Guerra fiscal do ISS

Não adianta aprovar lei se não há cuidado com a dívida ativa

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5 de setembro de 2005, 9h41

Os vereadores aprovaram e o prefeito paulistano sancionou a Lei 14.042, contendo várias disposições de duvidosa legalidade, determinando que empresas localizadas em outros municípios sejam aqui cadastradas, desejando ainda transferir a responsabilidade tributária para os usuários ou “tomadores” dos serviços.

Atropelaram a Constituição, o Código Tributário Nacional e a Lei Complementar 116, criando verdadeiro monstrengo jurídico, que vai gerar muitas ações judiciais, procurando explicação em alegada existência de “fraudes”, inclusive empresas “fantasmas”.

Para que se tenha uma idéia da confusão, basta que observemos o que já decidiu o Superior Tribunal de Justiça, com base no inciso XVIII do artigo 37 da Constituição Federal:

“A fiscalização municipal deve restringir-se à sua área de competência e jurisdição. Ao permitir que o Município de São Paulo exija a apresentação de livros fiscais e documentos de estabelecimentos situados em outros municípios, estar-se-ia concedendo poderes à municipalidade de fiscalizar fatos ocorridos no território de outros entes federados, inviabilizando, inclusive, que estes exerçam o direito de examinar referida documentação de seus próprios contribuintes.”

Agora, anunciam as autoridades que com esse monstrengo jurídico a arrecadação municipal pode ter, no próximo ano, um acréscimo de mais de R$ 100 milhões.

Mas uma empresa sediada na capital deixou de pagar tributos municipais relativos aos exercícios de 1995, 1996 e 1997 e somente no ano de 2002 é que foi citada em execução fiscal, quando apresentou uma Exceção de Pré-Executividade, alegando prescrição.

Em maio de 2004 a Justiça acolheu a Exceção e julgou extinta a execução. A Procuradoria do Município apelou, sustentando que não pode ser responsabilizada pela demora no andamento do feito.

Consta dos autos que a Procuradoria do Município permitiu que o processo permanecesse abandonado durante mais de quatro anos. E também consta, em despacho do juiz, que “existem aproximadamente 200.000 mandados na seção aguardando oportunidade para carga aos Oficiais de Justiça e apenas 55 meirinhos para lhes dar cumprimento.”

Ninguém sabe ao certo qual o valor da dívida ativa do Município. Mas se existem 200 mil mandados e se a média de valor das execuções for de apenas R$ 2 mil, temos pelo menos R$ 400 milhões, ou seja, quatro vezes o tal aumento anual de arrecadação que a nova lei do ISS (Lei 14.042) se propõe a atingir… Essa média, contudo, deve ser muito maior, pois numa outra execução onde a prescrição ocorreu, o valor é de quase R$ 200 mil.

Toda a confusão que a prefeitura paulistana vai causar com a nova lei poderia ser evitada se houvesse uma dedicação maior à cobrança da dívida ativa. Mas devemos reconhecer que a omissão e a irresponsabilidade dos governos e dos administradores tributários não tem ideologia. Ou, como já disse alguém, “burrice não tem partido”.

O despacho judicial citado demonstra a insuficiência de oficiais de Justiça, mas o estado não cria novas vagas, não preenche as existentes, não promove os concursos necessários. Também é pública e notória a falta de procuradores municipais, mas o município também não resolve o problema.

Aqui na revista Consultor Jurídico, em artigo datado de 2 de dezembro de 2003, já tivemos oportunidade de denunciar a absoluta falta de estrutura do Setor de Execuções Fiscais, ainda localizado na Rua Vergueiro, na capital paulistana, num prédio obsoleto, sem a mínima condição de servir para os fins a que se destina.

Esse descaso com que o Executivo e o Judiciário cuidam da dívida ativa não é só problema municipal, mas atinge também o estado e a União. A criminosa irresponsabilidade favorece os que não pagam tributos e viabiliza o surgimento de aproveitadores que proliferam à sombra da ineficiência estatal, além de estimular a corrupção em todos os níveis.

É comum o surgimento de verdadeiras “indústrias” de arrematação, onde bens penhorados são leiloados de forma a causar prejuízo aos devedores e ao poder público. Há notícias, ainda, de funcionários públicos que se beneficiam desse quadro, facilitando a ação desses e de outros predadores.

Ora, o que é que o estado e o município de São Paulo estão esperando para resolver o problema?

Não vale alegar falta de recursos! Afinal, quase diariamente vemos nomeações de pessoas para cargos de “confiança”. Além disso, tanto o estado quanto o município sempre foram pródigos em construir ou alugar edifícios para “centros culturais”; sempre se dispuseram a investir em parques e jardins, inclusive implodindo prédios em espetáculos televisivos, fazendo e refazendo obras inúteis e até mesmo usando dinheiro publico em propaganda, festas, carnavais, samba, futebol, corridas de automóveis e muitas outras besteiras. Isso, é claro, para não falarmos nas verbas de “modernização” do Judiciário, utilizadas para comprar carros novos para juízes, como se estes não ganhassem o suficiente para ter seu próprio veículo.

Portanto, já está passando da hora para que o estado e o município, (e agora ambos são do mesmo partido) adquiram um prédio decente e adequado para o Setor de Execuções Fiscais, nomeiem os oficiais de Justiça, os procuradores e demais servidores que possam tentar salvar o que ainda não prescreveu da divida ativa de ambos.

Enquanto não cuidarem da dívida ativa, de pouco servirão novas leis para tentar arrecadar mais tributos, principalmente quando a nova lei é mal feita.

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