MP ambiental

Leia voto do ministro Celso de Mello sobre Código Florestal

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5 de setembro de 2005, 16h04

O Supremo Tribunal Federal manteve, na semana passada, por sete votos a dois, o artigo 1º da Medida Provisória 2166/01, que alterou o Código Florestal — Lei 4.771/65. Na prática, a alteração regulamentou a retirada de vegetação de área de preservação permanente com simples autorização administrativa do órgão ambiental do Executivo.

O relator da Ação Direta de Inconstitucionalidade, proposta pela Procuradoria-Geral da República, foi o ministro Celso de Mello. Os votos contrários foram dos ministros Marco Aurélio e Carlos Ayres Brito. Em julho, o presidente do STF, Nelson Jobim, havia concedido liminar para suspender o dispositivo.

A decisão liminar de Jobim foi colocada em pauta para ser referendada pelo Plenário. Acabou prevalecendo o entendimento do relator, ministro Celso de Mello, que votou pela restauração da eficácia do artigo 1º da Medida Provisória. O ministro afirmou que a MP em vigor desde 2001 não provocou quatro efeitos lesivos ao patrimônio ambiental. Pelo contrário, explicou o relator, estabeleceu um círculo de proteção com o objetivo de permitir que o Poder Público exerça um controle sobre as atividades ou obras nas áreas de preservação permanente (APP).

Segundo Celso de Mello, a MP impôs que a alteração ou supressão de vegetação de área de preservação permanente só pode ser autorizada pelo Poder Público em caso de utilidade pública ou interesse social e somente quando não existir alternativa técnica e ao empreendimento proposto.

Sobre a controvérsia da necessidade de lei para executar qualquer obra ou serviço em áreas de proteção ambiental, Celso de Mello afirmou que a alteração e a supressão sujeitos à lei são do próprio regime jurídico que rege o espaço protegido. “Vale dizer, depende de lei a alteração ou a revogação da legislação que institui, delimita e disciplina esse espaço protegido, mas não depende de lei o ato administrativo que, nos termos da legislação que disciplina esse espaço, nele autoriza, nele licencia ou nele permite obras ou atividades”.

Leia aqui a íntegra do voto do relator Celso de Mello

1º/09/200TRIBUNAL PLENO

MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.540-1 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CELSO DE MELLO

REQUERENTE(S): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

REQUERIDO(A/S): PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ADVOGADO(A/S): ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

INTERESSADO(A/S): ESTADO DE SÃO PAULO

ADVOGADO(A/S): PGE-SP – JOSE DO CARMO MENDES JUNIOR

INTERESSADO(A/S): ESTADO DE MINAS GERAIS

ADVOGADO(A/S): JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA E OUTROS

INTERESSADO(A/S): CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA – CNI

ADVOGADO(A/S): MARIA LUIZA WERNECK DOS SANTOS

INTERESSADO(A/S): ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

ADVOGADO(A/S): PGE – ES MARIA CHRISTINA DE MORAES

INTERESSADO(A/S): ESTADO DA BAHIA

ADVOGADO(A/S): PGE – BA CÂNDICE LUDWIG ROMANO

INTERESSADO(A/S): INSTITUTO BRASILEIRO DE MINERAÇÃO – IBRAM

ADVOGADO(A/S): MARCELO LAVOCAT GALVÃO

INTERESSADO(A/S): ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

ADVOGADO(A/S): PGE-MS ULISSES SCHWARZ VIANA

INTERESSADO(A/S): ESTADO DO AMAZONAS

ADVOGADO(A/S): PGE-AM PATRÍCIA CUNHA E SILVA PETRUCCELLI E OUTRA

R E L A T Ó R I O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): O eminente Senhor Procurador-Geral da República, ao ajuizar a presente ação direta, argüiu a inconstitucionalidade do art. 4º, “caput” e §§ 1º a 7º, da Lei nº 4.771, de 15/09/1965 (Código Florestal), na redação dada pela Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001.

As normas legais ora impugnadas possuem o seguinte conteúdo material (fls. 09/16):

Art. 4º A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.

§ 1º A supressão de que trata o ‘caput’ deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo.

§ 2º A supressão de vegetação em área de preservação permanente situada em área urbana, dependerá de autorização do órgão ambiental competente, desde que o município possua conselho de meio ambiente com caráter deliberativo e plano diretor, mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual competente fundamentada em parecer técnico.

§ 3° O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente.

§ 4º O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor.

§ 5º A supressão de vegetação nativa protetora de nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam, respectivamente, as alíneas ‘c’ e ‘f’ do art. 2° deste Código, somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública.

§ 6º Na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA.

§ 7º É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa.” (grifei)


O eminente Senhor Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal, durante o período de férias forenses (julho de 2005), ao suspender, cautelarmente, a eficácia e aplicabilidade do art. 1º da Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que alterou o art. 4º, “caput” e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, que instituiu o Código Florestal, proferiu decisão que tem o seguinte conteúdo (fls. 23/27):

O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ajuíza ADI contra o art. 1º da Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 agosto de 2001, na parte em que alterou o art. 4º, caput e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.

Aponta a inconstitucionalidade formal dos referidos dispositivos por violação ao art. 225, § 1º, III, da Constituição Federal.

Está na inicial:

‘…………………………

[os dispositivos ora atacados] tornam possível a supressão de área de preservação permanente mediante mera autorização administrativa do órgão ambiental, quando, em verdade, o legislador constituinte determinou que tal supressão somente poderá ocorrer por meio de lei formal.

…………………………

… somente a lei em sentido formal e específica, entendida esta como o ato normativo emanado do Poder Legislativo e elaborada segundo os preceitos do devido processo legislativo constitucional, poderá autorizar a alteração e/ou supressão dos espaços territoriais especialmente protegidos…

…………………………’

Alega que o CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – CONAMA, com fundamento na Medida Provisória atacada

‘…………………………

…está prestes a autorizar, por meio de resolução, que o gestor ambiental local apure a ‘utilidade pública’ de um empreendimento de mineração e autorize, sem lei, a supressão da vegetação em área de preservação permanente.

…………………………’ (fl. 7)

E que

‘…………………………

Tal fato… poderá acarretar prejuízos irreparáveis ao bem ambiental, uma vez que fundado unicamente na discricionariedade do gestor ambiental de dizer o que é utilidade pública, quando essa avaliação evidentemente extrapola a questão ambiental. [via de conseqüência] Abre-se a porta, por exclusivos interesses econômicos, especialmente minerários, para a extinção de espaços territoriais protegidos e essenciais à proteção e defesa dos ecossistemas.

…………………………’ (fl. 7)

E ainda que

‘…………………………

A 78ª Reunião do CONAMA será realizada nos próximos dias 27 e 28 de julho de 2005…, o que comprova a necessidade de concessão de medida cautelar com base no art. 10, § 3º, da Lei nº 9.868/99, ‘sem a audiência dos órgãos ou das autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado’.

…………………………’ (fl. 7)

Requer a concessão de medida cautelar com fundamento no art. 10, § 3º, da Lei 9.868/99 e no art. 170 do Regimento Interno.

Decido.

Em exame prévio, verificam-se presentes os pressupostos necessários para o deferimento da medida cautelar.

A inicial anuncia a proximidade da 78ª Reunião Ordinária do CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – CONAMA, órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA – SISTEMA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, que será realizada nos dias 27 e 28 de julho de 2005 (fls. 17/20).

Ocorre que, com fundamento no art. 4º da Medida Provisória ora impugnada, o CONAMA, por meio de Resolução, pode vir a autorizar o gestor ambiental local a suprimir a vegetação de uma área de preservação permanente, para fins de ‘empreendimento de mineração’ (fl. 7).

A Constituição Federal impõe ao Poder Público o dever de defender e proteger o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (art. 225, ‘caput’, da CF).

Ora, a extração de minério causa danos irreparáveis e irreversíveis ao meio ambiente, eis que a área em que a atividade for desenvolvida não voltará ao seu estado anterior, presente por este motivo o ‘periculum in mora’.

O ‘fumus boni iuris’ encontra-se na norma constitucional (art. 225, § 3º, III, da CF) que autoriza a supressão de área de preservação permanente somente por lei.

Daí que a concessão da medida permitirá uma análise mais aprofundada sobre o tema e, ao mesmo tempo, não impedirá o perecimento do direito de eventuais interessados na exploração ambiental.

Assim, defiro o pedido de medida cautelar para suspender, ‘ad referendum’ do Plenário, até o julgamento final desta ação, a eficácia do art. 4º, ‘caput’, e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, da Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965.

Comunique-se, com urgência, o teor desta decisão ao Diretor do CONAMA e ao Procurador-Geral da República.

Solicitem-se informações.” (grifei)


O Senhor Presidente da República prestou as informações que lhe foram solicitadas (fls. 48/133) e, nelas, defendeu a legitimidade constitucional da Medida Provisória n. 2.166-67/2001, editada por seu antecessor, assinalando que o diploma legislativo em causa não transgrediu a norma constitucional de parâmetro (CF, art. 225, § 1º, n. III).

Em conseqüência de tal posição, o Chefe do Poder Executivo da União pediu a reconsideração do ato decisório ora submetido ao referendo desta Suprema Corte (fls. 178/195), destacando, com apoio em parecer do ilustre Consultor Jurídico do Ministério do Meio Ambiente, Dr. GUSTAVO TRINDADE, as seguintes conclusões:

I – as áreas de preservação permanente incluem-se no conceito de ‘espaços especialmente protegidos’, nos termos do art. 225, § 1°, inciso III da Constituição Federal, juntamente com as Unidades de Conservação e a Reserva Legal;

II – a interpretação/aplicação dos preceitos constitucionais em debate não podem desbordar da lógica do razoável. Com efeito, o preceito constitucional em foco não poderá conduzir à conclusão de que qualquer atividade humana, em ‘espaços territoriais especialmente protegidos’, dependa, diretamente, de autorização legislativa. A interpretação do enunciado em tais termos esvaziaria a ação administrativa, concentrando-a no Parlamento;

III – o texto constitucional em análise expressa a necessidade de lei especifica para a alteração e a supressão de espaços territoriais especialmente protegidos, jamais para a supressão de vegetação nestas áreas. O corte de vegetação em área de preservação permanente não acarreta a supressão da APP, tanto que o Código Florestal Federal reconhece, textualmente (art. 1°, § 2°, inciso II), a existência de área de preservação permanente, mesmo em espaços desprovidos de vegetação;

IV – não depende de lei o ato administrativo que, nos termos da legislação que disciplina referido espaço, nele autoriza, licencia ou permite obras ou atividade;

V – o art. 225, § 1°, inciso III da Constituição Federal determina uma dupla condição para que se promovam alterações ou supressões de espaços territoriais especialmente protegidos: a) existência de prévia lei autorizativa e b) vedação de qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

VI – a lei autorizativa para uma eventual supressão de vegetação em área de preservação permanente estabelecida pelo artigo 4° é o próprio Código Florestal (art. 3°, § 1° e art. 4°). Portanto, não há necessidade de uma lei específica que autorize a supressão de vegetação em área de preservação permanente;

VII – a segunda condição constitucional, para que se possa alterar ou suprimir um espaço territorial especialmente protegido, é que tal alteração ou supressão não implique qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção. Tal dispositivo só pode ser compreendido em consonância com a exigência constitucional do licenciamento ambiental para obras ou atividades potencialmente poluidoras ou causadoras de degradação do meio ambiente;

VIII – entender que não é possível aos órgãos ambientais autorizar a supressão de vegetação em APP, cabendo tal possibilidade, exclusivamente, ao Poder Legislativo é subverter o sistema constitucional das competências dos três poderes, atribuindo ao Legislativo o que é de competência do Executivo. Não depende de lei o simples ato administrativo, que, vinculado à norma geral legal que disciplina o uso de determinado espaço territorial especialmente protegido, decide sobre obras ou atividades a serem nele executadas;

IX – com as modificações introduzidas na legislação ambiental, as áreas de preservação permanente se consolidaram como espaços em regra insuscetíveis de utilização, ressalvados os casos em que, constatada a presença dos requisitos previstos em lei, o órgão ambiental competente possa, com fulcro no interesse público, devidamente caracterizado e motivado em procedimento administrativo próprio, autorizar a retirada da vegetação e a conseqüente intervenção nesses locais;

X – assim sendo, as disposições do art. 4º do Código Florestal Federal encontram-se em perfeita harmonia com a Constituição Federal, em especial o seu art. 225, § 1°, inciso III.” (grifei)


Os Estados de Minas Gerais (fls. 139/150), de São Paulo (fls. 153/154), do Espírito Santo (fls. 268/274), da Bahia (fls. 280/285), de Mato Grosso do Sul (fls. 328/341) e do Amazonas (fls. 364/377), bem assim a Confederação Nacional da Indústria – CNI (fls. 205/239) e o Instituto Brasileiro de Mineração – IBRAM (fls. 294/295), foram por mim admitidos na presente relação processual (fls. 201, 203, 264, 277, 287, 326, 343 e 379), na condição formal de “amici curiae” (Lei nº 9.868/99, art. 7º, § ), cabendo assinalar que esses intervenientes, ao sustentarem a plena validade constitucional da Medida Provisória em referência, u>postulam não seja referendada a r. decisão proferida pelo eminente Senhor Ministro-Presidente desta Suprema Corte.

Para os fins a que se refere o art. 21, inciso V, do RISTF, submeto a decisão em causa ao exame do Egrégio Plenário do Supremo Tribunal Federal.

É o relatório.

V O T O

O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO – (Relator): Trata-se de ação direta, que, ajuizada pelo eminente Procurador-Geral da República, objetiva o reconhecimento da inconstitucionalidade do artigo 1º da Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na parte em que alterou o art. 4º, “caput” e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, da Lei nº 4.771, de 15/09/1965, que instituiu o Código Florestal.

O eminente Chefe do Ministério Público da União, ao deduzir a pretensão de inconstitucionalidade que motivou a decisão ora objeto de apreciação por esta Suprema Corte, sustenta que a referida Medida Provisória teria ofendido a norma inscrita no art. 225, § 1º, inciso III, da Constituição Federal, que assim dispõe:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1° Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

………………………………………..

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.’ (…).”(grifei)

O autor da presente ação direta, para sustentar a pretendida declaração de inconstitucionalidade, apóia-se na alegação de que, em face da norma de parâmetro supostamente transgredida pela Medida Provisória em causa, os atos de modificação e/ou de supressão dos espaços territoriais especialmente protegidos submetem-se ao postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido formal (fls. 04/07):

Depreende-se desta norma constitucional que somente a lei em sentido formal e específica, entendida esta como o ato normativo emanado do Poder Legislativo e elaborada segundo os preceitos do devido processo legislativo constitucional, poderá autorizar a alteração e/ou supressão dos espaços territoriais especialmente protegidos, condicionada à integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.

Nesta esteira de raciocínio, tem-se, portanto, que a competência para autorizar qualquer supressão de área de preservação permanente é exclusiva do Poder Legislativo, não sendo tal competência objeto de delegação a autoridade administrativa, ‘in casu’, órgão ambiental.

Não obstante o citado mandamento constitucional, a Medida Provisória 2.166-67/2001, nos dispositivos supra transcritos, transgredindo a ordem vigente, tornou possível que o gestor de um órgão ambiental, portanto, de natureza administrativa, subtraia uma competência que o Poder Constituinte atribui expressamente ao Legislativo.

Deste modo, a Medida Provisória, ineludivelmente, viola o Princípio da Reserva Legal consubstanciado no art. 225, § 1°, inciso III, da Carta Política, eis que a expressão contida no dispositivo – ‘sendo a alteração ou supressão permitidas somente através de lei’ – abriga uma manifestação absoluta do Princípio da Reserva Legal, implicando dizer que a Constituição excluiu qualquer outra fonte infralegal para disciplinar a matéria.

……………………………………………

Ressai, assim, que as áreas de preservação permanente são espécies do gênero espaço territorialmente protegido, recaindo sobre elas a vedação imposta pelo dispositivo constitucional que não permite a sua alteração ou supressão, exceto quando prevista em lei.

Portanto, é evidente a inconstitucionalidade dos dispositivos citados, pois somente a lei em sentido estrito e específica poderá dispor das áreas de preservação permanente e, ainda assim, desde que cuidando de não comprometer a ‘integridade dos atributos que justifiquem sua proteção’ (art. 225, § 1°, III). A lei em hipótese alguma pode delegar ao administrador ou a ato normativo infralegal o poder de determinar as hipóteses, em tese, ou os pressupostos para a supressão de APP, ainda que criadas por ato administrativo.” (grifei)


O exame da pretensão cautelar deduzida pelo eminente Procurador-Geral da República – que veio a ser acolhida, no período de férias forenses, pelo Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente do Supremo Tribunal Federal, em decisão ora submetida ao referendo desta Corte – impõe algumas considerações preliminares em torno da relevantíssima questão constitucional pertinente à proteção do meio ambiente.

Todos sabemos que os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem, na concreção de seu alcance, a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas.

Essa prerrogativa, que se qualifica pelo seu caráter de metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Trata-se, consoante já o proclamou o Supremo Tribunal Federal (RTJ 158/205-206, Rel. Min. CELSO DE MELLO), com apoio em douta lição expendida por CELSO LAFER (“A reconstrução dos Direitos Humanos”, p. 131/132, 1988, Companhia das Letras), de um típico direito de terceira geração, que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das presentes e futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos compõem o grupo social.

Vale referir, Senhor Presidente, neste ponto, até mesmo em face da justa preocupação revelada pelos povos e pela comunidade internacional em tema de direitos humanos, que estes, em seu processo de afirmação e consolidação, comportam diversos níveis de compreensão e abordagem, que permitem distingui-los em ordens sucessivas resultantes de sua evolução histórica.

Nesse contexto, e tal como enfatizado por esta Suprema Corte (RTJ 164/158-161), impende destacar, na linha desse processo evolutivo, os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos), que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais, e que realçam o princípio da liberdade.

Os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais), de outro lado, identificam-se com as liberdades positivas, reais ou concretas, pondo em relevo, sob tal perspectiva, o princípio da igualdade.

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma natureza essencialmente inexaurível, consoante proclama autorizado magistério doutrinário (CELSO LAFER, “Desafios: ética e política”, p. 239, 1995, Siciliano).

Cumpre rememorar, bem por isso, na linha do que vem de ser afirmado, a precisa lição ministrada por PAULO BONAVIDES ( “Curso de Direito Constitucional”, p. 481, item n. 5, 4ª ed., 1993, Malheiros), que confere particular ênfase, dentre os direitos de terceira geração, ao direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado:

“Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos da terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhes o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.” (grifei)


A preocupação com a preservação do meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor das gerações futuras – tem constituído, por isso mesmo, objeto de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que, ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste a toda a Humanidade.

A questão do meio ambiente, hoje, especialmente em função da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e das conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio/92), passou a compor um dos tópicos mais expressivos da nova agenda internacional (GERALDO EULÁLIO DO NASCIMENTO E SILVA, “Direito Ambiental Internacional”, 2ª ed., 2002, Thex Editora), particularmente no ponto em que se reconheceu, ao gênero humano, o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequada, em ambiente que lhe permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e de bem-estar.

Extremamente valioso, sob o aspecto ora referido, o douto magistério expendido por JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Direito Ambiental Constitucional”, p. 69/70, item n. 7, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros):

A ‘Declaração de Estocolmo’ abriu caminho para que as Constituições supervenientes reconhecessem o meio ambiente ecologicamente equilibrado como um ‘direito fundamental’ entre os direitos sociais do Homem, com sua característica de ‘direitos a serem realizados’ e ‘direitos a não serem perturbados.

……………………………………………

O que é importante (…) é que se tenha a consciência de que o direito à vida, como matriz de todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que há de orientar todas as formas de atuação no campo da tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é um fator preponderante, que há de estar acima de quaisquer outras considerações como as de desenvolvimento, como as de respeito ao direito de propriedade, como as da iniciativa privada. Também estes são garantidos no texto constitucional, mas, a toda evidência, não podem primar sobre o direito fundamental à vida, que está em jogo quando se discute a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido de que, através dela, o que se protege é um valor maior: ‘a qualidade da vida’.” (grifei)

Dentro desse contexto, Senhor Presidente, emerge, com nitidez, a idéia de que o meio ambiente constitui patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos sociais e pelas instituições estatais, qualificando-se como encargo irrenunciável que se impõe – sempre em benefício das presentes e das futuras gerações – tanto ao Poder Público quanto à coletividade em si mesma considerada (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Polícia do Meio Ambiente”, “in” Revista Forense 317/179, 181; LUÍS ROBERTO BARROSO, “A proteção do meio ambiente na Constituição brasileira”, “in” Revista Forense 317/161, 167-168, v.g.).

Na realidade, Senhor Presidente, o direito à integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, atribuído à própria coletividade social.

O reconhecimento desse direito de titularidade coletiva, tal como se qualifica o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, constitui, portanto, uma realidade a que não mais se mostram alheios ou insensíveis, como precedentemente enfatizado, os ordenamentos positivos consagrados pelos sistemas jurídicos nacionais e as formulações normativas proclamadas no plano internacional, como enfatizado por autores eminentes (JOSÉ FRANCISCO REZEK, “Direito Internacional Público”, p. 223/224, item n. 132, 1989, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Ambiental Constitucional”, p. 46/57 e 58/70, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros).

Dentro desse contexto, e com absoluta fidelidade aos valores constitucionais suscetíveis de tutela estatal e de proteção social, editou-se a Medida Provisória em questão, e de cuja prática, ao longo destes últimos quatro (04) anos – tal como atestam as informações prestadas pelo Senhor Presidente da República (fls. 48/132) e acentuam as diversas manifestações produzidas pelos “amici curiae” (fls. 139/150, 153/176, 268/275, 280/285, 328/341, 205/262, 294/324 e 364/377) – não resultou o alegado efeito lesivo e predatório ao patrimônio ambiental, como temido pelo eminente Senhor Procurador-Geral da República.


É por essa razão, salvo melhor juízo, e não obstante o justo receio divisado pelo eminente Senhor Ministro-Presidente desta Suprema Corte, cuja decisão reflete o alto espírito público que a norteou, que entendo não deva subsistir, na espécie, a medida que implicou a suspensão cautelar da eficácia do ato estatal impugnado, especialmente se se considerarem os elementos referidos pelo ilustre Consultor Jurídico do Ministério do Meio Ambiente, Dr. GUSTAVO TRINDADE, em sua excelente análise do sentido, do alcance e da finalidade das normas ora impugnadas:

Importante analisar, pontualmente, alguns dos dispositivos do art. 4° do Código Florestal Federal que restam suspensos, bem como avaliar os efeitos de tal decisão cautelar.

a) ‘Art. 4° – A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto’.

A suspensão do caput do art. 4° retira a garantia de que a supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderia ser permitida em caso de utilidade pública ou de interesse social.

(…).

– o caput do art. 4° prevê a possibilidade de supressão de vegetação em área de preservação permanente somente nos casos de utilidade pública e interesse social e quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. A possibilidade de permissão de supressão de vegetação em área de preservação permanente, quando tal intervenção for possível ou viável noutra área, fere diretamente o regime jurídico em questão.

b) ‘§ 1° – A supressão de que trata o caput deste artigo dependerá de autorização do órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste artigo’.

a decisão cautelar retirou a possibilidade de órgão ambiental, no estrito cumprimento da legislação ambiental, autorizar a supressão de vegetação em APP. Ou seja, aos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA, com longa tradição e competência técnica na avaliação de estudos de impactos ambientais, não mais compete praticar atos administrativos que envolvam autorização para a supressão de vegetação em APP. Como efeito da decisão cautelar, cabe ao Poder Legislativo autorizar a supressão de vegetação, invertendo-se o sistema constitucional de competências, atribuindo-se ao Legislativo o que é competência do Poder Executivo.

c) ‘§ 3° – O órgão ambiental competente poderá autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação em área de preservação permanente’.

– a suspensão de tal dispositivo impede que o órgão ambiental possa autorizar a supressão eventual e de baixo impacto ambiental de vegetação em área de preservação permanente. A implantação de um pontilhão para a travessia de um curso d’água, a implantação de instalações para captação e condução de água para abastecimento doméstico, a construção de cerca de divisas de propriedades, a realização de trilhas de ecoturismo, a pesquisa científica, dentre outras atividades usuais e de pequeno impacto ambiental, estão vedadas de serem realizadas. Somente lei específica poderá autorizar tais tipos de intervenções.

d) ‘§ 4° – O órgão ambiental competente indicará, previamente à emissão da autorização para a supressão de vegetação em área de preservação permanente, as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor’.

não há mais a exigência legal de que a supressão de vegetação em área de preservação permanente seja condicionada à realização de medidas mitigadoras e compensatórias pelo empreendedor.

e) ‘§ 7º – É permitido o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, desde que não exija a supressão e não comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação nativa’.

– (…)a decisão cautelar que suspendeu a eficácia do art. 4° do Código Florestal impede o acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água. O acesso de pessoas e animais às áreas de preservação permanente, para obtenção de água, por ilegal, submete seus infratores às penalidades da Lei 9.605, de 12.02.1998, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências.” (grifei)


Os motivos que me levam a assim compreender a questão, ao menos em juízo de estrita delibação, prendem-se a essas razões e, ainda, aos fundamentos que o Excelentíssimo Senhor Presidente da República, com igual consistência, bem expôs em sua manifestação, na qual sustentou a plena validade jurídico-constitucional da Medida Provisória editada por seu antecessor (fls. 180/190):

Primeiramente, cumpre esclarecer que é equivocada a interpretação conferida pelo requerente ao dispositivo constitucional utilizado como parâmetro de controle (artigo 225, § 1°, inciso III).

Isso, porque o que a Constituição da República prevê como sendo de definição exclusivamente através de lei é a alteração e supressão de espaços territoriais especialmente protegidos. Em contrapartida, o texto normativo impugnado autoriza, mediante procedimento administrativo próprio, a supressão de vegetação em área de preservação permanente. Vale transcrever os dispositivos concernentes, ‘litteris’:

Constituição da República:

‘Art. 225. (…)

§ . Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…)

III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção.’ (Grifou-se);

Lei n° 4.771, de 15.09.65, com a redação dada pela MP n° 2.166-67, de 24.08.2001:

‘Art. 4°. A supressão de vegetação em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.’ (Grifou-se).

Da leitura dos citados artigos, percebe-se que a nova redação conferida ao Código Florestal não interfere na exigência constitucional de que os espaços territoriais especialmente protegidos sejam alterados ou suprimidos somente através de lei, pois o que se disciplinou foi a supressão da vegetação em área de preservação permanente.

………………………………………..

No mesmo sentido, ensina ÉDIS MILARÉ:

‘Pensamos que a alteração e a supressão sujeitas à lei são as do próprio regime jurídico que rege o espaço protegido. Vale dizer, depende de lei a alteração ou revogação da legislação (…)que institui, delimita e disciplina esse espaço protegido. Não depende de lei o ato administrativo que, nos termos da legislação que disciplina referido espaço, nele autoriza, licencia ou permite obras ou atividade’ (Grifou-se).

………………………………………..

Ressalte-se, por fim, que, mesmo PAULO AFFONSO LEME MACHADO, que defende que a ‘área de preservação permanente’ é espécie do gênero ‘espaço territorial especialmente protegido’, não vislumbra inconstitucionalidade na norma impugnada na presente ação direta, considerando que as alterações ao Código Florestal, realizadas pela MP n° 2.166-67, de 2001, embora insuficientes, foram benéficas e trouxeram certo avanço ao Direito Ambiental Brasileiro. Assim preleciona o mencionado doutrinador:

‘O art. 4° do Código Florestal não usou a terminologia ‘Estudo Prévio de Impacto Ambiental’, mas utilizou ‘procedimento administrativo próprio’, que deverá compreender: a) as alternativas técnicas e locacionais (art. 4°, ‘caput’) b) análise do impacto ambiental (art. 4°, § 2°), para poder classificar o grau de importância desse impacto; e c) estudo de medidas mitigadoras e compensatórias a serem adotadas se houver a supressão da vegetação. Ao requerente da eliminação da APP caberá provar a não-existência de outras alternativas para o projeto, pois, sem essa prova, o pedido obrigatoriamente será indeferido (art. 4°, ‘caput’).

Merece aplausos esta parte da legislação florestal (…).’ (destacou-se).

Com base em tal afirmação, vale evidenciar que a Medida Provisória n° 2.166-67, de 2001, trouxe mudanças benéficas à disciplina da supressão de vegetação em área de preservação permanente, pois, no regime anterior, não se garantia que tal supressão apenas fosse autorizada quando existisse interesse social ou utilidade pública. Também não era previsto que somente diante de inexistência de alternativa técnica e locacional ao empreendimento é que se permitiria a supressão. (…).

………………………………………..

Cumpre, então, ressaltar que o desígnio do legislador constituinte não foi exigir lei específica para cada hipótese de supressão de vegetação em áreas de preservação permanente. Exigiu-se, na verdade, uma lei autorizativa genérica, disciplinando a forma pela qual tal supressão pode ser feita sem prejuízos para o meio ambiente. E tal lei – genérica e abstrata como todas devem ser – já existe, pelo menos em relação às APP’s, consubstanciando-se justamente no Código Florestal.

Outro aspecto a ser considerado é que, ao prevalecer a tese defendida pelo ilustre Procurador-Geral da República, de que haveria necessidade de lei em sentido formal para qualquer caso de supressão de vegetação em espaço territorial especialmente protegido, está-se conferindo elevado grau de casuísmo à edição de normas que, por sua natureza, devem prever situações abstratas.

Com efeito, além de se impedir os órgãos públicos ambientais de autorizar ou licenciar qualquer tipo de intervenção em espaços protegidos, ter-se-á a necessidade de lei específica para cada caso de supressão de vegetação em tais áreas, desde a implantação de um pequeno corredor de acesso de pessoas para obtenção de água, por exemplo, até a construção de portos, gasodutos, hidrelétricas, dentre inúmeras outras atividades de suma relevância para o desenvolvimento nacional. Da mesma forma, com a concessão da medida cautelar, para que se possa derrubar uma árvore em área protegida, é necessário que se edite uma lei.

Para que se possa vislumbrar a inviabilidade deste entendimento, vale transcrever trecho da Informação n° 460/2005/CONJUR/MMA (em anexo), ‘in verbis’:

‘24. Da mesma forma, haverá necessidade de lei específica, em sentido estrito, para que possa ocorrer a supressão de uma árvore em área de Reserva Legal. Cada autorização de corte deve, no entendimento exposto pelo Procurador- -Geral da República e acolhido, cautelarmente, pelo Presidente do STF, ser objeto de aprovação de uma lei em sentido formal. Importante referir que a Reserva Legal abrange 80% da área das propriedades rurais situadas na Amazônia Legal, 35% da área das propriedades rurais localizadas nas zonas de cerrado da Amazônia Legal e 20% da área das propriedades rurais localizadas nas demais regiões do país.

25. Destaca-se, também, que supressão de qualquer vegetação em unidade de conservação dependerá de autorização legislativa, caso a caso. Vejamos o seguinte exemplo: a cidade de Brasília e sua região de entorno estão localizados no interior de uma Área de Proteção Ambiental (APA do Planalto Central), uma unidade de conservação de uso sustentável, criada nos termos do art. 15 da Lei n° 9.985/00, que institui o Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Vingando o entendimento exposto na peça inicial, toda e qualquer intervenção nos recursos naturais, como o simples corte de uma árvore exótica, somente será possível após lei autorizativa específica.’

Diante desse panorama, resta clara a improcedência da alegação no sentido de se exigir lei específica para cada supressão de vegetação em área especialmente protegida. Esvazia-se o Poder Executivo, através dos órgãos competentes, de suas atribuições, abarrotando-se o Poder Legislativo – Federal, Estadual e Municipal – de projetos de leis desnecessárias.

Observe-se, ainda, que aquele que pretender a supressão de vegetação em área protegida terá de se submeter à realização de ‘lobbies’ junto ao Congresso Nacional, à Assembléia Legislativa ou à Câmara dos Vereadores, conforme o ente federativo ao qual esteja sujeita a área que se pretende desmatar. (…).

Outro aspecto de relevo é a alegação do requerente de que a autorização, pelo gestor ambiental local, de supressão de vegetação em área de preservação permanente, por ser fundada ‘unicamente na discricionariedade (…) de dizer o que é utilidade pública’, poderia viabilizar a extinção destes espaços ‘por exclusivos interesses econômicos, especialmente minerários’. Ora, é evidente que a discricionariedade de que se revestem os atos administrativos não permite que se possa realizá-los em desconformidade com as restrições legais e constitucionais. Assim, para que o gestor ambiental confira a autorização para a supressão de vegetação em APP, ele deverá observar também a legalidade, a moralidade e todos os demais princípios que regem o Direito Administrativo.

Diante de todo o exposto, conclui-se que não se faz presente o requisito do ‘fumus boni iuris’ para a concessão da medida cautelar.” (grifei)


Sem prejuízo do reconhecimento da procedência de todos esses elementos expostos pelo Senhor Presidente da República, em defesa da plena validade constitucional do diploma normativo ora questionado, não constitui demasia destacar, na linha desse mesmo entendimento, a precisa observação expendida por ÉDIS MILARÉ (“Direito do Ambiente”, p. 220/222, item n. 8.4, 2000, RT), em magistério no qual ressalta, tendo presente o que dispõe o art. 225, § 1º, III, da Constituição, que não depende de lei o ato da Pública Administração que autoriza, licencia ou permite a execução de obras ou de atividades nos espaços territoriais especialmente protegidos.

Eis, no ponto, Senhor Presidente, a lição desse eminente autor:

Os ‘espaços territoriais especialmente protegidos’ a que alude a Constituição figuram hoje no rol dos Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente (…).Vale dizer, o espaço territorial especialmente protegido é um dos instrumentos jurídicos para a implementação do direito constitucional ao ambiente hígido e equilibrado, em particular no que se refere à estrutura e funções dos ecossistemas.

Na prática, confundem-se eles com as conhecidas ‘unidades de conservação’, ou seja, aquelas áreas de interesse ecológico que, por características naturais relevantes, recebem tratamento legal próprio, de molde a reduzir a possibilidade de intervenções danosas ao meio ambiente.

……………………………………………

Os espaços territoriais especialmente protegidos têm sido criados ora por lei, ora por decreto, definindo-se seus limites e estabelecendo-se a disciplina do uso, conservação ou preservação de seu território e dos recursos nele existentes.

É nesse contexto que se deve entender a Constituição.

O Poder Público deve definir espaços territoriais a serem protegidos. Pode fazê-lo por lei ou por decreto. Porém, a alteração ou supressão desses espaços só pode ser feita por lei, mesmo se criados, delimitados e disciplinados por decreto.

Questão que tem suscitado controvérsia diz com a necessidade de ‘lei’ para executar qualquer obra ou serviço nesses espaços territoriais, mesmo quando admissíveis nos termos da lei ou do decreto que instituiu e disciplinou qualquer desses territórios protegidos.

Pensamos que a alteração e a supressão sujeitas à lei são as do próprio regime jurídico que rege o espaço protegido. Vale dizer, depende de lei a alteração ou revogação da legislação – portanto também do decreto – que institui, delimita e disciplina esse espaço protegido. Não depende de lei o ato administrativo que, nos termos da legislação que disciplina esse espaço, nele autoriza, licencia ou permite obras ou atividades.

Com efeito, os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são independentes e harmônicos entre si (art. 2.° da Constituição). Ao Poder Legislativo cabe fazer as leis (normas impessoais e gerais) que disciplinam determinada matéria, no caso o espaço territorial protegido. Ao Poder Executivo cabe executar as leis e praticar os atos administrativos (atos específicos e determinados) que, à luz da lei, decidem as pretensões dos administrados.

Entender que ato administrativo, no caso, depende de lei é subverter o sistema constitucional das competências dos três poderes, atribuindo ao Legislativo o que é de competência do Executivo. Para que isso fosse possível seria necessária expressa previsão constitucional, como é o caso do § 6.° do art. 225 da Constituição, que sujeita à lei a localização de usinas nucleares.

À míngua dessa exceção, conclui-se, portanto: não depende de lei o simples ato administrativo que, vinculado à norma legal que disciplina determinado espaço territorial protegido, decide sobre obras ou atividades a serem nele executadas.” (grifei)

Esse entendimento é também exposto por JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Direito Ambiental Constitucional” , p. 174/176, item n. 6, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros), cujo magistério vale reproduzir, “in extenso”:

O art. 4º, com redação da Medida Provisória 2.166-67, de 2001, estatui que a ‘supressão de vegetação’ em área de preservação permanente somente poderá ser autorizada em caso de utilidade pública ou interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio, quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto. A autorização há de ser dada pelo órgão ambiental estadual competente, com anuência prévia, quando couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente; mas se a área estiver situada em área urbana, a autorização do órgão ambiental competente só poderá ocorrer se o Município possuir Conselho de Meio Ambiente com caráter deliberativo e Plano Diretor, e ainda dependerá de anuência prévia do órgão ambiental estadual competente e deverá ser fundamentada em parecer técnico. Em qualquer caso, o órgão ambiental competente, antes de emitir a autorização, terá que indicar as medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser adotadas pelo empreendedor. Aqui (…) expressamente está admitida a supressão de vegetação em área de preservação permanente por força da lei; é o que se autoriza no § 5º do art. 4º, com cautela e rígida limitação, em relação à vegetação nativa protetora de nascente ou de dunas e mangues, apenas em caso de utilidade pública.

Veja-se que aqui não se admite a supressão de áreas de preservação permanente em si, mas apenas a ‘supressão de vegetação’. A diferença de redação em relação ao art. 3º, § 1º (supressão total ou parcial), orienta a compreensão do art. 4º, que não autoriza o corte raso. Além de todas as cautelas e limitações formais indicadas acima com base nos parágrafos do art. 4º, a supressão de vegetação só será admissível no caso de utilidade pública e interesse social. Para tal efeito, a própria lei define esses institutos. Têm-se como ‘utilidade pública’ (a) as atividades de segurança nacional e proteção sanitária, (b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, saneamento e energia e (c) demais obras, planos, atividades ou projetos previstos em resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA (art. 1º, § 2º, IV); e como ‘interesse social’ (a) as atividades imprescindíveis à proteção da integridade da vegetação nativa, tais como prevenção, combate e controle do fogo, controle da erosão, erradicação de invasores e proteção de plantios com espécies nativas, conforme resolução do CONAMA, (b) as atividades de manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena propriedade ou posse rural familiar que não descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a função ambiental da área e (c) demais obras, planos, atividades ou projetos definidos em resolução do CONAMA.

Vê-se que a ‘utilidade pública’ inclui obras, atividades e serviços públicos ainda quando o empreendimento seja realizado por particulares, tais como concessionários de serviços públicos. Daí a razão do disposto no § 6º do art. 4º quando declara que na implantação de reservatório artificial é obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das áreas de preservação permanente criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por resolução do CONAMA. Já no caso de ‘interesse social’, a supressão de vegetação em área de preservação permanente só é admitida no interesse da proteção da própria área. Tanto no caso da utilidade pública como no de interesse social se dá uma faculdade ao CONAMA para, mediante resolução, definir demais obras, planos, atividades ou projetos que possam gerar a possibilidade de supressão da vegetação na área de preservação permanente. É preciso que se esclareça que a faculdade que assim se confere ao CONAMA não é um cheque em branco que o autorize a aplicar os ditames legais: tais obras, planos, atividades e projetos hão que se enquadrar na mesma natureza dos que foram enumerados, respectivamente, como de utilidade pública e de interesse social.” (grifei)


Vê-se, portanto, que somente a alteração e a supressão do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos, tanto quanto a própria alteração e supressão desses mesmos espaços territoriais, é que se qualificam, por efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como matérias sujeitas ao princípio da reserva de lei formal.

Quando se tratar, porém, de execução de obras ou de serviços a serem realizados em tais espaços territoriais, cumpre reconhecer que, observadas as restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, tornar-se-á lícito ao Estado – qualquer que seja o nível em que se posicione na estrutura federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) – autorizar, licenciar ou permitir a realização de tais atividades no âmbito do espaço territorial submetido a regime jurídico de proteção especial.

Todas essas razões, associadas aos pronunciamentos emanados das entidades intervenientes, convencem-me, ao menos em juízo de estrita delibação, de que a pretensão de inconstitucionalidade deduzida pelo eminente Senhor Procurador-Geral da República não se reveste da necessária plausibilidade jurídica.

Cabe referir, também, por necessário, que não me parece devidamente caracterizada a situação configuradora de “periculum in mora”.

Tenho para mim, sob tal perspectiva, que a descaracterização desse pressuposto essencial à concessão do provimento cautelar deriva de uma relevante circunstância de ordem temporal, eis que o diploma normativo em questão, embora reeditado em 24/08/2001 (há mais de quatro anos, portanto – fls. 16), só veio a ser impugnado, nesta sede de fiscalização abstrata, em 18/07/2005 (fls. 02).

Vale registrar, neste ponto, não obstante a presente impugnação tenha por objeto a MP nº 2.166-67/2001, que as alterações introduzidas no art. 4º do Código Florestal resultaram de diploma normativo anterior consubstanciado na MP nº 1.956-50, de 26/05/2000.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao pronunciar-se sobre esse específico aspecto concernente à questão do “periculum in mora”, já advertiu que “O tardio ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade, quando já decorrido lapso temporal considerável desde a edição do ato normativo impugnado, desautoriza – não obstante o relevo jurídico da tese deduzida – o reconhecimento da situação configuradora do periculum in mora, o que inviabiliza a concessão da medida cautelar postulada” (RTJ 152/692-693, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

, ainda, um outro aspecto que assume relevo na espécie ora em exame, considerada a preocupação revelada pelo eminente Senhor Ministro-Presidente desta Suprema Corte, quando, em sua decisão, ssinalou que “a extração de minério causa danos irreparáveis e irreversíveis ao meio ambiente, eis que a área em que a atividade for desenvolvida não voltará ao seu estado anterior, presente por este motivo o ‘periculum in mora’” (fls. 26).

Refiro-me ao fato de que, tal como bem observou o Senhor Presidente da República, a própria Constituição Federal, ao autorizar a interferência humana no meio ambiente, com propósitos empresariais voltados à exploração econômica de recursos minerais, impôs medida destinada a permitir a restauração das áreas afetadas por tal atividade, prescrevendo, em seu art. 225, § 2º, que “Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei”.

É por tal motivo que o Chefe do Poder Executivo da União fez consignar, nestes autos, a seguinte observação (fls. 191): “(…) é evidente que as resoluções que autorizem a exploração de recursos minerais observarão este ditame constitucional, não existindo, portanto, o risco apontado na inicial e na decisão concessiva de medida cautelar”.

Cumpre também destacar, neste ponto, as conseqüências, que, erivadas da decisão ora em exame, já começam a se verificar, gerando, na espécie, verdadeiro “periculum in mora” em sentido inverso, cuja ocorrência recomenda a pronta restauração da eficácia da Medida Provisória em causa.

Esse articular aspecto da questão assume especial gravidade, quando se tem presente a ponderação feita pelo Senhor Presidente da República, fundada, não em um receio puramente abstrato, mas apoiada em fatos efetivamente ocorrentes (fls. 191/193):


Na verdade, há a ocorrência de ‘periculum in mora’ inverso, pois o deferimento da liminar, ao impor que qualquer supressão de vegetação se dê apenas mediante lei em sentido estrito, além de gerar interferência indevida do Poder Legislativo em seara que sempre pertenceu ao Poder Executivo, atingindo o princípio federativo, implicará na paralisação de atividades econômicas, obras de saneamento básico e outros serviços. (…).

……………………………………………

Todavia, esta situação já está se verificando. A Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do Ministério de Minas e Energia, através do MEMO n° 165/05/SPG, em anexo, lista os processos de emissão de licença ambiental para a construção de gasodutos que estão suspensos em virtude da concessão da medida liminar: são investimentos que variam de US$ 172 milhões (cento e setenta e dois milhões de dólares) a US$ 1.300 milhões (um bilhão e trezentos milhões de dólares). Ressalte-se que a paralisação desses empreendimentos poderá comprometer o abastecimento de energia elétrica da Região Nordeste em 2007, uma vez que as usinas termelétricas representam cerca de 30% (trinta por cento) da energia elétrica ali consumida. Com relação à Região Norte, a implantação do gasoduto Urucu-Porto Velho permitirá a utilização de gás natural em substituição ao óleo diesel e ao óleo combustível no abastecimento das usinas termelétricas do Estado de Rondônia, o que reduzirá custos e trará benefícios ao meio ambiente, através da menor emissão de gases poluentes.

Esses são apenas alguns exemplos dos impactos da medida deferida na presente ação direta. São inúmeros os empreendimentos de pequeno, médio e grande porte que foram interrompidos à espera do devido equacionamento dessa questão, que, mantida nos termos atuais, gerará prejuízos incalculáveis ao país.” (grifei)

Cabe assinalar, Senhor Presidente, que igual preocupação foi também externada tanto pelos Estados-membros da Federação que ingressaram, como “amici curiae”, na presente relação processual, quanto pelas demais entidades intervenientes, consideradas as razões que produziram nestes autos e que renovaram, nesta sessão plenária, em suas sustentações orais.

Concluo o meu voto: atento à circunstância de que existe um permanente estado de tensão entre o imperativo de desenvolvimento nacional (CF, art. 3º, II), de um lado, e a necessidade de preservação da integridade do meio ambiente (CF, art. 225), de outro, torna-se essencial reconhecer que a superação desse antagonismo, que opõe valores constitucionais relevantes, dependerá da ponderação concreta, em cada caso ocorrente, dos interesses e direitos postos em situação de conflito, em ordem a harmonizá-los e a impedir que se aniquilem reciprocamente.

Isso significa, portanto, Senhor Presidente, que a superação dos antagonismos existentes entre princípios e valores constitucionais há de resultar da utilização de critérios que permitam, ao Poder Público (e, portanto, aos magistrados e Tribunais), ponderar e avaliar, “hic et nunc”, em função de determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto – tal como adverte o magistério da doutrina na análise da delicadíssima questão pertinente ao tema da colisão de direitos (DANIEL SARMENTO, “A Ponderação de Interesses na Constituição Federal” p. 193/203, “Conclusão”, itens ns. 1 e 2, 2000, Lumen Juris; LUÍS ROBERTO BARROSO, “Temas de Direito Constitucional”, p. 363/366, 2001, Renovar; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 220/224, item n. 2, 1987, Almedina; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional”, p. 661, item n. 3, 5ª ed., 1991, Almedina; EDILSOM PEREIRA DE FARIAS, “Colisão de Direitos”, p. 94/101, item n. 8.3, 1996, Fabris Editor; WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, “Colisão de Direitos Fundamentais e Princípio da Proporcionalidade”, p. 139/172, 2001, Livraria do Advogado Editora; SUZANA DE TOLEDO BARROS, “O Princípio da Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis Restritivas de Direitos Fundamentais”, p. 216, “Conclusão”, 2ª ed., 2000, Brasília Jurídica, v.g.) – a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais, dentre os quais avulta, por sua significativa importância, o direito à preservação do meio ambiente.

Essa asserção torna certo, portanto, que a incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar subordinada a motivações de índole meramente econômica.

Daí os instrumentos jurídicos – de caráter legal e de natureza constitucional – que, previstos no ordenamento positivo, objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se lhe alterem as propriedades físicas, químicas e biológicas, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança e bem-estar da população, além de afetar, com sérias conseqüências, a qualidade dos recursos ambientais e de causar graves danos ecológicos ao meio ambiente.

Como precedentemente assinalado neste voto, o diploma normativo em causa, longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei Fundamental, estabeleceu mecanismos que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pela MP nº 2.166-67/2001, no ponto em que introduziu significativas alterações no art. 4º do Código Florestal.

Sendo assim, e tendo em consideração as razões expostas, peço vênia para propor, a este Egrégio Plenário, não seja referendada a r. decisão que deferiu o pedido de medida cautelar, restaurando-se, desse modo, em plenitude, a eficácia e a aplicabilidade do diploma legislativo ora impugnado nesta sede de fiscalização abstrata.

É o meu voto.

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