Mídia de futuro

Músicas baixadas da internet já geram royalties milionários

Autor

  • Nehemias Gueiros Jr

    é advogado especializado em Direito Autoral Show Business e Internet professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ consultor de Direito Autoral da ConJur membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

31 de outubro de 2005, 18h00

Interessante artigo saiu publicado nesta segunda-feira (31/10) no Estadão, sobre a polêmica questão da utilização de obras artísticas, literárias e científicas baixadas via internet. Os articulistas, em bem ordenada e detalhada explicação, revelam a mecânica que vem sendo empregada há algum tempo pelo site Creative Commons, idealizado pelo advogado e professor Lawrence Lessig, da Universidade de Stanford, em São Francisco, EUA. Apesar de muito boa, a idéia do professor Lessig ainda encontra substancial resistência, especialmente por parte dos controladores de conteúdo, representados por grandes gravadoras, estúdios de cinema e editoras literárias.

Enquanto concordantes com a teoria da livre circulação das idéias no admirável mundo novo da internet — que, afinal, foi o grande divisor de águas com a migração em escala da cultura mundial para a Grande Rede de computadores — não podemos deixar de lembrar a incontrolabilidade da Web. Sim, porque se pararmos para pensar, “a internet está em todos os lugares ao mesmo tempo mas também não está em lugar nenhum”. Não existe um “escritório central” que administra a rede como uma empresa, por exemplo, e aí reside a mais importante dificuldade de se proteger uma obra intelectual que tenha sido inserida (uploaded) como conteúdo: a rede nada mais é do que uma infinidade de computadores, maiores e menores, mais e menos poderosos, “rodando” informações em redor do mundo em forma de elétrons movendo-se à velocidade da luz. Nada físico, nada palpável, nada material.

Nesse insólito ambiente, é simplesmente impossível a tarefa de controlar, in totum, o conteúdo de obras intelectuais inseridos na rede virtual mundial. À semelhança do crime no mundo físico que jamais foi coibido, apenas — e pouco eficientemente — controlado pelas polícias de que precisamos cada vez mais ao redor do mundo, as ilicitudes e violações eletrônicas jamais serão inteiramente extintas, mas já podemos contar com a possibilidade de aumentar a eficiência dos nascentes mecanismos de controle.

Várias e importantes alternativas já existem e outras vêm sendo desenvolvidas, para proteger as obras intelectuais na Grande Rede, sendo as mais importantes os contratos de adesão conhecidos como disclaimers e disclosures, a criptografia, a certificação digital e, agora, a inteligente idéia do Creative Commons, também conhecida pelo bem-humorado apelido de copyleft.

Entretanto, no mundo capitalista em que se funda a sociedade moderna, da busca prioritária pelo lucro, o Creative Commons será muito mais uma ferramenta de divulgação do que uma alavanca para o sucesso comercial. Quem, depois de inserir seu trabalho criativo no sistema de Lessig, desejar exercer um controle mais forte sobre os destinos de sua obra pós-upload, deverá mesmo optar pelo velho sistema secular do copyright para incrementar a sua receita financeira.

É verdade que o sistema de Lessig constitui a mais inteligente forma de divulgar trabalhos de artistas estreantes, novos e ainda não-estabelecidos no mercado, mas nem ele tem o condão de “blindar” completamente uma obra intelectual de ser modificada, re-utilizada e violada por pessoas agindo deliberadamente e de má-fé na grande rede de computadores. O problema é tecnológico. Basta verificarmos a evolução técnica das últimas décadas. A tecnologia é inexorável e sempre terá o Direito como refém. Quando o videocassete chegou na década de 70, os estúdios de cinema se desesperaram, clamando que “seria o fim do cinema como o conhecemos”. Em menos de 10 anos, a indústria de home vídeo, propiciada justamente pela nova tecnologia de passar e gravar filmes na televisão, tornou-se a segunda maior receita de Hollywood depois das salas de exibição (box-office). O mesmo aconteceu na alvorada da Era Digital com o advento do CD e depois dos computadores pessoais (PCs).

O download é uma revolução um pouco mais profunda, pois coloca em xeque, de uma só vez, o férreo sistema de controle exercido pelos controladores de conteúdo há quase um século, desde o advento da música gravada em escala comercial. Entretanto, professando o otimismo que sempre norteou o nosso trabalho, é importante registrar que a “baixa” de música legal, com o devido pagamento de direitos autorais, já começa a sinalizar dias de sucesso.

Na Inglaterra e nos Estados Unidos, o download oficial e autorizado de músicas ultrapassou a marca dos 30 milhões de fonogramas comprados online em 2004 e já gerou mais de US$ 500 milhões de royalties para os sujeitos e agentes de direitos autorais. O CD como formato físico está com seus dias de domínio absoluto contados, dando lugar a uma incrível nostalgia que revive o venerável Long-Play de vinil (embora mais limitado a DJs de boates e casas de eventos) e a um nicho de mercado que vai privilegiar — e já barateou significativamente — a compra de música eletrônica com garantia de qualidade, fichas técnicas originais e uma pluralidade de repertório que o sistema P2P não possui. O crescimento já alcança quase 300% em comparação com o ano 2000, quando Shawn Fanning sacudiu a indústria fonográfica com seu Napster. Teremos em breve um mercado profuso, em que cada pessoa escolherá o suporte que mais lhe agrade, podendo “queimar” CDs, utilizar MP3 e pen-drives ou simplesmente consumir suas músicas e obras intelectuais nas telas de seus computadores. Prenúncio da convergência de mídias (convergence), que pavimenta a Super-Rodovia da Informação, já próxima das portas das nossas casas.

Por outro lado, os estúdios de cinema e a MPAA (Motion Picture Association of América) não se fizeram de rogados para a próxima edição do Oscar em 2006. Antes sempre distribuídos em formato VHS para os jurados-membros que decidem o destino das estatuetas, a Disney somente entregará as suas produções do ano que vem através de cadastros pessoais e aparelhos de DVD registrados. Mais um sinal do admirável mundo novo digital em que vivemos.

De qualquer sorte, enquanto parabenizamos o Creative Commons e seus seguidores, especialmente o respeitado professor — e simpático colega — Ronaldo Lemos da FGV-RJ, que coordena o movimento no Brasil, tendemos a achar que o futuro reserva um ambiente de múltipla convivência entre o sistema antigo, do copyright eminentemente econômico, com o novo, decididamente romântico e de divulgação, enquanto aos piratas e foras-da-lei caberá a tarefa de garantir que os advogados sempre tenham trabalho em seus escritórios. É viver para ver.

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    é advogado especializado em Direito Autoral, Show Business e Internet, professor da Fundação Getúlio Vargas-RJ e da Escola Superior de Advocacia — ESA-OAB/RJ , consultor de Direito Autoral da ConJur, membro da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e da Federação Interamericana dos Advogados – Washington D.C. e do escritório Nelson Schver Advogados no Rio de Janeiro.

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