Alvorada voraz

Juiz nega ação de Maluf contra letra de música que o critica

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12 de setembro de 2005, 14h54

Em setembro, ao completar 74 anos, o engenheiro Paulo Salim Maluf mergulhou no seu inferno astral. A balança da Justiça teima em não pender mais para o seu lado. Sete dias depois de comemorar seu aniversário, o ex-prefeito paulistano se entregou à Polícia Federal. A juíza Silvia Maria Rocha, da 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo, decretou a prisão preventiva de Maluf por coação de testemunhas.

No começo deste mês, a 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo rejeitou o recurso da ação em que Maluf reclamava indenização, por danos morais, em razão de uma crítica feita em editorial do Estadão, publicado em 21 de julho de 1999.

A mais recente derrota do ex-prefeito aconteceu também na semana passada. Maluf perdeu a ação de indenização por danos morais que move contra os integrantes da extinta banda RPM – Paulo Ricardo Oliveira Nery de Medeiros, Luiz Antonio Chiavon Pereira e Paul Antonio Figueiredo Pagni. Cabe recurso.

O juiz Nilson Wilfred Ivanhoé Pinheiro, da 37ª Vara Cível de São Paulo, julgou improcedente a ação movida por Maluf por causa da música Alvorada Voraz, cuja letra foi alterada em relação à gravação original, feita na década de 80. Maluf se insurge contra o seguinte trecho da música: “O caso Sudam, Maluf, Lalau, Barbalho, Sarney e quem paga o jornal é a propaganda, pois nesse país é o dinheiro quem manda e juram que não corrompem ninguém agem assim pro seu próprio bem são tão legais foras-da-lei pensam que sabem de tudo o que eu não sei, eu sei” (Leia a letra completa da música abaixo).

Maluf alegou que a música o difama expressamente, acusando-o de forma absurda de ter praticado condutas desabonadoras, criminosas e ilegais. Segundo ele, os réus afirmam que “ele é criminoso, corrupto e fora da lei”. O ex-prefeito alega que a conduta dos músicos causou dano à honra e à imagem e pediu, ainda, que a música fosse suspensa da programação de rádio e de televisão.

Os músicos argumentaram que a crítica contida na música seria dirigida à mídia e suas fontes de receita. Afirmaram que Maluf é investigado há mais de três anos pelo envio de milhões de dólares ao exterior e que é alvo de ações judiciais por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e peculato.

Para o do juiz, o trecho em questão faz uma crítica à mídia em geral, sendo nada mais que a opinião dos réus sobre a conduta dos meios de comunicação. O juiz entendeu, ainda, que Paulo Maluf é citado na letra junto com outros agentes públicos para ilustrar as noticiais dos jornais.

“Não se vislumbra no texto em referência, portanto, a intenção dos réus de ofender deliberadamente a honra do autor, ou mesmo de difama-lo, acusando-o de praticar condutas desabonadoras, criminosas e ilegais. Ao contrário, o texto evidencia a crítica dos réus ao poder econômico da mídia”, afirmou o juiz.

Leia a íntegra da sentença

VISTOS

PAULO SALIM MALUF, qualificado nos autos, propõe ação de indenização pelo rito ordinário, em face de PAULO RICARDO OLIVEIRA NERY DE MEDEIROS, LUIZ ANTONIO SCHIAVON PEREIRA e PAUL ANTÔNIO FIGUEIREDO PAGNI, também qualificados, alegando, em síntese, que os réus, fazem parte do conhecido conjunto musical denominado RPM que gravou o cd ao vivo MTV RPM 2002 e que, dentre as músicas do referido cd, os réus gravaram a canção intitulada Alvorada Voraz, de autoria dos demandados, cuja letra, que alega ter sido alterada em relação à gravação original, realizada na década de 1980, segundo diz, difama expressamente o autor, ao acusá-lo, de forma absurda, de ter praticado condutas desabonadoras, criminosas e ilegais, afirmando os réus que ele é criminoso, corrupto e fora da lei.

Alega que a conduta dos réus causou-lhe dano à honra e à imagem, passível de indenização, citando doutrina e jurisprudência a respeito da matéria. Requer, pois, a procedência da ação, para que os réus, sejam condenados a pagarem-lhe indenização pelo dano moral alegado, em quantia a ser arbitrada pelo juízo e a arcarem com as verbas da sucumbência. Postula, ainda, a suspensão da veiculação da referida canção nas estações de rádio e de televisão. Protesta por provas e atribui à causa o valor de R$ 10.000,00 (fls. 2/13).

Acompanham a inicial os documentos de fls. 14 a 19. A fls. 19/20, o autor aditou a petição inicial, para constar que a quantia a ser paga pelos réus a título de indenização dos danos morais seja encaminhada aos fundos da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Recebida a emenda (fls.21), os réus não foram localizados para a citação pessoal (fls.59,61), tendo sido citados por edital (fls.101/102), tendo os réus Paulo Ricardo e Paulo Antônio oferecido contestação conjunta, alegando, em síntese, a ausência de ofensa à honra pessoal do autor na letra da canção indicada na inicial, sob o argumento de que a crítica contida na referida letra é dirigida à mídia e suas fontes de receita.


Aduziram que o autor é investigado há mais de três anos pelo alegado envio de milhões de dólares ao exterior, está sendo alvo de duas ações da esfera judicial, uma cível e outra criminal por lavagem de dinheiro, formação de quadrilha e peculato, tendo sido recentemente indiciado pela prática dos crimes de sonegação fiscal e evasão de divisas, além dos anteriormente mencionados, o que foi amplamente noticiado pelos meios de comunicação. Negaram a ocorrência do dano moral alegado pelo demandante e concluíram pugnando pela improcedência da ação (fls.103/124). Juntaram documentos (fls.125/140).

O co-réu Luiz Antônio em sua contestação, após discorrer sobre o panorama político social ao tempo do lançamento do cd indicado na inicial, alegou, em síntese, que a referência ao autor na canção em questão nada inventou ou produziu mas apenas retirou o envolvimento do autor em um sem número e acusações, inclusive formais, de todos os mais importantes e conceituados órgãos da mídia do País e que uma das características mais marcantes do estilo musical rock n´roll, desde a sua invenção, é justamente o tom de crítica social e política. Citou doutrina e jurisprudência a respeito da matéria e concluiu pugnando pela improcedência da ação (fls.142/163).

Deu-se réplica, na qual o autor reiterou os dizeres inaugurais (fls. 168/176). Instadas as partes a especificarem provas (fls.177), o autor requereu o julgamento antecipado da lide (fls.178/179), ao passo que os réus requereram a produção de prova oral (fls.180/181 e 182).

Na fase do artigo 331, caput, do Código de Processo Civil, restou prejudicada a tentativa de conciliação das partes, em face do desinteresse manifestado pelas partes em relação àquela providência.

É o relatório.

DECIDO.

Sendo a questão de mérito exclusivamente de direito, impõe-se o julgamento antecipado da lide, nos termos do artigo 330, I, do Código de Processo Civil. O caso versado nos autos evidencia o conflito de direitos e garantias constitucionais, a saber, o direito à livre manifestação do pensamento (CF, inciso IV, artigo 5º) e a inviolabilidade da honra e imagem das pessoas (inciso X). Todavia, tal conflito é apenas aparente.

De fato, o artigo 220, parágrafo 1º, da Constituição Federal, assegura a plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, assegurada a inviolabilidade da honra e imagem das pessoas. Desta forma, admite-se a livre manifestação de pensamento, sem censura, desde que não fira direitos e garantias individuais dos cidadãos. Assim, infere-se a necessidade da análise do exercício da manifestação de pensamento pelos réus, na canção indicada na inicial, averiguando-se a sua abusividade ou não.

O autor insurge-se contra o trecho da letra da canção intitulada Alvorada Voraz, gravada em cd pelos réus, do seguinte teor: O caso SUDAM, Maluf, Lalau, Barbalho, Sarney e quem paga o jornal é a propaganda, pois nesse País é o dinheiro quem manda e juram que não corrompem ninguém agem assim pro seu próprio bem são tão legais foras-da-lei pensam que sabem de tudo o que eu não sei, eu sei. O trecho da canção em referência, faz uma crítica à mídia em geral, representando a opinião dos réus acerca da conduta dos meios e comunicação.

O autor é citado na letra da canção juntamente com outros homens públicos, de modo a ilustrar as notícias veiculadas pelos jornais, aos quais é dirigida a crítica contida no texto. Não se vislumbra no texto em referência, portanto, a intenção dos réus de ofender deliberadamente a honra do autor, ou mesmo de difamá-lo, acusando-o de praticar condutas desabonadoras, criminosas e ilegais. Ao contrário, o texto evidencia a crítica dos réus ao poder econômico da mídia. Ademais, sendo o autor conhecido político, tendo exercido diversos cargos públicos eletivos, nos Poderes Executivo e Legislativo, está naturalmente sujeito à exposição de sua imagem e também sujeito à avaliação crítica constante de sua conduta, pelos eleitores e pelo público em geral.

Na obra Leis Especiais – Aspectos Penais, Livraria e Editora Universitária de Direito Ltda., São Paulo, 1988, p. 109, o magistrado e professor PAULO LÚCIO NOGUEIRA, tece os seguintes comentários quando analisa o instituto da responsabilidade civil na Lei de Imprensa: Todo ser tem um valor moral próprio, que se adquire na convivência social, daí derivando a boa fama e sua reputação na sociedade em que vive, perante seus concidadãos. Este conceito passa a integrar o seu patrimônio moral. Este tem direito de preservar sua honra e privacidade dos comentários, que possam atingi-la resguardando sua imagem. Já o mesmo não ocorre com o homem público, em geral, que, embora conservando o direito à própria imagem, já se expõe a críticas e até mesmo comentários ofensivos, justamente porque seus atos passaram para o domínio público. Está freqüentemente sujeito à críticas, que podem ser até contundentes, mas que não devem ser pessoalmente ofensivas. A nossa lei permite a liberdade de crítica literária, artística, científica ou, principalmente, política, desde que se restrinjam aos fatos comentados, sem a intenção de difamar ou injuriar a pessoa. E nem sempre é possível separar o homem, como pessoa moral dos acontecimentos em que se viu envolvido e que são objeto da crítica que é feita.


No caso dos autos, a documental produzida revela que não houve a intenção dos réus de difamarem ou por qualquer forma ofender a honra do autor na canção indicada na inicial, prevalecendo o animus criticandi em relação ao poder econômico da mídia e não o animus laedendi alegado pelo autor, razão pela qual impõe-se a decretação da improcedência da ação.

Em se tratando de pedido formulado a título de indenização, a responsabilidade civil há de se examinar nos limites expressos do artigo 186 do Código Civil, o que significa dizer, o dever indenizatório deve decorrer de ato ilícito praticado pelo agente que, por negligência ou imprudência, tenha com sua ação ou omissão voluntária, causado prejuízo a outrem. O autor, portanto, deve provar a conduta ilícita que atribui ao agente e os danos que alega decorrerem daquela conduta. Se o autor não se desincumbe desse ônus probatório, a ação indenizatória não deve prosperar.

Indenizar significa reparar, restabelecer, nunca enriquecer e nem provocar de forma injustificada a redução patrimonial de quem é condenado e enriquecimento injustificado para quem se vê indenizado. Indenizar significa restituir uma situação jurídica determinada que por obra da culpa do agente, causou dano àquele que postula a indenização referida. Sem prova disso, dano não houve e indenização não se deve fixar. No caso em tela, inexistente a conduta ilícita que deu origem aos danos morais alegados pelo autor, impõe-se a decretação da improcedência da ação.

Isto posto, e por tudo mais que consta dos autos, JULGO IMPROCEDENTE a presente ação de indenização, pelo rito ordinário, proposta por PAULO SALIM MALUF em face de PAULO RICARDO OLIVEIRA NERY DE MEDEIROS, LUIZ ANTONIO SCHIAVON PEREIRA e PAUL ANTÔNIO FIGUEIREDO PAGNI.

Em face do princípio da sucumbência, condeno o autor a ressarcir os réus pelas custas processuais despendidas, corrigidas a partir das datas dos respectivos desembolsos e a pagar os honorários dos Drs. Advogados dos demandados, que arbitro, por equidade, em R$ 1.500,00, corrigidos a partir desta data, fazendo-o com fundamento no artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil.

P. R. I.

São Paulo, 29 de agosto de 2.005.

Nilson Wilfred Ivanhoé Pinheiro

JUIZ DE DIREITO

Leia a letra da música contestada por Maluf

Na virada do século,

alvorada voraz,

Nos aguardam exércitos,

que nos guardam da paz.

Que paz!

A face do mal,

um grito de horror,

um fato normal,

um êxtase de dor e

Medo de tudo, medo do nada,

medo da vida, assim engatilhada

Fardas e forças, forjam as armações

Farsas e jogos, armas de fogo,

um corte exposto,

Em seu rosto amor, e eu,

Nesse mundo assim,

vendo esse filme passar,

Assistindo ao fim,

vendo esse filme passar

Apolípticamente,

como um clip de ação,

Um clic seco, um revólver,

aponta em meu coração

O caso Sudam, Maluf, Lalau,

Barbalho, Sarney, e quem paga o jornal?

É a propaganda, pois nesse país

é o dinheiro que manda

Juram que não corrompem ninguém,

agem assim, pro seu próprio bem,

São tão legais, foras da lei, e sabem de tudo,

O que eu não sei, eu sei.

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