Sustento privado

Juiz tira dinheiro do bolso para fazer Justiça funcionar

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11 de setembro de 2005, 12h00

O estado de São Paulo, o mais rico e populoso do Brasil, também tem primeiro lugar na fila da Justiça mais demandada e mais lenta do país. Por falta de equipamentos, a Justiça paulista muitas vezes só caminha de muletas, carregada pelos próprios funcionários.

Materiais de uso diário e essenciais para a execução do trabalho são corriqueiramente abastecidos e implantados nos fóruns do estado às custas de recursos que saem do bolso de juízes e funcionários. Caneta, papel, cartucho de impressora, computador, mesa, cadeira e persiana de uso das repartições públicas viraram despesas pessoais dos trabalhadores do Judiciário.

Em conversa com juízes paulistas é possível saber as agruras de trabalhar sem instrumentos mínimos e as iniciativas próprias para solucionar ou amenizar as dificuldades.

“Faz anos que compro cartuchos para as impressoras dentre outros gastos relacionados diretamente ao nosso serviço no fórum. Em 98 comprei dois computadores e duas impressoras para que fossem usados pelo cartório e na sala de audiência”, afirma um juiz.

Uma juíza da periferia de São Paulo, conta um colega, chegou a reformar a copa do fórum, comprou móveis e equipou sua sala de audiências. Montou, ainda, uma “brinquedoteca” para as crianças aguardarem as audiências, com televisão, brinquedos educativos e uma pessoa para monitorar as crianças. Tudo pago pela juíza.

Um juiz lembra: “Tenho um colega que fez do bolso uma reforma no fórum que jamais vi igual. Entre outras coisas, pintou o prédio. Detalhe, ele permaneceu um tempo incrivelmente curto por lá”.

Outra juíza também conta que compra canetas “porque o TJ manda pouco dinheiro e as canetas geralmente são as piores. Além disso, já perdi a conta de quanto dinheiro gastei com bancadas, computadores, memórias, placas, furadores e até ventiladores”.

Alguns juízes afirmam que nos últimos dois anos houve melhoras, mas o quadro de carências e abandono permanece em alguns lugares. “Quando cheguei, minha sala e gabinete estavam absolutamente vazios. Todos os equipamentos de informática da sala de audiências e gabinete eram de minha propriedade. Algumas mesas e cadeiras além de ar-condicionado, telefones, estantes para livros, persianas, grampeador, sofá, também foram comprados por mim ou doados pelo meu pai. Tudo para tentar melhorar o serviço”, diz.

Um pouco mais, um pouco menos, todos os juízes e funcionários já fizeram pelo TJ nesse sentido. “Pergunto: é certo? É lógico que não. Quem quiser o supérfluo, que pague por ele. Mas não peço nada de supérfluo. Só quero materiais de trabalho que funcionem para os fins a que se destinam. No caso, cartuchos de tinta preta que façam a impressora imprimir razoavelmente. Acho muito chato informar um Habeas Corpus num ofício borrado, dá ar de desleixo”, afirma outro juiz.

Reivindicações unidas

Não são só os juízes e funcionários dos fóruns paulistas que sofrem com a falta de recursos. Advogados também têm as suas reclamações e as classes se unem para reivindicar no Tribunal de Justiça de São Paulo melhores condições de trabalho.

O presidente da Aasp — Associação dos Advogados de São Paulo, José Diogo Bastos Neto, conta que alguns juízes procuram a associação como uma frente de intermediação para pressionar o tribunal a proporcionar mais equipamentos e estrutura. “Tem uma juíza, de uma Vara da Fazenda Pública, que tem de trancar os processos com cadeado para não serem roubados. Ela já chegou a mandar diversos ofícios para o Tribunal de Justiça pedindo mais segurança no local”.

As entidades representantes da advocacia paulista, OAB, Aasp e Iasp — Instituto dos Advogados de São Paulo acabam tendo de tapar o buraco das deficiências do Poder Público. A Aasp montou em parceria com a OAB a sala do advogado em quase todos os fóruns da cidade. Os espaços estão equipados com máquinas de xerox, computador, telefone e fax. Bastos Neto afirma que a intenção é aprimorar o serviço, colocando a disposição dos advogados máquinas de café e salgadinhos, entre outras coisas.

Falta espaço nos fóruns até para acomodar as imensas filas de espera nos cartórios, como afirma o presidente da Aasp. “A situação é difícil para o advogado e para o cidadão. O serviço precisa ser muito melhorado e um dos segredos para isso seria a plena informatização da Justiça paulista”, afirma Bastos Neto.

A vice-presidente da OAB, Márcia Melaré, conta que a OAB tem duas grandes reivindicações oficiadas no TJ paulista. Uma delas é a questão do horário de atendimento nos fóruns. A classe quer ter acesso ao local a partir das 10h da manhã e não somente às 11h como acontece hoje.

Outro pedido é a suspensão de prazos das publicações e audiências no período de 17 de dezembro de 2005 a 6 de janeiro de 2006, para que os advogados também tenham o seu tempo de descanso. “É fato público e notório que o Poder Judiciário carece de uma estruturação física e de pessoal. E a lentidão da Justiça paulista pode ser, em grande parte, atribuída a isso”, afirma Márcia.

A vice-presidente da OAB lembra que alguns fóruns da cidade, como o de Pinheiros e de Santo Amaro, precisariam ser triplicados para dar vazão à demanda. Os cartórios não comportam mais o volume de processos e nem de pessoas.

Procurado pela revista Consultor Jurídico, o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Luiz Elias Tâmbara, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que não dá entrevista por telefone e só poderia atender à reportagem na próxima semana.

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