Cerceamento de defesa

Antonio Carlos Magalhães quer reduzir o direito de defesa

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29 de outubro de 2005, 10h11

Foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, com emenda do senador Aloísio Mercadante, projeto de Lei apresentado pelo senador Antonio Carlos Magalhães, sob número 282/03, restringindo o direito de defesa nas infrações atinentes a tráfico de entorpecentes, lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores, contra a economia popular, contra o Sistema Financeiro Nacional, contra a Administração Pública, que produzam prejuízo ao erário e ou concernentes, também, a ações de associações ou organizações criminosas.

Segundo a justificação, “a atribuição da representação de acusados de envolvimento no crime organizado e no tráfico de entorpecentes à Defensoria Pública é uma medida necessária para coibir os abusos verificados quando grandes criminosos valem-se do produto de seus crimes para pagar honorários milionários a advogados que, sem levar em conta princípios éticos e morais que devem nortear o exercício da advocacia, dão prevalência a interesses pessoais e vantagens materiais, ainda que de procedência criminosa”. O projeto recebeu relator apropriadíssimo. É o senador Demóstenes Torres, o mesmo que pretendeu castrar, em projeto cuja tramitação não se conhece, aqueles infratores condenados por estupro ou crimes afins.

Não se sabe donde proveio a inspiração do senador Antonio Carlos Magalhães, mas creditando-se a ele a enorme cultura de que é portador, particularidade advinda dos discursos que pronunciou no Senado, com relevo para aquele advindo de herança deixada por Afonso Arinos de Melo Franco, já se pode relembrar que o antigo senador se abeberou na Revolução Francesa, quando da Convenção que pretendeu estatuir respeito à liberdade, igualdade e fraternidade, nisso cooperando Marat, Robespierre, Danton e Saint Just, sendo necessário realçar que, naquele tempo, não havia possibilidade de renúncia para evitar a decapitação, porque os quatro perderam, literalmente, a cabeça, exceção feita à instrumentação usada. Com efeito, Marat perdeu a consciência enquanto saía da banheira, assassinado por faca da jacobina Charlotte (Ah, essas mulheres!). Naquela época, a Assembléia proibiu a intervenção de advogados. O próprio cidadão poderia e deveria fazer sua defesa. Pouco depois, Napoleão extinguiu a Ordem dos Advogados de França.

No meio tempo, só podiam advogar aqueles profissionais indicados pelo próprio poder instituído, a exemplo do que se pretende hoje. Curiosamente, o senador Antonio Carlos Magalhães, posto na berlinda na legislatura passada, precisou recorrer aos serviços do atual Ministro da Justiça, muitíssimo eficientes, segundo se comenta, não se prevalecendo da possibilidade de declarar pobreza, havendo, sabe-se bem, lei que o beneficiaria se a tanto se dispusesse. De outra parte, muitos parlamentares postos sob o enfoque de Comissões Parlamentares de Inquérito têm constituído bons advogados, não se lhes indagando donde provêm seus recursos, havendo oportunidade, quiçá, para o exercício de defesa gratuita, seja por convicção política, seja por devoção ao ministério da advocacia.

Por fim, é princípio assente entre os advogados que as grandes infrações teóricas exigem os melhores profissionais, não querendo isso dizer que os defensores públicos sejam medíocres, mas simplesmente assegurando que o exercício da dita defensoria tem suas limitações legais. A pretensão do senador, no fim de tudo, parece estruturar-se na hipótese de os advogados contratados estarem a receber, ilicitamente, polpudos honorários dos indigitados. Assim, os advogados, segundo o senador, estariam praticando infrações éticas ou até ilícitos penais, na medida em que recebendo provento sem origem. Tal acusação não foi feita expressamente, mas, para bom entendedor, meia palavra basta…

O projeto foi, já se disse, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Os eminentes membros daquela comissão, não versados em Direito Constitucional e, sobretudo, no Direito Internacional Público, desconhecem os dispositivos da Carta Magna asseguradores da ampla e plena defesa. Dentro da plenitude se põe, evidentemente, o direito de o acusado indicar advogado de sua confiança. Nesse contexto, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado, atarefada com mil questões, não teve tempo, paciência ou oportunidade de colher subsídios no Pacto de San José da Costa Rica, hoje inscrito na legislação interna por força da própria Constituição, sendo, portanto, de assimilação obrigatória, entrelaçando-se nas denominadas cláusulas pétreas.

Portanto, de três uma: ou o senador, imprudentemente, postula contra a lei, ou o faz dolosamente, ou a Comissão de Constituição e Justiça do Senado não entende de Constituição nem de Justiça, merecendo reprimenda, sendo até ofensivo à classe dos advogados referência feita pelo senador, em justificativa, a uma possível aprovação da Ordem dos Advogados. Quanto a Antonio Carlos Magalhães, continua na ativa porque, certamente, teve bom advogado. Não tivesse boa orientação e estaria purgando seu desespero entre os coqueirais de Arembepe.

Desgraçadamente, aquele reduto de paz nem mais coqueiral tem. Pretendendo o senador descansar sob suas palmeiras, o último coco, com certeza, lhe cairá sobre a cabeça para puni-lo pela não consulta, antes de ofertar o projeto, a alguém que entenda da Constituição Federal.

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