Competência definida

Funcionário de cartório não se equipara a servidor público

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27 de outubro de 2005, 12h31

Compete à Justiça do Trabalho julgar os processos trabalhistas movidos por empregados de cartórios. A decisão é da 10ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo). No entendimento dos juízes, embora o funcionário de cartório desempenhe atribuições estatais, ele não integra a administração pública.

A Turma determinou que a 19ª Vara do Trabalho de São Paulo julgue a ação de um funcionário do 28º Cartório de Notas. O trabalhador entrou com o processo pedindo o pagamento das verbas trabalhistas em aberto. A primeira instância acolheu a argumentação do cartório e não apreciou o pedido por entender que a Justiça do Trabalho não seria competente para julgar a causa. O ex-funcionário recorreu ao TRT paulista.

A relatora do recurso, juíza Lílian Gonçalves, esclareceu que os funcionários de cartórios não são servidores públicos, “eis que não integram a administração pública, não se encontram investidos em cargo, função ou emprego público, não são remunerados pelo estado”, completou.

“Descartada a hipótese de sujeição ao regime estatutário, resta apenas a possibilidade de sujeição às normas celetistas, sendo, de rigor, a competência desta Justiça Especializada, para apreciar e julgar o feito, notadamente em face das alterações introduzidas pela EC 45/2004 (art. 114, inciso I)”, concluiu.

Leia a íntegra da decisão

PROCESSO TRT/SP Nº 02231.2002.019.02.00-1

RECURSO ORDINÁRIO

RECORRENTE : ITAMAR BERTONI

RECORRIDO : 28º CARTÓRIO DE NOTAS DE SÃO PAULO

ORIGEM : 19ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

COMPETÊNCIA. Serventuário de Cartório. É certo que os serviços notoriais e de registro são exercido em caráter privado, por delegação do Poder Público. Não menos certo, é que esses agentes delegados são particulares que desempenham atribuições estatais, em nome, por conta e responsabilidade próprios, segundo os preceitos, fiscalização e controle pela Corregedoria Geral do Estado. Tais condições, contudo, não os transformam em servidores públicos, eis que não integram a Administração Pública, não se encontram investidos em cargo, função ou emprego público, não são remunerados pelo Estado. Recurso provido para declarar a competência da Justiça do Trabalho.

Inconformado com r. decisão de fls. 487, complementada à fl. 500, cujo relatório adoto e que declarou incompetente a Justiça do Trabalho para análise da lide, recorre ordinariamente o reclamante, às fls. 503/541, argüindo preliminar de nulidade e pugnando pela reforma do julgado, declarando-se a competência desta Justiça Laboral.

Contra-razões, fls. 547/560.

Custas pagas, fl. 542.

Parecer da D. Procuradoria Regional, fl. 578.

É o relatório.

VOTO

Conheço do recurso ordinário, por presentes os pressupostos de admissibilidade.

Conheço dos documentos de fls. 561/575, porquanto constituem subsídios jurisprudenciais e não documentos na acepção jurídica do termo.

1. Da preliminar de nulidade – julgamento citra petita

O MM. Juízo a quo ateve-se aos estritos limites do que foi proposto e contestado. Não houve, em absoluto, negativa da prestação jurisdicional, na medida em que a sentença de fl. 487, integrada à fl. 500, atende às disposições contidas nos arts. 832, da CLT c/c 458, do CPC, não se vislumbrando violação ao inciso IX, do art. 93, da Constituição Federal. O insurgimento revela-se, na verdade, quanto entendimento esposado pelo MM. Juízo de Origem.

Rejeito a preliminar de nulidade.

2. Da preliminar de nulidade – julgamento ultra petita

De fato, a teor do disposto nos arts. 128 e 460, do CPC, o julgador deve ater-se aos estritos limites da litiscontestatio. Vale dizer, a prestação jurisdicional deve, necessariamente, ocorrer nos limites da lide, para que o devido processo legal, ampla defesa e contraditório sejam preservados.

E, sob esta ótica, não se vislumbra a propalada extrapolação.

Isto porque o MM. Juízo a quo, de conformidade com o sistema do livre convencimento motivado, da persuasão racional e da valoração das provas (art. 131, CPC), aplicou a Lei ao caso concreto, segundo o princípio narra mihi factum dabo tibi ius, entendendo tratar-se de questão que refoge à competência desta Especializada.

Rejeito a preliminar de nulidade.

3. Do incidente de uniformização de jurisprudência

A inobservância da formalidade de que trata o art. 139-A, par. 3º, do Regimento Interno desta Corte inviabiliza a instauração de incidente de uniformização de jurisprudência, aleatoriamente requerido.

4. Da competência da Justiça do Trabalho

A controvérsia cinge-se, em apertada síntese, quanto à competência da Justiça do Trabalho, para apreciar e julgar lide concernente a serventuário de Cartório, sob o argumento recursal de que a presente reclamação pertine a reivindicações jungidas ao regramento contido na CLT.

Postos os fatos, prospera o inconformismo.

É certo que os serviços notoriais e de registro são exercido em caráter privado, por delegação do Poder Público. Não menos certo, é que esses agentes delegados são particulares que desempenham atribuições estatais, em nome, por conta e responsabilidade próprios, segundo os preceitos, fiscalização e controle pela Corregedoria Geral do Estado. Tais condições, contudo, não os transformam em servidores públicos, eis que não integram a Administração Pública, não se encontram investidos em cargo, função ou emprego público, não são remunerados pelo Estado.

Neste diapasão, descartada a hipótese de sujeição ao regime estatutário, resta apenas a possibilidade de sujeição às normas celetistas, sendo, de rigor, a competência desta Justiça Especializada, para apreciar e julgar o feito, notadamente em face das alterações introduzidas pela EC 45/2004 (art. 114, inciso I).

A matéria, aliás, encontra-se pacificada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, conforme acórdãos STF-CJ 00069642/110-DF, Ac. TP, 19.06.91, Rel. Min. Néri da Silveira; STF-RE 01170620/210-SP, Ac. 2ª T., 20.10.92, Rel. Min. Néri da Silveira; STF-CC-7012-9-MG, Ac. TP, 03.03.94, Rel. Min. Carlos Velloso.

Nem se argumente que a ausência de formalização da opção de que trata o art. 48 da Lei 8.935/94 levaria a inarredável conclusão quanto à submissão ao regime estatutário ou administrativo. Interpretação lógica, sistemática e teleológica revela-se no sentido de não ser considerado funcionário público, aquele que não se encontra investido em cargo ou emprego público (art. 37, II da Constituição Federal). Logo, não se enquadrando na hipótese legal suscetível de delinear a natureza jurídica da relação havida entre as partes, não há como viabilizar a possibilidade de “opção”, a despeito de prevista na Legislação Ordinária, sendo aplicável a Legislação Trabalhista, de conteúdo cogente e inderrogável.

Reformo, para declarar a competência desta Justiça Especializada, determinando o retorno dos autos à MM. Vara de Origem, para que nova decisão seja proferida, como entender de direito, sob pena de reprovável supressão de instância.

Isto posto, conheço do recurso ordinário interposto, rejeito as preliminares argüida e, DOU PROVIMENTO PARCIAL ao apelo do reclamante, para declarar a competência desta Justiça Especializada, determinando o retorno dos autos à MM. Vara de Origem, para que nova decisão seja proferida, como entender de direito.

Custas nihil, na atual fase processual.

LILIAN GONÇALVES

Juíza Relatora

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