Trabalho pesado

Danone é condenada por obrigar funcionária a carregar peso

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8 de setembro de 2005, 12h58

A empresa Danone foi condenada a pagar indenização de R$ 100 mil a uma ex-funcionária que era obrigada a carregar caixas de 13 quilos durante o intervalo para descanso. A decisão é da 6ª Câmara do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas). Cabe recurso.

O TRT de Campinas elevou o valor da indenização de R$ 30 mil fixados em primeira instância, para R$ 100 mil por danos morais e materiais, mais juros e correção monetária. Segundo os juízes, deve-se levar em conta a capacidade de quem paga e a situação econômica de quem sofreu a lesão.

A trabalhadora entrou com ação trabalhista na 5ª Vara do Trabalho de Campinas. Alegou que adquiriu doença por causa do tipo de trabalho que prestava. A empresa, por sua vez, sustentou que não ficou comprovada a relação entre os problemas de saúde e o trabalho realizado, nem o dano moral.

A primeira instância acolheu o pedido da trabalhadora. As duas partes recorreram ao Tribunal Regional do Trabalho. A trabalhadora entendeu que o valor de R$ 30 mil arbitrado pela primeira instância era insuficiente. A empresa pediu o cancelamento da condenação ou a redução do valor.

O relator do Recurso Ordinário, juiz Luiz Carlos de Araújo, entendeu que a perícia realizada comprovou a relação entre a doença da trabalhadora e a atividade exercida. A ex-empregada era encarregada de pegar e arrumar biscoitos na esteira e, no intervalo de descanso, tinha de carregar caixas de biscoitos defeituosos, com um peso de aproximadamente 13 kg.

“Enquanto descansava, carregava pedra”, disse o perito, que comparou a caixa a um botijão de gás, por causa do mesmo peso. O número de caixas carregadas chegava a 15 por turno. “O esforço sobre a coluna vertebral dorsal, dorso-lombar (rotação e flexão para pegar as caixas) e os ombros, era bem grande”, concluiu o perito.

Para o relator do recurso, ficou demonstrado o sofrimento da trabalhadora, tanto físico, como psicológico pela perda da capacidade de trabalhar. A ex-empregada ficou impedida de realizar tarefas simples, “motivo suficiente para o deferimento da indenização. Por longos 14 anos dedicados à empresa, a trabalhadora não esmoreceu, apesar do seu estado de saúde”, fundamentou o juiz.

Com relação ao dano material, além do gasto com remédios, o relator considerou a perda do vigor físico que a ex-empregada ainda poderia ter para desempenhar as atividades que desejasse.

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT/15ª Nº 01603-2002-092-15-00-5 RO

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTES: 1ª – EDVALDA BEZERRA DE SOUZA

2ª – DANONE LTDA.

RECORRIDAS : AS MESMAS

ORIGEM : 5ª VARA DO TRABALHO DE CAMPINAS

E M E N T A

INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL. FIXAÇÃO DO VALOR. Nos termos do artigo 944, do Código Civil, “a indenização mede-se pela extensão do dano”. De acordo com o mesmo “Codex”, em seu artigo 949, “no caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”. Considerando-se que a aposentadoria no Brasil ocorre por volta dos 60 anos e que a reclamante quando saiu da reclamada contava com 40 anos, teria ainda mais 20 anos de trabalho, que multiplicados por 12 meses ao ano, alcançam 240 salários. Portanto, levando-se em conta a capacidade de quem paga e a situação econômica de quem sofreu a lesão, reforma-se a r. sentença, para fixar a indenização por danos morais e materiais em 240 salários, de acordo com o último valor recebido.

R E L A T Ó R I O

Inconformadas com a r. decisão de fls. 307/309, que julgou parcialmente procedente a ação, recorrem ambas as partes.

A reclamante, consoante razões de fls. 310/317, sustenta, em síntese, seu inconformismo com o valor arbitrado para a indenização por danos morais (R$30.000,00), entendendo que deve ser majorado.

A reclamada, por sua vez, em suas razões de fls. 325/346, alega, em suma, que são indevidos os 30 minutos diários a título de horas extras pelo descumprimento do intervalo intrajornada, porque havia acordo firmado entre as partes a partir de 20.11.1997, bem como os reflexos deles deferidos; que, quanto à indenização por dano moral, restou demonstrado não haver nexo de causalidade entre a doença da reclamante e o trabalho que ela desenvolvia na empresa, além de não ter sido comprovada qualquer lesão moral, isto é, de cunho não patrimonial, sendo, portanto, indevida; que, com relação ao valor que lhe foi arbitrado (R$30.000,00), entende que deve ser fixado em, no máximo, 10 vezes o valor da sua última remuneração; que, também, não é devida a indenização por dano material, pois não foi demonstrado qual o dano ou prejuízo efetivo que a autora teria sofrido; que a reclamante não faz jus aos benefícios da Justiça Gratuita, por estar “assistida por advogado constituído”, perceber mais que o dobro do salário mínimo legal, não podendo se afastar do quanto previsto nos parágrafos 1º e 2º, do artigo 5º, da Lei nº 1.060/50; que a época própria para a aplicação dos índices de correção monetária é a do mês subseqüente ao trabalhado. Pede a reforma da r. sentença.


Depósito recursal e custas às fls. 347/348.

Contra-razões da reclamante às fls. 353/359 e da reclamada às fls. 361/365.

Dispensado o parecer da Douta Procuradoria, nos termos dos artigos 110 e 111, do Regimento Interno deste Egrégio Tribunal.

É o relatório.

V O T O

Conheço dos recursos, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

a) Quanto à indenização por dano moral e material (apreciação conjunta dos recursos)

Em esclarecimentos às partes, o sr. Perito respondeu a duas questões que eliminaram qualquer dúvida que pudesse haver com relação à existência de nexo causal entre a doença manifestada pela reclamante e o trabalho que ela desenvolvia na empresa, vejamos:

Fls. 290 – questão nº 11:

“Concluímos com facilidade que o momento de carregar a caixa repleta de biscoitos, com um peso de aproximadamente 13 kg, era uma pausa para o trabalho de pegar, arrumar biscoitos na esteira. ‘Enquanto descansava, carregava pedra’. O peso de 13 kg é semelhante ao de um botijão de gás…”

Fls. 293 – questão nº 17:

“Quando a máquina resfriadora funcionava perfeitamente, a quantidade de caixas repletas de biscoitos defeituosos eram em média de 3 (três) por turno. Mas quando havia defeito naquela máquina, o que era muito freqüente anteriormente, o número de caixas a serem retiradas chegava a 15 (quinze) por turno. Aqui o número de ‘pedras’ era bem maior, ou seja, além de exigir uma maior acurácia na escolha dos biscoitos sem defeito, arrumando-os para continuarem na esteira para serem empacotados, o número de biscoitos defeituosos a serem retirados era muito elevado, suficientes para encherem 15 (quinze) caixas por turno. Caixas essas que eram carregadas para os palets. Nessa situação, o esforço sobre a coluna vertebral dorsal, dorso-lombar (rotação e flexão para pegar as caixas) e os ombros, era bem maior.” (negrito do original)

No tocante à comprovação do dano moral, ou seja, lesão não patrimonial, como afirma a própria reclamada em seu recurso, decorre dos “sentimentos mais íntimos” da reclamante, de “sua honra e moralidade”. A autora, também em seu recurso, demonstra o seu sofrimento, “seja físico, seja psicológico pela perda da capacidade laborativa, impedindo-a de realizar tarefas simples, ferindo sua dignidade como pessoa” (fls. 311), o que para este Julgador é motivo suficiente para o deferimento da indenização. Não é demais observar, que por longos 14 anos dedicados à reclamada, a reclamante não esmoreceu, apesar do seu estado de saúde.

O mesmo se diga com relação ao dano material, traduzido não somente pelo gasto que terá com remédios, mas pela perda do vigor físico que ainda poderia ter para desempenhar as atividades que desejasse.

Nos termos do artigo 944, do Código Civil, “a indenização mede-se pela extensão do dano”.

De acordo com o mesmo “Codex”, em seu artigo 949, “no caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até o fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido”.

Considerando-se que a aposentadoria no Brasil ocorre por volta dos 60 anos e que a reclamante, quando saiu da reclamada, contava com 40 anos de idade, teria ainda mais 20 anos de trabalho que, multiplicados por 12 meses ao ano, alcançam 240 salários.

Portanto, levando-se em conta a capacidade de quem paga e a situação econômica de quem sofreu a lesão, reforma-se a r. sentença, para fixar a indenização por danos morais e materiais em 240 salários, de acordo com o último valor recebido, qual seja, R$418,10 (fls. 26 – TRCT), num total de R$100.344,00.

b) Quanto às horas decorrentes do desrespeito ao intervalo intrajornada e seus reflexos

Tem parcial razão a recorrente.

Nos termos do artigo 71, § 3º, da CLT, somente por meio de autorização do Ministério do Trabalho é possível a redução do intervalo intrajornada.

No caso, demonstrou a reclamada que em 18.06.1999 obteve autorização do Ministério do Trabalho para implementar a referida redução (fls. 83), de modo que somente a partir desta data é que ela se tornou legal.

O termo de acordo celebrado entre a reclamada e o sindicato dos empregados de fls. 80 para efetuar a referida redução, em 20.11.1997, não tem valor, ante os termos da Orientação Jurisprudencial nº 342, da SDI-1, do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, segundo a qual “é inválida cláusula de acordo ou convenção coletiva de trabalho contemplando a supressão ou redução do intervalo intrajornada porque este constitui medida de higiene, saúde e segurança do trabalho, garantido por norma de ordem pública (art. 71 da CLT e art. 7º, XXII, da CF/1988), infenso à negociação coletiva”. Esta orientação veio a espelhar o meu entendimento, que sempre tive sobre a questão.


O parágrafo 4º, do artigo 71, da CLT, estabelece: “Quando o intervalo para repouso e alimentação, previsto neste artigo, não for concedido pelo empregador, este ficará obrigado a remunerar o período correspondente com um acréscimo de no mínimo 50% sobre o valor da remuneração da hora normal de trabalho.”.

Examinando-se o “caput” do artigo 71 e os demais parágrafos, verifica-se que a preocupação do legislador foi assegurar ao trabalhador o intervalo para a recuperação física e mental, e a imposição feita no parágrafo 4º, trata-se de uma indenização pela não concessão do intervalo e não de uma remuneração da hora trabalhada, que é assegurada pelo parágrafo 1º, do artigo 59, da CLT.

Deste modo, em virtude da sua natureza indenizatória, não são devidos os seus reflexos.

c) Quanto aos benefícios da Justiça Gratuita

Demonstrou a reclamante seu estado de miserabilidade por meio da declaração de fls. 10, que está de acordo com as Leis nºs. 1.060/50 e a 7.115/83.

A contratação de advogado pela parte traduz confiança profissional, que não pode ser subtraída do cidadão, que tem livre opção da contratação de serviços, sendo certo que a remuneração do referido procurador somente deverá ser quitada por ocasião do resultado da presente ação.

Nada a reparar.

d) Quanto à época própria da correção monetária

A Orientação Jurisprudencial nº 124, da SDI-1, convertida na Súmula nº 381, ambas do Colendo Tribunal Superior do Trabalho, estabeleceu:

“O pagamento dos salários até o 5º dia útil do mês subseqüente ao vencido não está sujeito à correção monetária. Se essa data limite for ultrapassada, incidirá o índice da correção monetária do mês subseqüente ao da prestação dos serviços, a partir do dia 1º.”

Verifica-se, portanto, clara referência ao disposto no parágrafo único, do artigo 459, da CLT, segundo o qual “quando o pagamento houver sido estipulado por mês, deverá ser efetuado, o mais tardar, até o quinto dia útil do mês subseqüente ao vencido”, silenciando-se a Orientação Jurisprudencial mencionada quanto aos pagamentos de salários efetuados dentro do próprio mês.

O “caput” do referido artigo refere-se ao “pagamento de salário” e, portanto, trata do salário em sentido estrito, tal como o fez a Orientação Jurisprudencial em comento.

O Colendo Tribunal Superior do Trabalho, em seus julgamentos, não tem discriminado entre os pagamentos de salário efetuados dentro do próprio mês ou no mês subseqüente, aplicando a Orientação Jurisprudencial nº 124, indistintamente, para ambos os casos.

Assim, não obstante meu entendimento seja no sentido de que os pagamentos dos salários e demais direitos pagos dentro do mês de competência terão a incidência da correção monetária a partir do mês em que houve o pagamento e que, se o pagamento do salário de um determinado mês foi pago entre os dias primeiro e cinco do mês subseqüente ao trabalhado, o índice da correção monetária a ser adotado será o do mês subseqüente ao mês trabalhado, rendo-me à Orientação Jurisprudencial nº 124, para determinar que a época própria para a aplicação dos índices de correção monetária é a do mês subseqüente ao da prestação dos serviços, independentemente do período em que o salário era pago.

Portanto, neste aspecto merece reparo a r. sentença.

Diante do exposto, decido conhecer dos recursos e dar-lhes provimento parcial: ao da reclamante para majorar o valor da indenização por dano moral e material no valor de R$100.344,00 e, ao da reclamada, para limitar a condenação em horas extras decorrentes do desrespeito ao intervalo intrajornada ao período de 16.09.1997 a 17.06.1999, excluindo-se os seus reflexos, bem como determinar que a época própria para a aplicação dos índices de correção monetária é a do mês subseqüente, nos termos da fundamentação, ficando mantida, no mais, a r. sentença.

Rearbitra-se o valor da condenação em R$105.000,00.

Custas na forma da lei, pela reclamada, no importe de R$2.100,00.

LUIZ CARLOS DE ARAÚJO

Juiz Relator

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