Porque encarceram antes do julgamento, as prisões provisórias se mostram odiosas aos olhos dos homens livres, contrárias aos princípios liberais que informam o processo penal moderno e adversas ao princípio universal da presunção de inocência.

A rigor, são elas sempre um pré-conceito, com o qual não se coaduna a idéia de um julgamento sereno, meticuloso e definitivo. Verdadeira amputação social — segregam um mero suspeito —, com muita parcimônia e excepcionalissimamente devem ser utilizadas pelo bisturi judiciário…


O seu largo uso, sem critérios ou comedimento, traduz prática indesejável e mesmo condenável.

Repercute nesse instituto, sem dúvida, a consagração constitucional do princípio humanitário da presunção de inocência, segundo o qual:

LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

(CF artigo 5o, inciso LVII)

A se observar o comando constitucional, é inegável que as prisões provisórias remetem às galés um presumido inocente. Prisões sem culpa, portanto.

Óbvios, pois, a sua excepcionalidade e o seu caráter de medida extrema, a ser utilizada — até com certo escrúpulo pelo aplicador —, em face do disposto na Carta Política.

Nesse rumo de idéias e porque medida heróica, as prisões provisórias deverão ser cumpridamente fundamentadas e explicitamente circunstanciadas no despacho que as impõe a um cidadão, tolhendo-lhe o jus libertatis, sob pena de nulidade.

Ninguém deve ser tão poderoso nem deve ser tão arbitrário no nosso sistema político-jurídico, que tenha o talante de suprimir a liberdade de um indivíduo sem maiores explicações. Se isso foi o apanágio da monarquia absolutista do passado, das teocracias exacerbadas ou das oligarquias arrogantes, não tem lugar no Estado Democrático de Direito.

Exige a lei que, para a prolação do édito constritor e excepcionalíssimo, tudo seja muito bem explicado e fundamentado, sob pena de nulidade. A exigência é constitucional (cf. art. 93, inciso IX, da Constituição Federal).

Prisão antes de julgamento é algo muito sério e reclama minudentes fundamentos, pois nada de maior realce na axiologia humana que o direito de liberdade.

Ensina, com a costumeira e aguda proficiência HÉLIO TORNAGHI (Manual), referindo-se a uma das espécies do gênero prisão provisória que:

Não basta de maneira alguma, não é fundamentação, frauda a finalidade da lei e ilude as garantias da liberdade o fato de o juiz dizer apenas “considerando que a prisão é necessária para a garantia da ordem pública…” ou então: “as provas dos autos revelam que a prisão é conveniente para a instrução criminal…”. Fórmulas como essas são a mais rematada expressão da prepotência, do arbítrio e da opressão. Revelam displicência…

(ob. cit., pág. 619)

No que se refere à justificativa da necessidade da custódia, não pode ser tida por fundamentada, data maxima venia, a decisão que ora se enfrenta. A prisão do Paciente se justificaria pelo fato de que, em liberdade, comprometeria “a instrução processual, podendo, concretamente, tumultuá-la a ponto de torná-la completamente inviável e inútil”.

Ora, que conduta sua poderia comprometer ou tumultuar a instrução processual, a ponto de torná-la inviável e inútil?

Que “manobras” do Paciente seriam aptas a “interferir na colheita, produção e resultado da prova”, se depoimento de co-réu em processo penal pode ser reservado à fase judiciária dentro da ordem constitucional? Exercício de direito de silêncio na fase policial, apenas, é obstrução? Onde? E o privilege against self incrimination acolhido na Charta Magna? É letra morta, na ótica dos autoritários? Falar em Juízo não serve?

Onde periclitaria a instrução criminal (se é a isso que se refere a decisão aqui profligada)?

Como, de outro lado, se falar em “higidez da instrução processual” se interrogatório não é ato instrutório, mas meio de defesa (vide infra)?

Indagações irrespondíveis…

Talvez essa tenha sido a razão pela qual o Ministério Público Federal não tenha dedicado palavra ao assunto no seu petitório de fls. 1264/1265…

Exibe-se, portanto, a despeito de desfundamentado, inválido, sob o ponto de vista técnico-jurídico, maxima venia concessa, o r. decisum que decidiu pela segregação cautelar do Paciente.

Certo, todavia, que é indelegável a fundamentação de decisão de tal magnitude, e ressabido que simples menção a circunstância genérica abstrata (ou mesmo a referências feitas pelo Ministério Público Federal ou pela Polícia Federal em suas manifestações 5 ) não é bastante para legitimar o injusto — e mais do que isso, ilegal — encarceramento sob foco.

A fundamentação da decisão do Juízo para a decretação ou manutenção da prisão é indeclinável exigência constitucional, mesmo porque aos acusados é garantido constitucionalmente o direito de saber a razão concreta, o motivo, que está a justificar a sua segregação. Afinal, vivemos, ou não, em um Estado Democrático de Direito?

Repise-se que decisões judiciais de tal natureza devem vir cumpridamente fundamentadas por seu prolator, que é quem exerce a jurisdição, aliás, indelegável.


Doutrina ANTÔNIO MAGALHÃES GOMES FILHO, in Presunção de Inocência e Prisão Cautelar que:

É através da motivação, com efeito, que se expressam os aspectos mais importantes considerados pelo magistrado ao longo do caminho percorrido até a conclusão última, representando, por isso, o ponto de referência para a verificação da imparcialidade, do atendimento às prescrições legais e do efetivo exame das questões suscitadas pelos interessados no provimento.

Mais do que isso, no regime democrático, a obrigatoriedade da motivação, conjugada à publicidade dos pronunciamentos jurisdicionais, adquire relevante função extraprocessual, qual seja a de possibilitar ao povo, fonte exclusiva do poder, o controle generalizado e difuso sobre o modo como se administra a justiça.

Seja como for, o que importa ressaltar é a imperatividade da declaração expressa dos motivos que ensejam a restrição da liberdade individual no caso concreto, tanto nas hipóteses em que há pronunciamento jurisdicional prévio (prisão preventiva, prisão em virtude de pronúncia ou de sentença condenatória recorrível), como na convalidação da prisão em flagrante, em que o juiz deve declarar as razões de sua manutenção e da não concessão da liberdade provisória.

E, finalmente, conclui:

Sendo assim, em face do que expusemos no capítulo anterior, não são suficientes à motivação das decisões sobre prisão as referências à “ordem pública”, à gravidade do delito ou aos antecedentes do acusado, sendo indispensável que se demonstre cabalmente a ocorrência de fatos concretos que indiquem a necessidade da medida por exigências cautelares de tipo instrumental ou final.

(ob. cit., págs. 80/81)

BASILEU GARCIA aduz que:

…não é possível que se mande para uma enxovia antes de regular condenação, em virtude do interesse público, sem se declarar em que consistem as superiores razões que o determinam.

(Comentários, V. 3, pág. 177)

Vazia a fundamentação do decisum, nulificado o ato e, por isso, advindo em aberto desrespeito às garantias processuais do Paciente, data maxima venia.

Quem no-lo assevera é a tão sábia quão freqüente jurisprudência dos Tribunais brasileiros:

O ordenamento jurídico brasileiro, ao tomar a exigência de fundamentação das decisões judiciais um elemento imprescindível e essencial à válida configuração dos atos sentenciais, refletiu, em favor dos indivíduos, uma poderosa garantia contra eventuais excessos do Estado-Juiz, e impôs, como natural derivação desse dever, um fator de clara limitação dos poderes deferidos a magistrados e Tribunais. Os Juízes e Tribunais estão, ainda que se cuide do exercício de mera faculdade processual, sujeitos expressamente, ao dever de motivação dos atos constritivos do status libertatis que pratiquem no desempenho de seu ofício. A conservação de um homem na prisão requer mais do que simples pronunciamento jurisprudencial. A restrição o estado de liberdade impõe ato decisório suficientemente fundamentado, que encontre suporte em fatos concretos.

(STF, HC no 68.530-DF, Rel. Min. Celso de Mello)

A fundamentação de despacho de prisão preventiva deve ser substancial e convincente, fundando-se em fatos concretos e não em meras conjecturas. Não estando presentes, na espécie, os pressupostos do art. 312 do CPP, é de se conceder a ordem de habeas corpus.

(STF – RTJ 104/111)

Processual Penal. Prisão Preventiva. Decretação: fundamentos insuficientes. Tendo sido adotada como fundamentação do decreto de prisão preventiva a necessidade de garantir a aplicação da lei penal, mas nenhuma fundamentação havendo a respeito, cabe revogar-se tal prisão, sem prejuízo de outra vez ser ela decretada se motivos reais puderem de fato justificá-la.

(STF – RT 612/439)

Não basta ter comprovada a existência do crime e suficientemente indiciada a sua autoria para que se dêem por atendidos os requisitos legais para justificar o decreto de prisão preventiva. Requer-se, igualmente, que o juiz tenha razões fundadas da existência de motivos que aconselhem a medida, dentre aqueles relacionados na lei.

(STF – RT 573/489)

Nulo é o decreto de prisão preventiva em que o juiz indica, abstratamente, as causas legais da medida constritiva, sem o registro das situações concretas que motivem suficientemente a sua adoção.

(STF – RT 603/441)

Em razão do princípio da inocência presumida, somente é admissível a imposição de prisão processual – prisão preventiva ou prisão em razão de sentença de pronúncia – quando suficientemente demonstrada por decisão plenamente motivada a necessidade de cautela, em face da presença de uma das circunstâncias inscritas no art. 312 do Código de Processo Penal. Recurso ordinário provido.


Habeas-corpus concedido.

(STJ, RHC no 6.420/MG, 6a T., Rel. Min. Vicente Leal, j. 19.08.97, v.u., DJU 22.09.97, pág. 46.559)

A prisão preventiva, por afetar o status libertatis, obedece o princípio da legalidade. Cumpre, na fundamentação ser indicado o fato que recomende a restrição ao exercício do direito de liberdade.

(STJ, 6a T., RHC 2190-5/PE; Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, j. 8.3.93, v.u., DJ 10.5.93, p. 8.647)

Prisão preventiva – Fundamentação – “O decreto de prisão preventiva deve ser fundamentado. Cumpre ser especificado o fato que se amolde a um dos pressupostos do art. 312, CPP. Irrelevante realçar apenas a hipótese normativa”.

(STJ, 6a T., HC 1.873-3/PE, Rel. Min. Vicente Cernicchiaro, j. 22.6.93, v.u., DJU 27.9.93, p. 19.828)

Ao juiz cabe sempre demonstrar in concreto porque o indiciado ou acusado ou mesmo condenado necessita ficar confinado antes da hora.

(STJ – RHC no 4.261-3, Rel. Min. Adhemar Maciel, j. 13.2.95, v.u., DJU 13.3.95, p. 5.316)

O decreto de prisão deve ser suficientemente fundamentado, não bastando repetir as hipóteses previstas no art. 312 do CPP (garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou asseguramento da aplicação da lei penal). A prisão provisória (cautelar) só deve ser decretada quando, realmente, se fizer necessária.

As informações, no habeas corpus, não suprem a falta de fundamentação do decreto de prisão preventiva.

Ordem deferida.

(TRF 1a Reg. HC 92.01.10171-6/MG – Rel. Juiz Tourinho Neto – j. 27.5.92 – DJU 8.6.92 – p. 16.224)

Não basta, para dar supedâneo ao decreto de prisão preventiva, que o seu prolator entenda estar provado o fato imputado ao réu. É preciso mais. É preciso que ele indique os elementos formadores do seu convencimento, sob pena da parte não ter como atacar a decisão através dos meios facultados pela lei.

Como corolário, inseparável do direito de defesa, o acusado tem o direito de saber onde está a prova da existência do fato, em que consiste, para que possa fazer a contestação que a lei autoriza.

(TJSP – RT 506/333)

A prisão preventiva, provisória que é pela sua natureza, não é uma faculdade delegada ao juiz que, ao seu livre arbítrio, pode impô-la, mas um poder discricionário regulado por motivo de conveniências que devem ser levados em consideração. Portanto, cumpre ser fundamentada, devendo o juiz mencionar, de modo claro e preciso os fatos que o levem a considerá-la necessária, ou seja, os motivos que a tornam imprescindível para a garantia da ordem pública ou para assegurar a instrução criminal ou a aplicação da Lei Penal Substantiva. O despacho que se limita a repetir os ditames do texto legal, sem fundamentação, importa em fraude à lei e viola as garantias de liberdade, importando em simples fórmula que, sobre revelar displicência, tirania e ignorância, nada convence, pois com eles o juiz toma por base exatamente aquilo que deveria demonstrar.

(TJSP – Bol. AASP no 766/40)

Carente de fundamentação o decreto de custódia provisória e ausentes razões substanciais que recomendem a imposição da medida excepcional, comprometedora do direito natural à liberdade, é de ser concedida a ordem de habeas corpus, a fim de que o acusado se assegure a possibilidade de defender-se em liberdade.

(RT 604/383)

Ao decretar a custódia prévia, o Magistrado deverá expor os motivos inspiradores de seu convencimento sobre a necessidade da medida excepcional mencionando, expressamente, os fatos concretos extraídos dos autos, capazes de justificar o seu procedimento.

(RT 521/449)

Por destituída de qualquer fundamentação (e o que aqui se combate é a ordem jurisdicional, e não manifestação de quem é parte ou mesmo de quem presidiu investigação), e também de fundamento fático-jurídico, vê-se contaminada a r. decisão que decretou a prisão do Paciente. Logo, acha-se ele sob manifesto constrangimento ilegal, nos exatos termos do artigo 648, inciso VI, do Código de Processo Penal.

C – DA ABSOLUTA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A DECRETAÇÃO DA CUSTÓDIA PREVENTIVA DO PACIENTE.

Não bastasse a absoluta incompetência da autoridade policial que presidiu as investigações e a inequívoca falta de fundamentação da decisão que decretou a custódia, o que se verifica, in casu, é que ela não se justifica, sequer em tese.

Com efeito, as custódias cautelares devem subserviência aos rígidos pressupostos que legitimam qualquer encarceramento provisório: o periculum in mora e o fumus boni júris. A estes se acresce, após a Constituição de 1988, que fixou a liberdade como regra em nível de dogma e de franquia constitucional, o parâmetro da absoluta, indeclinável e imperiosa necessidade.


É que a supressão da liberdade antes do julgamento repugna aos povos civilizados, que a reservam — como violência injusta, mas tolerável — para os casos da mais premente e inexorável necessidade.

De fato, todo o nosso ordenamento jurídico subalterno deve ser interpretado à luz da Carta Constitucional de outubro de 1988, vértice da pirâmide legislativa brasileira, de modo que é dispensável mencionar-se que a legislação infraconstitucional deva estar em harmonia com a Lei Fundamental, que lhe é superposta.

Destaque está a merecer, nessa angulação, o texto da Lei Máxima, no capítulo em que dispõe sobre os princípios relativos às garantias e direitos fundamentais da pessoa humana.

E, precisamente no artigo 5o, inciso LVII, do Código Político acha-se consagrado o princípio humanitário da presunção de inocência, comum a todos os povos civilizados e livres do mundo contemporâneo, que aqui se faz questão de reprisar:

LVII – ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Em assim sendo, por disposição da Lei das Leis, claro está que as prisões cautelares, que são medidas de exceção, encarceram sempre um presumido inocente. Prisão sem culpa, decorrente de mera suspeita, e, mais que isso, prisão de alguém que a Lei Maior afirma deva ser presumido inocente.

Nenhum acerto se vislumbra, data maxima venia, em posições retrógradas, conservadoras, e por que não dizer, autoritárias que, não obstante o princípio constitucional da não-culpabilidade até final trânsito em julgado da sentença condenatória, insistem em negar a este repercussão no nosso processo penal (que é lei infraconstitucional de hierarquia inferior), e não se cansam de declará-lo sobrepairante à própria Lei Fundamental.

A regra constitucional em causa não pode ser lida de acordo com a lei ordinária, mas esta é que deve ser interpretada a partir do texto da Constituição.

É o que decidiu o STF pela sábia pena do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE:

As leis é que se devem interpretar conforme a Constituição e não ao contrário.

(RT 680/416)

Se a Constituição que é o lineamento fundante do sistema penal e processual penal, estabelece que a regra é a liberdade até condenação definitiva, segundo esse parâmetro é que devem ser interpretados os textos infraconstitucionais.

É que, consoante o ensinamento de RENE ARIEL DOTTI:

As opções axiológicas constitucionais devem ser respeitadas pelos textos penais e orientar a sua interpretação.

É inegável que a presunção de inocência constitucional repercute na legislação subalterna, revogando-a, abrogando-a ou derrogando-a, no que lhe for contrária, ou mesmo negando eficácia aos textos com ela colidentes que lhe supervieram.

Somente por aí já se vê que nenhuma razão pode assistir àqueles que tentam negar qualquer reflexo do princípio constitucional na legislação processual penal que lhe é subalterna.

Inescondível, pois, a excepcionalidade absoluta da aplicação da odiosa restringenda e o fato, óbvio, de que retrata uma agressão do Estado contra o indivíduo, no seu direito de liberdade.

Verdadeiro mal, as prisões provisórias – que são sempre odiosas porque encarceram antes de julgar – só se justificam em circunstâncias violentas, verdadeiramente excepcionais, extraordinárias mesmo, para remediar outro mal, maior ainda.

Ademais, ato discricionário do juiz, hão de concorrer à sua superveniência, de modo insofismável, os pressupostos ou requisitos elencados no texto da lei.

Fora dessa hipótese, é ilegítima a sua decretação.

Sendo, porém, a prisão preventiva uma cautela instrumental, que serve ao processo e não à eventual decisão de fundo, não significando antecipação de pena, não se incompatibilizaria ela, à primeira vista, com o texto constitucional da presunção de inocência, restrita a sua aplicação a casos de absoluta e inexorável necessidade e tendo em vista o utilitarismo do processo. Sublinhe-se aqui, todavia, que o princípio da presunção de inocência atua como sinalizador da extrema e irredutível excepcionalidade da sua utilização, mesmo como garantia do processo.

Sobre a prisão preventiva, bem cabe aqui decisão do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, que a conceituou como:

…decisão acautelatória de aplicação corrente apenas em razão da maior gravidade dos delitos, sendo considerada entre os doutrinadores alienígenas como aspereza iníqua (Lucchini) e mal necessário (Garrot), admitindo quase todos, senão todos, sua decretação quando reclamada por necessidade irresistível ou absoluta conveniência de ordem social (Bozzani e R. Casarat).

Francesco Carrara, figura exponencial da Escola Clássica, reputando a prisão anterior à condenação, iniciativa sempre injusta e por vezes cruel, irreparabile rovina, e, ato de verdadeira tirania somente a admitia quando ogni altro mezzo meno duro sarebbe ineficace al suo fine — (Opuscoli di Diritto Criminale — 1889 — Vol. IV, pág. 59).


Conforti afirmava a ilegitimidade de sua aplicação senza inesorabile necessità, observando Vassali que a restrição da liberdade de um imputado, só porque indiciado seriamente de ter cometido um crime, é absurda quando a sua liberdade não seja de modo algum perigosa, nem para as exigências de segurança, nem pela necessidade do processo (Osservazione Sulla Custo di Preventiva, in Scritti in Onore do V. Manzini –1954 – pág. 500). O citado Lucchini dizia que além da aspereza iníqua configurava extrema forma coercitiva e per cose essecionalissimi (Elementi di Procedura Penale – pág. 282).

E, Beaussire chamava-a de a mais cruel das necessidades judiciárias, não só cruel como fatal. Fatal ao indivíduo, fatal à sociedade, fatal à própria Justiça (Principes de Droit – pág. 139).

Charles Martin, comentando a lei francesa de 7 de fevereiro de 1933, sustentou que a prisão preventiva é não somente grave, mas temível: é grave porque atinge o mais inestimável bem do indivíduo, essa liberdade física de ir e vir, de ausentar-se mesmo do país e que tem stricto sensu o nome de liberdade individual.

É sobretudo temível porque acarreta um mal real, verdadeiro a um homem que não só ainda não foi declarado culpado como que pode estar inocente e a quem ela fere em sua reputação, em seus meios de existência, em sua pessoa, sem que uma reparação ulterior seja possível.

Adolph de Chambrum, fazendo sentir que sendo a presunção de inocência le fondement meme de la libertè humaine, defende os ingleses e norte-americanos por agirem em face dos indiciados acusados com as maiores cautelas possíveis, acrescentando que não se trata de uma simples tendência e mostra-se indulgente.

E assim procedem os anglo-saxões e americanos do norte porque somente a prova irrefutável dos fatos criminosos pode vencer e destruir a presunção de inocência.

E o Código de Processo Penal francês diz, expressamente, em seu artigo 137 que la dètention preventive est une mesure excepcionelle.

Entre nós, felizmente também vai ganhando força e se corporificando esse nobre entendimento.

Quando da realização do 1o Congresso Nacional do Ministério Público, em plena compulsoriedade da medida, já se afirmava que nada de fato abate mais o homem de bem que o encarceramento, ainda que não dure muito, ainda quando a vítima da coação legal seja despronunciada ou absolvida, sairá da prisão diminuída. Aos olhos da família, dos amigos. Daqueles com quem convive. Da sociedade, enfim. Sua alma sofrerá sempre, seu conceito dificilmente se lavará dessa mácula, que lhe será lançada ao rosto, amanhã, deturpada, agravada ou à face de seus descendentes por algum perverso caluniador (Anais – VII – páginas 414/415).

(HC no 86.404-3)

E prossegue aquele luminoso Acórdão:

Por isso também é antiga a lição de Direito de que a prisão preventiva somente pode ser imposta como medida indispensável de coerção processual ou de garantia para a execução da pena. Fora dessas situações, a prisão preventiva é inadmissível (Ilegalidade e Abuso de Poder na Denúncia e da Prisão Preventiva – Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal 13-77).

Afectando a liberdade do acusado antes da decisão final do processo, em que poderá ser declarada a sua inocência, a prisão preventiva constitui, sem sombra de dúvida, recurso marcadamente violento e de extremo rigor, somente justificável quando indeclinavelmente necessário, conforme tem enfatizado o Colendo Supremo Tribunal Federal, taxando-o de medida heróica.

Por isso mesmo, a Egrégia Seção Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, também ao tempo em que compulsória a medida, em processos mais gravemente apenados, observou, em Acórdão transcrito na R.R. 294/60, que “a aplicação do artigo 312 da Lei Adjetiva exige larga circunspecção, a fim de evitar que a prisão preventiva venha a marcar de maneira irremissível a liberdade do homem”. E acentuou ser “atributo de indeclinável consideração, no exame de qualquer acusação, a pessoa do acusado, porque a todo homem cabe pelo seu anterior “status dignitatis” a oportunidade de demonstrar, sem coação legal, as provas da defesa”.

Insiste, pois, a Turma Julgadora em afirmar que a prisão preventiva somente se justifica nos casos absoluta e manifestamente necessários, não a autorizando a existência de outros processos, por igual pendentes de julgamento, a gravidade da incriminação e a possibilidade, mais ou menos remota, de fuga do território da comarca.

Somente in extremis, pois, é que se legitima a aplicação desse mal necessário, mesmo assim quando marcado o seu caráter instrumental de servir à regularidade do processo…

Presumido constitucionalmente inocente o imputado,


Las medidas de coerciòn personal que contra aquél se dicten solo deben tener caracter cautelar y provisional, y estar limitadas a lo estritamente necesario.

(Claria Olmedo – Bases Para Orientar en La Latinoamerica la Unificaciòn Legislativa en Materia Procesal Penal – pág. 45)

Desse sentir, não discrepa VELEZ MARICONDE:

De este principio (presunciòn de inocencia) deriván, también, el fundamiento, la finalidade y la naturaleza de la coerción personal del imputado: se este és inocente hasta que la sentencia firme lo declare culpable, claro esta que su libertad solo puede ser restringida a titulo de cautela, y no de pena antecipada e dicha decisión jurisdicional, siempre y cuando se sospeche o presuma que és culpable para asegurar la efectiva actuación de la ley penal y procesal.

(Derecho Procesal Penal, I, pág. 325)

JÚLIO MAIER é enfático:

Una vez reconocido que el imputado es inocente hasta la sentencia firme de condena que hace nascer el poder sancionatorio penal del Estado, debe reconocerse también que la custodia preventiva y las medidas de coerción ejercidas contra el imputado solo pueden tener como objeto asegurar o hacer posibles los fines del proceso penal – averiguar la verdad y actuar la ley penal – y ser aplicadas en la medida de la más estricta necessidad.

(Cuestiones Fundamentales Sobre La Libertad Del Imputado y Su Situación en el Proceso Penal – pág. 25)

A prisão, antes da sentença condenatória passada em julgado, portanto, qualquer que seja a sua natureza, somente se justifica quando imprescindível para fins instrumentais do processo, mesmo assim somente e enquanto se mostrar necessária e indeclinável.

Na espécie, todavia, não se fazem presentes os requisitos que ditaram sua decretação, que veio assim justificada6:

Há nos autos prova da existência de crime e indícios de autoria, indicando a movimentação internacional de montante expressivo de dinheiro, através de diversos países e instituições financeiras, de acordo com o que, pelo menos até o momento, revelam os documentos acostados aos autos.

Verifica-se, também, que nos diálogos gravados no monitoramento telefônico autorizado por este Juízo houve, inegavelmente, uma série de manobras por parte de Paulo Salim Maluf e Flávio Maluf para interferir na colheita, produção e resultado da prova que buscava se produzir no inquérito policial. Essa interferência está sobejamente demonstrada, revelando, de forma inequívoca, que ambos, se em liberdade, comprometerão a instrução processual podendo, concretamente, tumultuá-la a ponto de torná-la completamente inviável e inútil.

Assim, quer pela absoluta necessidade de preservar-se a higidez da instrução processual, quer pela magnitude da lesão causada, nos exatos termos do artigo 30 da Lei no 7.492/86, reputo indispensável o decreto de prisão preventiva de PAULO SALIM MALUF e FLÁVIO MALUF, com fundamento no art. 312 do Código de Processo Penal. Expeçam-se mandados de prisão.

(cf. documentação inclusa)

Ao que se vê a custódia preventiva do Paciente e de seu genitor – que é medida excepcionalíssima, como aqui já se demonstrou – se justificaria, porque “se em liberdade, comprometerão a instrução processual, podendo, concretamente, tumultuá-la a ponto de torná-la completamente inviável e inútil”.

Este, o “fundamento” da custódia.

Ora, não se sabe – até porque absolutamente vazio o decreto, como já se demonstrou – em quê consubstanciaria esse suposto comprometimento da instrução processual. De fato, não se compreende como a instrução processual possa vir a se tornar “completamente inviável e inútil” com a liberdade do Paciente, mesmo porque as investigações já estão concluídas, as “provas” produzidas, e o Paciente denunciado.

Se o que se está a referir seria a circunstância de o Paciente ter se encontrado no curso da apuração com a pessoa de VIVALDO ALVES, conhecido “doleiro” desta Capital, e ainda assim não se justifica a custódia cautelar eis que, como dito, VIVALDO ALVES é DENUNCIADO nos autos, e não mera testemunha, daí porque não se poderia, sequer em tese, cogitar de periclitação da instrução criminal.

Ora, acusado testemunha não é. Nem aqui, nem em parte alguma. Assim, aliás, já decidiu o Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo: “é inadmissível a inquirição de co-réu como testemunha de outro acusado” (cf. Correição Parcial no 247.297-SP, 2a Câmara, j. 02.03.1999).

Note-se que o tal de Birigui é RÉU CONFESSO, na exata medida em que admite a titularidade de conta corrente e de numerário mantido no exterior sem declaração às autoridades fiscais e monetárias competentes. Aliás, a conta corrente CHANANI de que é titular no Banco Safra de Nova York, ao que consta dos autos, seria uma conta-mãe, que teria mais de quarenta filhos…


E aqui se indaga, por oportuno: por quê razão seus outros filhos estariam relegados à orfandade? Ninguém mais, além do Paciente e Paulo Maluf, é processado? O que justificaria a “escolha” de uma só linha de investigação ou de acusação? Por que essa perseguição encarniçada somente contra as pessoas do Paciente e de seu genitor? A lei não é para todos?

Por outro lado, se o tal encontro teria ocorrido entre Flávio e seu então advogado e o dito Birigui e seu patrono, que anormalidade há no fato em tese de investigados ou acusados em um mesmo feito se reunirem para traçar estratégias comuns à sua defesa nos autos de um inquérito policial ou de uma eventual ação penal? E as inúmeras conversas que a outra parte, a Acusação, o órgão do MPF e o Delegado Federal tiveram com esse Birigui, essas podem? Quem sabe o que nelas se tratou? O direito de defesa virou crime? O contraditório (ciência do ato processual e possibilidade de reação) transmutou-se de direito constitucionalmente assegurado em “vazamento de informações processuais”, irregularidades puníveis? Ter o acusado ciência de atos praticados nos autos ou verificar de que forma serão outros praticados é delito? Só para a Defesa?

Direito constitucional de defesa agora é crime ou causa justificadora de decreto de constrição de liberdade? E a Constituição, às favas?

Em que tempo vivemos?

Será que só se tolera a “defesa autorizada” pelo Estado, como na antiga União Soviética? Ultrapassados os limites do que a acusação entende aceitável como defesa, esta passa a ser reprovada, passível de sanção? Ora, senhores burocratas que nunca lutaram pela liberdade em seu País…

Falso depoimento ou privilege against self incrimination? Dizer só em Juízo o que se pergunta na polícia é alguma infração? Por quê, se se falará em Juízo…

Quer dizer então que é válida a barganha – eticamente espúria e seriamente questionável sob o ponto de vista deontológico e jurídico – de parte da Polícia e do Ministério Público e sequer se admite que co-réus conversem sobre o processo?

No plano conceitual e doutrinário, qual é o limite entre o delito previsto no artigo 344 do Código Penal e a odiosa delação premiada? Que meios suasórios são permitidos e empregados pelas autoridades? A manobra oficial de convencimento é menos grave que uma simples conversa entre denunciados? Qual a axiologia incidente? Tendo em vista os fins colimados o Estado pode ser aético nessa tarefa? A traição delatora é um bem moral a ser acoroçoado na nossa sociedade e para as futuras gerações? Em que campo? A finalidade nobre “flexibiliza” a regra moral da fidelidade em abstrato? São questões que se colocam no tema.

Ignora-se o direito de defesa que, na amplitude constitucional, vai desde o direito ao silêncio até o de apresentar qualquer versão dos fatos? Revogou-se o direito ao silêncio assegurado na Constituição?

A esse propósito, direito ao silêncio seria, agora, ocultação de provas?

Onde estamos? No Terceiro Reich?

Não se há de falar, por todo o exposto, em obstaculização, por qualquer forma, ao bom andamento da instrução criminal.

Mesmo porque, instrução e depoimento, reafirme-se, dizem respeito a testemunhas e não a acusado ou a investigado.

JOSÉ FREDERICO MARQUES, no seu Elementos de Direito Processual Penal, doutrina que:

A fase de instrução, no processo penal condenatório, não tem início com o interrogatório do réu, e sim, com o ato de apresentação de provas por parte do réu (artigos 359 e 399) a que se seguem os de produção desta. Ao depois, vem a fase complementar mencionada no artigo 19 e, por fim, o momento procedimental das alegações finais (artigo 500). Finda-se aí a instrução, a que se sucede a fase decisória.

(ob. cit., Ed. Bookseller, 1997, Vol. II, pág. 251)

Instrução, pois, repita-se ainda uma vez, não diz respeito a interrogatório de acusado ou de co-réus (até porque interrogatório é meio de defesa, não de prova), mas refere-se, conforme se viu, exclusivamente à oitiva das testemunhas e/ou vítimas, no que se refere à produção de prova oral. Claro, por outro lado, que conveniência da instrução criminal diz respeito à produção de prova no processo penal. Nesse sentido a doutrina:

A prisão por conveniência da instrução criminal serve para garantir a prova. São exemplos dessa hipótese a ameaça a testemunhas ou o perigo de que desapareçam importantes elementos de prova.

(ANTONIO SCARANCE FERNANDES, in “Processo Penal Constitucional”, Ed. T. 2a Ed., pág. 290)

Por fim, a custódia pode ser decretada para assegurar a prova processual, obstando-se a ação do criminoso, seja fazendo desaparecer provas do crime, seja apagando vestígios, subornando, aliciando ou ameaçando testemunhas etc.


(MIRABETE, in “Processo Penal”, Ed. Atlas, 4a Ed. Pág. 382)

Conveniência da instrução criminal: trata-se do motivo resultante da garantia da existência do devido processo legal, no seu aspecto procedimental. A conveniência de todo processo é que a instrução criminal seja realizada de maneira lisa, equilibrada e imparcial, na busca da verdade real, interesse maior não somente da acusação, mas sobretudo do réu. Diante disso, abalos provocados pela atuação do acusado, visando à perturbação do desenvolvimento da instrução criminal, que compreende a colheita de provas de um modo geral, é motivo para ensejar a prisão preventiva. Configuram condutas inaceitáveis a ameaça a testemunhas, a investida contra provas buscando desaparecer com evidências, ameaças ao órgão acusatório, à vítima ou ao juiz do feito, a fuga deliberada do local do crime, mudando de residência ou de cidade, para não ser reconhecido, nem fornecer sua qualificação, dentre outras.

(GUILHERME DE SOUZA NUCCI, in “Código de Processo Penal Comentado”, Ed. T. 4a Ed., pág. 584)

Vê-se que a doutrina não faz qualquer referência a diálogo entre acusados, mas tão-somente à testemunha e à prova.

Reafirme-se, por isso, que consubstancia rematado sofisma se falar em periclitação da instrução criminal na espécie, eis que o interrogatório de VIVALDO ALVES não é ato de instrução, mas ato inerente à sua defesa. Ademais, como demonstrado ad satiem, não é ele testemunha nem aqui nem em lugar algum: é acusado, e como tal, tem o direito de manifestar na polícia, em juízo, no Ministério Público, aonde quer que seja, a versão que melhor lhe convier sobre os fatos. Pode inclusive, pasmem os que ignoram as letras jurídicas, até mentir! Não está ordenado ad veritatem quaerendam.

Ressabido é, por isso mesmo, que chamada de co-réu não é prova nem indício idôneo para sustentar decisão que agrave ou ameace agravar o direito de liberdade da pessoa humana.

Em parecer sobre o tema, a doutrina precisa da Profa ADA PELLEGRINI GRINOVER é definitiva quanto à validade de subsídio de tal natureza:

a-) Da Ineficácia Intrínseca. Com excelentes razões, de ordem doutrinária, já demonstrou a defesa, nas alegações finais, que o chamamento de co-réu não pode embasar a condenação nem a pronúncia. Falta à palavra do agente, que incrimina outro, qualquer lastro de credibilidade.

Malatesta e Mitermayer e, mais recentemente, Massimo Nobile na Itália, e Heleno Cláudio Fragoso no Brasil, manifestaram-se no sentido de ser o chamamento de co-réu prova insuficiente para embasar o convencimento do juiz. Mormente quando a incriminação é extrajudicial e vem retratada em juízo, como é o caso sub examine.

A jurisprudência de nossos tribunais também tem fustigado esse tipo de declarações, retirando-lhes eficácia probatória.

Pelas mesmas razões, o ordenamento processual italiano de há muito proscreve como prova o testemunho do co-réu, cominando-o de insanável nulidade (art. 348, § 2o, do CPP anterior).

E hoje, o Código de Processo Penal italiano de 1988, determina, no artigo 197 (incompatibilidade com o ofício de testemunha):

Art. 197, I: non possono essere assunti come testemoni:

a-) i coimputati del medesimo reato o le persone imputati in un procedimento connesso a norma dell’articolo 12 anche se nei loro confronti sia stata pronunciata sentenza di non luogo a procedere, di proscioglimento o di condanna, salvo che la sentenza di proscioglimento sia devenuta irrevogabile.

Mais uma vez, o novo Código de Processo Penal italiano há de ser tomado como modelo, por configurar manifestação explícita dos mesmos princípios que informam o processo penal brasileiro, assim como delineado na Constituição de 1988…

(textual do parecer)

Não pode a palavra de co-imputado, portanto, servir de elemento de convicção incriminatória, máxime quando prestada exclusivamente perante o órgão acusadorque é parte no processo penal – em aberta afronta ao princípio constitucional do contraditório.

Logo, a autoridade estatal não pode dispor do réu como meio de prova, diversamente do que ocorre com as testemunhas; deve respeitar sua liberdade, no sentido de defender-se como entender melhor, falando ou calando-se, e ainda advertindo-o da existência da faculdade de não responder.

O interrogatório passa assim a ser entendido:

Come mezzo di contestazione dell’accusa e come mezzo per esporre le proprie ragioni.

(Chiavario, Processo e Garanzie, vol. II, ed. 1984, pág. 175)

Ademais, grandes são os perigos da indevida incriminação de outra pessoa pelo imputado, pois conforme assevera Magalhães Noronha em seu Curso de Direito Processual Penal:


…pode muito bem acontecer que um acusado, vendo-se perdido diante de provas contra ele colhidas, procure arrastar consigo desafetos ou inimigos seus.

(ob. cit., São Paulo, 1976, pág. 102)

MITTERMAYER, de sua parte, sobre o tema, já advertia que:

O depoimento do cúmplice apresenta também graves dificuldades. Tem-se visto criminosos que, desesperados por conhecerem que não podem escapar à pena, se esforçam em arrastar outros cidadãos para o abismo em que caem; outros denunciam cúmplices, aliás inocentes, só para afastar a suspeita dos que realmente tomaram parte no delito, ou para tornar o processo mais complicado ou mais difícil, ou porque esperam obter tratamento menos rigoroso, comprometendo pessoas colocadas em altas posições.

(Tratado das Provas em Direito Criminal, pág. 295-6)

Daí conclui-se que é ineficaz o chamamento de co-réu, por ser destituído de valor probante e que é inválido o depoimento de co-réu que incrimina o suposto cúmplice.

Por isso que, por mais esta razão, de comprometimento da instrução criminal aqui não se há que falar, sequer em tese.

E, no caso presente, é fácil divisar que VIVALDO ALVES nada mais fez que procurar se esquivar da imputação depois de ver frustrada sua empreitada de tentar vender a acusação que recairia sobre seus ombros por US$ 5.000.000,00 (cinco milhões de dólares americanos), consoante se vê de fls. 556/575 dos autos7

Prestigia-se o principal autor do fato delituoso (movimentação financeira não declarada no exterior) extorsionário comprovado por testemunhas (que não quiseram ouvir, mas que prestarão seus depoimentos oportunamente) numa autêntica inversão de valores…

Outra não é a razão pela qual as conversas telefônicas interceptadas remeteriam a uma virtual delação premiada de que se valeria VIVALDO ALVES em depoimento que prestaria à Autoridade Policial, e que acabou por se concretizando. Como se fosse possível qualquer autoridade, que não o Juiz de Direito, deferir o benefício, reitere-se ainda uma vez.

É razoável que sejam prestigiadas as declarações de um cidadão dessa estatura moral em detrimento da liberdade alheia?

Não se pode ignorar, nem por imodéstia ou por qualquer outra razão menos justificável, que esse repugnante achaque foi denunciado nos autos

Como viu frustrada sua empreitada rapinadora, acabou se valendo da plea bargain o delator, só que em sede equivocada, data venia. Equivocadamente, repita-se, na medida em que só o Juiz quem tem o poder jurisdicional para decidir sobre redução ou não aplicação de pena privativa de liberdade ou sua substituição por restritiva de direitos. Até lá responderá aos termos da ação penal que contra si foi instaurada NA QUALIDADE DE RÉU. E mais, para se valer dos benefícios legais deverá necessariamente ser sentenciado e condenado.

Não se há que falar na espécie, portanto, em conveniência da instrução criminal ou cooptação de testemunha, já que o interrogatório de VIVALDO ALVES, aqui o princeps sceleris, não é ato instrutório, mas meio de defesa, como se demonstrou ad satiem.

Não há, assim, razão técnica que sustente o édito restritivo de liberdade. A menos que exista delação premiada para quem é mera testemunha. Existe?

Por derradeiro, não se reconhece “magnitude da lesão causada” como sendo causa ou requisito determinante de decreto de qualquer custódia cautelar. A não ser que haja novo pressuposto não previsto em lei… Ademais restou comprovada alguma lesão, antes mesmo de iniciada a instrução? Se alguém afirmar que sim, então para que instrução, desnecessária, perante o juiz da causa? Para que processo?

Sublinhe-se, por fim, que sempre esteve o Paciente à inteira disposição das Autoridades Policiais e Judiciárias (tanto que prontamente atendeu ao chamamento para prestar depoimento nos autos e se apresentou, espontaneamente, à Polícia Federal tão-logo tomou conhecimento que sua prisão havia sido decretada), tudo a demonstrar a inteira desnecessidade da constrição, detrimentosa do princípio da presunção da inocência e instrumentalmente prescindível no caso presente.

Acresce, por fim, que Birigui já foi ouvido por três vezes nos autos, e outras tantas no MPF, segundo consta, de modo que não há o que se temer em relação ao interrogatório judicial. Ou há?

À exótica hipótese levantada pelo Ministério Público Federal às fls. 1265 (“aquele que tentou [sic] contra a vida de uma testemunha durante o inquérito não conseguindo consumar o crime por razão alheias [sic] à sua vontade, responderia o [sic] processo em liberdade? Obviamente que a resposta é não”.) responde-se, em primeiro lugar, que nem de longe ela se assemelha aos fatos sob discussão, mesmo porque acusado testemunha não é (repita-se sempre e sempre); depois, porque não há qualquer notícia de atentado à visa ou a incolumidade física de quem quer que seja nos autos.Nunca disso se tratou nos autos de que se fala.


Em casos como o presente nossos Tribunais têm decidido, reiteradamente, que:

Não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o réu, por dispor de privilegiada condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem pública.

(STF – Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC no 80.719/SP)

Para o decreto de custódia preventiva é imprescindível a demonstração da necessidade de garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou, ainda, para assegurar a aplicação da lei penal (art. 312). Trata-se de medida de exceção, desde que foi abolido o seu caráter obrigatório. Outrossim, a deficiência de fundamento não pode ser suprida por motivação, na oportunidade das informações. Provimento do recurso, cassando-se o decreto de custódia preventiva.

(STF – RT 639/381 – grifamos)

EMENTA: HABEAS CORPUS. Superada a alegada coação às testemunhas, na fase policial da apuração do delito, concede-se habeas corpus ao paciente preso preventivamente, uma vez que outro motivo não existe para a sua prisão preventiva.

(STF – HC no 65.527, DJ 23.10.87)

O decreto de prisão preventiva, no caso, apenas reproduziu a incriminação – em tese – como se fosse prisão preventiva compulsória não mais existentes entre nós. Os motivos concretos para a segregação cautelar devem ser sempre explicitados, denotando a ocorrência de fatores extra-típicos ou peculiaridades que justifiquem a medida extrema.

(STJ – Rel. Min. FÉLIX FISCHER – HC no 8.570/SP)

Réu primário, de bons antecedentes, profissão definida e residência fixa, Decreto de prisão preventiva e sentença de pronúncia que não circunstanciaram a necessidade da custódia. Em princípio, pouco importa a forma como foi perpetrado o crime ou a gravidade da pena abstratamente cominada. É imperioso que fique demonstrada a “necessidade” da segregação carcerária ante tempus. Recurso ordinário conhecido e provido.

(STJ, RHC 3.542-0/PE, 6a T., Rel. Min. Adhemar Maciel, j. 9.5.94, v.u., DJ 23.5.94, p. 12.629)

A necessidade da segregação cautelar do acusado só é admitida quando baseada em justificação judicial, devidamente fundamentada, nos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, sob pena de se transformar em letra morta o direito individual, constitucionalmente assegurado a todos, da liberdade de ir, vir e ficar.

(STJ – RT 750/572 – Rel. Min. FLÁQUER SCARTEZZINI)

A prisão preventiva, medida extrema que implica sacrifício à liberdade individual, concebida com cautela à luz do princípio constitucional da inocência presumida, deve fundar-se em razões objetivas, demonstrativas da existência de motivos concretos susceptíveis de autorizar sua imposição.

(STJ – Rel. Min. VICENTE LEAL, HC no 8.486)

A mera alusão genérica à gravidade do delito e a presunção de abalo à ordem pública ou às investigações criminais, sem qualquer base fática, não são suficientes para a manutenção da custódia.

Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional.

(STJ – Rel. Min. GILSON DIPP – HC no 20.849/SP)

PRISÃO PREVENTIVA – Constrangimento ilegal – Caracterização – Ausência de demonstração da necessidade da custódia – Acusado, ademais, possuidor de residência fixa, empresa própria e primário – Interpretação do art. 5o, LVII, da CF e arts. 311 e 312 do CPP.

Quando não resta demonstrada a necessidade do encarceramento do paciente, seja para garantir a ordem pública, seja para assegurar a aplicação da lei penal ou por conveniência da instrução criminal, a prisão preventiva demonstra-se desnecessária e caracterizadora de constrangimento ilegal, principalmente se o acusado tem residência fixa, empresa própria e é primário, conforme se depreende do art. 5o, LVII, da CF e arts. 311 e 312 do CPP.

(RT – 765/701)

Dentro da moderna política criminal, a prisão preventiva é medida de caráter extremo, que visa a garantir a ordem pública e à aplicação da justiça, devendo sua decretação revestir-se de máxima cautela.

(RT – 585/381)

A prisão de alguém sem sentença condenatória trânsita em julgado é uma violência, que somente situações especialíssimas devem ensejar. “Ao juiz não é dado julgar utilizando-se de fatos que conhece em razão de sua ciência privada. O juiz não tem compromisso imediato com a segurança pública nem com a ordem constituída. Sua preocupação imediata, no campo criminal, é com o estado de inocência do réu e com o decorrer de uma ordem justa. E sem o respeito à pessoa humana não haverá justiça, e, portanto, tanto a “segurança” como a “ordem” serão meras caricaturas, impostas por um Estado autoritário, onde o Judiciário, como Poder, não tem razão de ser.


(Bol. AASP no 1336, pág. 180)

Para a decretação da prisão preventiva não basta a simples suposição, o temor sem base na prova, de que o acusado pretenda perturbar a instrução criminal ou subtrair-se à aplicação da pena. Imprescindível é que as circunstâncias revelem a procedência do juízo formulado pelo magistrado que decreta a prisão.

(RT 564/299)

Abolida a prisão preventiva obrigatória, atualmente toda e qualquer prisão cautelar somente é autorizada quando se evidencia como de absoluta necessidade.

(RT 513/394)

O magistrado paulista Dirceu Aguiar Dias Cintra Júnior, abordando o tema em questão, deixou patenteado que:

Não bastasse isso, é forçoso concluir que a prisão preventiva – e a sustentação da prisão em flagrante pelos mesmos critérios –, só possível nos estritos termos do art. 312 do CPP, constitui a única forma pela qual se poderá decretar a prisão processual de alguém em nosso ordenamento jurídico. Tanto que, em contrapartida, se não presentes aqueles requisitos, tem o indivíduo direito à liberdade provisória conforme se deflui da interpretação do art. 310, parágrafo único, do referido estatuto, lido com a Constituição da República aberto em seu art. 5o, LXVI: “Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

Verdade é que, na prática, os juízes que decretam prisões cautelares, diante da evidente falta de elementos objetivos de fundamentação, só podem se guiar por critérios de “sensibilidade”, que introduzem na atividade jurisdicional, perigosamente, dados de subjetividade e valores pessoais, de modo incompatível com o Estado Democrático de Direito e ofensivo à Constituição da República.

(Prisões Cautelares – O Uso e o Abuso – artigo publicado na RT 703/260)

O que se dessume de todo o exposto, é que não se justifica a prisão preventiva do Paciente, sob qualquer hipótese, sendo ela manifestamente ilegal.

O Paciente é empresário e presidente de uma sociedade que emprega cerca de 3.000 brasileiros, primário, possuidor de domicílio fixo, pai de três filhos, tudo a demonstrar que sua liberdade em nada perturbaria o bom andamento da ação penal.

Que a ele se permita responder aos termos do processo em liberdade é, pois, o quanto se deixa requerido, permanecendo à inteira disposição do Juízo para o que necessário for, como, aliás, sempre esteve (desde a entrega espontânea de seu passaporte àquela douta Vara Federal). É o que se postula em nome da Constituição, da lei e da justiça!

IV – DA MEDIDA LIMINAR

Vê-se o Paciente encarcerado, providência que configura violência inominável contra o seu status libertatis, haja vista a absoluta falta de justa causa para a mantença da custodia ad carcem, que, aliás, decorre de decisão manifestamente nula, dada a absoluta falta de fundamentação. Inegável, pois, o constrangimento que se lhe impõe, além de ilegal e de todo desnecessário, como se demonstrou. Periclitam suas empresas, seu negócios e os postos de trabalho de milhares de brasileiros.

Presentes, pois, o eventus damni e o periculum in mora que autorizam a concessão de MEDIDA LIMINAR, postula-se aqui dita provisão jurisdicional de urgência para se determinar a imediata libertação do Paciente, permanecendo ele livre até o julgamento final desta ordem de habeas corpus, tudo para que se afaste providência demeritória e de constrangimento que, no julgamento do mérito, será conjurada pela concessão definitiva do presente writ.

É o que, respeitosamente, se deixa requerido.

V – DA CONCLUSÃO E DO PEDIDO

Em face de todo o acima exposto e com fundamento no artigo 5o, inciso LXVIII, da Carta Política, artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, artigos 178 e seguintes do Regimento Interno dessa Colenda Corte de Justiça, além dos demais dispositivos legais que regem a espécie, impetra-se, em favor de FLÁVIO MALUF, qualificado no preâmbulo, a presente ordem de habeas corpus, que se requer seja concedida para o fim de se lhe deferir o direito de responder aos termos da ação penal que contra si foi inaugurada.

É o que, com o devido respeito, se deixa requerido.

Nestes termos,

P.P.Deferimento.

São Paulo, 12 de setembro, 2005.

José Roberto Batochio, advogado.

OAB/SP nº 20.685

Guilherme Octávio Batochio, advogado.

OAB/SP nº 123.000

Notas de rodapé

(1) Tanto assim que integra o Capítulo I do Título XI do Código Penal que define os “Crimes Praticados por Funcionário Público Contra a Administração em Geral”.

(2) Sigilo este que perdura até esta parte, na exata medida em que a defesa constituída do Paciente não logrou ter acesso à integralidade dos autos, especialmente aos áudios e às degravações, nada obstante tenha peticionado ao Juízo deles requerendo vista.

(3) E daí? Exercício do direito de defesa na amplitude constitucional agora é causa ou pressuposto de prisão cautelar? Desde quando?

(4) E enquanto provas ilícitas devem ser banidas do processo, não se prestando ao que quer que seja.

(5) E nem isso se verifica no caso presente.

(6) A defesa teve acesso ao decreto tão-somente no meio da tarde de ontem (a prisão foi decretada na última sexta-feira), permanecendo secretos — até para a defesa constituída — os apensos que os compõem, notadamente aqueles em constam as interceptações telefônicas.

(7) Foi levado a erro, todavia, eis que acabou por ser denunciado e somente ao juiz é dado decidir sobre eventuais benefícios legais, que podem ser deferidos ou não, depois de proferida sentença condenatória.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!