Acordo anulado

Justiça suspende acordo que limita contratação de deficiente

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27 de outubro de 2005, 16h45

Número de deficientes contratados deve ser calculado sobre o total de funcionários, e não sobre aqueles que exercem função administrativa. O entendimento é do juiz Carlos Francisco Berardo, da Seção Especializada em Dissídios Coletivos, do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo.

O juiz suspendeu uma cláusula da convenção coletiva das empresas paulistas de transporte de carga, que fixava a contratação de deficientes físicos “na proporção de 4% do seu quadro de empregados administrativo”.

O TRT paulista concedeu Tutela Antecipada em Ação Anulatória ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho. No processo, o MPT pedia a anulação das convenções assinadas entre o Setcesp — Sindicato das Empresas de Transporte de Cargos de São Paulo e Região e cinco sindicatos de trabalhadores da categoria.

A cláusula 1ª dos acordos estipulava que as empresas “ficam obrigadas a contratar pessoas com deficiência na proporção de 4% do seu quadro de empregados administrativo”. Para o MPT, o texto é inconstitucional, ilegal e traz “sérios prejuízos aos direitos sociais, coletivos, individuais indisponíveis e irrenunciáveis dos portadores de deficiência, bem como à ordem jurídica democrática”.

O argumento do Ministério Público do Trabalho teria como base o artigo 93 da Lei 8.213/91 (sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social): “a empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência”.

Carlos Francisco Berardo acolheu a solicitação e decidiu conceder a tutela para evitar qualquer dano de difícil reparação. A decisão suspende os efeitos da cláusula 1ª, das Convenções Coletivas de Trabalho.

Ação Anulatória 20297.2005.000.02.00-1

Leia a íntegra da decisão

proc. TRT/SP SDI n.º 20297200500002001

AÇÃO ANULATÓRIA

Requerente: ministério público do trabalho

Requerido : 1. setcesp – SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTE DE CARGAS DE SÃO PAULO E REGIÃO;

2. SINETROSV-SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESCRITÓRIO DE EMPRESAS DE TRANSP. RODOVIÁRIOS SET. AD. DE CARGAS SECAS E MOLHADAS, RODOVIÁRIOS URBANOS DE PASSAGEIROS, INTERMUNICIPAL, INTERESTADUAL, SUBURBANO E FRETAMENTO DE OSASCO, SOROCABA, VALE DOS RIBEIRA E REGIÕES;

3. SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESCRITÓRIOS DE EMPRESAS DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE CARGAS SECAS E MOLHADAS, RODOVIÁRIO URBANO DE PASSAGEIRO, RODOVIÁRIO INTERMUNICIPAL, RODOVIÁRIO INTERESTADUAL, RODOVIÁRIO DE TURISMO E FRETAMENTO DE GUARULHOS E REGIÃO-SP;

4. SINDICATO DOS EMPREGADOS EM EMPRESAS DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS, CARGAS SECAS E MOLHADAS, E ANEXOS DE GUARULHOS E REGIÃO-SP;

5. SINDICATO DOS TRABALHADORES EM TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE JUNDIAÍ E REGIÃO;

6. SINDILOG – SINDICATO DOS EMPREGADOS EM ESCRITÓRIOS DE TRANSPORTES RODOVIÁRIOS DE CARGAS SECAS E MOLHADAS, CARGAS PESADAS E LOGÍSTICAS EM TRANSPORTES DE SÃO PAULO E ITAPECERICA DA SERRA.

Vistos, etc.

Trata-se de Ação Anulatória com pedido de liminar, apresentada pelo D. Ministério Público do Trabalho, objetivando a imediata suspensão dos efeitos da cláusula primeira, caput, e § 1º, das cinco Convenções Coletivas de Trabalho firmadas pelos ora requeridos em 20.09.05.

Assegura o requerente que a reserva legal de vagas a pessoas com deficiência e beneficiários reabilitados, nos termos da Lei 8.213/91 e do Decreto 3.298/99, não pode ser disciplinada através de instrumento normativo; que a cláusula primeira em questão não observa os parâmetros fixados pelo legislador, notadamente quanto ao percentual de vagas a serem disponibilizadas, resultando em “sérios prejuízos aos direitos sociais, coletivos, individuais indisponíveis e irrenunciáveis dos portadores de deficiência, bem como à ordem jurídica democrática” (fl. 05 sétimo parágrafo), e em ofensa à ordem jurídica constitucional e infra-constitucional.

Aduz, outrossim, que a manutenção da cláusula em questão poderá servir como incentivo para que outras categorias firmem instrumentos semelhantes, aplicando a legislação em vigor da forma que melhor lhes convier, residindo nesse fato o periculum in mora ensejador da concessão de medida liminar.

É o relatório, em apertada síntese.

Decido.

I. Os requisitos estabelecidos na legislação para a pretensão deduzida a título de antecipação de tutela estão, em princípio, caracterizados nestes autos.

II. A excepcionalidade da matéria versada na petição inicial (que diz respeito em princípio, aos direitos fundamentais de pessoa com deficiência, previstos na Constituição Federal, assim como no decreto 62.150, de 19-01-1968 ¾ Convenção n.º 111 da OIT ¾ e no artigo 93, da Lei 8.213/91) indica que, embora cuidem os autos de ação anulatória, há possibilidade de antecipação de tutela, com fundamento no artigo 273 e parágrafos do CPC.

E assim ocorre porque a ação anulatória produzirá efeitos, ainda que considerado o mérito, em sentido estrito, cuja eficácia é de ser antecipada para que se não consume lesão ou dano irreparável antes de ser emitida a provisão, ao final.

Já foi decidido que a tutela antecipada é cabível em toda ação de conhecimento (Med. Caut. 4.205-MG-STJ).

Em linhas gerais, trata-se de questão exclusivamente de direito, que prescinde (aparentemente) de dilação probatória, vale dizer, norma coletiva cujo instrumento foi trazido.

Ademais, a verossimilhança da alegação dispensa qualquer outra indagação mais aprofundada.

Tampouco ocorrerá irreversibilidade do provimento antecipado, sobretudo considerando o caráter de precariedade que grava o pronunciamento (art. 273, § 4º, CPC).

Faz-se presente, ainda, o pressuposto de fundado receio de dano de difícil reparação em face de tratar-se de direitos fundamentais de pessoa com deficiência.

III. Do exposto, CONCEDO a ANTECIPAÇÃO DA TUTELA DE EMERGÊNCIA, na forma pretendida, para suspender os efeitos da cláusula 1ª, caput e § 1º, das Convenções Coletivas de Trabalho, celebradas pelos requeridos (fls. 12/37), na forma da fundamentação.

Oficie-se.

Intime-se.

São Paulo, 25 de outubro de 2005.

CARLOS FRANCISCO BERARDO

Juiz Relator

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