Vínculo empregatício

Trabalhador que não tem liberdade não é autônomo

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4 de setembro de 2005, 10h16

Os juízes da 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo) entenderam que o trabalhador que não tem liberdade na realização das atividades não é autônomo e, por isso, existe o vínculo empregatício. Assim, condenaram a Globo a pagar todos os direitos trabalhistas de um cinegrafista.

O profissional entrou com processo 66ª Vara do Trabalho de São Paulo reclamando a relação de emprego com a emissora de televisão e o pagamento dos direitos decorrentes do contrato de trabalho e de sua demissão sem justa causa.

A Globo, por sua vez, sustentou que ele prestou serviços como profissional autônomo, por meio da empresa ZM Imagens Especiais S/C Ltda ME, e que “jamais existiu subordinação jurídica, pois o reclamante não estava sujeito ao poder diretivo da recorrente”.

A Vara entendeu que a emissora não comprovou suas alegações e reconheceu a relação de emprego. A Globo, então, recorreu ao TRT paulista, insistindo que o contrato do cinegrafista não se enquadra no Artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, que considera empregado “toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

De acordo com o juiz Paulo Augusto Camara, relator do recurso no tribunal, uma testemunha no processo confirmou que os serviços do operador de câmera eram controlados por gerentes de produção e que a recusa em comparecer a determinada gravação “resultaria na rescisão do contrato”.

Para o relator, “a prestação de serviços avençada sob a forma de contrato autônomo pressupõe a liberdade do prestador na realização das atividades. Se o trabalhador não pode se fazer substituir, está sujeito a sanções disciplinares e apenas atua sob ordens, enquanto executa trabalho ligado à atividade-fim da empresa, fica afastada a propalada autonomia”.

Por unanimidade, a 4ª Turma acompanhou o voto do relator, reconhecendo o vínculo empregatício e condenando a Rede Globo a pagar todos os direitos trabalhistas do cinegrafista.

Leia a íntegra do voto

PROCESSO TRT/SP Nº 00212.2002.066.02.00-8 – 4ª TURMA

RECURSO ORDINÁRIO DA 66ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

RECORRENTE: REDE GLOBO LTDA

RECORRIDO: JOSÉ DE OLIVEIRA

Ementa: Relação de emprego reconhecida. Art. 3º Consolidado. A prestação de serviços avençada sob a forma de contrato autônomo pressupõe a liberdade na realização das atividades. Se o trabalhador não pode se fazer substituir, está sujeito a sanções disciplinares e apenas atua sob ordens, enquanto executa trabalho ligado à atividade-fim da empresa, fica afastada a propalada autonomia. O labor habitual, subordinado, pessoal e oneroso evidencia a relação de emprego nos moldes do art. 3º Consolidado, independentemente do rótulo que lhe tenham imputado, ou mesmo da emissão de notas fiscais para justificar a suposta natureza civil da contratação, face ao princípio da prevalência da realidade.

A r. sentença de fl. 176-B/180, cujo relatório adoto, reconheceu o vínculo empregatício e julgou parcialmente procedentes os pedidos.

Inconformada, recorre ordinariamente a reclamada, consoante razões de fl. 183/194, alegando, em síntese, equívoco na valoração das provas e na aplicação do direito. Reafirma que o recorrida prestou serviços como profissional autônomo, através de sua empresa ZM IMAGENS ESPECIAIS S/C LTDA ME, e “jamais existiu subordinação jurídica, pois o reclamante não estava sujeito ao poder diretivo da recorrente”. Nega pessoalidade e sustenta a inexistência pressupostos do art. 3º Consolidado. No toante ao FGTS, argumenta que a prescrição é a qüinqüenal. Na questão pertinente à obrigação de fazer -anotação da CTPS- aduz ser inaplicável a multa diária, por configurar obrigação que pode ser realizada por terceiros. Por fim, impugna a condenação no tocante às extraordinárias, pois o recorrido não se desincumbiu de provar o fato constitutivo do direito. Como se não bastasse, da instrução processual emerge que não havia extrapolação da jornada diária de 8 horas, nem da semanal, de 44 horas. Requer a ampla reforma do julgado.

Recurso tempestivo. Preparo adequado (fl. 195/196).

Contra-razões – fl. 202/208.

O r. parecer da Douta Procuradoria do Ministério Público do Trabalho, à fl. 219, é pela desnecessidade da intervenção ministerial, sem prejuízo de futura manifestação.

É o relatório.

V O T O

Conheço do recurso ordinário, uma vez que presentes os pressupostos legais de admissibilidade.

Do vínculo empregatício

A recorrente renova a tese da prestação de serviços mediante contratação autônoma e prestação de serviços sem subordinação jurídica e sem pessoalidade.

Sem razão, todavia.

Ao exame do processado, infere-se que a prestação de serviços restou incontroversa. Entretanto, a reclamada imputou à relação sob comento a natureza jurídica de contrato autônomo.

Ao fazê-lo, carreou para si o encargo probatório, consoante regras estatuídas nos artigos 818 da CLT e 333, II do CPC. Deste encargo, contudo, não se desonerou eficazmente, pois não produziu nenhum elemento probante capaz de corroborar a tese defensiva.

Como se não bastasse, a testemunha Maike Pereira da Costa, cujo depoimento não foi invalidado por nenhuma contraprova patronal, confirmou que a prestação de serviços era “controlada pelo gerente de produção de cada gravação” e que a recusa em comparecer a determinada gravação resultaria na rescisão do contrato (fl. 157).

Insta ponderar, ainda, que há robusta prova documental (fl. 34/53) a demonstrar que o autor desempenhou as funções de câmera man e operador de câmera, ou seja, estava empenhado na realização da atividade-fim da empresa.

A prestação de serviços avençada sob a forma de contrato autônomo pressupõe a liberdade do prestador na realização das atividades. Se o trabalhador não pode se fazer substituir, está sujeito a sanções disciplinares e apenas atua sob ordens, enquanto executa trabalho ligado à atividade-fim da empresa, fica afastada a propalada autonomia. O labor habitual, subordinado, pessoal e oneroso evidencia a relação de emprego nos moldes do art. 3º Consolidado, independentemente do rótulo que lhe tenham imputado, ou mesmo da emissão de notas fiscais para justificar a suposta natureza civil da contratação, face ao princípio da prevalência da realidade.

À luz das regras do ônus probatório, insculpidas nos artigos 818 da CLT e 333 inc. II, do CPC, impõe-se o reconhecimento do vínculo empregatício de emprego, conforme bem decidido na origem.

Mantenho.

Da prescrição sobre o FGTS

No tocante ao FGTS sobre os salários, a prescrição é mesmo trintenária, conforme bem decidido na origem. No mesmo sentido, doutrina e jurisprudência majoritárias, esta última representada pela Súmula nº 362, com a nova redação dada pela Resolução nº 121/2003 do C. TST, in verbis:

FGTS. PRESCRIÇÃO. É trintenária a prescrição do direito de reclamar contra o não-recolhimento da contribuição para o FGTS, observado o prazo de 2 (dois) anos após o término do contrato de trabalho.

Mantenho o decidido.

Da multa diária

Com razão a recorrente, ao impugnar a multa diária para o caso de inadimplemento da obrigação de anotar a CTPS.

Considerando que a Secretaria da Vara pode efetuar as anotações relativas ao contrato de trabalho, na forma do art. 39, § 2º da CLT, não se justifica a aplicação de multa diária, mais coerente com as obrigações personalíssimas.

Reformo o decidido para expungir da condenação a multa diária relativa à obrigação de fazer.

Das horas extras

A recorrente combate a condenação relativa à paga de suplementares renovando a tese da inexistência de sobrejornadas

Sem razão, todavia.

A testemunha convidada pelo recorrido confirmou jornadas entre 14:00 e 00 h (fl. 157). Ademais, a testemunha convidada pela ré, embora tenha declarado que não sabia o horário de chegada do reclamante, afirmou que havia sessões de gravação às 20:00 e às 22:00 h., sendo que cada sessão durava por volta de uma hora e meia (fl. 158). Assim, é de se concluir que as jornadas terminavam mesmo por volta das 23:30, conforme fixado na r. sentença.

Demonstradas as jornadas excedentes aos módulos diário e hebdomadário legais, impõe-se a condenação à paga das sobrejornadas, conforme bem decidido na origem.

Nego provimento.

Ante o exposto, conheço do recurso ordinário, e, no mérito, DOU-LHE PARCIAL PROVIMENTO, para expungir da condenação a multa diária relativa à obrigação de fazer. Mantenho, quanto ao remanescente, a r. sentença combatida, por seus próprios e jurídicos fundamentos, inclusive o valor da condenação para efeito de custas.

PAULO AUGUSTO CAMARA

JUIZ RELATOR

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