Ação preventiva

Maluf apresenta defesa prévia contra pedido de prisão

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6 de setembro de 2005, 13h59

Os criminalistas José Roberto Batochio e José Roberto Leal entregaram na última segunda-feira (5/9) contra-argumentos ao pedido de prisão do ex-prefeito Paulo Maluf e seu filho mais velho, Flávio. Segundo Batochio, o pedido de prisão foi encaminhado pela Polícia Federal ao Ministério Público Federal e depois deve seguir para a Justiça. “Anexamos este pedido para que a juíza possa analisar os nossos argumentos quando tiver com o pedido de prisão nas mãos”, afirmou Batochio. Só depois da manifestação do procurador Pedro Barbosa, o pedido de prisão deve ser analisado pela juíza Sílvia Maria Rocha, da 2ª Vara Criminal Federal em São Paulo.

A defesa alega que a prisão preventiva é uma “medida extrema e de irredutível excepcionalidade de sua utilização” e, por isso não caberia no caso. Sobre a acusação de cooptação de testemunhas, os advogados argumentam que não existiu. “O doleiro Vivaldo Alves, conhecido como Birigui, é réu confesso. Ele admitiu movimentar 40 contas no exterior, entre elas, uma da família Maluf. O delegado e o procurador não podem decidir dar a ele a delação premiada. Isto cabe ao juiz, até lá, o doleiro é réu e não testemunha”, explica o criminalista.

Segundo Batochio, em tese, os réus de uma mesma ação penal podem conversar entre eles para acertar uma defesa conjunta. “Não é este o caso, mas é uma tese válida. Digo isso para mostrar que até o juiz conceder o benefício da delação premiada, o réu não pode ser tratado no processo como se fosse uma testemunha, mesmo que concorde em colaborar com as investigações”, afirma.

Os advogados protestam contra o fato da investigação contra a família Maluf ser comandada pelo delegado Protógenes Queiroz, da Diretoria de Inteligência Policial (DIP), com base em Brasília, e não pela Superintendência Regional de São Paulo da Polícia Federal. Para os defensores, a escolha de casos especiais para serem investigados pela polícia fora de jurisdição fere princípios legais. Eles comparam o delegado com o juiz natural, este sim garantido por lei.

Protestam ainda contra a degravação e “publicização” de interceptações telefônicas de suas conversas com os clientes, o que, para eles, além de ferir a privacidade, prejudica o direito de defesa. “É mesmo intolerável que, a pretexto de se investigar, tudo se possa, tudo se valha”, reclamam. E argumentam que a investigação já está encerrada.

Leia a íntegra da defesa da Maluf

EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUÍZA FEDERAL DA 2a VARA CRIMINAL DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO.

Processo no 2002.61.81.006073-3.

PAULO SALIM MALUF e FLÁVIO MALUF, qualificados às folhas e indiciados, nos autos do inquérito policial em epígrafe, feito cujos trâmites se dão por esse douto Juízo e afeta Secretaria, vêm, por seus advogados infra-assinados, com o respeito devido, a Vossa Excelência, para expor, ponderar e, a final requerer o seguinte:

I – BREVE HISTÓRICO DOS FATOS .

O presente inquérito policial foi instaurado, em 21 de agosto de 2002, na Superintendência Regional em São Paulo do Departamento de Polícia Federal (DELEFIN/SR/DPF/SP), por requisição do Ministério Público Federal, com o fito de apurar delitos de Evasão de Divisas, Sonegação Fiscal, Corrupção e de Lavagem de Capitais, que seriam originários de desvio de recursos públicos da municipalidade de São Paulo, ao tempo em que o primeiro nomeado fora Prefeito.

Ao longo desses mais de três anos que consumiram as investigações, depoimentos foram colhidos e milhares de documentos foram acostados aos autos, tendo elas culminado com o relatório da Autoridade Policial em que se representa pela decretação da prisão preventiva dos Requerentes e pela busca e apreensão “de coisas e documentos nas residências, domicílios e empresas” que não especifica.

Este, num singelo apanhado, o histórico dos fatos.

II – DA NULIDADE DOS ELEMENTOS INDICIÁRIOS COLHIDOS NESTES AUTOS.

Como se vê dos autos, a despeito deste inquérito policial ter sido instaurado perante a Superintendência Regional em São Paulo do Departamento de Polícia Federal, tem-se que, por razões que se desconhece, a partir de determinado instante passou o apuratório a tramitar por uma tal de DIP (Diretoria de Inteligência Policial) da PF, em Brasília…, por Delegado De Polícia Federal ali lotado.

Tal circunstância é absolutamente insólita, verdadeiramente inédita no processo penal brasileiro, que se rege segundo os ditames constitucionais e regras próprias que definem os critérios de competência.

Ora, é inconcebível, qualquer que seja o pretexto e fora das causas de prorrogatio da competência, que o apuratório possa tramitar em outro local que não aquele onde teriam se verificados os fatos, a não ser que dele se queira alijar o investigado e o seu direito de defesa que, desnecessário sublinhar, tem previsão constitucional mesmo na fase inquisitorial (cf. art. 14 do CPP)…


Seria razoável – ou melhor, constitucional – obrigar a defesa técnica a se deslocar à Capital Federal cada vez que quisesse examinar os autos, sendo competentes para o caso, segundo a lei, as autoridades policiais e judiciárias da Capital de São Paulo? Parece que não…

Aliás, a defesa dos Requerentes (que tem assento constitucional, nunca é demais relembrar) era sempre informada que os autos se achavam no Ministério Público Federal. Naquela instituição, assegurava-se que os autos se achavam na Polícia Federal. Ali foi esclarecido que o apuratório tramitava em Brasília, e que havia “uns quatro ou cinco inquéritos especiais” que eram conduzidos dessa mesma forma…

É bom que se diga, para os autoritários de plantão que conduzem investigações subterrâneas, que o Estado Democrático de Direito não se compadece com esse tipo de “apuração especial”, eleição de investigados “especiais”, seletividade investigatória segundo o critério do Poder Central e que a Constituição e as Leis existem e estão aí para serem cumpridas. Queiram ou não os atrabiliários.

Onde já se viu o Estado “escolher” pessoas, selecionar aqueles casos em que tem interesses (os mais variados e muitos deles impublicáveis) e promover investigações direcionadas, sigilosas, clandestinas mesmo, conforme melhor lhe convier, presididas por autoridades lotadas na Capital da República? Seletividade anti-republicana, e afronta ao princípio constitucional da isonomia?

Que Estado Policialesco é esse?

É preciso se dar um basta a este inaceitável estado de coisas, nem que se tenha que, mais uma vez, se lutar, ainda que de forma incruenta, pelo restabelecimento do verdadeiro Estado Democrático de Direito.

Ora, a lei, que é a vontade do povo (e ainda vivemos uma Democracia, embora alguns acreditem poder tudo em nome do Estado), preceitua que, a jurisdição para a causa é a do juízo do local em que se verificaram os fatos. Assim dispõe o artigo 70 do Código de Processo Penal:

Art. 70. A competência será, se regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução.

Se a regra da competência do juízo natural é explícita, é inequívoco, pois, que este inquérito policial deveria tramitar em São Paulo, e não em Brasília, mesmo porque o que aqui se apura, segundo a própria Autoridade Policial, é “desvio de recursos públicos no período de administração pública municipal da cidade de São Paulo”.

Se assim é, segundo os ditames legais e os preceitos constitucionais em vigor, este inquérito jamais poderia ter deixado a Superintendência Regional em São Paulo da Polícia Federal para ir tramitar, inacessível, na Capital Federal… Mesmo porque, se o princípio do Delegado Natural não é explícito na Carta Política (como ocorre com o Juízo criminal), certo é que, como no caso do MP, decorre de princípios garantistas constitucionais. Quem pode responder esta pergunta: por quê o inquérito que apura indícios contra os Maluf tem de ser presidido por Delegado de Brasília e não de São Paulo, como no comum dos casos? Privilégio às avessas? Não, só pode ser explicado por perseguição política…

As investigações, portanto, assim como levadas a efeito por Autoridade (lotada em Brasília) manifestamente incompetente, são nulas, e não se prestam ao que quer que seja. A menos que se tenha estabelecido no País uma stalinista “polícia de exceção”. O que é legal para Chico, tem de sê-lo para Francisco, diz a isonomia constitucional, que excomunga atos de exceção…

Também irregular, e mesmo ilícita, a degravação e publicização das interceptações telefônicas de conversas mantidas entre os Requerentes e seus advogados, que, cobertas pelo manto constitucional da privacidade que integra o direito de defesa e asseguradas em lei federal (Lei n.º 8.906, de 04/07/1994) serão objeto de providência específica em sede adequada opportuno tempore.

É mesmo intolerável que, a pretexto de se investigar, tudo se possa, tudo valha.

III – DA ABSOLUTA FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A DECRETAÇÃO DA CUSTÓDIA PREVENTIVA DOS REQUERENTES.

Não bastasse a absoluta incompetência da autoridade policial que representou pela prisão preventiva dos Requerentes, o que se verifica, in casu, é que ela não se justifica, sequer em tese.

Com efeito, as custódias cautelares devem subserviência aos rígidos pressupostos que legitimam qualquer encarceramento provisório: o periculum in mora e o fumus boni júris. A estes se acresce, após a Constituição de 1988, que fixou a liberdade como regra em nível de dogma e de franquia constitucional, o parâmetro da absoluta, indeclinável e imperiosa necessidade.


É que a supressão da liberdade antes do julgamento repugna aos povos civilizados, que a reservam – como violência injusta, mas tolerável – para os casos da mais premente e inexorável necessidade.

De fato, todo o nosso ordenamento jurídico subalterno deve ser interpretado à luz da Carta Constitucional de outubro de 1988, vértice da pirâmide legislativa brasileira, de modo que é dispensável mencionar-se que a legislação infraconstitucional deva estar em harmonia com a Lei Fundamental, que lhe é superposta.

Destaque está a merecer, nessa angulação, o texto da Lei Máxima, no capítulo em que dispõe sobre os princípios relativos às garantias e direitos fundamentais da pessoa humana.

E, precisamente no artigo 5o, inciso LVII, do Código Político acha-se consagrado o princípio humanitário da presunção de inocência, comum a todos os povos civilizados e livres do mundo contemporâneo:

LVII – ninguém será culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Em assim sendo, por disposição da Lei das Leis, claro está que as prisões cautelares, que são medidas de exceção, encarceram sempre um presumido inocente. Prisão sem culpa, decorrente de mera suspeita, e, mais que isso, prisão de alguém que a Lei Maior afirma deva ser presumido inocente.

Nenhum acerto se vislumbra, data maxima venia, em posições retrógradas, conservadoras, e por que não dizer, autoritárias que, não obstante o princípio constitucional da não-culpabilidade até final trânsito em julgado da sentença condenatória, insistem em negar a este repercussão no nosso processo penal (que é lei infraconstitucional de hierarquia inferior), e não se cansam de declará-lo sobrepairante à própria Lei Fundamental.

A regra constitucional em causa não pode ser lida de acordo com a lei ordinária, mas esta é que deve ser interpretada a partir do texto da Constituição.

É o que decidiu o STF pela sábia pena do Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE:

As leis é que se devem interpretar conforme a Constituição e não ao contrário. RT 680/416)

Se a Constituição que é o lineamento fundante do sistema penal e processual penal, estabelece que a regra é a liberdade até condenação definitiva, segundo esse parâmetro é que devem ser interpretados os textos infraconstitucionais.

É que, consoante o ensinamento de RENE ARIEL DOTTI:

As opções axiológicas constitucionais devem ser respeitadas pelos textos penais e orientar a sua interpretação.

É inegável que a presunção de inocência constitucional repercute na legislação subalterna, revogando-a, abrogando-a ou derrogando-a, no que lhe for contrária, ou mesmo negando eficácia aos textos com ela colidentes que lhe supervieram.

Somente por aí já se vê que nenhuma razão pode assistir àqueles que tentam negar qualquer reflexo do princípio constitucional na legislação processual penal que lhe é subalterna.

Inescondível, pois, a excepcionalidade absoluta da aplicação da odiosa restringenda e o fato, óbvio, de que retrata uma agressão do Estado contra o indivíduo, no seu direito de liberdade.

Verdadeiro mal, as prisões provisórias – que são sempre odiosas porque encarceram antes de julgar – só se justificam em circunstâncias violentas, verdadeiramente excepcionais, extraordinárias mesmo, para remediar outro mal, maior ainda.

Ademais, ato discricionário do juiz, hão de concorrer à sua superveniência, de modo insofismável, os pressupostos ou requisitos elencados no texto da lei.

Fora dessa hipótese, é ilegítima a sua decretação.

Sendo, porém, a prisão preventiva uma cautela instrumental, que serve ao processo e não à eventual decisão de fundo, não significando antecipação de pena, não se incompatibilizaria ela, à primeira vista, com o texto constitucional da presunção de inocência, restrita a sua aplicação a casos de absoluta e inexorável necessidade e tendo em vista o utilitarismo do processo. Sublinhe-se aqui, todavia, que o princípio da presunção de inocência atua como sinalizador da extrema e irredutível excepcionalidade da sua utilização, mesmo como garantia do processo.

Sobre a prisão preventiva, bem cabe aqui decisão do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, que a conceituou como:

…decisão acautelatória de aplicação corrente apenas em razão da maior gravidade dos delitos, sendo considerada entre os doutrinadores alienígenas como aspereza iníqua (Lucchini) e mal necessário (Garrot), admitindo quase todos, senão todos, sua decretação quando reclamada por necessidade irresistível ou absoluta conveniência de ordem social (Bozzani e R. Casarat).

Francesco Carrara, figura exponencial da Escola Clássica, reputando a prisão anterior à condenação, iniciativa sempre injusta e por vezes cruel, irreparabile rovina, e, ato de verdadeira tirania somente a admitia quando ogni altro mezzo meno duro sarebbe ineficace al suo fine – (Opuscoli di Diritto Criminale – 1889 – Vol. IV, pág. 59).


Conforti afirmava a ilegitimidade de sua aplicação senza inesorabile necessita, observando Vassali que a restrição da liberdade de um imputado, só porque indiciado seriamente de ter cometido um crime, é absurda quando a sua liberdade não seja de modo algum perigosa, nem para as exigências de segurança, nem pela necessidade do processo (Osservazione Sulla Custo di Preventiva, in Scritti in Onore do V. Manzini –1954 – pág. 500). O citado Lucchini dizia que além da aspereza iníqua configurava extrema forma coercitiva e per cose essecionalissimi (Elementi di Procedura Penale – pág. 282).

E, Beaussire chamava-a de a mais cruel das necessidades judiciárias, não só cruel como fatal. Fatal ao indivíduo, fatal à sociedade, fatal à própria Justiça (Principes de Droit – pág. 139).

Charles Martin, comentando a lei francesa de 7 de fevereiro de 1933, sustentou que a prisão preventiva é não somente grave, mas temível: é grave porque atinge o mais inestimável bem do indivíduo, essa liberdade física de ir e vir, de ausentar-se mesmo do país e que tem stricto sensu o nome de liberdade individual.

É sobretudo temível porque acarreta um mal real, verdadeiro a um homem que não só ainda não foi declarado culpado como que pode estar inocente e a quem ela fere em sua reputação, em seus meios de existência, em sua pessoa, sem que uma reparação ulterior seja possível.

Adolph de Chambrum, fazendo sentir que sendo a presunção de inocência le fondement meme de la libertè humaine, defende os ingleses e norte-americanos por agirem em face dos indiciados acusados com as maiores cautelas possíveis, acrescentando que não se trata de uma simples tendência e mostra-se indulgente.

E assim procedem os anglo-saxões e americanos do norte porque somente a prova irrefutável dos fatos criminosos pode vencer e destruir a presunção de inocência.

E o Código de Processo Penal francês diz, expressamente, em seu artigo 137 que la dètention preventive est une mesure excepcionelle.

Entre nós, felizmente também vai ganhando força e se corporificando esse nobre entendimento.

Quando da realização do 1o Congresso Nacional do Ministério Público, em plena compulsoriedade da medida, já se afirmava que nada de fato abate mais o homem de bem que o encarceramento, ainda que não dure muito, ainda quando a vítima da coação legal seja despronunciada ou absolvida, sairá da prisão diminuída. Aos olhos da família, dos amigos. Daqueles com quem convive. Da sociedade, enfim. Sua alma sofrerá sempre, seu conceito dificilmente se lavará dessa mácula, que lhe será lançada ao rosto, amanhã, deturpada, agravada ou à face de seus descendentes por algum perverso caluniador (Anais – VII – páginas 414/415). (HC n.º 86.404-3)

E prossegue aquele luminoso Acórdão:

Por isso também é antiga a lição de Direito de que a prisão preventiva somente pode ser imposta como medida indispensável de coerção processual ou de garantia para a execução da pena. Fora dessas situações, a prisão preventiva é inadmissível (Ilegalidade e Abuso de Poder na Denúncia e da Prisão Preventiva – Revista Brasileira de Criminologia e Direito Penal 13-77).

Afectando a liberdade do acusado antes da decisão final do processo, em que poderá ser declarada a sua inocência, a prisão preventiva constitui, sem sombra de dúvida, recurso marcadamente violento e de extremo rigor, somente justificável quando indeclinavelmente necessário, conforme tem enfatizado o Colendo Supremo Tribunal Federal, taxando-o de medida heróica.

Por isso mesmo, a Egrégia Seção Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, também ao tempo em que compulsória a medida, em processos mais gravemente apenados, observou, em Acórdão transcrito na R.R. 294/60, que “a aplicação do artigo 312 da Lei Adjetiva exige larga circunspecção, a fim de evitar que a prisão preventiva venha a marcar de maneira irremissível a liberdade do homem”. E acentuou ser “atributo de indeclinável consideração, no exame de qualquer acusação, a pessoa do acusado, porque a todo homem cabe pelo seu anterior “status dignitatis” a oportunidade de demonstrar, sem coação legal, as provas da defesa”.

Insiste, pois, a Turma Julgadora em afirmar que a prisão preventiva somente se justifica nos casos absoluta e manifestamente necessários, não a autorizando a existência de outros processos, por igual pendentes de julgamento, a gravidade da incriminação e a possibilidade, mais ou menos remota, de fuga do território da comarca.

Somente in extremis, pois, é que se legitima a aplicação desse mal necessário, mesmo assim quando marcado o seu caráter instrumental de servir à regularidade do processo…


Presumido constitucionalmente inocente o imputado,

Las medidas de coerciòn personal que contra aquél se dicten solo deben tener caracter cautelar y provisional, y estar limitadas a lo estritamente necesario. (Claria Olmedo – Bases Para Orientar en La Latinoamerica la Unificaciòn Legislativa en Materia Procesal Penal – pág. 45)

Desse sentir, não discrepa VELEZ MARICONDE:

De este principio (presunciòn de inocencia) deriván, también, el fundamiento, la finalidade y la naturaleza de la coerción personal del imputado: se este és inocente hasta que la sentencia firme lo declare culpable, claro esta que su libertad solo puede ser restringida a titulo de cautela, y no de pena antecipada e dicha decisión jurisdicional, siempre y cuando se sospeche o presuma que és culpable para asegurar la efectiva actuación de la ley penal y procesal.(Derecho Procesal Penal, I, pág. 325)

JÚLIO MAIER é enfático:

Una vez reconocido que el imputado es inocente hasta la sentencia firme de condena que hace nascer el poder sancionatorio penal del Estado, debe reconocerse también que la custodia preventiva y las medidas de coerción ejercidas contra el imputado solo pueden tener como objeto asegurar o hacer posibles los fines del proceso penal – averiguar la verdad y actuar la ley penal – y ser aplicadas en la medida de la más estricta necessidad.(Cuestiones Fundamentales Sobre La Libertad Del Imputado y Su Situación en el Proceso Penal – pág. 25)

A prisão, antes da sentença condenatória passada em julgado, portanto, qualquer que seja a sua natureza, somente se justifica quando estritamente necessária para fins instrumentais do processo, mesmo assim somente e enquanto se mostrar necessária e indeclinável.

Na espécie, todavia, não se fazem presentes os requisitos que ditaram sua requisição, que veio assim fundamentada:

A liberdade dos representados oferece risco à tramitação da presente investigação, ante aos indícios e materialidade as ameaças [sic] e ofertas generosas em troca de falsos depoimentos ou ocultação de provas necessárias à conclusão do feito.

Registro, ainda, a complexidade dos fatos aqui investigados, com a conseqüente tramitação tormentosa do inquérito policial, provocado [sic] unilateralmente pelos principais investigados, tornando-se imprescindível a decretação da prisão preventiva.

Entre os crimes já indicados, alguns são considerados pelo legislador como de extrema gravidade e causadores de repulsa social, situações que justificam a decretação da medida judicial restritiva de liberdade.

Logo se faz necessário à [sic] decretação preventiva de prisão dos indiciados PAULO SALIM MALUF, FLAVIO MALUF e CELSO ROBERTO PITTA DO NASCIMENTO, pois é inegável o tráfico de influência dos mesmos aliado ao poder de intimidação durante a investigação, conforme de depreende das diversas oitivas processadas ao longo desses quatro anos.

Ressaltamos ainda que, [sic] os indiciados pretendem prosseguir com sua atividade criminosa, visto que o material obtido com a vigilância eletrônica recentemente nos dá conta de que a intimidação pelo Poder e Força continua.

Presentes os pressupostos autorizadores das medidas acima expostas, tais como: fumus boni júris configurado na farta documentação composta de extratos bancários, financeiros e depoimentos de diversas pessoas que direta ou indiretamente estão ligadas ao esquema, orquestrado pelos indiciados PAULO SALIM MALUF, FLAVIO MALUF e CELSO ROBERTO PITTA DO NASCIMENTO, em especial o doleiro Vivaldo Alves (fls. 525/529) e o ex-tesoureiro da Mendes Júnior S/A Simeão Damasceno de Oliveira (fls. 42/44), pilharam os cofres públicos da Prefeitura Municipal de São Paulo, ao que nos foi revelado até agora, por mais de uma década.

O periculum in mora caracterizado pelo simples fato, quanto mais se arrastar [sic] essa investigação sem uma rápida resposta para a Justiça e a sociedade brasileira, o sentimento de impunidade se consolidará cada vez mais em nossas mentes e servirá como uma ação negativa de cidadania e democracia a ser registrada na história do Brasil. (cf. fls. 1175/1213)

Ao que se vê pretende-se a custódia preventiva dos Requerentes – que é medida excepcionalíssima, como aqui já se demonstrou –, em primeiro lugar, porque suas liberdades “ofereceriam risco à tramitação da presente investigação”, coisa que não se compreende, haja vista que as investigações já estão encerradas e o feito devidamente relatado.

Depois, porque os fatos investigados seriam complexos e que o inquérito policial teria tramitado de forma tormentosa. Ora, não se reconhece complexidade de fatos investigados como sendo causa ou requisito determinante de decreto de qualquer custódia cautelar. A não ser que haja novo pressuposto não previsto em lei…


De outro lado, não se sabe — até porque não se especificou — em quê consubstanciaria essa “tramitação tormentosa” do apuratório — que já está concluído, repita-se, a menos em relação aos Requerentes —, que tornaria “imprescindível a decretação da prisão preventiva”. Carece de fundamento, e igualmente de previsão legal esse que seria outro “fundamento” da medida restritiva de liberdade requerida.

Por fim, depreende-se que a almejada prisão processual se justificaria nas “ameaças e ofertas generosas em troca de falsos depoimentos ou ocultação de provas necessárias à conclusão do feito”.

Em que pese ”o feito” já estar concluído — repita-se ainda uma vez —, não se sabe que ameaças miríficas teriam sido essas, mesmo porque a elas não há qualquer referência quer no inquérito policial, quer no relatório da Autoridade Policial em que a custódia foi requerida.

Ameaça a quem? Qual teria sido o mal futuro prometido? E a contrapartida?

De outro lado, que ofertas generosas são essas? Seriam de dinheiro? De quanto? A quem? Tudo nas nuvens da imaginação ou da presunção sherlockista?

Francamente…

A liberdade no Brasil está se tornando bem jurídico de terceira categoria e os autocratas imaginam que podem suprimi-las por faz ou nefas…

Ao que parece tudo não passa de um inominável esforço de criatividade de quem pretende a prisão dos Requerentes a qualquer preço. Será que isso tiraria o foco dos escândalos que abalam a Capital Federal?

Poder-se-ia imaginar1 que as aludidas “ameaças e ofertas generosas” diriam respeito à pessoa de VIVALDO ALVES, conhecido “doleiro” desta Capital com quem o segundo Requerente teria se encontrado no curso deste feito e com ele conversado.

Ora, se esta seria a razão pela qual se pretende e se justificaria a custódia cautelar – e aí estaríamos falando de um dos requisitos do artigo 312 do CPP – fato é que VIVALDO ALVES é INVESTIGADO nestes autos, e não mera testemunha, daí porque não se poderia sequer cogitar de conveniência da instrução criminal.

Investigado, mesmo que não formalmente indiciado por razões de conveniência, testemunha não é.

E que o tal de Birigui é investigado aqui, basta ler o teor de suas declarações, em que confessa a titularidade de conta corrente e de numerário mantido no exterior sem declaração às autoridades fiscais e monetárias competentes. Aliás, a conta corrente CHANANI de que é titular no Banco Safra de Nova York, ao que consta dos autos, seria uma conta-mãe, que teria mais de quarenta filhos…

E aqui se indaga, por oportuno: por que razão seus outros filhos estariam relegados à orfandade? O que justificaria a “escolha” de uma só linha de investigação? Por que essa perseguição encarniçada somente contra as pessoas dos Requerentes?

De outro lado, se o tal encontro teria ocorrido entre Flávio e seu então advogado e o dito Birigui e seu patrono, que anormalidade há no fato em tese de investigados se reunirem para traçar estratégias comuns à sua defesa nos autos de um inquérito policial?

Direito constitucional de defesa agora é crime ou causa justificadora de decreto de constrição de liberdade? E a Constituição, às favas?

Em que tempo vivemos?

Só se tolera a “defesa autorizada” pelo Estado, como na antiga União Soviética? Ultrapassados os limites do que a acusação entende aceitável como defesa, esta passa a ser reprovada? Ora…

Falsos depoimentos ou privilege against self incrimination?

Ignora-se o direito de defesa que, na amplitude constitucional, vai desde o direito ao silêncio até o de apresentar qualquer versão dos fatos? Revogou-se o direito ao silêncio assegurado na Constituição?

A esse propósito, direito ao silêncio seria, agora, ocultação de provas?

Onde estamos? No Terceiro Reich?

Não se há de falar, por todo o exposto, em obstaculização, por qualquer forma, ao bom andamento das investigações (que já estão concluídas, repita-se ainda uma vez) ou mesmo à instrução criminal. Instrução e depoimento, reitere-se, dizem respeito a testemunhas e não a acusado ou a investigado, ainda que não tenham sido inquiridos sob este rótulo, seja qual for o pretexto.

Reafirme-se que consubstancia rematado sofisma falar em hipotéticas e conjecturais ameaças e ofertas das quais não há qualquer notícia nos autos.

Aliás, o que há nos autos é precisamente o contrário: às fls. 556/575 noticiaram os Requerentes ao Juízo que vinham sendo vítimas de tentativa de extorsão, precisamente de parte desse tal de “Birigüi”…

Prestigia-se o principal autor do fato delituoso (movimentação financeira não declarada no exterior) extorsionário comprovado por testemunhas (que não quiseram ouvir) numa autêntica inversão de valores…


Outra não é a razão pela qual as conversas telefônicas interceptadas remeteriam a uma virtual delação premiada de que se valeria VIVALDO ALVES em depoimento que prestaria à Autoridade Policial, e que acabou por se concretizando. Como se fosse possível qualquer autoridade, que não o Juiz de Direito, deferir o benefício da delação premiada.

A questão é singela: a delação premiada de VIVALDO estaria sendo por ele vendida por cinco milhões de dólares, segundo testemunhas referidas nos autos…

Como viu frustrada sua empreitada rapinadora, acabou se valendo da plea bargain, só que em sede equivocada, data venia. Equivocadamente, repita-se, na medida em que só o Juiz quem tem o poder jurisdicional para decidir sobre redução ou não aplicação de pena privativa de liberdade ou sua substituição por restritiva de direitos. Até lá o indiciado é indiciado e não testemunha… A ninguém é dado substituir o juiz natural para decidir se a tal delação é aceita ou não. Si et in quantum, indiciado é indiciado e testemunha é outra coisa.

Desnecessário sublinhar, por isso, que só faz jus à delação premiada quem é acusado, e não testemunha… Não há falar em cooptação de testemunha, já que Vivaldo aqui é o princeps sceleris.

A propósito do tema sob enfoque, são, inclusive, representantes do Ministério Público – alguns dos quais conhecidos por atuações em investigações de destaque – que admitem a necessidade da intervenção da autoridade judicial para a validade do instituto:

Em primeiro lugar destaca-se a “delação premiada” – prevista no art. 1o, § 5o, da Lei no 9.613/98. O dispositivo é realmente merecedor de aplauso, pois contempla redução de pena e previsão de início do cumprimento da pena em regime aberto para aquele que “colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime”. Evidentemente que somente aqueles esclarecimentos indicadores de fatos concretos é que podem ser merecedores do benefício previsto. Em outras palavras, o co-autor ou partícipe que indicar por exemplo nomes, condutas, locais, etc., – e isto levar à apuração de infrações penais praticadas e àquelas que lhe são imputadas, estes sim poderão receber o benefício, cuja análise todavia será levada ao crivo do Judiciário.(MARCELO BATLOUNI MENDRONI, in “Aspectos processuais da Lei no 9.613/98” – Boletim IBCCrim no 67, junho/98 – grifamos)

Mas, o que nos traz a Lei no 9.613/98?

A lei introduz a figura da “delação premiada” (§ 5o), ou pentitismo, possibilitando ao juiz deixar de aplicar ou substituir a pena do agente que colabora com a Justiça para a elucidação do crime. (WILLIAM TERRA DE OLIVEIRA, “O crime de lavagem de dinheiro”, in Boletim IBCCrim no 65, Edição Especial, abril/98, grifamos)

Malgrado a polêmica que precedeu a promulgação da Lei no 10.409, de 11 de janeiro de 2002, que em razão de suas diversas imprecisões jurídicas acabou por ter dezenas de dispositivos vetados pelo Poder Executivo, este diploma legal introduziu na sistemática jurídica nacional significativas inovações em matéria de obtenção da prova para a apuração dos denominados crimes de tóxicos, dentre as quais a mais importante delas foi a tentativa de tutela da colaboração processual.

Como referido, dentre as diversas alterações em matéria processual, a nova lei introduziu pela primeira vez no Direito Brasileiro, o instituto da colaboração processual na sua verdadeira amplitude, ou seja, decorrente de acordo entre o representante do Ministério Público e o investigado colaborador na fase pré-processual. Até então, em matéria de direito premial, o legislador nacional havia tutelado tão-somente a delação premiada do acusado como um instituto de natureza material (perdão judicial ou causa de diminuição de pena), possibilitando ao juiz extinguir a punibilidade ou diminuir a pena do acusado que, no interrogatório judicial, delatava os co-autores ou partícipes do crime. (EDUARDO ARAUJO DA SILVA, in “Breves considerações sobre a colaboração processual na Lei no 10.409/2002, Boletim IBCCrim no 121, Dezembro/2002, grifamos)

Esse entendimento reiteradamente esposado por próprios integrantes do Parquet encontra perfeita aderência nas resoluções publicadas pelo XVI Congresso Internacional de Direito Penal, da AIDP, realizado em Budapeste, em setembro de 2000, a propósito do tema:

Quanto ao recurso da delação premiada, o uso dos chamados pentiti não é recomendado, por conta das dificuldades inerentes à legitimidade do próprio sistema penal e o princípio da igualdade perante a lei. Entretanto, se uma legislação nacional decidir utilizar tal instituto, deverá obter a redução de pena com a observância das seguintes condições:


— a utilização de pentiti deve ser baseada em um texto legal (Princípio da Legalidade);— em qualquer caso, deve haver a aprovação de um juiz (Princípio do Controle Judicial);

— a condenação pode se basear apenas nos testemunhos de pentiti;

— a permissão de pentiti somente se justifica para fazer prova da prática de crimes de especial gravidade (Princípio da Proporcionalidade);

— pentiti não podem se beneficiar de anonimato.(cf. CARLOS EDUARDO ADRIANO JAPIASSÚ, in Boletim IBCCrim no 95, outubro/2000, grifamos)

Sempre estiveram os Requerentes, ademais, à inteira disposição das Autoridades Policiais e Judiciárias, tudo a demonstrar a inteira desnecessidade da constrição, detrimentosa do princípio da presunção da inocência e instrumentalmente prescindível no caso presente.

Em casos como o presente nossos Tribunais têm decidido, reiteradamente, que:

EMENTA: HABEAS CORPUS. Superada a alegada coação às testemunhas, na fase policial da apuração do delito, concede-se habeas corpus ao paciente preso preventivamente, uma vez que outro motivo não existe para a sua prisão preventiva. (STF – HC no 65.527, DJ 23.10.87)

Não se reveste de idoneidade jurídica, para efeito de justificação do ato excepcional de privação cautelar da liberdade individual, a alegação de que o réu, por dispor de privilegiada condição econômico-financeira, deveria ser mantido na prisão, em nome da credibilidade das instituições e da preservação da ordem pública. (STF – Rel. Min. CELSO DE MELLO – HC no 80.719/SP)

Para o decreto de custódia preventiva é imprescindível a demonstração da necessidade de garantia da ordem pública, conveniência da instrução criminal ou, ainda, para assegurar a aplicação da lei penal (art. 312). Trata-se de medida de exceção, desde que foi abolido o seu caráter obrigatório. Outrossim, a deficiência de fundamento não pode ser suprida por motivação, na oportunidade das informações. Provimento do recurso, cassando-se o decreto de custódia preventiva. (STF – RT 639/381 – grifamos)

O decreto de prisão preventiva, no caso, apenas reproduziu a incriminação — em tese — como se fosse prisão preventiva compulsória não mais existentes entre nós. Os motivos concretos para a segregação cautelar devem ser sempre explicitados, denotando a ocorrência de fatores extra-típicos ou peculiaridades que justifiquem a medida extrema. (STJ – Rel. Min. FÉLIX FISCHER – HC no 8.570/SP)

Réu primário, de bons antecedentes, profissão definida e residência fixa, Decreto de prisão preventiva e sentença de pronúncia que não circunstanciaram a necessidade da custódia. Em princípio, pouco importa a forma como foi perpetrado o crime ou a gravidade da pena abstratamente cominada. É imperioso que fique demonstrada a “necessidade” da segregação carcerária ante tempus. Recurso ordinário conhecido e provido. (STJ, RHC 3.542-0/PE, 6a T., Rel. Min. Adhemar Maciel, j. 9.5.94, v.u., DJ 23.5.94, p. 12.629)

A necessidade da segregação cautelar do acusado só é admitida quando baseada em justificação judicial, devidamente fundamentada, nos requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora, sob pena de se transformar em letra morta o direito individual, constitucionalmente assegurado a todos, da liberdade de ir, vir e ficar. (STJ – RT 750/572 – Rel. Min. FLÁQUER SCARTEZZINI)

A prisão preventiva, medida extrema que implica sacrifício à liberdade individual, concebida com cautela à luz do princípio constitucional da inocência presumida, deve fundar-se em razões objetivas, demonstrativas da existência de motivos concretos susceptíveis de autorizar sua imposição. (STJ – Rel. Min. VICENTE LEAL, HC no 8.486)

A mera alusão genérica à gravidade do delito e a presunção de abalo à ordem pública ou às investigações criminais, sem qualquer base fática, não são suficientes para a manutenção da custódia.

Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional. (STJ – Rel. Min. GILSON DIPP – HC no 20.849/SP)

PRISÃO PREVENTIVA — Constrangimento ilegal — Caracterização — Ausência de demonstração da necessidade da custódia — Acusado, ademais, possuidor de residência fixa, empresa própria e primário — Interpretação do art. 5o, LVII, da CF e arts. 311 e 312 do CPP.

Quando não resta demonstrada a necessidade do encarceramento do paciente, seja para garantir a ordem pública, seja para assegurar a aplicação da lei penal ou por conveniência da instrução criminal, a prisão preventiva demonstra-se desnecessária e caracterizadora de constrangimento ilegal, principalmente se o acusado tem residência fixa, empresa própria e é primário, conforme se depreende do art. 5o, LVII, da CF e arts. 311 e 312 do CPP. (RT – 765/701)


Dentro da moderna política criminal, a prisão preventiva é medida de caráter extremo, que visa a garantir a ordem pública e à aplicação da justiça, devendo sua decretação revestir-se de máxima cautela. (RT – 585/381)

A prisão de alguém sem sentença condenatória trânsita em julgado é uma violência, que somente situações especialíssimas devem ensejar. “Ao juiz não é dado julgar utilizando-se de fatos que conhece em razão de sua ciência privada. O juiz não tem compromisso imediato com a segurança pública nem com a ordem constituída. Sua preocupação imediata, no campo criminal, é com o estado de inocência do réu e com o decorrer de uma ordem justa. E sem o respeito à pessoa humana não haverá justiça, e, portanto, tanto a “segurança” como a “ordem” serão meras caricaturas, impostas por um Estado autoritário, onde o Judiciário, como Poder, não tem razão de ser. (Bol. AASP n.º 1336, pág. 180)

Para a decretação da prisão preventiva não basta a simples suposição, o temor sem base na prova, de que o acusado pretenda perturbar a instrução criminal ou subtrair-se à aplicação da pena. Imprescindível é que as circunstâncias revelem a procedência do juízo formulado pelo magistrado que decreta a prisão. (RT 564/299)

Abolida a prisão preventiva obrigatória, atualmente toda e qualquer prisão cautelar somente é autorizada quando se evidencia como de absoluta necessidade. (RT 513/394)

Prisão preventiva – Decretação por conveniência da instrução criminal – Fase, porém, já encerrada – Revogação – Habeas corpus concedido – Inteligência dos arts. 312 e 316 do CPP.

A prisão preventiva (nunca será demais repetir), porque impõe cerceamento à liberdade, erige-se em tema de direito escrito:

só deve ser decretada, ou somente pode ser mantida, quando absolutamente indispensável nos casos expressos em lei. Finda a prova acusatória, ou finda a instrução criminal quanto a ela, não mais remanesce a causa que a legitimara. Impõe-se, destarte, sua revogação, por falta de justa causa e em respeito ao que dispõe o art. 326 da Lei Adjetiva. (TJRJ – RHC 4.055 – Rel. DORESTE BAPTISTA – RT 533/393)

O magistrado paulista Dirceu Aguiar Dias Cintra Júnior, abordando o tema em questão, deixou patenteado que:

Não bastasse isso, é forçoso concluir que a prisão preventiva – e a sustentação da prisão em flagrante pelos mesmos critérios –, só possível nos estritos termos do art. 312 do CPP, constitui a única forma pela qual se poderá decretar a prisão processual de alguém em nosso ordenamento jurídico. Tanto que, em contrapartida, se não presentes aqueles requisitos, tem o indivíduo direito à liberdade provisória conforme se deflui da interpretação do art. 310, parágrafo único, do referido estatuto, lido com a Constituição da República aberto em seu art. 5o, LXVI: “Ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança”.

Verdade é que, na prática, os juízes que decretam prisões cautelares, diante da evidente falta de elementos objetivos de fundamentação, só podem se guiar por critérios de “sensibilidade”, que introduzem na atividade jurisdicional, perigosamente, dados de subjetividade e valores pessoais, de modo incompatível com o Estado Democrático de Direito e ofensivo à Constituição da República. (Prisões Cautelares – O Uso e o Abuso – artigo publicado na RT 703/260)

O que se dessume de todo o exposto, é que não se justifica a prisão preventiva dos Requerentes, sob qualquer hipótese, sendo ela manifestamente ilegal. Como aceitar que um homem de 74 anos de idade, ex-Governador do Estado, ex-Prefeito Municipal, ex-Deputado Federal, possa estar ameaçando o tal “Birigui” (verdadeiro Cavalo de Tróia que a polícia resolveu aqui introduzir para dar conotação de “novo” ao antigo fato apurado)? E o indiciado FLÁVIO, empresário e presidente de uma sociedade que emprega cerca de 3.000 brasileiros, se disporia a tal? A resposta é obviamente não.

Que se permita aos Requerentes responder aos termos do processo que eventualmente venha a se instaurar em liberdade é, pois, o quanto se deixa requerido, permanecendo ambos à inteira disposição do Juízo para o que necessário for, como, aliás, sempre estiveram (desde a entrega espontânea de seus passaportes a essa douta Vara). É o que se postula em nome da Constituição, da lei e da justiça!

Nestes termos,

P.P.Deferimento.

São Paulo, 5 de setembro, 2005.

José Roberto Leal, advogado.

OAB/SP no 26.291

José Roberto Batochio, advogado.

OAB/SP no 20.685

Notas

(1) Imagina-se porque não há qualquer referência explícita ao fato como sendo causa justificadora do decreto de prisão preventiva dos Requerentes.

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