Efeito contrário

TRT paulista condena trabalhadora a devolver dinheiro do patrão

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6 de setembro de 2005, 10h15

Trabalhador que é condenado criminalmente por desviar dinheiro da empresa pode ser demitido por justa causa e, no processo trabalhista, ter de devolver todos os recursos desviados. O entendimento é da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo).

Os juízes mandaram uma trabalhadora devolver R$ 21 mil ao patrão. A trabalhadora foi demitida por depositar os cheques da empresa em contas particulares nos bancos Bradesco e Unibanco para pagar dívidas de parentes.

Inconformada com as acusações, a ex-empregada ingressou com ação trabalhista na 36ª Vara do Trabalho de São Paulo, para reverter a demissão justa causa e receber as verbas trabalhistas.

A pedido do escritório, foi instaurado inquérito policial. Concluídas as investigações, o Ministério Público ingressou com processo penal contra a trabalhadora. A ex-empregada foi condenada. Como conseqüência, o patrão entrou com pedido de devolução do dinheiro desviado.

O pedido foi aceito. A 36ª Vara determinou que o escritório arcasse com diferenças do pagamento de salários “por fora” à trabalhadora, mas condenou a ex-empregada a devolver todo o valor desviado.

Ela recorreu ao TRT paulista. Sustentou que não foram ouvidas testemunhas que poderiam comprovar que a movimentação bancária era feita “com aval do sócio” do escritório. Alegou, ainda, que não existe prova de uso indevido do dinheiro depositado em sua conta corrente.

A juíza Cândida Alves Leão, relatora do recurso no tribunal, esclareceu que a prova oral pretendida pela trabalhadora “não invalidaria a coisa julgada já operada perante o Juízo Criminal (…), mormente em se tratando do envolvimento dos elementos que induzem à quebra de confiança existente entre empregado e empregador”.

Para a relatora, “o princípio norteador do processo penal e do processo trabalhista é o da verdade real, de sorte que, apurados os fatos perante aquela esfera judicial, desnecessária nova apuração nesta, que não teria o condão de alterar a realidade dos fatos”.

A decisão da 10ª Turma do TRT foi unânime. Os juízes condenaram a ex-empregada a restituir R$ 21.724,03, descontadas as diferenças salariais que ela deveria receber pelo pagamento “por fora”.

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT/SP Nº 01405.1998.036.02.00-7 – 10ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRIDOS: OS MESMOS

ORIGEM: 36ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

JUSTA CAUSA. IMPROBIDADE E INCONTINÊNCIA DE CONDUTA. Comprovados os fatos caracterizadores da incontinência de conduta perante a esfera criminal, e havendo sentença condenatória da autora, é desnecessária a produção de prova oral na esfera trabalhista, haja vista que esta não teria o condão de alterar a realidade dos fatos evidenciados através de prova pericial. O indeferimento de prova oral neste sentido não enseja cerceamento de defesa, haja vista o silêncio da recorrente no momento adequado.

Inconformadas com a r. sentença de fls. 223/226, complementada por embargos declaratórios de fls. 233/234 e 235/236, que julgou procedentes em parte a ação trabalhista e a reconvenção, recorrem ambas as partes.

A reclamada, recorre ordinariamente às fls. 236/242, propugnando pela reforma da sentença, na parte em que determinou o pagamento da parcela fundiária, alegando que a mesma foi paga “por fora”, como demonstram os recibos juntados com a defesa. Diz que deve ser autorizada a compensação dos valores devidos à reclamante, em razão da condenação na ação trabalhista, com os valores que a mesma deve pagar em decorrência da condenação na reconvenção. Aduz, afinal, que não foram fixados os critérios para aplicação da correção monetária.

Preparo, regular e tempestivo, às fls. 237/239.

A reclamante, por seu turno, recorre às fls. 238/244, contra a decisão exarada na ação reconvencional, alegando, preliminarmente, a nulidade processual por cerceamento de defesa, em decorrência da ausência de citação de seu patrono. Argüi nulidade da perícia contábil em razão da ausência de notificação acerca da elaboração da mesma. Menciona não demonstrado nos autos, o uso do dinheiro depositado em sua conta que teve por objetivo o pagamento de despesas da reclamada. Diz que há divergência entre os fundamentos do pedido e o resultado da perícia. Assevera que, demonstrado o preenchimento dos requisitos legais, faz jus aos benefícios da assistência judiciária gratuita. Pede a reforma da sentença.

Ainda, às fls. 245/254, a autora recorre contra a sentença prolatada na reclamação trabalhista, alegando, preliminarmente, a nulidade do julgado, por cerceamento de defesa decorrente de ausência de citação. Repete os argumentos expendidos em reconvenção, relativamente à ausência de citação para a audiência, ausência de prova relativa ao uso indevido do dinheiro depositado em sua conta corrente, que era usado para pagar despesas da reclamada. Diz que os argumentos da defesa e o resultado da perícia são contraditórios. Alega que a reclamada reteve dolosamente sua CTPS, devendo ser condenada no pagamento de multa. Diz que há provas nos autos de que não gozou as férias vencidas de 1996/97, fazendo jus ao pagamento respectivo. Pontua a existência de fraude no pagamento do saldo salarial e das férias vencidas de 1997/98. Afirma que em razão da comprovação da fraude no pagamento das rescisórias, são devidas as multas do artigo 467 e do artigo 477 da CLT. Pede o deferimento da expedição de ofícios ao Ministério do Trabalho, à Receita Federal, ao INSS, à Prefeitura (ISS), para apuração das fraudes apontadas.


Contra-razões às fls. 236/237, pela reclamante e fls. 257/262, pela reclamada.

Manifestação do Ministério Público do Trabalho, à fl. 263, na pessoa do d. procurador Ronaldo Lima Santos, pelo prosseguimento do feito, ante a ausência de interesse público a justificar a emissão de parecer circunstanciado, nos termos do artigo 83, incisos II e VII da Lei Complementar nº 75/93.

É o relatório.

V O T O

RECURSO DA RECLAMADA

Conheço do recurso, eis que preenchidos seus requisitos legais de admissibilidade.

Do Pagamento do FGTS

Insurge-se a recorrente contra a r. sentença que a condenou no pagamento de FGTS à reclamante, alegando que os recibos encartados aos autos (docs. 131/222 do volume de documentos), comprovam a satisfação do título em comento.Diz que a reclamante optou por receber tais parcelas desta forma, por lhe ser mais vantajosa tal condição.

Sem razão.

Embora os recibos supra mencionados registrem efetivamente o pagamento de parcela titulada “8% FGTS”, o procedimento adotado pela recorrente violou a legislação específica do FGTS. Isto porque, ao deixar de recolher o FGTS ao órgão gestor, violou a legislação específica que determina que tais valores sejam vertidos em conta vinculada do empregado (art° 15, Lei 8.036/90) e impossibilitou que o órgão gestor utilizasse de tais recursos, na forma também especificada naquele dispositivo legal (art° 9°, Lei 8.036/90).

Correta, portanto, a condenação da ré no recolhimento das parcelas devidas ao FGTS, com observância da legislação a ele pertinente, quanto aos valores a serem depositados em conta vinculada.

Nada a reformar.

Da Compensação das verbas da reconvenção

Neste item, a pretensão da reclamada é de compensação das verbas a que a reclamante se apropriou indevidamente, conforme condenação em reconvenção, com as verbas deferidas na ação trabalhista.

O recurso da reclamada, neste particular, padece pela falta de lógica.

Constata-se do dispositivo da sentença, que o Juiz condenou a reclamante a restituir à reclamada os valores indevidamente utilizados e determinou a liquidação conjunta dos valores, permitindo concluir que, quando de sua apuração, o quantum devido pela autora será, naturalmente, abatido daquele que a reclamada inadimpliu no curso do pacto laboral e que deverão ser pagos à reclamante. Dentre tais valores, por óbvio, não se insere a parcela a ser creditada em conta vinculada da obreira, haja vista que não é esta a destinatária dos valores fundiários, mas o órgão gestor do FGTS.

Nada a reformar.

Da Correção Monetária

A reclamada sofisma quanto aos critérios para apuração da correção monetária, em objetivo claro de induzir o Juízo a erro.

A correção monetária dos créditos trabalhistas foi definida no item 04 da sentença (fls. 225 dos autos).

Os créditos da recorrente, devidos nos presentes autos, embora de natureza civil, são devidos por força do contrato de trabalho sujeitando-se também à legislação trabalhista para sua correção.

Nada a reformar.

2. RECURSO DA RECLAMANTE – RECONVENÇÃO

O recurso não passa pelo crivo do conhecimento.

Consoante se infere de fls. 226 dos autos, a reconvinda, ora recorrente, foi condenada no pagamento das custas processuais no importe de R$ 434,48.

O pedido de concessão dos benefícios da Justiça Gratuita foi indeferido, consoante se observa da sentença prolatada em embargos declaratórios (fls. 235/236).

A reconvinda, insatisfeita com a decisão, apresentou o recurso ordinário de fls. 238/244, mas não providenciou o recolhimento das custas processuais a que foi condenada, tampouco solicitou a isenção do pagamento na petição de encaminhamento do recurso, de modo a possibilitar o exame do pedido antes do processamento do apelo.

A recorrente simplesmente formalizou o recurso e silenciou acerca do recolhimento das custas processuais.

O artigo 789, parágrafo 1º da CLT, dispõe que:

“as custas serão pagas pelo vencido, após o trânsito em julgado da decisão. No caso de recurso, as custas serão pagas e comprovado o recolhimento dentro do prazo recursal”.

Tal determinação legal não foi observada na hipótese dos autos, não apresentando a recorrente qualquer justificativa para sua omissão, neste sentido.

Assim, ante o indeferimento do pleito de justiça gratuita, e não observado o recolhimento das custas processuais impostas, tem-se que o recurso interposto padece de deserção, não podendo, por isso, ser conhecido.

Não conheço do recurso interposto na reconvenção, por deserto.

3. RECURSO DA RECLAMANTE – RECLAMAÇÃO

3.1. Nulidades – Cerceamento de Defesa –

Ausência de Citação – e Nulidade da

Perícia


Alega a reclamante a existência de nulidade no julgado, porque não pôde ouvir testemunhas que comprovariam que a “forma da movimentação bancária era feita com aval do sócio da recorrida” (sic – fl.246).

Diz que sua condenação criminal não pode prevalecer nesta Especializada, haja vista que esta decorreu de erros de seu patrono. Alega, ainda, que as intimações dos atos processuais foram erroneamente endereçadas a advogado que não mais a representava, devendo ser acolhida a nulidade argüida.

Quanto às nulidades decorrentes das notificações endereçadas a seu antigo patrono, restaram superadas pela retificação de fls. 232/233. Acresça-se a isto o fato de que a irregularidade da forma somente surtiria efeitos no campo prático, se efetivamente houvesse prejuízo à parte. Não é contudo, o que restou evidenciado nos autos: a intimação para a audiência, ainda que endereçada a advogado que não mais representava a reclamante, surtiu efeitos legais (arts. 794 e 796 CLT), haja vista que a reclamante veio em audiência acompanhada de seu novo patrono (fls. 197 – Dr. Pedro Luiz Dividino – subscritor do Recurso Ordinário).

Quanto ao laudo pericial contábil, cuja cópia foi acostada pela ré às fls. 158/162, de se observar que, intimada a manifestar-se acerca do mesmo, quedou-se a autora em absoluto silêncio, a despeito de todas as oportunidades que teve para falar, quando da instrução do feito (fls. 164, 168, 170, 185) revelando-se, no mínimo, preclusa a insurgência ora em sede de recurso ordinário.

Atente-se, ainda, que o pedido de oitiva de testemunhas foi indeferido em audiência (fls. 197) sem qualquer insurgência da autora, fazendo-o serodiamente em razões finais (fls.202/203).

A prova oral pretendida, efetivamente não teria o condão de macular a conclusão exarada no laudo pericial e mais, não invalidaria a coisa julgada já operada perante o Juízo Criminal, haja vista os efeitos que esta produz perante esta Especializada, mormente em se tratando do envolvimento dos elementos que induzem à quebra de confiança existente entre empregado e empregador. Isto porque, o princípio norteador do processo penal e do processo trabalhista é o da verdade real, de sorte que, apurados os fatos perante aquela esfera judicial, desnecessária nova apuração nesta, que não teria o condão de alterar a realidade dos fatos.

Desta forma, se entende a recorrente que a prova documental trazida a estes autos, no caso, o laudo pericial, não foi adequadamente produzida, deveria ter se insurgido perante a esfera criminal, haja vista que produzida nos autos da ação penal, ou ter se manifestado nestes autos quando instada a faze-lo.

Impõe-se a rejeição das argüições de nulidade processual por cerceamento de defesa e nulidade da perícia.

3.2. Da Devolução da CTPS retida

A mera alegação de um fato não traz a presunção de sua veracidade. Tratando-se de fato constitutivo do direito pleiteado, qual seja, a efetiva existência de retenção indevida da CTPS, incumbia à reclamante comprova-lo, não tendo se desvencilhado de seu ônus neste sentido.

Isto porque, sua única testemunha ouvida nos autos asseverou que viu a reclamante entregando a CTPS à empresa, mas não soube esclarecer se a mesma compareceu à empresa para retirar referido documento.

Por outro lado, quanto à alegação de que a CTPS foi entregue mediante recibo, os documentos de fls. 25/29 não comprovam que a CTPS não foi restituída à autora no ato da homologação rescisória, único momento em que, conforme demonstrado pela prova oral, a reclamada teve contato com tal documento.

Nada a reformar.

3.3. Das Férias Vencidas 96/97.

Quanto a este item do apelo, melhor sorte não ampara a demandante.

A alegação preambular foi de que foi dispensada imotivadamente e não recebeu as rescisórias, dentre as quais, “férias completas 02.01.97, 1/3 das férias completas” (sic – fl.04).

Em nenhum momento a autora alegou que as férias do período aquisitivo 96/97 não foram usufruídas, embora pagas.

Desta feita, o novo argumento trazido em grau de recurso ordinário, no sentido de que as férias não foram descansadas, redunda em ilegal tentativa de modificar os limites da lide, não merecendo acolhida nesta Instância.

Nego provimento a mais este item do apelo.

3.4. Do Saldo de Salário 01/98

Diz a reclamante que a homologação rescisória foi fraudulenta, haja vista que a reclamada reteve dolosamente o saldo salarial do mês de 01/98, fato que foi reconhecido pela própria recorrente, em defesa (item 10 – fl.79).

Em que pesem os argumentos da reclamante, relativamente à fraude na quitação das rescisórias, nenhuma prova hábil neste sentido foi produzida nos autos. O documento de fls. 79 dos autos, mencionado no recurso, não corresponde à defesa, tampouco o documento 67 do volume apartado refere-se ao próprio depoimento da demandante, tomado no inquérito policial, não se prestando para a prova pretendida.


Mantenho.

3.5. Das Férias Vencidas 97/98

Pelos mesmos motivos anteriormente expendidos, não há prova de fraude na quitação das férias vencidas, pagas por ocasião da rescisão contratual, razão pela qual, nada há que mereça reforma no julgado, neste particular.

3.6. Das Multas do Artigo 467 e 477 da CLT

É incontroverso nos autos que a reclamante recebia parte de sua remuneração por fora dos holerites de pagamento fato, aliás, reconhecido pela demandada em defesa.

Desta forma, ao deixar de quitar à autora, verbas que sabia devidas, por força da relação de emprego existente, tais as integrações da parcela paga por fora, em férias vencidas e FGTS, violou tanto a regra do artigo 467, quanto do artigo 477 da CLT.

Devida, portanto, a indenização de 50% sobre as parcelas pagas quando da rescisão contratual (saldo salarial, férias vencidas + 1/3 e FGTS – 8%) considerando-se a remuneração total de R$ 1.200,00, na forma prevista no artigo 467 da CLT, bem como, a multa equivalente a um salário (R$ 1.200,00), prevista no § 8° do artigo 477 da norma celetista.

Reformo.

3.2. Da expedição de ofícios

Embora não tenha o d. Juízo a quo constatado a existência de fraude no procedimento da empresa, certo é que não houve pronunciamento expresso acerca do pedido de expedição de ofícios, contido no item 21, fls. 06 dos autos, a despeito de suscitada a omissão em sede de embargos. Há que se salientar, ainda, que o pedido inicial é expresso de ofícios à “Receita Federal, ISS e INSS” (sic), de sorte que não será apreciado o pedido de ofício ao Ministério do Trabalho, trazido em razões de apelo, porquanto manifestamente inovador da lide.

Não há sequer previsão legal para expedição de ofícios ao ISS, haja vista tratar-se de tributo municipal, não merecendo qualquer manifestação deste Juízo no particular.

Quanto à expedição de ofícios à Receita Federal e ao INSS, deve ser deferido o pedido, ante ass irregularidades constatadas nos autos, dentre as quais, o pagamento de salários “por fora”.

Reformo parcialmente a sentença, para determinar que sejam expedidos ofícios à Secretaria da Receita Federal e ao INSS.

Do exposto, não conheço do Recurso interposto na reconvenção, por deserto. Conheço dos demais recursos. Rejeito as preliminares argüidas pela reclamante. No mérito, nego provimento ao recurso da reclamada. Dou parcial provimento ao recurso interposto pela reclamante, na reclamação trabalhista, para acrescer à condenação o pagamento da indenização de 50% sobre as parcelas pagas quando da rescisão contratual (saldo salarial, férias vencidas + 1/3 e FGTS – 8%) considerando-se a remuneração total de R$ 1.200,00, na forma prevista no artigo 467 da CLT; a multa equivalente a um salário (R$ 1.200,00), prevista no § 8° do artigo 477 da norma celetista, bem como, para determinar que sejam expedidos ofícios à Secretaria da Receita Federal e ao INSS, para apuração das irregularidades constatadas nos autos. Mantida, no mais, a sentença, inclusive pelos valores da condenação.

CÂNDIDA ALVES LEÃO

Juíza Relatora

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