Marcas fiscalizadas

Anvisa tem de proibir venda de cigarros não cadastrados

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6 de setembro de 2005, 15h34

A Anvisa — Agência Nacional de Vigilância Sanitária deve recolher e proibir a venda de cigarros com marcas que não solicitaram renovação de cadastro ou que não tenha cadastro renovado por pendência de cumprimento de exigência. A decisão é da Justiça Federal de Marília, interior de São Paulo, que aceitou pedido da ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal.

O objetivo da ação foi o de impedir que qualquer marca de cigarros em processo de “renovação de cadastro”, “em exigência técnica” ou “em cadastramento” seja vendida.

Durante um inquérito pra apurar o contrabando de cigarros o MPF descobriu, através do site da Anvisa, que até outubro de 2004 pelo menos 33 marcas tinham alguma pendência em seu cadastro. Depois, em nova consulta, o MPF constatou que não havia mais marcas com o status “em exigência técnica” no site.

Mesmo assim, reiterou o pedido por causa de uma orientação da Anvisa de que as marcas em processo de renovação podem ser comercializadas independentemente do estágio em que este se encontra.

O juiz Alexandre Sormani entendeu que a Resolução RDC 346/03, da Anvisa, citada na ação, exige o cadastramento anual de todas as marcas de cigarros comercializadas no país. Ao atuar desta forma, a agência estaria exercendo papel de polícia preventiva para evitar danos à saúde pública.

Sormani ressalta na sentença que a existência de pendências em relação a exigências técnicas ou renovação de cadastro não garante a permanência da autorização de comercialização por já existir um cadastro anterior. Também lembra que o MPF não levou em consideração a hipótese de que o pedido de renovação tenha sido feito a tempo, mas não tenha sido ainda apreciado pela agência.

Por isso, acatou o pedido do MPF parcialmente, determinando que a Anvisa proíba a comercialização e providencie “o imediato recolhimento de marcas de cigarros que estiverem com pendência de cumprimento de exigência (técnica ou não)”. A multa em caso de descumprimento é de R $1 mil por dia.

Leia a íntegra da decisão:

CONCLUSÃO

Em 6 de setembro de 2005, faço estes autos conclusos ao MM. Juiz Federal, DR. ALEXANDRE SORMANI.

SENTENÇA

Ação Civil Pública

Processo n.º 2004.61.11.003814-4

Autores: Ministério Público Federal

Réus: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)

Vistos.

I – RELATÓRIO

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, devidamente qualificado na inicial, propõe a presente ação civil pública, com pedido de tutela antecipada, em face da AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA – ANVISA.

Aduz que, em virtude de consulta realizada junto ao site da ré, constatou-se que várias marcas de cigarros estavam sendo comercializadas sem estarem devidamente regularizadas. Requer, portanto, seja a ré condenada a autorizar a comercialização apenas das marcas de cigarro devidamente cadastradas, proibindo a venda e determinando recolhimento de cigarros cujas marcas encontram-se “em exigência técnica”, “em cadastramento” ou “em renovação de cadastro”.

Juntou documentos às fls. 25/52.

Intimada a ré para se manifestar sobre a liminar postulada (fls. 55).

Petição do Ministério Público Federal, às fls. 58, expondo que, em nova consulta ao site da ré, a situação cadastral das Empresas de Tabaco – Ano 2004 foi alterada, inexistindo marcas “em exigência técnica”. Todavia, requereu a procedência do pedido, em virtude da existência de orientação no sentido de que a pendência de renovação de cadastro não é impeditiva à comercialização dos cigarros.

A petição acima mencionada foi recebida como emenda à inicial (fls. 67).

Manifestou-se a ré alegando não ter praticado nenhum ilícito, uma vez que agiu em conformidade com a lei. Traçou a distinção entre o primeiro cadastramento e a renovação de cadastro. Esclareceu que enquanto a renovação do cadastro não for indeferida, o comércio será permitido, pois já existe um cadastro anterior. Por este motivo, salientou estarem ausentes os requisitos autorizadores da concessão da antecipação da tutela. Requereu, por fim, a extinção do feito com fulcro no art. 267, VI do CPC (fls. 70/89).

Decisão de fls. 83/87 indeferiu o pedido de antecipação de efeitos da tutela.

A ré foi citada (fls. 115), bem como intimada da decisão que indeferiu a liminar pleiteada. Apresentou contestação (fls. 118/126) e juntou documentos (fls. 127142. Alega, preliminarmente, perda do objeto, inadequação da via eleita e falta de interesse de agir. No mérito, alega que não houve qualquer prática de ato ilícito. Afirma que, de fato, somente poderão ser comercializados os produtos derivados do tabaco que estiverem devidamente cadastrados. Entretanto, em relação à solicitação de renovação do cadastro, as empresas poderão continuar comercializando, pois o pedido de renovação não é condição suspensiva, e, além do mais, já existia um cadastro inicial. Ressalta, ainda, que seria inviável proibir a comercialização dos produtos todas as vezes em que as empresas precisassem renovar o seu cadastro junto a ANVISA. Assevera, também, que o autor não demonstrou a omissão no controle sanitário dos produtos, no tocante às suas composições, e em se tratando de exigências técnicas, na ordem formal, estas não obstam a comercialização do produto, pois não há exposição, da população, ao risco sanitário.


A ré apresentou sua réplica à contestação (fls. 145/152), reiterando os termos da inicial e requerendo o julgamento antecipado da lide. Juntou documentos de fls. 153/162.

Na fase de especificação de provas, o autor reiterou o pedido de julgamento antecipado da lide e a ré deixou de se manifestar, conforme certidão de fls. 173.

A seguir, vieram os autos à conclusão.

É o relatório. Decido.

Julgo a lide nas linhas do artigo 330, inciso I, do CPC, considerando a inexistência de necessidade de produção de provas em audiência. A parte autora postulou o julgamento antecipado (fls. 163 verso), enquanto que a ré manteve-se silente (fls. 173).

Decerto, por se tratar de questão relativa a interesses difusos, não vejo prejuízo pela não realização de editais para convocação de consumidores, cujos interesses individuais ou individuais-homogêneos poderão ser analisados e discutidos nas vias propícias.

Não entrevejo a mencionadaperda de objeto da presente ação, considerando que há, em tese, a possibilidade de renovação de cadastro, o que também é objeto de questionamento pelo titular da ação.

Outrossim, não há que se falar de inadequação da via escolhida, já que não se está na inicial questionando a constitucionalidade abstrata de leis (objeto de ação de controle concentrado de constitucionalidade), mas a validade de medidas concretas relativas aos cadastros de cigarros. E para a apreciação da pretensão inicial não é necessária a desconsideração do previsto no artigo 16 da Lei nº 7.347/85, ou, ainda, considerá-lo inconstitucional.

O referido artigo 16, que não foi objeto da decisão da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 04 que se circunscreveu às alterações do artigo 1º da Lei nº 9.494/97, estabelece que a decisão se dará nos limites de competência territorial do órgão prolator, isto é, nas hipóteses em que é possível delimitar a competência.

Tratando-se de situações em que a competência não é demarcável, como é o caso dos autos, em que a permissão de comercialização de cigarros em alguns lugares por uma agência de vigilância nacional de cigarros e a proibição em outros não parece razoável sob o prisma do primado da isonomia, não se aplica o artigo 16, não em razão de considerá-lo inválido, mas sim de adequá-lo a situações consentâneas com o primado da isonomia.

Por fim não se vê a alegada falta de interesse de agir por desnecessidade da medida ou por inutilidade. A procedência ou não da tese ministerial está afeta ao próprio mérito da ação. Alega-se ocorrência de interpretação e prática inválida da ANVISA da legislação e regulamentação acerca da comercialização de cigarros, em prejuízo a interesses de envergadura difusa, o que, por si só, retira a análise do discricionarismo administrativo, já que nos termos do princípio da inafastabilidade da jurisdição qualquer violência ao ordenamento jurídico, ofendendo bem jurídico, está submetido a apreciação do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV, CF).

Afastadas as preliminares, passo ao exame de mérito.

O cerne da questão situa-se na Resolução – RDC nº 346/03, cujo teor encontra-se às fls. 47 a 52, não questionado pela parte ré.

Nessa regulamentação verifica-se a necessidade de cadastramento anual de todas as empresas beneficiadoras de tabaco e de todas as empresas fabricantes nacionais, importadoras ou exportadoras de produtos derivados do tabaco, fumígenos ou não, bem como o cadastro anual de todos os seus produtos (art. 1º).

O cadastro referido, obviamente, não pode ser considerado exclusivamente para fins burocráticos, mas deve estar afeto às finalidades da ré.

O inciso III do artigo 2º da Lei nº 9.782/99 expressamente define que é da competência da União “normatizar, controlar e fiscalizar produtos, substâncias e serviços de interesse para a saúde “. E para realizar essa competência da União, atribui-se a ré a competência prevista em seu artigo 6º.

Art. 6ºA Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.

Portanto, resta claro que a exigência de cadastro anual se refere ao poder de polícia preventivo que é dado à Administração Pública para intervir nas atividades particulares em prol do interesse público primário.

Aliás, essa prerrogativa atribuída à ré amolda-se bem no conceito de poder de polícia administrativa, tal como ensinava o saudoso Hely Lopes Meirelles.1


“Poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.”

Afirmo que o poder de polícia é preventivo, no caso, pois o cadastro é condição necessária para a comercialização do produto (RDC 346/03):

“Art. 4º. Para iniciar a comercialização de uma marca nova de produto derivado do tabaco, fumígeno ou não, as empresas fabricantes nacionais, importadoras ou exportadoras deverão apresentar no Setor de Protocolo da ANVISA, solicitação de cadastro para cada marca de produto.

Art. 13. A solicitação de cadastro das marcas novas dos produtos derivados do tabaco, fumígenos ou não, deverá ser protocolada junto a ANVISA até 45 dias antes do início da comercialização.

Paragrafo Único. Decorrido o prazo de que trata o caput do presente artigo e não havendo qualquer exigência a ser cumprida pela empresa, o cadastro solicitado será deferido por meio de inclusão da marca na Relação de Marcas Cadastradas, publicada eletronicamente pela ANVISA em sua página www.anvisa.gov.br, na área de atuação: Derivados do Tabaco.”

Assim, se o controle é preventivo e não repressivo, resta clara a importância do cadastro, antes da comercialização, para evitar danos à saúde pública.

A envergadura relevante da saúde pública e os propósitos constitucionais de melhoria da condição de saúde da população (art. 6º CF), impulsiona a necessidade de renovação cadastral dos produtos, de modo a adaptá-los às inovações científicas e às novas exigências técnicas, não havendo que se falar de direito adquirido do particular em comercializar produtos que uma vez foram cadastrados.

“Por fim, deve-se ter presentes as magníficas lições do TJSP, assim expostas:’Os princípios de polícia sanitária, sempre em evolução, na medida das exigências sociais, não conferem direito adquirido’ – sendo esta a razão da necessidade de periódicas renovações de autorizações do Poder Público sobre a matéria ( …)”.2

Portanto, o suporte jurídico para o exercício desse poder de polícia preventivo através de cadastro renovável prende-se única e exclusivamente na proteção à saúde pública, através de políticas de vigilância sanitária a fim de implementar avanços científicos e tecnológicos e progressiva melhoria de condições de vida da população. Eis o que se deve ter em mente.

Como disse a ré, é certo que a resolução faz a diferença de cadastro novo e de renovação de cadastro. Porém, o escopo da exigência de cadastro e de sua renovação não permite a conclusão tirada de que enquanto pendentes exigências técnicas ou pendente a renovação do cadastro, haveria a permanência da autorização de comercialização, pois já havia um cadastro anterior.

É o que disse a ré (fls. 122):

Logo, o pleito de renovação de cadastro não se traduz em condição suspensiva para a comercialização, já que houve pronunciamento anterior da Ré autorizando sua entrega a consumo. Deste modo, a interpretação a ser dada à orientação transcrita às fls. 04 não é outra senão a de que faz menção apenas e tão somente ao pedido de renovação de cadastro, não abrangendo as hipóteses de cadastro novo.

Disse também (fls. 122):

“(…) Seria extremamente danoso à ordem econômica paralisar as atividades de um comerciante de fumígenos a cada vez que o mesmo fosse renovar seu cadastro perante a ANVISA!

Há, decerto, um equívoco na priorização de posturas da ré. Sua preocupação maior e a razão de ser de sua existência, como visto, é a saúde pública e não o interesse econômico dos particulares. É aquela e não esse que deve preponderar na avaliação das medidas sanitárias de poder de polícia.

Portanto, se a resolução garantisse o direito de comercialização de cigarros em exigência técnica ou em pendência de renovação de cadastro trairia todo arcabouço jurídico que sustenta o cadastramento, jogando-o na vala comum das meras medidas burocráticas e destituídas de sentido.

Como dito, o poder de polícia preventivo tem por objetivo impedir a lesão ao bem jurídico tutelado, dando prevalência ao interesse público primário, em detrimento do interesse particular, assim, caso não efetuada a renovação de cadastro no prazo regulamentar (art. 12 e 14 da RDC), ou não deferida por não atendidas as exigências regulamentares (I), documentais (II) ou técnicas (III) do artigo 18 da Resolução – que não se resumem a meras medidas burocráticas – resta evidente a proibição da comercialização.

Mas, e nos casos em que o pedido de renovação de cadastro foi feito a tempo e a ANVISA ainda não o analisou? Ora, dentro da cláusula de reserva do possível, é razoável admitir que a entidade tenha um prazo para analisar a situação dos produtos em renovação de cadastro, mas nada na resolução autoriza que possa permitir o comércio desses produtos com pendências de exigência. Se já se sabe que falta atendimento a requisitos, a renovação de cadastro deve ser indeferida.


Conferir ao particular a possibilidade de continuar comerciando produtos pendentes de exigências, que deveriam ser atendidas no cadastro inicial ou quando da renovação, é o mesmo que premiá-lo pela sua própria inércia, o que vai em desconformidade com a finalidade do cadastro e com o princípio geral de Direito de que ninguém pode alegar em seu benefício a sua própria torpeza – nemo auditur propriam turpitudinem allegans.

Ora, é a resolução que determina ao particular que para a solicitação de renovação de cadastro é necessário que a empresa tenha cumprido todas as exigências cadastrais nos anos anteriores para a marca de produto (§ 3º, artigo 5º, RDC), de modo que não atendendo esse requisito, não há permissão de comercialização com pendências, mas sim o indeferimento (art. 18, incisos, da resolução). Cumpridas as exigências, a posteriori, poderá o cadastro ser restabelecido (art. 6º, § 2º, RDC).

Logo, a exegese exarada no site da ANVISA à época (fls. 45)3, o que sofreu modificação posterior e parcial (fls. 58 e 128), não encontra sequer substrato na resolução multicitada, bem como nos fundamentos jurídicos já mencionados que a norteiam.

Assim, somente podem ser comercializados produtos cadastrados ou em pendência de análise pela ANVISA do pedido de renovação feito no prazo. Renovações que estiverem com pendências de cumprimento de exigências (portanto, já analisadas pela ANVISA) não podem os produtos a elas relativos ser comercializados.

Assim, procede em parte a pretensão ministerial, pois desconsiderou a situação – razoável como dito – de que o pedido de renovação tenha sido formulado no prazo e a ANVISA ainda não fez qualquer análise.

E, por tudo que foi dito, não entrevejo qualquer reconhecimento do pedido pela ré, já que apesar de retirar posteriormente as marcas com pendências de exigências do site indigitado (fls. 58), insistiu na tese de prevalência da situação econômico-financeira das empresas em renovação de cadastro.

Por derradeiro, eventual omissão da ANVISA em apreciar o pedido de renovação de cadastro ou apreciá-lo incorretamente não é objeto desta ação, por isso não conhecido por este juízo.

DIANTE DE TODO O EXPOSTO, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE A AÇÃO para o fim de determinar à AGÊNCIA NACIONAL DE VIGILÂNCIA SANITÁRIA a proibir a comercialização e a providenciar, no âmbito de suas atribuições, o imediato recolhimento de marcas de cigarros que estiverem com pendência de cumprimento de exigência (técnica ou não), permitindo a comercialização única e exclusivamente de marcas CADASTRADAS ou com pedido de renovação de CADASTRO anterior feito a tempo, mas sem apreciação da ANVISA.

Em caso de descumprimento do comando contido nesta sentença, fixo a pena pecuniária no importe de R$ 1000,00 (mil reais) – valor razoavelmente pleiteado – por dia de descumprimento, sem prejuízo das sanções cíveis, criminais e administrativas cabíveis. A execução da pena pecuniária somente será feita no trânsito em julgado.

Sem custas e sem honorários, estes em razão da sucumbência recíproca.

Sentença sujeita ao reexame necessário, devido a inexistência de condenação em valor certo.

P. R. I.

Marília, 6 de setembro de 2005.

ALEXANDRE SORMANI

JUIZ FEDERAL

Notas

1 — Direito Administrativo Brasileiro, 20ª edição, p. 115.

2 — Hely Lopes Meirelles, ob cit, p. 130.

3 — “(…)De acordo com a RDC 346/03, as marcas que constam na lista com pedido de cadastro ou de renovação EM EXIGÊNCIA não estão impedidas de comercialização. O impedimento passará a ocorrer caso as exigências não sejam cumpridas dentro do prazo, ocasionando assim, o indeferimento do pedido e imediata publicação no site da ANVISA.(…)”

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