O papel do Supremo

É importante que o STF possa escolher o que quer julgar

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30 de outubro de 2005, 6h00

Aos 36 anos, o professor Alexandre de Moraes tem uma folha de serviços prestados à causa jurídica invejável. Aos 22 já era Promotor de Justiça do Ministério Público de São Paulo. Aos 33, virou Secretário de Justiça, cargo que veio a acumular com a espinhosa presidência da Febem de São Paulo. Desde junho é um dos integrantes do recém criado Conselho Nacional de Justiça.

Professor de Direito Constitucional da Universidade Mackenzie e da Universidade de São Paulo, Alexandre de Moraes é autor de 14 livros, dentre eles Direito Constitucional, com mais de 300 mil cópias vendidas e a segunda obra mais citada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal. O respeito é recíproco: “O Supremo é um ótimo tribunal no controle de constitucionalidade”, diz ele ao defender uma redução no volume de trabalho da Corte, justamente como uma forma de preservar a excelência de suas decisões.

Na entrevista concedida à Consultor Jurídico, Alexandre de Moraes falou também sobre a função do CNJ. Mais do que uma supercorregedoria a cuidar da disciplina dos juizes, ele entende que cabe ao conselho o papel de encontrar soluções para os grandes desafios do judiciário. . “Punir juiz é importante, mas o mais importante é a coordenação e organização do judiciário”. Por isso, ele diz, as prioridades do Conselho são questões macro como promoção de juízes, nepotismo, teto salarial, concurso público.

Participaram da entrevista os jornalistas Adriana Aguiar, Aline Pinheiro, Leonardo Fuhrmann, Márcio Chaer, Maria Fernanda Erdelyi e Maurício Cardoso.

Leia a entrevista

ConJur — Juiz ganha demais no Brasil?

Alexandre de Moraes — Eu acho que não. É uma hipocrisia falar que juiz ganha demais. Um ministro do Supremo está ganhando R$ 21,5 mil, R$ 17 mil líquido. É pouco. Não é porque o salário mínimo é de R$ 300 que todo mundo tem de ganhar mal. Mas os salários dos juízes, pelos padrões brasileiros, são razoáveis. O problema é que há um escalonamento. Se se elevar o salário dos ministros do STF, todos os outros terão de ser ajustados.

ConJur — Baixos salários podem desestimular a qualidade do serviço público?

Alexandre de Moraes — Na magistratura, a maioria das pessoas não presta concurso por causa do salário. Prestam por causa da carreira, da segurança, da vocação. Então, o salário, baixo ou alto, não afeta a qualidade do serviço. Mas o que eu acho um erro são as medidas para que cada vez se entre mais velho na magistratura. Isso sim diminui a qualidade. A pessoa, que está no mercado de trabalho, em outra função, já está advogando há dez anos, não vai querer ganhar um salário menor. No serviço público, no geral, os cargos mais baixos ganham mais do que no setor privado, além de ter estabilidade. Mas, quando vai subindo a importância dos cargos, isso é invertido.

ConJur — O senhor acha que um cidadão com 25 anos está preparado para decidir sobre a vida das pessoas?

Alexandre de Moraes — Eu sou suspeito para falar porque prestei concurso e entrei para o Ministério Público com 22 anos. Os concursos públicos têm de ser rigorosos. Mas não dá para falar que alguém com 30 anos terá mais experiência como juiz do que alguém com 23 anos. A experiência se adquire exercendo a função. Nem sempre um bom advogado será um bom juiz, e vice-versa. Quando o bacharel entra mais novo na magistratura, ele não traz vícios de outras carreiras e pode ser moldado mais facilmente. Além disso, tem o duplo grau de jurisdição, dá para recorrer da decisão do juiz. Aí, na segunda instância, além de ser um órgão colegiado, são pessoas com mais de 40 anos.

ConJur — Como o senhor vê o principio do quinto constitucional?

Alexandre de Moraes — Eu sou a favor do quinto. Ele dá uma oxigenada no tribunal. Mas o Ministério Público e a Ordem dos Advogados do Brasil têm de exigir condições adequadas para escolher quem irá para o tribunal pelo quinto.

ConJur — E eles exigem?

Alexandre de Moraes — Hoje, é feito mais na base política do que na base de realmente analisar o perfil, mas é a regra do jogo. Eu acho que os tribunais tinham de fazer uma sabatina com os candidatos, como o Senado faz para os tribunais superiores. Assim, eventuais recusas ficariam justificadas. Hoje, o MP e a OAB formam uma lista sêxtupla de candidatos, e cada um manda para o tribunal. O Órgão Especial, então, escolhe três de cada lista e o governador do estado seleciona um para ocupar a vaga. Muitos vezes, os desembargadores nem ouviram falar nos candidatos.

ConJur — O senhor acha que deveria haver uma regra para impedir que quem prestou concurso público para juiz e não passou seja impedido de entrar na magistratura pelo quinto?

Alexandre de Moraes — Em tese, eu não acho que isso deve ser um fator impeditivo, mas um critério a ser analisado pelo tribunal. Aí a necessidade de uma sabatina. Se a pessoa não teve mérito para passar em um concurso público, também não conseguirá se sair bem nas perguntas da sabatina. Para escolher o candidato para o tribunal, também deve ser analisada a questão técnica, e não só política.


ConJur — E essa sabatina poderia ser introduzida por iniciativa do Conselho Nacional de Justiça?

Alexandre de Moraes — Eu acho que isso deveria ser feito por regulamentação dos próprios tribunais. Essa não é a atribuição constitucional do Conselho. A Constituição não acabou com o auto-governo nos tribunais. Ela criou o CNJ para fiscalizar se esse auto-governo está cumprindo os princípios da administração.

ConJur — O senhor acha que os juízes e desembargadores, assim como os ministros do Supremo, deveriam estar sujeitos a impeachment?

Alexandre de Moraes — Eu não estenderia para toda a magistratura. Acho que só os ministros dos tribunais superiores, que foram sabatinados pelo Senado, deveriam estar sujeitos ao impeachment, também pelo Senado. Os outros juízes, eu acho que não.

ConJur — Por que não?

Alexandre de Moraes — Porque politizaria demais o Judiciário. É absolutamente diferente a proximidade que existe entre a Justiça estadual e a Assembléia Legislativa e a proximidade existente entre os tribunais superiores e o Senado. O juiz chegou no Tribunal de Justiça por meio de concurso público, não passou pela Assembléia. Nos superiores, todos chegaram politicamente. Eles têm os seus méritos, mas a investidura é política, por isso pode ter um controle político maior. Mas não dá para colocar um controle político em cima do juiz que chegou à magistratura via concurso.

ConJur — O que o senhor acha da politização nos tribunais superiores e no Supremo, onde há vinculação com a política partidária é mais forte do que com a judiciária?

Alexandre de Moraes — Eu, particularmente, sou contra. O presidente da República escolhe, em tese, pessoas próximas a ele. É a regra do jogo. Na minha opinião, deveria ser diferente. Poderia ser como na Europa, onde cada um dos três Poderes, Judiciário, Legislativo e Executivo, escolhe um terço. Também deveria existir um mandato de 12 anos, no máximo, para haver uma renovação e não vincular tanto os tribunais ao governo.

ConJur — A aposentadoria compulsória aos 75 anos deve agravar ainda mais a taxa de renovação dos tribunais?

Alexandre de Moraes — É lógico que, passando para os 75 anos, nós vamos preservar, de início, dois grandes ministros do Supremo, o Carlos Velloso e o Sepúlveda Pertence. Mas não sei se esses cinco anos a mais não vão prejudicar o arejamento da carreira da magistratura. Hoje, um juiz, para virar desembargador, demora, pelo menos, uns 22 anos. Se a aposentadoria passar para 75, vai demorar 28. Isso desmotiva um pouco os juízes. Acho que 70 anos para a compulsória está bom. Está certo que eu falo isso porque estou longe dos 70.

ConJur — Como o senhor vê a atuação do Supremo no controle da constitucionalidade?

Alexandre de Moraes — Acho que o Supremo é um ótimo tribunal no controle de constitucionalidade. Mas deveria abrir mão de algumas competências de tribunal comum para poder se dedicar mais a essas questões de fundo. O volume no STF é gigantesco, com 120 mil processos por ano. As turmas estão fazendo sessão nas terças e o plenário nas quartas e quintas. Ainda existem as sessões administrativas. Sobra pouco tempo para analisar os processos que não entram nas sessões. Por isso, o Supremo deveria se tornar, cada vez mais, uma corte constitucional. Em questão de constitucionalidade, o STF está muito bom. Seu poder vem crescendo de 1988 para cá, ainda mais agora, com a Emenda Constitucional 45.

ConJur — O Supremo governa?

Alexandre de Moraes — Se quisesse, com o poder que tem hoje, poderia governar. Mas até nisso o STF tem bom senso, talvez guiado pela experiência da Suprema Corte da década de 20, que foi acusada de formar o governo dos juízes. Têm medidas que fortaleceram ainda mais o Supremo. A súmula vinculante, por exemplo, que eu, particularmente, sou a favor. A possibilidade de o Supremo escolher também se julga ou não Recurso Extraordinário é uma medida extremamente importante, porque também fortalece a decisão do tribunal de segunda instância. Mas, para esse mecanismo ser usado, estou propondo que ele seja facilitado. Pela Constituição, para o STF decidir se julga ou não o recurso, deve submeter ao Plenário. Aí, fica mais prático a turma julgar logo. O que estou propondo é que três ou quatro ministros façam essa triagem e encaminhem a sua opinião para o Plenário chancelar.

ConJur — Como está a informatização no Judiciário brasileiro hoje?

Alexandre de Moraes — Não existe nenhum tribunal não informatizado. Existem os bens informatizados, os médios e os ruins. São Paulo, por exemplo, eu diria que está bem atrasado. Só nestes dois anos, um convênio com o governo estadual deu um incentivo e o sistema deve ser terminado agora no final do ano, interligando todas as varas com o Tribunal de Justiça. Mas o problema é que não estará ligado com o Tribunal Regional Federal, com o Tribunal de Minas Gerais e nenhum outro. Criar um sistema unificado é importantíssimo. Hoje, um ministro não tem tranqüilidade para expedir um alvará de soltura porque não sabe se tem outra ordem de prisão no Brasil. Com a informática, se os sistemas fossem unificados, isso poderia ser resolvido facilmente. Bastava clicar num botão para saber quais ações sobre o assunto têm no restante do país.


ConJur — Faltam juízes no Brasil?

Alexandre de Moraes — No país, como um todo, o número é razoável. São Paulo, por exemplo, acho que poderia ter mais. Faltam juízes no interior e na Grande São Paulo. Além disso, ainda tem o problema da falta de mobilidade dos juízes. Uns fóruns têm mais juiz do que trabalho, e os outros, mais trabalho do que juiz. Acho que, se fizesse uma remodelagem, talvez não precisariam ser criados novos cargos. Não é bom para o Judiciário, como também não é bom para o Ministério Público, inchar muitos os quadros, por causa dos recursos e da remuneração.

ConJur — Qual é o grande problema de gestão nos tribunais?

Alexandre de Moraes — A grande falha é a falta de um diagnóstico. Pouquíssimos administradores, ou até nenhum, fizeram um diagnóstico. Os mandatos de dois anos são extremamente curtos para isso. Os primeiros seis meses são de adaptação e os últimos de eleição. Se o presidente do tribunal quiser fazer um grande levantamento, vai gastar um ano para isso. Não dá tempo de implementar o que foi levantado no diagnóstico.

ConJur — E quanto à idéia de contratar um administrador formado para cuidar da gestão do tribunal?

Alexandre de Moraes — Eu discordo dessa tese. Com o devido respeito, acho isso uma besteira. O administrador não conhece nada do Judiciário. É a mesma coisa que falar que o presidente da Câmara dos Deputados não pode administrar, tem de contratar alguém.

ConJur — Em um levantamento feito pela Consultor Jurídico, constatamos que em torno de 60% das leis federais questionadas são consideradas inconstitucionais. Para as estaduais, esse índice sobe para 70% e chega em 80% no caso das municipais. Por que a Constituição é desrespeitada pelo próprio legislador?

Alexandre de Moraes — No caso da estadual, desses 70%, 80% são vício de iniciativa, quando o deputado tenta fazer algo que não cabe, ou seja, manda um projeto de lei que só poderia ser proposto pelo governador. Outros casos são vício de competência, quando o Legislativo estadual invade a competência do federal. Aí, conta bastante a interpretação. Às vezes, o Congresso acha a matéria constitucional e o Supremo diz que não. Mas, o problema é que tanto o Executivo como o Legislativo, quando assumem, querem governar com o seu plano de governo, muitas vezes ignorando a Constituição. É um absurdo. O Congresso desrespeitar a Constituição que o próprio Congresso fez só acontece no Brasil mesmo.

ConJur — Cerca de 80% dos atos administrativos de tribunais são considerados inconstitucionais pelo Supremo. O Judiciário também desrespeita as leis?

Alexandre de Moraes — Vários provimentos foram declarados inconstitucionais principalmente por causa do regimento interno de cada tribunal. Além disso, em outras questões, como a fixação da remuneração a partir do teto, cada tribunal baixa regulamentações e interpreta a Constituição de uma forma. Alguém tem de dar a última palavra.

ConJur — A opinião pública espera que o Conselho Nacional de Justiça se preocupe mais com a questão disciplinar do que com a normativa. Na opinião do senhor, qual é o papel do conselho?

Alexandre de Moraes — O problema é que a grande massa desconhece o conselho. A sua divulgação na mídia foi apagada pela crise política. O CNJ foi implantado em junho, quando já tinha começado a crise no governo. Só agora está voltando para a mídia, com as questões julgadas, como o nepotismo. E, quem conhece o CNJ, tem uma visão deturpada de que o grande problema do Judiciário é disciplinar. Essa questão é importante, tem de se punir os juízes, mas o mais importante é a questão da coordenação e organização. Por isso, nós, os conselheiros, estamos dando preferência para as questões macro: promoção de juízes, nepotismo, teto salarial.

ConJur — Como o CNJ pretende agir na questão disciplinar?

Alexandre de Moraes — O conselho não pretende substituir todas as corregedorias. A primeira instância tem uma corregedoria forte, mas não existe corregedoria periódica para a segunda instância nem para os tribunais superiores. Então, a nossa idéia é que o Conselho seja supletivo na primeira instância e preencha a lacuna existente na segunda instância e nos tribunais superiores. Quando chegarem casos de suposta infração disciplinar em primeira instância, o conselho acionará as corregedorias e cobrará para que preste informações em 30 dias. Nos casos de segunda instância e nos superiores, o conselho vai atuar sempre que não houver investigação, de maneira rápida, para servir como exemplo.

ConJur — Como tratar a questão disciplinar sem ferir a independência dos juízes?

Alexandre de Moraes — Não podemos cair na armadilha de achar que o conselho não pode se envolver nas questões jurisdicionais. Favorecimento de juiz, tráfico de influência, tudo isso é jurisdicional. O CNJ, no entanto, jamais entrará no mérito de decisões judiciais. Não é função constitucional do conselho revogar decisão judicial. No caso da Suzane Von Richtofen, por exemplo, pediram para que o CNJ analisasse a decisão do Superior Tribunal de Justiça de soltá-la. Eu fui relator e coloquei minha posição: se o Tribunal de Justiça e o STJ acertaram ou erraram concedendo o HC, não é problema do conselho. Para isso, existem os graus da Justiça. O CNJ tem de ver só se houve algum fato externo que levou a tal decisão. Neste caso, não havia nada. Já tivemos mais de 60 casos de pessoas pedindo para reformarmos decisões dos juízes, apenas por considerarem-nas injustas.


ConJur — Parece que estão criando uma nova instância, então.

Alexandre de Moraes — Mas não é esse o papel constitucional do Conselho. Além disso, seria uma inutilidade criar mais uma instância. Tenho alertado os conselheiros para o perigo de abreviar a jurisdição direto para o Supremo Tribunal Federal, porque, das nossas decisões, cabe só recurso ao Supremo. Aí, a pessoa entra com ação no CNJ, e depois já vai direto para o STF.

ConJur — A demanda maior está em qual área?

Alexandre de Moraes — Numericamente, a demanda maior é disciplinar. Mas estas questões levam tempo para serem resolvidas, porque tem de ser feita toda a investigação. Mas o mais importante para o conselho se firmar são as questões macro, que envolvem todos nos tribunais, como o nepotismo e a promoção de juízes.

ConJur — E como está a questão do nepotismo hoje no Judiciário? Além da resolução do conselho, já existia legislação mais antiga proibindo, não é?

Alexandre de Moraes — Existe uma legislação federal de 1996 que vale para os tribunais federais. Mas, na época desta lei, os tribunais entenderam que não poderiam mais contratar parentes, mas não precisariam exonerar quem tinha sido contratado até 1995. Entenderam que era uma ato jurídico perfeito, e não precisava ser mexido. Alguns estados têm legislação também, como São Paulo. Em Goiás a legislação que trata de nepotismo é absolutamente imoral. Ela diz que pode até dois parentes. Se se permite uma legislação que diz que pode dois, também pode ter outra que permite dez.

ConJur — Em quanto tempo o CNJ pretende resolver essa questão?

Alexandre de Moraes — A sugestão de fixar o prazo de 90 dias para os tribunais exonerarem os parentes foi minha. Alguns conselheiros queriam imediatamente, o que é radical demais e prejudicaria a continuidade do serviço público. Outros sugeriram dois anos, mas aí acabaria nosso mandato e não teríamos resolvido o problema. Com os 90 dias, até final de janeiro, o problema estará resolvido.

ConJur — E qual é o tamanho do problema?

Alexandre de Moraes — Não se tem um diagnóstico do tamanho do nepotismo no Judiciário brasileiro. Os próprios presidente dos tribunais não sabem. Na Justiça Federal, não é tão grande por causa da lei de 1996.

ConJur — O senhor não acha que a questão do nepotismo tem de passar por uma reforma administrativa maior?

Alexandre de Moraes — A quantidade de cargos em comissão é um grande problema no Brasil. Há dois séculos, no mundo todo, o nepotismo era regra. Países mais civilizados, no entanto, já afastaram isso. Culturalmente no Brasil, há pouco tempo que nepotismo é considerado antiético. Também houve um inchaço muito grande de cargos em comissão. O Executivo federal tem mais de 40 mil cargos de confiança, desde ascensorista até secretário executivo. Por isso que, no artigo 5º da resolução, colocamos o próximo passo a ser tomado. Após as exonerações, vamos fazer um diagnóstico de quantos cargos em comissão existem, quantos cargos eram ocupados por parentes e aí O CNJ terá um prazo de 180 dias para analisar e propor a redução desses cargos. Muitos cargos em comissão não precisam dessa relação de confiança. Reduzir isso é mais importante do que acabar com o nepotismo porque limita o favorecimento de pessoas que não são parentes, como filhos de amigos. O Executivo e o Legislativo têm maior incidência de nepotismo, mas, a cada eleição, os cargos são renovados. No Judiciário, o problema é maior porque as carreiras são longas. Têm pessoas que ficam até 30 anos em cargo em comissão.

ConJur — No Executivo e no Legislativo, o empreguismo está relacionado ao fator eleitoral. No Judiciário, o que justifica a prática?

Alexandre de Moraes — No Judiciário, é a questão econômica que mantém a prática. O juiz nomeia um parente para o Judiciário, que ganhará mais do que na iniciativa privada.

ConJur — A resolução do CNJ que proíbe o nepotismo é bem ampla. Os tribunais não poderão contratar nem prestadoras de serviços que tenham funcionários que sejam parentes de juízes. Como será feita essa fiscalização?

Alexandre de Moraes — A fiscalização será mais fácil do que parece. As associações de classe e pessoas que se sentirem prejudicadas vão denunciar. Os sindicatos de funcionário públicos, por exemplo, terão um amparo para fazer suas reclamações. Os próprios juízes ajudarão, já que a grande maioria é absolutamente contrária ao nepotismo.

ConJur — Mas como o tribunal saberá se a empresa contratada tem algum funcionário que é parente ou cônjuge de um juiz?

Alexandre de Moraes — A empresa terá de apresentar uma declaração. E falsificar declaração é crime. Então, a responsabilidade ficará mais onerosa para a empresa. Não é possível para o conselho fiscalizar tudo. Assim como nas outras questões, sempre tem alguém prejudicado, que vai reclamar.


ConJur — O senhor acha que a proibição de nepotismo no Judiciário servirá de exemplo para o Executivo e Legislativo?

Alexandre de Moraes — Eu tenho esperança que sirva de exemplo porque toda vez que se falava de nepotismo no Executivo e Legislativo, a primeira coisa era acusar o Judiciário. A Constituição já veda o nepotismo. O que o conselho fez, portanto, não foi legislar, até porque essa não é sua função. Nós apenas interpretamos a Constituição. Acredito que isso pesará muito. Se não pode nepotismo no Judiciário em virtude da Constituição, então não pode também nos outros poderes. Acho que terá um efeito dominó.

ConJur — Além da questão do nepotismo, o CNJ já proibiu as férias e determinou que a promoção de juízes seja feito por meio de voto aberto e fundamentado. Quem não cumprir as resoluções do conselho sofrerá alguma punição?

Alexandre de Moraes — O descumprimento a uma determinação administrativa equivale a uma infração disciplinar, que deve ser apurada. Funciona como qualquer infração disciplinar dentro dos tribunais. Mas dificilmente haverá descumprimento, porque os próprios presidentes dos tribunais se conscientizaram. Os servidores, parentes de membros do Judiciário, que não forem identificados e continuarem no cargo, podem ser responsabilizados por improbidade administrativa. Quanto às férias, é preciso explicar que não houve descumprimento, como muitos consideram. Na primeira reunião do CNJ, o entendimento foi o de que o dispositivo da Emenda Constitucional 45 que põe fim às férias coletivas era auto-aplicável. Foi apenas uma recomendação. Alguns tribunais mantiveram as férias em julho e explicaram os motivos. Agora, sim, há uma determinação, que deve ser cumprida.

ConJur — A resistência do Judiciário ao conselho foi muito grande no início. E agora, diminuiu?

Alexandre de Moraes — A resistência das próprias associações de classe foi muito grande. Vários tribunais também foram e ainda são contra a idéia do Conselho centralizar as questões administrativas. Mas isso é uma realidade, estabelecida por emenda constitucional, e o Poder Judiciário está ciente da necessidade de cumprir a legislação. Se o Judiciário pregar a desobediência civil, quem perde com isso é ele mesmo. Se não respeitam decisões constitucionais, então ninguém precisa respeitar. Tenho absoluta certeza de que mesmo os que são contrários ao conselho respeitarão as nossas decisões.

ConJur — E quem pode derrubar as resoluções do conselho?

Alexandre de Moraes — Só o Supremo.

ConJur — Como fica, então, a relação STF e CNJ? O Conselho investiga os ministros do Supremo, que podem impugnar as decisões dos conselheiros.

Alexandre de Moraes — É a regra do jogo. A característica brasileira é a revisão judicial para tudo. Então, o Conselho não poderia ser criado sem nenhuma instância revisora. Se fosse assim, estaríamos mudando a cúpula do Judiciário. A última instância não seria mais o Supremo, e sim o CNJ. Mas, assim como o conselho, o Supremo também não poderá analisar o mérito das resoluções dos conselheiros. Deve apenas analisar se houve ilegalidades ou arbitrariedades. Isso pode ser feito por Mandado de Segurança ou Ação Direta. Quanto ao CNJ investigar ministro do STF, já há um entendimento informal dos conselheiros de que não podem investigar disciplinarmente os ministros. Só o Senado Federal pode retirá-los do cargo. Mas não houve caso concreto ainda, então não foi analisada a questão.

ConJur — Quais os grandes temas que ainda serão abordados este ano?

Alexandre de Moraes — O grande tema será o teto salarial no Judiciário. Vamos discutir a questão do concurso público: a exigência de três anos de atividade jurídica e as bancas examinadoras, e a questão do sigilo de Justiça, que está regulamentado pela Emenda Constitucional 45. O CNJ ainda analisará a criação dos fundos do Judiciário e os depósitos judiciais. A Constituição deu 100% das custas e emolumentos para o Judiciário. Mas isso deve ser investido no órgão, e não utilizado em pessoal.

ConJur — No caso do teto, qual será o papel do conselho?

Alexandre de Moraes — Há uma representação do Tribunal de Justiça do Distrito Federal pedindo para o conselho regulamentar a questão do teto salarial, que está fixado em R$ 21,5 mil. O CNJ padronizará isso.

ConJur — O CNJ restringe a autonomia dos tribunais? Essa restrição poderia evitar casos como o superfaturamento do Fórum Trabalhista de São Paulo?

Alexandre de Moraes — Eu não diria que a autonomia será diminuída, mas o abuso será fiscalizado. Quando uma obra pública começar a dar problema, terá, além do controle interno, um órgão externo para fiscalizar. Hoje, eu acho que não aconteceria um caso como o do Fórum Trabalhista de São Paulo, porque o CNJ paralisaria as obras para, pelo menos, fazer uma auditoria rápida. Isso não é invadir a autonomia dos tribunais, mas é um grande passo na fiscalização.


ConJur — A sua escolha para o CNJ foi muito politizada?

Alexandre de Moraes — Acho que foi uma vendeta política. Como o candidato do governo na Câmara perdeu, a imprensa acabou dando uma repercussão exagerada, colocando como se o presidente da Câmara tivesse sido derrotado e não tivesse mais o comando da casa. Isso fez com que o Senado tentasse me barrar, diga-se de passagem, de forma insidiosa, porque já havia sido feita a sabatina e antecipado a pauta para que todos fossem rapidamente aprovados. Por uma falta de quorum, criaram esse imbróglio todo. Não acho que foi uma questão de politizar posições, mas foi de querer dar um troco de uma derrota na Câmara, o que é mais rasteiro ainda.

ConJur — O senhor tem uma trajetória importante, mas acaba sempre sendo taxado de político. Dizem: “Está vendo? O promotor que me acusava, tanto é tucano que está na secretaria”. O que acha disso?

Alexandre de Moraes — Acho isso absolutamente normal, porque quem quer participar de cargos que tenham investidura política tem de estar preparado para isso. Na época do Frango Gate, o ex-prefeito paulistano Paulo Maluf publicou uma nota num jornal me chamando de “petista de carteirinha”. Isso faz parte do jogo democrático e eu não tenho nenhum problema com isso. Tenho absoluta tranqüilidade da minha liberdade de atuar independentemente de nomeação. E posso falar de boca cheia porque, se tem alguém que não é apegado a cargo, sou eu. Eu larguei um cargo vitalício, como promotor do Ministério Público, por um cargo que pode durar dois dias, que é o de secretário de Justiça do estado de São Paulo. Depois, antes de sair a minha aprovação para o CNJ, larguei a secretaria para não politizar mais ainda a questão.

ConJur — O senhor teve dois cargos importantes no estado de São Paulo: presidente da Febem e secretário de Justiça. Agora, está no CNJ. Qual é o mais difícil?

Alexandre de Moraes — É difícil comparar porque cada um tem as suas peculiaridades. Na Febem, tem a pressão da mídia. No conselho, mexe-se em questões estruturais, que interessa menos a imprensa, mas são questões macros muito importantes. A secretaria também tinha os seus desafios. Cada um tem seus prós e contras. O que eu acho importante é que, por serem diferentes, me dão uma bagagem muito grande.

ConJur — Justiça Desportiva é Justiça?

Alexandre de Moraes — É uma entidade privada, mas diferente de todas as outras, é a única que tem previsão constitucional de obstaculizar a Justiça comum. Ou seja, ninguém pode entrar na Justiça comum enquanto a Justiça Desportiva não julgar, salvo se ela exceder o prazo de 60 dias .

ConJur — Como o CNJ se posicionará em casos de acúmulo de funções, como o de Luiz Zveiter, presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva, que também é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro?

Alexandre de Moraes — O caso do Zveiter será analisado na primeira sessão de novembro. E não é só ele que está nesta situação. Existem outros juízes que também estão. Se o conselho entender que esse acúmulo não atrapalha, tudo bem. Se achar que não é possível, aí as pessoas terão de decidir. Já me perguntaram se o CNJ vai suspender a decisão que anulou os jogos manipulados do Campeonato Brasileiro de futebol. Também me perguntaram, em uma rádio: “que time o senhor torce? O seu time foi prejudicado?”. Eu torço para o Corinthians, que foi beneficiado (risos). Mas não é competência do CNJ analisar o mérito.

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