Fraude fiscal

Academia de Tênis é condenada por falsa filantropia

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29 de outubro de 2005, 6h01

O juiz federal Alexandre Vidigal de Oliveira, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, condenou os donos da Academia de Tênis de Brasília por crime fiscal. A academia, um luxuoso complexo hoteleiro, esportivo e de lazer, tinha o título de entidade filantrópica somente para se beneficiar de isenções tributárias.

O proprietário, José Farani, foi condenado a 4 anos e 1 mês de reclusão mais pagamento de multa de R$ 116 mil. Flávio José da Rocha e Nilson Âmbar Vitorino, também envolvidos nas fraudes fiscais, a pena de 6 meses.

De acordo com os autos, o artifício possibilitou que José Farani, o dono do empreendimento, deixasse de recolher R$ 7 milhões entre 1992 e 1995. Rocha seria o responsável pelos falsos lançamentos contábeis que embasaram a fraude enquanto Vitorino teria fornecido notas fiscais frias para o esquema.

Para o tribunal, a atitude dos proprietários da academia de usar a fachada de entidade filantrópica para se beneficiar da imunidade tributária, é burlar a legislação fiscal a revela “a elevada reprovabilidade de sua conduta, a expressar nada mais do que a ganância em se amealhar riqueza a qualquer custo”.

Segundo os autos, o dinheiro arrecadado supostamente para ajudar as famílias carentes era utilizado para a compra de “material de alto padrão, como granito, para melhorias e ampliações das dependências daquela entidade” e não foi localizado na contabilidade qualquer despesa com assistência e filantropia de pessoas necessitadas.

Teoricamente, a academia estava comprometida com a “Creche Dom Vicente”, para prestar, voluntariamente, cursos gratuitos de especialização, centro de pesquisa toxicológica, orientação vocacional, proteção à família, à infância, à adolescência e à velhice, distribuição de alimentos, etc. “Nos autos não há sequer cisco probatório de que tenham sido os recursos mencionados aplicados em favor de qualquer comunidade carente ou programa social que tenha por destinatário tal população,.” concluiu o juiz Vidigal em seu voto.

Para o juiz, “é fácil perceber a pouca nobreza moral, ética ou solidária do réu, sabedor dos compromissos estatutários, de cunho filantrópico da entidade, nela via, em realidade, seu aproveitamento exclusivo pela elite social de Brasília e de outras cidades, a desfrutarem de suas suntuosas instalações e serviços”.

As partes ainda podem recorrer da decisão.

Processo 1999.34.00.032948-5/DF

Leia a íntegra do voto

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 1999.34.00.032948-5/DF

V O T O – R E V I S O R

O EXMO. SR. JUIZ FEDERAL ALEXANDRE VIDIGAL DE OLIVEIRA (REVISOR) (CONVOCADO):

Feita a revisão no presente feito, nada tenho a acrescentar ao relatório de fls. 3508/3510.

Para melhor e mais detida análise dos recursos, passarei a analisa-los por tópicos:

RECURSO DE FLÁVIO JOSÉ ROCHA

Afasto a possibilidade de ser conhecida a apelação de FLÁVIO JOSÉ ROCHA, em face de sua intempestividade, eis que o seu advogado tomou ciência da v. sentença a quo em 27.02.2002 (fl. 3331), além de ter sido o réu dela intimado em 04.03.2002 (fl. 3333), configurando esta última data como termo inicial para interposição do recurso de apelação cujo prazo de 05 (cinco) dias esgotou-se em 11.03.2002 não no dia 12.03.2002 (fl. 3343).

A materialidade e autoria do crime descrito no art. 1º, I, II, c/c art. 11 da Lei nº 8.137/90, praticado pelos réus, em continuidade delitiva e concurso de agentes, restaram incontroversas, diante do conjunto probatório dos presentes autos, conforme demonstrado pela v. sentença de fls. 3264/3303.

RECURSO DE APELAÇÃO DE JOSÉ FARANI (fls. 3336/3341).

As alegações no sentido de que o processo deveria ter sido encerrado sem exame do mérito, em face de suposta ocorrência de extinção da punibilidade não merece acolhida, não havendo por conseguinte, que se falar em nulidade da v. sentença recorrida.

É que examinando-se a v. sentença recorrida, verifica-se que o MM. Juiz Federal a quo reconheceu a extinção da punibilidade apenas em relação ao primeiro delito praticado pelo réu, qual seja, as sonegações ocorridas no ano-calendário de 1992, considerando-se a idade do réu, superior a 70 anos. Não foram alcançadas pela prescrição os delitos cometidos entre 1993 e 1995.

RECURSO DE APELAÇÃO DE NILSON AMBAR VITORINO (fls. 3448/3456) Inicialmente, não há que se falar em inépcia da denúncia em face de inexistência da possibilidade jurídica do pedido ou em face da inexistência de peça que demonstre ter sido o acusado intimado para dar explicações na esfera administrativa.

Com efeito, encontra-se preclusa a questão pertinente ao recebimento da denúncia, eis que foi proferida, nos presentes autos, a sentença condenatória, entendimento esse que encontra respaldo nos seguintes precedentes proferidos pelo eg. Supremo Tribunal Federal e pelo eg. Superior Tribunal de Justiça, cujas ementas transcrevem-se:


“EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. NULIDADE DA DENÚNCIA. PRECLUSÃO. INDEFERIMENTO DE DILIGÊNCIAS. QUESTÃO SUSCITADA NA ORIGEM. INCONSISTÊNCIA DA ACUSAÇÃO. MATÉRIA PROBATÓRIA. 2. Os vícios da denúncia devem ser argüidos antes da prolação da sentença. Precedentes. 3. (…) 4.(…) Recurso ordinário em habeas corpus a que se nega provimento.”

(STF – RHC 84849/PR – Relator Ministro Eros Grau, Primeira Turma, julgado em 22.06.2005 e publicado no DJ de 12.08.2005).

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. INÉPCIA DA DENÚNCIA. EXCESSO DE PRAZO NA INSTRUÇÃO CRIMINAL. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. DESCLASSIFICAÇÃO DE ROUBO PARA FALSUM. CONDENAÇÃO PELO CRIME DO ARTIGO 180, DO CP.

Após a prolação da sentença condenatória não há que se falar em inépcia da denúncia, eis que operada a preclusão quanto aos supostos vícios da inicial acusatória.

(…)

(…)

Recurso que se declara prejudicado em parte e no mais desprovido.”

(STJ- RHC 17296/SP, 5ª Turma, Relator Ministro Arnaldo da Fonseca, julgado em 19.05.2005 e publicado no DJ de 27.06.2005, pg 415) Além do mais, é pacífico o entendimento no sentido de que o exaurimento da via administrativa não é condição de procedibilidade para o oferecimento da denúncia pelo Parquet, pois as instâncias administrativa e penal são autônomas.

Nesse sentido os seguintes precedentes: Plenário do eg. Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n° 1571 MC/DF, Relator Ministro Néri da Silveira, publicado no DJ de 25.09.98, pg.011; do STJ – RHC 11866/SC, 5ª Turma, Relator Ministro Felix Fischer, julgado por unanimidade em 13.03.2002, publicado no DJ de 15/04/2002, pg. 00234; STJ – RHC 11735/MG, 6ª Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves, julgado por unanimidade em 18.02.2003, publicado no DJ de 17/03/2003, pg. 00287; STJ – HC 14615/SP, 5ª Turma, Relator Ministro Jorge Scartezzini, julgado por unanimidade em 07.06.2001, publicado no DJ de 25.02.2002, pg. 00408; do TRF – 1ª Região, HC 2001.01.00.133640- 8/DF, 4ª Turma, Relator Mário César Ribeiro, julgado por unanimidade em 25.04.2001, publicado no DJ de 14.08.2001, pág.88.

No mérito, não merece acolhido o pleito de absolvição do ora Apelante, sob a alegação de inexistência de provas quanto a sua participação nos crimes descritos na denúncia.

Com efeito, a participação e responsabilidade do Réu no crime em questão restou plenamente demonstrado (conforme documentos de 1682, 1714, 1748, 1783, 1804, 1836, 1848, 1859, 1883, 1893, 1911, 1920; 2672, 2914).

APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (fls. 3310/3321) Na espécie, não merece prosperar o pleito de condenação relativa aos acusados MOACYR VILELA CEZAR e LILIANE PULTIZ DE CARVALHO, mormente quando se constata que nos presentes autos inexistiram provas capazes de afastar a negativa de autoria invocada pelos apelados, conforme asseverado pelo MM. Juiz Federal a quo (fls. 3297/3299).

Quanto ao pedido recursal de elevação da pena dos Réus JOSÉ FARANI, FLÁVIO JOSÉ ROCHA E NILSON AMBAR VITORINO, merece ser acolhido, mormente quando se verifica que a culpabilidade dos Réus restou devidamente comprovada, e suas condutas tidas como reprováveis, uma vez que não houve o pagamento de tributos de uma instituição que se dizia beneficente, resultando sérias conseqüências da ação ilícita perpetrada.

Com relação ao Réu JOSÉ FARANI, compulsando os autos constata-se que fora o principal beneficiário das fraudes, suprimindo e reduzindo tributos entre 1992 e 1995, cujo valor supera a cifra dos sete milhões de reais. Esclareça-se que o réu FLÁVIO JOSÉ DA ROCHA era o responsável pelos lançamentos contábeis no período questionado e NILSON AMBAR VITORINO era um dos grandes fornecedores de notas “frias”, que quase resultou em uma soma no valor de quinhentos mil reais.

Além disso, e especificamente com relação às circunstâncias judiciais atinentes ao Réu JOSÉ FARANI, para definição da pena-base, reconheço também em seu desfavor os motivos da atuação delitiva.

Sobre isso, é de se registrar que os artifícios engendrados pelo referido acusado, e pelos quais buscou dar à sua empresa a roupagem jurídica de entidade filantrópica, beneficente, e, por isso mesmo, de cunho eminentemente assistencial aos menos favorecidos, bem revelam a elevada reprovabilidade de sua conduta, a expressar nada mais o que a ganância em se amealhar riqueza a qualquer custo.

Do bojo dos autos, com toda farta documentação apresentada, tem-se que não se conteve o aludido Réu nem mesmo em apontar como gastos a justificarem a condição filantrópica da Academia de Tênis, a realização de “despesas com habitação de famílias carentes”, quando, em realidade, sob tal manto assistencialista, adquiria material de construção de alto padrão, como granito, para melhorias e ampliações das dependências daquela entidade.


E não obstante o longo período em que a “Academia de Tênis” ostentou a fachada, apenas jurídica, de entidade filantrópica, “os auditores fiscais não conseguiram localizar na contabilidade da Academia de Tênis qualquer despesa com assistência e filantropia de pessoas necessitadas”. A propósito, e como já bem registrado pelo d. voto do e. Relator, nos objetivos estatutários da “Academia de Tênis”, conforme vê-se pelos documentos de fls. 335/7 e 338/46, constava, dentre outros, que tal entidade encontrava-se comprometida com a “Creche Dom Vicente”, com escritório de assistência jurídica aos necessitados, com cursos gratuitos de especialização, centro de pesquisa toxicológica, orientação vocacional, proteção à família, à infância, à adolescência e à velhice, habitação aos necessitados, distribuição de alimentos à Vila São Vicente, distribuição de roupas, creche e ensino pré-escolar, capacitação ao trabalho, orientação sanitária, postos de saúde, programa de vacinação, medicina preventiva, serviços de proteção ambiental, serviço médico-ambulatorial e odontológico e programa de reabilitação a deficientes físicos.

O escancarado distanciamento de tais objetivos sociais em relação às atividades realmente desempenhadas pela “Academia de Tênis”, levou o d. Juiz sentenciante a afirmar que “nos autos não há sequer cisco probatório de que tenham sido os recursos mencionados aplicados em favor de qualquer comunidade carente ou programa social que tenha por destinatário tal população.”(fls. 3292)

E é importante observar que a alegação de tais fatos não logrou nem mesmo ser refutada pela defesa em sua peça recursal.

Pelo que ora se destaca, fácil é perceber a pouca nobreza moral, ética ou solidária do Réu JOSÉ FARANI, quiçá alimentada por sentimentos de deboche, escracho, desfaçatez e mesmo acinte à coletividade, na medida em que, sabedor dos compromissos estatutários, de cunho filantrópico da entidade, nela via, em realidade, seu aproveitamento exclusivo pela elite social de Brasília e de outras cidades, a desfrutarem de suas suntuosas instalações e serviços.

Assim, e na mesma linha do voto do eminente Relator, entendo que também sob o aspecto da motivação do cometimento do crime a conduta do Réu JOSÉ FARANI encontra alto grau de reprovabilidade, como pugnado pelo recurso do Ministério Público. Em conseqüência, tenho por adequada e oportuna a definição da pena-base em mais 1 (um) além do quanto definido pela sentença, de modo que sua fixação resulte em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão.

Até mesmo com relação à continuidade delitiva, do artigo 71, do Código Penal, emerge dos autos que a prática do delito se estendeu por 3 anos, de 1993 a 1995 – aqui não considerado o período prescrito reconhecido pela sentença -, com a emissão de centenas de documentos fraudados, como se vê pela farta produção probatória disponível nos autos, pelo que seria até mesmo possível a definição da continuidade delitiva em proporção superior ao mínimo legal de 1/6 admitido pela sentença. Todavia, não exsurgindo do recurso da acusação, data vênia, exposição específica e suficientemente delimitada a respeito, e de modo a se evitar o agravamento da pena sem o correspondente suporte do titular da ação penal, deve ser mantido o aumento de 1/6, como, aliás, admitido pelo voto do eminente Relator.

Diante disso, entendo que a condenação definitiva do Réu JOSÉ FARANI deva firmarse em 4 (quatro) anos e 1 (um) mês de reclusão, no regime inicial semi-aberto, em consonância com o artigo 33, § 1º, “b”, e § 2º, “b”, do Código Penal.

Quanto à pena de multa entendo oportuno seu aumento para 24 dias-multa, à razão de 200 BTN’s, majorados em 10 vezes, com amparo no artigo 10, da Lei 8137/90, correspondente, nesta data, a R$ 116.320,80 (cento e dezesseis mil, trezentos e vinte reais e oitenta centavos), absolutamente compatível com o padrão econômico-social do Réu, conforme depreende-se dos autos.

Atinente aos demais Réus, FLÁVIO JOSÉ DA ROCHA e NILSON AMBAR VITORINO, por terem participação delitiva sem a intensidade da motivação do crime ora reconhecida em desfavor do Réu JOSÉ FARANI, deixo de considerar tal circunstância judicial, e, no mais, acompanho integralmente o voto do nobre Relator, com fixação da pena-base, para estes citados Réus, em 06 meses acima do mínimo legal, resultando em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, com a elevação de 1/6 decorrente da continuidade delitiva, tornando-a definitiva em 02 (dois) anos e 11 (onze) meses de reclusão no regime inicial aberto, conforme artigo 33, § 2º, “c”, do Código Penal.

Outrossim, não se vislumbra possibilidade jurídica de aplicação, na espécie, da agravante descrita no art. 12, I, da Lei 8.137/90, sob pena de configuração de bis in idem, uma vez que o dano resultante da conduta dos agentes foi devidamente considerado no cálculo da pena-base.

Correta a v. sentença recorrida quanto à substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos, em face da presença dos requisitos descritos no art. 44 do Código Penal, isso com relação aos Réus FLÁVIO JOSÉ DA ROCHA e NILSON AMBAR VITORINO.

Assim, apenas a apelação ministerial merece ser parcialmente acolhida, nos termos expostos, devendo a v. sentença a quo ser mantida quanto aos demais aspectos por seus próprios e jurídicos fundamentos, razão pela qual, salvo quanto à dosimetria da pena do Réu JOSÉ FARANI, acompanho, no mais, o voto do il. Relator.

Diante disso, NÃO CONHEÇO da apelação interposta por FLÁVIO JOSÉ DA ROCHA, NEGO PROVIMENTO aos apelos de JOSÉ FARANI e NILSON AMBAR VITORINO e DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação do Ministério Público Federal, apenas para aumentar a pena-base e a pena de multa relativamente aos réus JOSÉ FARANI, FLÁVIO JOSÉ DA ROCHA e NILSON AMBAR VITORINO, nos termos acima expostos.

É O VOTO.

ALEXANDRE VIDIGAL DE OLIVEIRA

Juiz Federal

(Revisor – Convocado)

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