Marcas da ditadura

Restos mortais de preso político na ditadura são identificados

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4 de setembro de 2005, 10h00

Os restos mortais de Flávio Carvalho Molina, militante de esquerda preso, torturado e assassinado durante a ditadura militar (1964-1985), foram identificados por meio de exame de DNA após 15 anos de tentativas frustradas. O corpo de Molina foi encontrado em uma vala comum no cemitério Dom Bosco, em Perus, São Paulo, na qual foram enterradas mais de mil vítimas da ditadura.

Em 4 setembro de 1990, a vala foi aberta e foram exumadas 1.049 ossadas, entre elas a que hoje se sabe que é de Molina. Durante 15 anos a família de Molina buscou confirmar através de exames de DNA a compatibilidade dos restos encontrados.

Exames antropológicos realizados pela Unicamp e pelo IML indicavam 75% de probabilidade, através da comparação da estrutura e tamanho dos ossos encontrados. Oito exames de DNA foram feitos, mas devido ao estado de conservação precário do material nenhum deles obteve sucesso na extração de uma seqüência de genes confiável para garantir a identificação.

No dia 10 de agosto uma nova colheita de material foi feita, desta vez com o acompanhamento do Ministério Público Federal, da Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Nacional de Direitos Humanos e do Laboratório Genomic, responsável pela identificação. O resultado foi entregue na sexta-feira (2/9) ao irmão de Flávio Molina, Gilberto Carvalho Molina: as ossadas realmente são de seu irmão, com 99,99% de precisão garantida.

Além da procuradora Eugênia Augusta Fávero, e do procurador regional da República, Marlon Alberto Weichert, acompanharam a reunião o presidente da Comissão Especial de Mortos de Desaparecidos Políticos, Augustino Pedro Veit, e familiares de desaparecidos políticos. Gilberto Molina disse que o resultado marcava o fim de 34 anos de angústia da família: “Desde aquela época (ditadura) até hoje, a tortura que matou meu irmão se prolongou na família”.

O procurador Marlon Alberto Weichert e o presidente da comissão Augustino Veit ressaltaram a necessidade da criação de um banco de DNA com dados de todos os familiares de desaparecidos e mortos políticos ainda vivos para que esses dados possam ser usados no futuro a cada oportunidade de se identificar restos das vítimas do regime.

“Não fosse o MPF estaríamos abandonados nessa luta”, lembrou Suzana Lisboa, ex-integrante da comissão especial. A procuradora da República Eugênia Fávero, atual responsável pelo caso no MPF, disse que o direito das famílias dos mortos e desaparecidos políticos de identificar e enterrar seus entes foi surrupiado. Para ela, essa fase triste da história brasileira não é “uma página para ser virada, mas uma página para ser lida”.

Molina morreu às vésperas de completar 24 anos de idade. Durante dois anos viveu longe da família, tendo passado boa parte deste tempo em Cuba. Militante do Movimento de Libertação Popular e da Aliança Libertadora Nacional, deixou os estudos e a casa de seus pais em 1969 por causa da perseguição política. Ele já havia sido preso uma vez e temia que isto acontecesse novamente, ou que seus pais pudessem ser prejudicados.

De volta ao Brasil, em 1971, Molina foi preso no DOI-CODI/SP, onde foi torturado e morto. Os repressores enterraram o corpo propositalmente com o nome falso de Álvaro Lopes Peralta, no cemitério Dom Bosco, em Perus. Posteriormente, seu corpo foi exumado e transferido para uma vala comum junto com os restos mortais de outros presos políticos, enterrados como indigentes.

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