Dia a menos

Em Salvador, só um terço dos juízes vão ao fórum às sextas

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8 de setembro de 2005, 15h27

Apenas um terço dos juízes de Salvador, na Bahia, vão ao fórum às sextas-feiras. A constatação é do jornal baiano A Tarde em pesquisa feita durante cinco sextas no fórum Ruy Barbosa, em Salvador. A reportagem do jornal apurou que apenas um terço dos juízes do local são encontrados no seu local de trabalho nas tardes de sexta-feira, o que é visto como prática “comum” por servidores e usuários do sistema judiciário.

Em reportagem publicada no domingo (4/9) o jornal revela que os juízes utilizam argumentos diversos para não atenderem ao público na sexta-feira à tarde. O principal motivo, segundo eles, é a necessidade de se isolarem para emitir pareceres e despachar os processos.

“Eu não marco audiência dia de sexta, pois é o dia que o cartório atualiza todo o serviço da semana. Minhas deliberações são resolvidas na sexta. O fato de o juiz não atender não quer dizer que ele não esteja presente”, afirmou Marcelo Figueiredo, titular da 25ª Vara Cível, ao jornal.

Alguns juízes apresentaram motivos particulares para justificar ausência na sexta-feira, como foi o caso de Aidê Ouais, da 8ª Vara da Fazenda Pública, que faz curso de pós-graduação. “Mas o curso é aqui bem perto. Qualquer urgência posso vir para cá”, disse.

Leia a reportagem publicada no A Tarde

Em Salvador, as varas judiciais, das áreas de família, fazenda e cível funcionam, formalmente, todos os dias úteis da semana, das 8h30 às 11h30 e das 13h às 18h, mas a grande dificuldade é encontrar juízes trabalhando no Fórum Ruy Barbosa, naqueles horários durante as sextas-feiras. A realidade é que apenas um terço, às vezes até menos que isto, dos juízes responsáveis por aquelas unidades são encontrados no seu local de trabalho nas tardes de sexta-feira.

O fato é visto como prática “comum” por servidores e usuários do sistema judiciário, que fizeram declarações à reportagem de A Tarde durante pesquisa realizada no prédio principal em cinco dias, quando foram percorridas 28 varas sediadas no local, nos andares 1, 2, 3 e 4. Constatar que os magistrados não são encontrados nem atendem naquele dia da semana, especialmente à tarde, mostra apenas a ponta dos problemas enfrentados hoje pelo Judiciário, que poderia estar mais acessível à população. Advogados e entidades como a OAB — Ordem dos Advogados do Brasil e AMAB — Associação dos Magistrados da Bahia consideram esta situação preocupante.

Já os juízes utilizam argumentos diversos para não atenderem ao público na sexta-feira à tarde. O principal motivo, segundo eles, é a necessidade de se isolarem para emitir pareceres e despachar os processos.

Sobrecarga

Dos cinco dias pesquisados, quatro foram sextas-feiras. No primeiro deles, uma quarta, 20 de abril, foi difícil obter informações que pudessem ser contabilizadas. Funcionários que atendiam nos balcões dos cartórios pareciam não dar conta da demanda dos pedidos e mostravam-se sobrecarregados, e até, de má vontade. Por isto, nem todos responderam às perguntas ou deram atenção ao que estava sendo questionado.

Havia filas nos corredores e balcões dos cartórios. Nas varas de Família, situadas em sua maioria nos 3º e 4º andares, muitos usuários reclamaram da morosidade e deficiência no atendimento. “Há vinte anos que espero por este documento. Ele está aí, mas ela não acha”, protestou uma senhora que aguardava resposta na 8ª Vara de Família e que não quis se identificar.

Na sexta-feira, dia 6 de maio, por exemplo, apenas três juízes foram encontrados atendendo no turno vespertino. Para vários funcionários entrevistados, a resposta para o problema é simples: “Juiz não trabalha dia de sexta”. Na sexta-feira, dia 5 de agosto, este número caiu: apenas dois magistrados estavam na casa.

A quantidade máxima de magistrados encontrada, no dia 10 de junho, foi de oito, o que não corresponde nem a 34% do corpo funcional da categoria em atividade no local, visto que trabalham 24 juízes no prédio.

Além disto, em muitas varas, principalmente nas sediadas no 3º andar, onde há maior concentração das de família, há dias marcados para atender às “partes”, ou seja, pessoas que não têm dinheiro para bancar um advogado que dê acompanhamento a seu processo ou querem tratar do assunto pessoalmente só são atendidas nos dias determinados.

Cartazes afixados nas portas das 1ª, 4ª e 5ª Varas de Família, por exemplo, mostravam que cidadãos baianos podem ficar frustrados e não terem as solicitações atendidas, se não forem advogados e não procurarem os serviços judiciários nos períodos estabelecidos pelos próprios juízes.

Na 5ª Vara, por exemplo, o cartaz determina que partes só são atendidas às sextas-feiras, das 8h30 às 11h30, e das 13h às 18h. Mas, no dia 6 de maio, a juíza titular não estava no local. O fato repetiu-se nos outros dias em que foi feita a pesquisa. Ou seja, caso “as partes” tivessem alguma urgência em falar com o magistrado, não teriam sucesso.

Através de ofício enviado à Associação dos Magistrados da Bahia, todos os 24 juízes em atuação no Fórum Ruy Barbosa foram informados da reportagem, mas apenas 11 falaram sobre o assunto. A maioria deles argumenta que na sexta-feira, dia de menor movimento, é o período que elabora sentenças mais complexas e prefere, por conta disso, se trancar no gabinete ou trabalhar em casa.

“Eu não marco audiência dia de sexta, pois é o dia que o cartório atualiza todo o serviço da semana. Minhas deliberações são resolvidas na sexta. O fato de o juiz não atender não quer dizer que ele não esteja presente”, justificou Marcelo Figueiredo, titular da 25ª Vara Cível.

Alguns juízes apresentaram motivos particulares para justificar ausência na sexta-feira, como foi o caso de Aidê Ouais, da 8ª Vara da Fazenda Pública, que faz curso de pós-graduação. “Mas o curso é aqui bem perto. Qualquer urgência posso vir para cá”.

“Isto não pode ser tomado como regra para o atraso que temos hoje no sistema Judiciário. É desviar do foco principal, que está na ausência de verba”, opinou Maria de Lourdes Medauar, titular da 7ª Vara de Família, que ressaltou a necessidade de o juiz estar de portas fechadas para conseguir “responder ao ofício”.

O juiz Jorge Barreto, da 3ª Vara de Família, inclusive, admitiu que não gosta muito de atender partes e advogados na sexta-feira. “Não por não querer fazer, mas para não perder o fio do raciocínio”, resumiu, dizendo que opta por trabalhar em casa em caso excepcional. “Para não dizer que isto trata de uma inverdade, basta que se observe a produtividade dos juízes no que diz respeito às sentenças referidas nas sextas-feiras”.

Corregedoria fará diligência

A corregedora-geral de Justiça, Lucy Moreira, disse que vai fazer uma diligência no Fórum Ruy Barbosa para verificar a denúncia de que os juízes não estão atendendo ou não estariam trabalhando às sextas-feiras. Ela explicou que o magistrado é obrigado a despachar o expediente previsto para o dia, mas que não é necessário estar os dois turnos no local.

“Ele não pode faltar ao trabalho. Não tem respaldo legal”, disse, revelando que pretende convocar alguns juízes corregedores para fazer a diligência e verificar se os magistrados estão dando conta do expediente de trabalho neste dia. Moreira disse que será uma visita-surpresa, que não quer divulgar quando ocorrerá.

A corregedora-geral afirmou que é previsto na lei, por conta da demanda de trabalho, que o juiz fique recluso em seu gabinete ou trabalhe em casa. E acrescentou que não está em situação ilegal quem prefere determinar dias para atendimento de “partes”, mas que, se aparecer alguma pessoa em dias que não são os determinados, o magistrado é obrigado a atendê-la, assim como os funcionários dos cartórios.

O presidente do Tribunal de Justiça, Gilberto Caribé, foi procurado para falar sobre o assunto, mas encaminhou um dos seus assessores especiais, Josefson Silva Oliveira, para atender a equipe de reportagem. Oliveira disse que não competia a ele colocar-se sobre a informação, visto que não é de sua competência e sim, da Corregedoria.

O assessor apenas contou que, na Ouvidoria do TJ, que coordena, não há queixas ou denúncias do tipo. Segundo ele, mais de 80% das queixas registradas na Ouvidoria referem-se à morosidade de processos. De novembro de 2004 a abril deste ano, por exemplo, das 988 queixas registradas, 954 refere-se a problemas com o andamento do processo.

OAB critica excesso de burocracia

“É a pior prestação jurisdicional de todos os Estados brasileiros”, acusou Dinailton Oliveira, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil seção Bahia, que avalia ser este procedimento uma forma “burocrática” que poderia ser eliminada. Mas ele acredita que isto é um reflexo do descaso com que vem sendo tratado o poder judiciário baiano.

“Os juízes são pessoas de bem, tecnicamente preparadas. Acredito neste povo jovem que está chegando”, disse, acrescentando que os juízes são muito mais vítimas desse processo do que culpados e que, no interior, a situação ainda é pior, visto que os magistrados, em sua maioria, saem das cidades para a capital na quinta-feira e só retornam na terça.

A verdade é que pessoas pertencentes à classes menos privilegiadas saem frustradas, por vezes, do Fórum. Na sexta-feira, 5 de agosto, por exemplo, um senhor (não quis ser identificado, alegando que poderia causar prejuízo ao processo) reclamava no balcão de uma das varas de família situadas no quarto andar. “Não é possível! Eu vou ter que voltar aqui outro dia?”, retrucava com um dos servidores que se recusou a responder o pedido de ajuda porque aquele não era dia de atendimento de partes. E lamentou: “Tive que esperar lá embaixo para ver o andamento do processo, pegar senha e não adiantou nada”.

O que ele alegou é que, apesar de estar com advogado há três anos acompanhando sua causa, o processo só “anda” mesmo quando ele conversa pessoalmente com o juiz ou com funcionários do cartório. (Segundo dados do Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário, há, atualmente, um número superior a 15 mil processos acumulados em cada vara do fórum).

De acordo com informações colhidas entre usuários, o contato com o juiz é imprescindível para o andamento dos processos, o que é dificultado quando o magistrado não atende. “É por isto que as coisas não andam por aqui”, resmungou uma senhora porque não conseguiu falar com o juiz, na 4ª Vara de Família.

Dias trabalhados

— Sexta-feira, 6 de maio de 2005 entre 14h20 e 15h15

Dos 24 juízes que estão em atividade, 21 não estavam no fórum e apenas três foram encontrados: Edson Ruy Bahiense (11ª Vara de Família), Gesivaldo Nascimento Britto (2ª Vara de Fazenda Pública/3ª Vara de Fazenda Pública) e Eduardo Augusto Barreto (23ª Vara Cível).

— Sexta-feira, 5 de junho de 2005 entre 15h30 e 16h20

Dos 24 juízes em atividade, 20 não estavam no fórum e apenas quatro foram encontrados: Maria do Carmo Caribé (8ª Vara de Família), Edson Ruy Bahiense (11ª Vara de Família), Gilberto Oliveira (1ª/9ª Vara da Fazenda Pública) e Eduardo Augusto Barreto (23ª Vara Cível).

— Sexta-feira, 10 de junho de 2005 entre 16h10 e 17h

Dos 24, 16 não estavam. Oito foram encontrados: Ubiratan Pizani (21ª Vara Cível), Gracindo Rodrigues (24ª Vara Cível), Maria do Carmo Caribé (8ª Vara de Família), Edson Ruy Bahiense (11ª Vara de Família), Manoel Ricardo Calheiros d’Ávila (5ª Vara da Fazenda Pública), Lisbete Maria Santos (7ª Vara da Fazenda Pública), Eduardo Augusto Barreto (23ª Vara Cível), Eduardo Carlos de Carvalho (10ª Vara da Fazenda Pública).

— Sexta-feira, 5 de agosto de 2005 entre 15h23 e 16h35

Dos 24, 22 não estavam. Foram encontrados apenas dois: Maria do Carmo Caribé (8ª Vara de Família) e Gesivaldo Nascimento Britto (2ª Vara da Fazenda Pública/3ª Vara da Fazenda Pública).

Foram pesquisadas as varas judiciais localizadas no 1º, 2º, 3º e 4º andar. Dos 28 juízes, quatro estavam de licença médica, férias ou substituindo desembargadores neste período.

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