Guerra dos grampos

Suposta assessora de Alckmin oferece ajuda a MP contra Maluf

Autor

2 de setembro de 2005, 19h49

Enquanto a polícia grampeava, com autorização judicial, os telefones de Paulo Maluf e de pessoas de seu convívio, alguém gravava as conversas dos investigadores do ex-prefeito.

Segundo Maluf, as gravações foram oferecidas a ele pelo advogado Jorge Serpa, do Rio de Janeiro, por intermédio do empresário José Carlos Kalil. Serpa nega qualquer envolvimento no episódio. Mesmo tendo se recusado a pagar pelo material, conforme diz, Maluf recebeu a transcrição das fitas, para conhecer seu conteúdo.

Não bastasse sua origem obscura, não se sabe qual seu grau de confiabilidade. Pode não servir como prova, mas é um alerta para a repugnante arapongagem privada, essa indústria florescente, cujo produto principal é a chantagem.

Personagem muito à vontade nas gravações é uma mulher identificada apenas como Senhora X e que se apresenta como “assessora do governador”. A Senhora X demonstra desenvoltura para tratar com a imprensa. E conversa com familiaridade com representantes do Ministério Público.

Numa destas conversas gravadas, ela negocia com o promotor da Cidadania do Ministério Público do Estado de São Paulo, Sílvio Marques, um dos mais ferrenhos acusadores de Paulo Maluf, o depoimento de uma testemunha, que teria revelações capazes de provocar a decretação da prisão do ex-prefeito. O promotor mostra pouco entusiasmo pela proposta e recusa qualquer possibilidade de pagar ou praticar qualquer ilegalidade em troca do depoimento. Mesmo porque, ele diz, o depoente “não está em condições de exigir nada”.

Procurado pela revista Consultor Jurídico, o promotor Sílvio Marques confirmou a conversa com a Senhora X, mas não a identificou. Marques afirmou que ficou ressabiado com a suposta assessora e decidiu também gravar a conversa. E ressaltou: “tudo o que foi conversado está dentro dos limites legais”.

Leia a transcrição de conversa entre o promotor e a senhora X (mantidas ortografia e gramática do original)

X — Olá, boa tarde

SM — Me desculpe, mas eu estava no meio de um depoimento

X — Imagina.

SM — Por favor, eu não tinha como sair, mais

X — Eu entendo, vocês trabalham muito, muito agitado.

SM — Nossa, e hoje ainda com este negócio do Palocci, você ficou sabendo?

X — Então, eu estou ouvindo, até o Ernesto Paglia está lá em cima!

SM — É mas ele veio…

X — É outra coisa né…

SM — Não, não tem a ver, mas assim, o esquema do lixo ele funcionou nas prefeituras petistas, né, mas principalmente em São Paulo, e aqui a…investigação, e agente tem as fraudes… bens, conseguimos pegar as provas boas, busca e apreensão na prefeitura não sei o que tal, e no fim tudo que a gente tava investigando — agora está se confirmando.

X — Por sinal, até, eu sou da assessoria do governador,

SM — huhum

X — e a gente fica muito satisfeito com o trabalho de vocês, porque o trabalho é bem bacana, vocês vão em cima, investigam, e isso aí é legal que você está dizendo, quer dizer, vocês trabalharam, levantaram agora uma situação que agora está se confirmando que é verdade…

SM — Confirmando, pelo grampo telefônico que fizemos aí, lá em Ribeirão Preto, mas também por muitos documentos que agente apreendeu aqui, enfim, imagina um contrato de vinte anos renovado por mais vinte, que é o daqui de São Paulo.

X — é uma vida né…

SM — é, pois é, e não tem o menor cabimento isso, agente não entendia como a eX prefeita ele enfrentou todo mundo, vamos dizer assim e assinou contrato, mesmo sob ameaça, vamos dizer assim, de ser processada, do desgaste político, etc…agente pedia para não assinar, entendeu? E ela assinou mesmo assim, e agora agente sabe porque, infelizmente.

X — É engraçado que é uma afronta e uma coragem que misturam ali né, é complicado…

SM — É, infelizmente, esse governo petista aí que saiu ele, vamos dizer assim, taratava com tanto orgulho , como aliás o governo federal…

X — Ainda bem né (risos)

SM — (risos)

X — Ainda bem eu acho ótimo .

SM — é né(risos)

X — No íntimo eu sempre achei que seria uma decepção não pela minha posição política, mas enfim… Bom doutor, eu vim falar aqui é o seguinte, tem a ver com uma investigação de vocês e a assessoria foi procurada, é o caso do Paulo Maluf…

SM — huhum

X — O Edgar Leite e a Isa Ribeiro parece que não tão querendo prestar depoimento aqui com vocês para esclarecer e informar o que eles sabem.

SM — Ta

X — E a assessoria foi procurada, o governador me pediu para ficar a frente disso, pra verificar aonde é verdade e o interesse de vocês aqui no Ministério Público. É qual que é a informação que chegou para agente, de que o Edgar Leite tem umas informações, tem documentação e ele quer prestar os esclarecimento dele e modificar um depoimento dele que tinha dado antes e que parece que não foi muito interessante, que não deu muitos dados


SM — Exatamente isso

X — E o agente soube também é que uma revista semanal ia pagar um valor que ele estava exigindo para poder fazer, dar as informações

SM — É foi esta informação que chegou aqui.

X — Porque parece que ele ia ter uma exclusividade com a revista pra noticiar logo que ele viesse aqui fazer o depoimento.

SM — Hum hum , certo

X — E a Isa. É.. agente soube que ela estava sendo patrocinada pelo Maluf e pelo Reinaldo de Barros, pra não se manifestar de nada e parece que eles estão se desentendendo e que ela estaria começando a se dispor a se manifestar também.

SM — Tá

X — Agora é… eu fiquei incumbida de verificar se isso é verdade, e se for e ainda tiver interesse do Ministério Público na manifestação, principalmente do Edgar, pra levantar esse numerário, que parece que a revista não tem mais interesse, porque agora com esse problema em Brasília , né, não se fala em outra coisa. Então, ainda é interessante o depoimento do Edgar?

SM — Pois é, não, o Edgar é interessante, mas esta parte ai se ele está exigindo assim alguma coisa para fazer isso aí, eu num posso, fazer nada, com relação a isso aí, é problema dele não é problema nosso aqui

—Toca o telefone

X — Sim, não, eu entendi, parece que a revista é que ia pagar , a gora que a revista não quer mais pagar…

SM — O que eu quero, o que eu preciso é o depoimento dele, na verdade, na verdade não é o depoimento, é algo que pode livrá—lo de uma série de problemas, se ele realmente contar o que ele sabe ele realmente pode ter benefícios legais, né,

X — que é quilo de, que agente…

SM — que é a delação premiada, que na improbidade ele provar que ele foi obrigado a fazer tudo aquilo que ele fez, ou seja, que ele costurou todos os contratos, ajeitou todos os contratos, isso aí realmente pode ajudá-lo tanto na área civil quanto penal , tem uma investigação criminal contra ele, contra ele, investigação federal, agora eu acho que na verdade ele não está muito em condições de ficar exigindo nada viu!

X — Sim

SM — Ele num tá, inclusive não seria bom para ele , pra ser sincero, ele não deveria fazer isso, ele deveria vir aqui e dar o depoimento e pronto, pra livrar o que ta acontecendo com ele né, para ele para que ele possa ajudar a justiça, e a justiça possa dar o benefício, previstos em lei, mas fora da lei agente não trabalha , aqui agente vai fazer apenas o que determina a lei

X — Hu hum, lógico, não é o caso. È porque eu imagino assim, ele acho que aproveitou uma oportunidade também, deve estar com alguma dificuldade, não sei, de já que a revista tava interessada, enfim mas antes de agente poder fazer qualquer coisa em relação a ele, de providenciar esse valor ou não, enfim, precisava saber se realmente ainda nesta fase do processo ainda há interesse na participação dele.

SM — Tem tem interesse, mas como eu falei esta questão financeira eu acho um absurdo, ele não tem que exigir nada, simplesmente vem dar o depoimento dele e pronto, ele está sendo acusado, está sendo acusado de ser corrompido, de ter ajudado corrupto. Então somente esta parte aí eu acho que não tem nada a ver , o depoimento ainda é importante para ele, na verdade, para ele, porque pra nós aqui, a senhora vai ver na semana que vem que , nas próximas duas semana aí que, q aprova que tem, que agente conseguiu na suíça, por exemplo, é de 30% do que agente tem hoje. Nos 5 meses nós trabalhamos em total sigilo…

X — E vai poder utilizar mesmo

SM — Hã?

X — E vai poder utilizar, né?

SM — O que?

X — A prova da suíça?

SM — Vai, vai

X — Porque tinha saído uma notícia aqui que não ia e depois saiu uma outra que ia…

SM — Não, não, vai, vai, vai, não poderia ser utilizado para aquele tipo de crime, agora para crime de corrupção de lavagem pode. É que aquele crime realmente a Suíça entendeu que o crime era fiscal e não, portanto não poderia, não pode ter nenhum crime fiscal nem lavagem com crime fiscal, tá, mas enfim, o que eu posso dizer é o seguinte, a gente tem interesse só não concordo com esta questão de pagamento…

X — de pagamento

SM — isso aí eu acho que não tem que ser feito não, ele não está em condições de fazer qualquer tipo de exigência, quem é investigado é ele, evitar problemas pessoais, profissionais, né, judiciais, eu diria,

SM — ele é advogado, ele vem aqui, fala comigo, eu chamo o pessoal da federal a gente faz uma oitiva conjunta aqui, né, enfim para… vamos dizer, para ele não entrar numa roubada, a verdade é essa, que ele tá…


X — Porque o nosso interesse na verdade no governo, o que que é, auxiliar vocês e que o trabalho de vocês não seja perdido, se essa documentação que tem com o Edgar Leite ajudar a, por exemplo, pedir a prisão de Paulo Maluf, acho que é uma coisa agente incentiva-lo a vir e trazer, né.

SM — é vir trazer, mas não mediante pagamento, eu acho que quanto a isso, porque se alguém se dispuser a pagar alguma coisa vai ser por conta e risco, eu não acho que isso seja algo factível, algo que deva ser estimulado, acho que eu, bem devia estar falando sobre isso porque é um absurdo falar isso de depoimento mediante pagamento (toca o telefone e sai da sala).

X — faz tempo que vocês estão instalados aqui?

SM — já faz uns quatro anos, ou menos.

X — parece que ta tudo meio em reforma

SM — há

X – parece que ta meio em reforma, né?

SM — é, na verdade, infelizmente o Ministério Público não tem tantas, tantas…

X — benefícios…

SM — Tantos benefícios né, a gente vê lá no Ministério Público Federal eles tem muito mais.

X — Muito mais estrutura

SM — Mais estrutura que a gente teve. Eles são poucos mas tem uma estrutura é maior

X — é a Justiça federal no geral tem mais estrutura que a estadual, isso nem fala, Bom, mas…

SM — Mas estão, como que seria, como ele tava querendo fazer pelo que a Senhora sabe?

X — Eu não tive contato direito com ele, ele procurou um dos assessores e eu fiquei incumbida de vir aqui verificar se realmente ainda tem interesse na documentação e se esse depoimento e a documentação dele realmente tem condições de incriminar o Paulo Maluf, porque senão vai ficar em vão…

SM — Não, na verdade, eu fiquei sabendo dessa documentação, alguém veio aqui me falou olha tem, alguém me falou que tem uma documentação, e que nessa documentação tinha inclusive cartinhas manuscritas pelo Paulo Maluf mandando superfaturar a passagem Tom Jobim ali né

X — Emurb

SM — Aquela passagem Tom Jobim foi feita Andrade Gutierrez

X — Tinha um K, fator…

SM — Fator K

X — Fator K

SM — Exatamente, o fator k é resumidamente é, assim, um índice de reajustamento do contrato e no fator k são colocados, é uma espécie de uma cesta de produtos, de insumos na construção civil, e que se cada um destes insumos tiver aumento de preços ai o fato k aumenta, se houver diminuição de modo geral, então haverá mudança no reajuste do contrato

X — Tá certo

SM — Mas sempre tinha aumento ta. É aí houve o superfaturamento da águas espraiadas e da airton senna através desse fator k porque eles aumentavam os preços de cada um dos insumos.

X — Tá certo. E, por exemplo, no caso, esta documentação ser boa, a gente também tem interesse na prisão dele, pelo lado político até, quem impediria a prisão dele, o Senhor ou o Federal.

SM — Não, não, a polícia federal, inclusive estamos trabalhando juntos

X — Pedro Barbosa, Paulo Barbosa?

SM — É o Pedro Barbosa é o procurador da república, é o procurador da República mas o delegado do caso é o Dr. Queiroz ele ta trabalhando, nós estamos trabalhando os três juntos, ultimamente, nos últimos meses, alias em sigilo, e essas reportagens inclusive agente já sabe que saíram do próprio ex-prefeito, xxxx, essas reportagens partiram de lá, o ex-prefeito tá incentivando para saber o que agente tem, mas agente não vai falar

X — Não tem que falar

SM — enquanto não tiver momento oportuno

X — bom acho que eu volto a falar com você, qualquer novidade que tiver e se ele entrar em contato de novo, provavelmente agente vai entrar em contato com ele pra verificar o que está acontecendo.

SM — é como que eu falei, a única coisa que eu acho que não tem que ser feito aí, ele não está em condição de exigir pagamento coisa nenhuma, ele vem aqui falar com a gente, xxx, para que a gente possa ouvi-lo, xxxx, e verificar a possibilidade de retirar todas as acusações, a situação dele é muito delicada

X — há chance dele virar testemunha?

SM — há chance dele virar testemunha

SM — mas o pagamento em dinheiro xxx, agente não trabalha desse jeito, se alguém quiser pagar, problema de quem quiser pagar, eu não tenho nada a ver com isso, eu nem quero saber desta história aí. O que eu quero mesmo é o depoimento dele aqui pra mim, pro Pedro Barbosa e pro Delegado Federal

X — O interesse nosso é que a investigação não fique perdida, se existe algum fator que possa colaborar com vocês, agora a metodologia para ele vir aqui daí vai ter que ser estudada.

SM — Eu acho que não é boa idéia pagar, xxx, agora apurar os fatos não posso exigir

X — tá bom

SM — você tem um cartão aí?

(corta)

X — eu volto a entrar em contato para saber a posição dele.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!