Acima da crise

A melhor reforma política é nenhuma reforma, diz advogado

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4 de setembro de 2005, 10h32

“A melhor reforma política que se pode fazer agora é não fazer reforma nenhuma”. O advogado Ricardo Penteado lida com leis eleitorais, partidárias e políticas desde que o país se redemocratizou, há 20 anos, e passou a levar a sério eleições, partidos e política. Neste tempo ele aprendeu uma lição que acha, mais do que nunca, faz falta aplicar agora: o país precisa mais de estabilidade do que de reforma política.

Um bom exemplo dessa volatilidade de soluções que nada resolvem é a duração do mandato do presidente da República: eram quatro anos; com José Sarney passou para cinco; com Fernando Henrique voltou a quatro com reeleição; e agora já tem gente propondo acabar com a reeleição e dar seis anos para o presidente, desde que não seja para Lula. “Democracia se faz com história”, diz Penteado.

Para ele, este é o momento para persistir. “Temos estabilidade econômica, as instituições estão funcionando em meio à crise. Então é hora de insistir, de persistir”. Mesmo porque, não é por falta de leis que se faz caixa 2 ou que se carrega dinheiro na cueca de um partido para outro.

Em entrevista à Consultor Jurídico, Penteado, além de reforma política, falou também de eleições, campanhas eleitorais e financiamento de campanhas, crises e saídas para a crise. Mas falou sobretudo de liberdade: “O Estado tem de usar seu poder de polícia para disciplinar as relações sociais e não para suprimir direitos da sociedade”, ensina.

Formado pela PUC de São Paulo, onde é professor de Direito Público, Ricardo Penteado, 44 anos, é sócio do Malheiros Penteado e Toledo Advogados. Presidente do IDPE — Instituto de Direito Publico e Eleitoral, advogou para a campanha de José Serra nas duas últimas eleições e já trabalhou também para as candidaturas de Silvio Santos — sim, Silvio Santos já foi quase candidato a presidente da República —, Lula e Fernando Henrique.

Na ConJur, ele conversou durante duas horas com o editor executivo Mauricio Cardoso e os repórteres Leonardo Fuhrmann, Fernanda Erdelyi e Adriana Aguiar, e concedeu a seguinte entrevista:

ConJur — A política brasileira precisa de uma reforma?

Ricardo Penteado — Há muito tempo se fala de reforma política. No Congresso, as propostas de reforma política foram tropeladas pela reforma da previdência, pela reforma fiscal e outras. E de repente vira prioridade em um ano não eleitoral, com uma urgência que nunca teve. Fico extremamente preocupado de ver uma tentativa de reforma política como se fosse uma desculpa para alguns males que no meu entendimento não decorrem de uma falha da legislação. Ainda que a legislação careça de reformas e de aperfeiçoamentos.

ConJur — Se fosse aplicada a lei que está aí não teria acontecido nenhum desses problemas.

Ricardo Penteado — Exatamente. E não se diga: “ah, as penas são brandas”. Gradação de penas é problema da Justiça. O problema político é se você obedeceu ou desobedeceu a legislação. A reforma política não deve ser feita para espiar pecados individuais. Ela diz respeito à estrutura do Estado. Jogar a discussão para uma falha da legislação me parece uma forma muito covarde de se eximir de culpas. Não me consta que as eleições de 1998, de 2000, de 2002 ou mesmo de 2004 pudessem ter sua legitimidade questionada porque a lei é inadequada.

ConJur — Do que existe hoje na legislação, o que deve ser preservado?

Ricardo Penteado — O maior avanço aconteceu em 1998 quando surgiu a idéia de que a lei eleitoral só entra em vigor se for aprovada um ano antes da eleição. Mas a melhor reforma implementada depois da estabilização democrática foi a Lei 9.504 de 1997, que está valendo até hoje. Até 1996, cada eleição era regulamentada por uma lei especial aprovada para aquela eleição. Mas desde 1998, vigora a mesma legislação. A lei estabelece ilícitos claros, o que pode e o que não pode, os tribunais vão firmando jurisprudência. É uma regra que vale para todo mundo e há muito tempo.

ConJur — A melhor reforma é deixar como está?

Ricardo Penteado — Qualquer reforma hoje é perigosa, porque vai levar a frustrações, a erros, a julgamentos precipitados. A reforma política virá, desde que a gente não faça nada agora. Se enganarmos a sociedade apresentando uma reforma de propaganda eleitoral, dizendo que é reforma política, vamos tirar isso da agenda política do país. Agora, se nós deixarmos acontecer a eleição em 2006 sem fazer nada, a reforma política vai ser incluída no discurso dos candidatos. Basta que a sociedade comece a perguntar: “senhor candidato, qual é sua proposta para a reforma política que não foi feita até agora?”. A agenda dos candidatos, quem faz é o povo.

ConJur — Mas a legislação eleitoral e partidária pode ser melhorada.

Ricardo Penteado — Ela precisa de aperfeiçoamentos notadamente no que diz respeito ao financiamento de campanha ou à fidelidade partidária. A reforma política tem de tratar da estrutura dos partidos, da representação dos estados, da representação eleitoral. Existem diversas formas de reforma política


ConJur — Essa proposta que está no Senado é uma delas?

Ricardo Penteado — Não é reforma política. Ela não mexe na estrutura política do país, não revê conceitos. Ela resolveu tocar em um pequeno ponto que é a propaganda eleitoral. Entrando no mérito dessa reforma da propaganda eleitoral, acho péssima, terrível. Essa reforma vai entulhar a Justiça Eleitoral de problemas e vai deixar os advogados eleitorais ricos.

ConJur — Por quê?

Ricardo Penteado — Ela cria situações de restrição que poderão cair em uma zona cinzenta do que pode e do que não pode. Por exemplo: é proibida a gravação de externas. Em 1994, o Fernando Henrique se candidatou na esteira do sucesso do plano real. Tinha um quadro da propaganda para mostrar a estabilidade da moeda. Mostrava uma pessoa que encontra uma moeda ao atravessar a rua e se abaixa para pegar a moeda enquanto o locutor em off dizia: “Há quanto tempo você não pegava uma moeda no chão? O Plano Real trouxe a estabilidade. A moeda agora vale”. Como era proibido gravar externas, a cenografia teve que construir a rua, o asfalto, o meio fio, a calçada, o carro, tudo dentro do estúdio. Ficou muito mais caro do que se fosse feito numa rua, com externas.

ConJur — O legislador acaba assumindo o papel de diretor de cena?

Ricardo Penteado — É absurdo que você dê um meio de manifestação de pensamento e queira restringir a forma. No que diz respeito à informação, a forma muitas vezes se confunde com o conteúdo. Se você quer uma propaganda eleitoral que seja só verbo porque é que você vai dar na televisão? Então dá só o rádio. A proposta do Senado dá a televisão mas proíbe o recurso audiovisual.

ConJur — A intenção do Senado é limitar o marketing político, de forma a evitar que o candidato vire um produto à venda?

Ricardo Penteado — Não cabe ao Senado dizer que os candidatos sejam apresentados desta ou daquela forma. Tenho de respeitar o cidadão que vai votar. Se para ele o candidato que se apresenta como sabonete é um candidato legitimo, nós temos que respeitar essa vontade.

ConJur — Mas os recursos de edição produzem coisas absurdas.

Ricardo Penteado — Você tem razão, mas não é porque existe batedor de carteira que eu vou proibir você de andar com carteira. É tirar o sofá da sala para evitar o adultério. O fato de ter sido feito mau uso da propaganda não significa que o uso da propaganda deva ser proibido.

ConJur — O Duda Mendonça disse: “Se eu fosse escolher, preferia fazer debates temáticos entre os candidatos ao vivo”.

Ricardo Penteado — Certamente ele estava dando uma opinião pessoal, de como é que ele escolheria um candidato. Eu também. Porque sou uma pessoa razoavelmente bem informada, leio dois jornais todo dia, tenho acesso à internet, assisto à televisão, e tenho uma formação crítica. Eu acho chato ver horário eleitoral. Não fico seduzido vendo um bando de grávidas andando no pasto com música do Bolero de Ravel. Agora, determinadas pessoas gostam e eu tenho de respeitar o gosto delas.

ConJur — O projeto do Senado pretende proibir também as pesquisas eleitorais 15 dias antes da eleição.

Ricardo Penteado — Nunca vi informação fazer mal para alguém. Informação pode fazer mal para uma criança que não esteja preparada para aquele tipo de informação. Mas nós estamos falando de eleição, de cidadania. Não existe valor mais caro para a democracia do que a liberdade de manifestação de pensamento. Eu preferia, do ponto de vista de segurança jurídica, que se acabasse com a propaganda na radio e televisão do que interferir no conteúdo ou na forma que essa propaganda deve ter.

ConJur — É possível censurar a divulgação de pesquisas?

Ricardo Penteado — Hoje em dia, com a internet, é impossível proibir a divulgação de qualquer coisa. O que vai acontecer? Os bancos, os sindicatos, os clientes pagam a pesquisa, publicam no jornal Clarin de Buenos Aires, e todo mundo lê aqui, pela internet. Então é muito melhor que a pesquisa seja feita à luz do dia para que eu possa inclusive ver a qualidade que ela tem. Se ela é proibida, nunca vou poder fiscalizar. Mas vai aparecer do mesmo jeito.

ConJur — Pesquisa eleitoral pode ser levada a sério?

Ricardo Penteado — Instituto de pesquisa que é serio não falsifica pesquisa porque precisa acertar. Ela quer prestar um bom serviço para o cliente. Quanto mais transparência se der para essas questões, melhor será para controlar, disciplinar.

ConJur — Proibir é a solução?

Ricardo Penteado— Um traço fundamental do poder de polícia do Estado é o de que você disciplina as liberdades e não as aniquila. Pornografia é admitida? É, legitima manifestação de pensamento. Mas para vender pornografia em uma banca de jornal devo tomar alguns cuidados, embrulhar a revista, etc. para não afligir as pessoas menores ou mais sensíveis. A lei disciplina mas não proíbe a revista. O abuso não pode justificar a proibição do uso.


ConJur — Qual é o modelo de reforma política?

Ricardo Penteado — Fundamental para esse país amadurecer politicamente é a fidelidade partidária. Temos que discutir esse tema. Qual a extensão da fidelidade? Perde o mandato, não perde o mandato? Perde a elegibilidade para a próxima eleição? O que nós vamos fazer? Eu costumo dizer o seguinte: fidelidade é aquilo que você faz depois, não o que você faz antes. Você aumenta o noivado para dizer que é mais fiel? Não. Fidelidade partidária diz respeito ao mandato, ao compromisso político com o partido depois que o candidato é eleito.

ConJur — O sistema de listas na eleição é uma boa idéia?.

Ricardo Penteado — O sistema de lista fechado ou aberto, nós temos que discutir isso. Ou então discutir o sistema distrital misto. De alguma forma, a gente já usa um sistema de lista aberta com o sistema proporcional. Quem votou no Enéas elegeu cinco ou seis desconhecidos. Com a lista fechada eu deixo isso às claras. Assim: “se você votar nesse partido, você está levando toda essa gente”.

ConJur — Vai funcionar?

Ricardo Penteado — Duvido que uma só pessoa nesta mesa consiga compor uma lista com dez componentes do mesmo partido de seu inteiro agrado. É difícil. Mas temos de começar a votar em partidos. A lista fechada ajuda sobremaneira a formação de governo também. Porque um partido quando apresenta uma lista fechada, apresenta um plano de governo. Terminar com a coligação proporcional é fundamental. A coligação na eleição proporcional desprofissionaliza o partido político. Temos coligações não ideológicas, mas de pura estratégia, de marketing, de tempo de televisão

ConJur — Eu queria mudar para a questão do financiamento de campanha.

Ricardo Penteado — O grande problema da democracia no século XXI está no financiamento das campanhas eleitorais. A democracia depende da campanha eleitoral, depende da discussão pública e passa a depender cada vez mais da mídia, de recursos caros, de efeitos da comunicação. Outro dia, eu estava vendo uma avaliação de quanto uma candidatura presidencial precisa para se deslocar no Brasil. Olha, vai além de milhões. E precisa de alguém para financiar isso.

ConJur — Poderia ser o dinheiro público?

Ricardo Penteado — Eu sou francamente a favor do sistema misto: tanto o Estado, quanto a sociedade concorrendo com o custeio da democracia. Não tenho nenhuma resistência ideológica em achar que o dinheiro público possa ser aplicado no enorme investimento que se chama democracia. Alguns argumentam dizendo: “imagina, tirar o dinheiro do contribuinte para a campanha eleitoral.” Se o financiamento público garantisse uma eleição legítima, igualdade para todos, soberania popular, representação, eu não teria o menor problema em gastar o dinheiro do povo com isso. Porque é para o povo. O que me preocupa na proposta de financiamento público exclusivo é que ele não evita o grande problema que nós temos vivido que é garantir a igualdade de tratamento para todos os candidatos. Se com financiamento privado já tenho o caixa dois, imagina se eu tivesse o financiamento público exclusivo?

ConJur — Mas o financiamento público exclusivo com valores iguais não ajuda também uma fiscalização melhor?

Ricardo Penteado — O que se discute no Congresso hoje é um financiamento exclusivo em que o tesouro nacional distribui dinheiro para os partidos tendo como base a representação desses partidos na Câmara dos Deputados. Mas cada partido deve ter o direito de tirar a diferença na sociedade. Eu nunca votei no Collor, mas eu jamais retiraria a legitimidade do Collor sair candidato a presidente naquela época. Se houvesse financiamento público exclusivo na época, ele não conseguiria sair de Maceió nem produzir um programa eleitoral. Não vejo problemas no financiamento privado e não vejo problemas no financiamento público, desde que os dois convivam e a gente torne isso o mais transparente possível.

ConJur — Hoje é feio fazer doação para campanha.

Ricardo Penteado — Mesmo que seja lícita, limpa, a gente torce o nariz para doação de campanha. Ficaria felicíssimo se algum dia os partidos políticos cedessem para um comitê supra-partidário os seus respectivos horários em um ano eleitoral para fazer uma campanha em favor da doação. Se dirigindo aos eleitores, aos empresários: “doem para os partidos políticos, financiem a democracia, vocês vão prestar contas à sociedade e não serão condenados por isso”.

ConJur — O incentivo fiscal para doadores de campanha não acaba sendo dinheiro público do mesmo jeito?

Ricardo Penteado — Hoje isso já existe. Por compensação tributária. O horário que a emissora de televisão entrega para o partido político é devolvido em dinheiro. E aí 100% do que a emissora deixou de receber é abatido dos impostos que deve ao Estado. Portanto já existe financiamento público de campanha altíssimo. Não é pouca coisa não. Mas é um bom serviço que a União presta à democracia.


ConJur — A cláusula de barreira resolve o problema do aluguel de legendas?

Ricardo Penteado — A clausula de barreira não implica em proibição de criação de partidos políticos, apenas barra o acesso à propaganda gratuita ou a outros recursos reservados aos partidos com um tipo de representação. A idéia é a seguinte: para ter acesso ao rádio e à televisão, financiados pelos cofres públicos, com a responsabilidade de aparecer na Rede Globo de Televisão às 8 horas da noite, o partido precisa ter uma legitimidade representativa mínima.

ConJur — Precisa representar alguma coisa.

Ricardo Penteado — Não basta dizer que tem uma idéia na cabeça para botar uma câmera na mão. Precisa ter uma idéia na cabeça, aprovada por pelo menos uma parte da população, que o legislador constitucional vai dizer qual é. Isso não vai proibir sequer registro de candidaturas.

ConJur —Qual seria o número ideal de partidos?

Ricardo Penteado — Nós vemos uma tendência mundial de redução do número de partidos. No sistema americano, são dois partidos, muito parecidos entre si, por sinal. O sistema francês tem vários partidos, mas dois ou três fortes. O perfil brasileiro é muito heterogêneo ainda. Então, nós temos de tomar muito cuidado. Qualquer comparação do sistema político brasileiro com qualquer país europeu, por exemplo, eu acho um desastre.

ConJur — A pergunta talvez seria: tem de ter uma limitação?

Ricardo Penteado — De modo algum. Com a cláusula de barreira, a própria população, pelo voto, vai definir o número de partidos. A urna não esgota a democracia, mas é um grande recurso que nós temos para a estrutura democrática. Então, se você pegar o resultado de uma eleição e verificar quais são os partidos que têm representação de no mínimo 5% do eleitorado em cada estado, você já tem aí um parâmetro ditado por uma tendência política do próprio cidadão. Ainda que com isso, alguns partidos tenham de ser extintos.

ConJur — Como se pode falar de representatividade com 27 partidos?

Ricardo Penteado — Teríamos de ter cláusulas de barreira muito mais eficientes, criação de partidos políticos de forma diferenciada e um sistema de representação do eleitorado mais paritário. A idéia de um homem um voto deveria ser procurada com mais afinco. Hoje, o voto de um paulista vale muito menos que de um cidadão de Rondônia

ConJur — Como se explica o fenômeno do caixa 2 se o dinheiro doado pode ser contabilizado e o dinheiro recebido também pode?

Ricardo Penteado — Existem três explicações para o caixa 2: 1) o candidato não vai aplicar esse dinheiro na eleição. Ele quer comprar um carro, ou um apartamento ou coisa do gênero. 2) o empresário tem o dinheiro mas não quer aparecer como doador. Aí é uma questão de educação. É o empresário ter a segurança de que não vai ser mal visto se ele doar para a campanha eleitoral que é legitima. 3) finalmente, o empresário querer doar do caixa 2 dele. Isso não é um problema eleitoral. O dinheiro já está no caixa 2 da empresa. É um problema fiscal, da alçada da Receita Federal. Agora, num sistema livre de vícios, não vejo interesse nenhum de campanha ter caixa 2: doação de campanha é legal, é legítima e não é tributada; dinheiro de candidato é um dinheiro que ele pode gastar dentro da lei, com facilidade, com transparência.

ConJur — Mas tem aquela questão: foi doado legalmente pela bancada da bala, bancada ruralista, bancada disso ou daquilo…

Ricardo Penteado — Nada mais legítimo que eu financie a campanha eleitoral daqueles que representam legitimamente um determinado interesse. A sociedade tem de amadurecer sua concepção a respeito de financiamento de campanha. Hoje em dia, a sociedade olha torto para qualquer pessoa que tenha doado para campanha porque acredita que haverá uma contrapartida ilícita. A gente tem de lembrar que existe a contrapartida lícita. Eu sou empresário da construção, é legítimo que eu queira financiar o candidato que mais obras anuncia. Assim como um sindicato tem legitimidade de torcer para o candidato que represente sua categoria de trabalhadores. Liberar a doação privada significa deixá-la vir à tona. É melhor do que proibi-la e ela acontecer de forma, aí sim, forçosamente clandestina.

ConJur — Um dos grandes problemas do financiamento de campanhas hoje é a fiscalização das doações e dos gastos?

Ricardo Penteado — A proposta do Senado tem este defeito. O financiamento de campanha não é visto, estudado e analisado sob o ponto de vista do financiamento de campanha, mas sob o ponto de vista do gasto da campanha. Como se a diminuição do gasto fosse evitar a má arrecadação. Não é verdade. Já a idéia de uma prestação de contas concomitante à campanha eleitoral é muito interessante. O eleitor tem o direito de ser informado sobre quem está financiando o candidato dele antes da eleição. Hoje, a prestação de contas é feita depois da eleição. O eleitor vota sem saber quem financiou aquela campanha. A Justiça Eleitoral melhorou muito, mas ela precisa de uma estrutura de fiscalização melhor.


ConJur — E sempre um candidato pode fiscalizar o outro?

Ricardo Penteado — Hoje, os candidatos fixam o quanto eles pretendem gastar na campanha. No meio da campanha, eles podem ir à Justiça Eleitoral e pedir para aumentar ou diminuir. O ideal é que, antes das eleições, uma comissão suprapartidária fixasse os limites dos gastos. O nanico iria tentar puxar para baixo, o partido gigante iria puxar para cima, mas com a mediação da Justiça Eleitoral, em cima de critérios legais, poderia se fixar um teto. Cada um saberia o máximo que seu adversário pode gastar. Hoje em dia, a maior fiscalização eleitoral é exercida pelos próprios candidatos. É só ver na Justiça Eleitoral o número de representações oferecidas por um candidato contra os outros candidatos.

ConJur — A possibilidade de reeleição estimulou o uso da máquina administrativa e a corrupção eleitoral?

Ricardo Penteado — Na época em que não havia reeleição ninguém impedia que o Executivo ajudasse o candidato que ele queria fazer sucessor

ConJur — De que forma a transgressão à lei eleitoral prejudica o processo democrático?

Ricardo Penteado — A democracia acaba sendo atingida de dois jeitos. Ou a gente não liga mais e acha que é normal roubar, desviar; ou então a gente toma uma posição inversa e começa a proibir tudo. Por aí surge o Estado policial que desconfia de tudo e de todos e precisa criar proibições porque todos nós somos ladrões inatos. Tudo é proibido no pressuposto de que tudo é desonesto. Isso faz mal para o Estado, isso faz mal para a democracia. O que faz mal para a democracia, na verdade, é o desequilíbrio, é o açodamento, é a ansiedade. Eu acho que nós temos de ter calma. Nós estamos vivendo uma crise grave. Mas não é uma crise institucional. Não é uma crise dos partidos políticos…

ConJur — Na crise política que o país está vivendo, tem crime eleitoral?

Ricardo Penteado — Crimes eleitorais, evidentemente, são cometidos antes de o cidadão virar presidente, portanto são anteriores ao exercício da presidência. E ilícitos político-administrativos são aqueles que podem ter sido cometidos durante o exercício da presidência. Nós temos aí uma CPI que está falando de mensalão, que é uma coisa que diz respeito à atuação atual do governo. Temos de deixar claro o seguinte: nós não podemos querer que a Justiça Eleitoral seja convocada a resolver essa crise. O papel da Justiça Eleitoral é disciplinar as eleições, não é cassar mandato em exercício.Toda vez que se convoca a Justiça Eleitoral para cassar um mandato, significa que se está reabrindo as eleições. Neste caso, se o eleito for cassado, significa que o segundo lugar é convocado. E não é, evidentemente, esse o quadro.

ConJur — A crise está revelando a crise do PT ou a crise dos partidos?

Ricardo Penteado — Qualquer reforma política diz respeito, evidentemente, a todos os partidos políticos. Eu acho que o aperfeiçoamento do financiamento e da fiscalização da campanha é de suma importância e é sim de interesse dos partidos políticos. Não quero condenar o sistema democrático por conta de maus exemplos recentes de campanha e de marketing político. Em princípio, eu acho que nós temos uma distorção quando o marqueteiro é mais famoso do que o candidato. Mas isso não quer dizer, que por conta de um ou outro caso pontual, nós devamos mudar todo o sistema.

ConJur — Como o senhor vê o comportamento das instituições diante da crise?

Ricardo Penteado — Se a gente olhar para o cenário político mundial, vamos perceber que os Estados estão se organizando de tal modo a garantir estabilidade, tanto do ponto de vista econômico quanto social. Nós tivemos, aqui, uma reforma econômica nos últimos que serviu para dar estabilidade econômica ao país nos últimos 10, 12 anos. Pois o sistema político também precisa ser reformado para que ganhe estabilidade independentemente do que esteja acontecendo. Nós precisamos de um sistema político que seja confiável. Pode até ser esse, só que melhor discutido, provado e aprovado. O que não pode existir é achar que tem de fazer uma revolução estrutural legislativa dos partidos, a cada corrupto que aparece. Democracia se faz com história, com processo. Temos de ter uma fonte de inspiração e um sistema estrutural macro e depois ir preenchendo as lacunas.

ConJur — Já se fala em convocação de uma Constituinte. O senhor é a favor?

Ricardo Penteado — O professor José Afonso escreveu um belo artigo na Folha de S. Paulo, dizendo que de jeito nenhum, pelo amor de Deus. O que não exclui o repensar estas modificações pontuais. Mas precisamos persistir. Esse país precisa disso. Nós temos a ilusão de querer consertar isso na canetada. Eu era contra a reeleição na época que ela foi aprovada, mas uma vez que ela foi aprovada, eu acho que ainda tem de persistir um pouco nela. Vamos seguir esse jogo pelo menos por uns 20 anos, para vermos como esse negócio funciona. A cada eleição a gente acha que tem alguma coisa errada.

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