Máfia Capixaba

STJ decide que réu pode acompanhar transcrição de fita

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5 de setembro de 2005, 17h09

O ministro Franciulli Neto, do Superior Tribunal de Justiça, decidiu na segunda-feira (29/8) que os réus podem acompanhar a transcrição e a reprodução de fitas que os comprometeriam. A decisão permite a vista dos autos em cartório, para extração de cópias, “tão-somente após a realização da referida transcrição e reprodução da fita de vídeo”. As fitas foram anexadas à ação penal pelo Ministério Público Federal.

Na última quinta-feira, a revista Consultor Jurídico publicou equivocadamente que os réus não poderiam acompanhar a transcrição, quando, na verdade, eles podem acompanhá-la, mas só podem extrair cópias dos autos após a realização da reprodução da fita.

José Carlos Gratz (ex-presidente da Assembléia Legislativa do Espírito Santo), André Luiz Cruz Nogueira (ex-diretor-geral da Assembléia), Valci Ferreira de Souza (presidente do Tribunal de Contas do estado), Marcos Miranda Madureira (conselheiro do TCE-ES) e Djalma Monteiro da Silva (ex-presidente do TCE-ES), já foram denunciados em outro caso pelo MPF por desviar dinheiro da Assembléia, num caso que ficou conhecido como “Esquema das Associações”. De acordo com a denúncia, o grupo teria desviado cerca de R$ 10,6 milhões entre 1999 e 2002.

Neste caso, todos são investigados por peculato. Gratz e Nogueira já estão presos por decisão da Justiça capixaba. Eles foram condenados, respectivamente, a 15 anos e 11 anos e seis meses de prisão em regime fechado.

No mês passado, Polícia Federal cumpriu mandado de busca e apreensão na casa do juiz federal Macário Ramos Júdice Neto e em seu gabinete, na 3ª Vara Federal em Vitória. O juiz é acusado de formação de quadrilha, corrupção passiva, peculato, lavagem de dinheiro e ameaça. Por causa da operação policial, os atendimentos na vara foram suspensos. O andar inteiro foi inderditado pela PF. Gratz e Nogueira foram denunciados por formação de quadrilha, peculato e corrupção ativa. O Tribunal decretou segredo de Justiça nas investigações.

O MPF acusa ainda o ex-deputado estadual Almir Braga Rosa de formação de quadrilha e a ex-servidora Ana Karla Kohls de peculato, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. A PF cumpriu também um mandado de busca e apreensão na casa da antiga funcionária do parlamento capixaba. Conhecido como Almir Pernambuco, o parlamentar já cumpriu pena por desvio de verbas.

O ex-presidente do Legislativo do Espírito Santo responde também a outros processos na Justiça estadual e federal por formação de quadrilha, peculato e apropriação de dinheiro público.

Leia a íntegra da decisão

AÇÃO PENAL Nº 421 – ES (2005/0089946-5)

RELATOR: MINISTRO FRANCIULLI NETTO

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU: JOSÉ CARLOS GRATZ (PRESO)

RÉU: ANDRÉ LUIZ CRUZ NOGUEIRA (PRESO)

ADVOGADO: LUCIANA CASOTTI MACHADO CUNHA E OUTROS

RÉU: VALCI JOSÉ FERREIRA DE SOUZA

RÉU: MARCOS MIRANDA MADUREIRA

PROCURADOR: D’ALEMBERT JORGE JACCOUD E OUTROS

RÉU: DJALMA MONTEIRO DA SILVA

ADVOGADO: RICARDO CASSA MONTEIRO

DECISÃO

Trata-se de pedidos de vista dos autos da presente ação penal, formulados pelos insignes advogados Márcio Gestteira Palma, o qual não possui instrumento de mandato conferido por nenhum dos acusados e D’Alembert Jorge Jaccoud, que requer, outrossim, a juntada de procuração.

O acusado André Luiz Cruz Nogueira, que está preso preventivamente na Delegacia da Praia do Canto, por sua vez, requer, nos termos da petição (fl 347), que seja autorizada a sua presença e de seus procuradores no ato de transcrição e reprodução da fita de vídeo anexada pelo Ministério Público, em atenção ao princípio da ampla defesa e do contraditório.

Verifica-se que o subscritor da petição (fl. 344), além de não possuir instrumento de mandato, nem sequer justificou o pedido.

É certo que, nos presentes autos, não foi decretado segredo de justiça, contudo a ação penal originária em questão encontra-se na fase de defesa preliminar dos envolvidos, de modo a requerer cautela na disponibilização das informações, principalmente no tocante à sociedade, à intimidade, ao princípio da presunção da inocência e ao interesse público.

Sabem-no todos, ocioso rememorar, que o direito de acesso aos autos não é absoluto. Com efeito, como bem perlustra o festejado e saudoso autor Júlio Frabbrini Mirabete, ao cuidar dos princípios do processo penal, “a publicidade absoluta pode acarretar, às vezes, sérios inconvenientes com prejuízos sociais maiores do que a restrição do princípio (sensacionalismo, desprestígio do réu ou da própria vítima, convulsão social etc.). Por isso, as ressalvas constitucionais quanto à publicidade ampla, para a defesa ‘da intimidade e do interesse social’, do ‘interesse público’ e do sigilo imprescindível ‘à segurança da sociedade e do Estado’. O poder conferido ao legislador ordinário de restringir a publicidade dos atos processuais, entretanto, diz respeito principalmente à publicidade popular. São legítimas as restrições previstas no Código de Processo Penal nos artigos 792, § 1º (“Se da publicidade da audiência da sessão ou do ato processual, puder resultado escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz ou o tribunal, câmara ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes”), (…)” (“Processo Penal”: 16 ed., São Paulo: Atlas, 2004, p. 49).

Na mesma linha de raciocínio, adverte Guilherme de Souza Nucci que “a publicidade geral – acompanhada das audiências, sessões e atos processuais por qualquer do povo – pode ser limitada, caso haja interesse público – nele compreendidos a intimidade e o interesse social, o mesmo não ocorrendo com a denominada publicidade específica – acompanhamento das audiências, sessões e atos processuais pelo Ministério Público ou pelos advogados das partes” (“Código de Processo Penal Comentado”, 3 ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, nota n. 02 ao artigo 792 do CPP, p. 1018).

Assim, compete ao Ministro Relator, que preside o processo, examinar se na espécie é ou não necessária restrição do acesso aos autos como forma de se evitar, nos termos do Código de Processo Penal (artigo 792, § 1º), escândalo, grave inconveniente ou perigo de perturbação da ordem.

Quanto ao pedido do acusado André Luiz Cruz Nogueira, verifica-se que já foi autorizada no próprio despacho que determinou a transcrição e reprodução da fita de vídeo, anexada pelo Ministério Público, a presença das partes e dos advogados (fl. 193). Saliente-se, que para autorizar a saída do acusado preso preventivamente mister fazer-se autorização do juízo competente.

Mais a mais, verifica-se que, in casu, a reprodução e a transcrição da prova consiste em procedimento prévio ao recebimento da denúncia, e que poderá ser oferecida contraprova posteriormente. Não há que se falar, pois, em violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa, principalmente por tratar-se de procedimento meramente investigatório, cuja natureza inquisitiva não resulta em prejuízo, dada a inadmissibilidade de condenação baseada exclusivamente em procedimento investigatório e que não tenha sido submetido posteriormente à instrução criminal.

Oportuno salientar que, após a realização da transcrição e reprodução da fita de vídeo anexadas pelo Ministério Público Federal, nos termos do despacho de fl. 193, será facultada às partes, regularmente representadas, vista em cartório dos presentes autos, para as providências que entenderem cabíveis.

Dessarte, determino a juntada do instrumento de procuração do advogado D’ Alembert Jorge Jaccoud, bem como defiro o pedido de vista dos autos em cartório, para extração de cópias, tão-somente após a realização da referida transcrição e reprodução da fita de vídeo. Quanto ao pedido de vista em cartório formulado à fl. 344 e o pedido de fl. 347, indefiro-os.

Brasília (DF), 29 de agosto de 2005

MINISTRO FRANCIULLI NETTO

RELATOR

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