Ao alcance da lei

Estudo também conta para remissão de pena de condenado

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27 de outubro de 2005, 10h57

Um condenado por latrocínio conseguiu o direito de remissão de pena pelos dias que freqüentou aulas de alfabetização. O benefício foi concedido pela 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. A Turma negou recurso do Ministério Público de São Paula contra decisão das instâncias inferiores.

A intenção do Ministério Público paulista era impedir a remição da pena pelos dias estudados, já que a Lei de Execução Penal — Lei 7.210/84 abrangeria exclusivamente a hipótese de remissão pelo trabalho.

A Lei de Execução permite aos presos condenados resgatar parte do tempo de cumprimento da pena por meio do trabalho: para cada três dias trabalhados, o preso diminui um dia da pena.

A 5ª Turma afirmou que a jurisprudência recente também admite a remição pelo estudo. “Essa interpretação extensiva ou analógica, longe de afrontar o artigo 126 da LEP, deu- lhe, antes, correta aplicação, considerando-se a necessidade de se ampliar, no presente caso, o sentido ou alcance da lei, para abarcar o estudo dentro do conceito de trabalho”, considerou o ministro Gilson Dipp, relator do caso.

Para o ministro, o objetivo da lei é incentivar o bom comportamento do preso e sua readaptação à vida social, e a interpretação extensiva no caso seria necessária, por se considerar que a educação formal é o meio mais eficaz de integração do indivíduo à sociedade.

REsp 763.552

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 763.552 – SP (2005⁄0107879-5)

RELATÓRIO

EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP(Relator):

Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, com fulcro nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, em face de acórdão proferido pela Primeira Câmara do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento ao recurso ministerial, mantendo a sentença de primeiro grau.

Consta dos autos que o recorrido vinha cumprindo pena em regime fechado pela prática do delito de latrocínio quando requereu, perante o Juízo de Direito da Vara de Execuções Criminais, a remição da pena, com base em atestado de freqüência escolar.

O Juízo de Execuções concedeu ao apenado o benefício da remição, em interpretação extensiva do disposto no art. 126 da LEP.

Irresignado, o Ministério Público interpôs recurso de agravo em execução, sustentando a ausência de amparo legal para a remição por dias estudados, uma vez que a lei refere exclusivamente à possibilidade de remição pelo trabalho.

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou provimento ao agravo, ao fundamento de que a interpretação dada pelo Juízo de primeiro grau vem sendo prestigiada pelos Tribunais.

No presente recurso especial, aponta do Ministério Público do Estado de São Paulo aponta ofensa ao art. 126 da LEP e divergência jurisprudencial, sustentando a impossibilidade de remição da pena pelos dias estudados, uma vez que a lei contempla exclusivamente a hipótese de remição pelo trabalho.

Foram apresentadas contra-razões (fls. 103⁄108).

Admitido o recurso (fl. 112), a Subprocuradoria-Geral da República opinou às fls. 125⁄126.

É o relatório.

VOTO

EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP(Relator):

Trata-se de recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado de São Paulo em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que negou provimento ao recurso ministerial, mantendo a sentença de primeiro grau.

No presente recurso especial, aponta do Ministério Público do Estado de São Paulo aponta ofensa ao art. 126 da LEP e divergência jurisprudencial, sustentando a impossibilidade de remição da pena pelos dias estudados, uma vez que a lei contempla exclusivamente a hipótese de remição pelo trabalho.

O recurso é tempestivo. Os autos foram recebidos na Procuradoria Geral de Justiça no dia 07⁄10⁄2004 (fl. 62), e a petição de interposição do recurso especial foi protocolizada em 18⁄10⁄2004 (fl. 64).

A matéria encontra-se devidamente prequestionada, conforme se verifica no seguinte trecho do acórdão impugnado:

“No entanto, é razoável a interpretação do art. 126 da Lei de Execuções Penais, dada pelo MM. Juiz prolator da r. decisão recorrida, além do que vem sendo prestigiada por nossos Tribunais.” (fl. 60).

A divergência jurisprudencial encontra-se comprovada nos moldes determinados no art. 255 e parágrafos do RISTJ, pois o recorrente cuidou de juntar cópias dos acórdãos divergentes, citando repositório oficial em que se acham publicados, bem como efetuou a transcrição dos trechos dos acórdãos recorrido e paradigmas, fazendo confronto entre as teses.

Satisfeitos os requisitos de admissibilidade, conheço do recurso, não merecendo prosperar os argumentos.

O caput do artigo 126 da Lei 7.210⁄84 assim dispõe:

Art 126 – O condenado que cumpre a pena em regime fechado ou semi-aberto poderá remir, pelo trabalho, parte do tempo de execução da pena.

A Lei de Execuções Penais previu a remição como maneira de abreviar, pelo trabalho, parte do tempo da condenação.

In casu, o Juízo de 1º grau concedeu ao apenado o benefício da remição, com base na sua freqüência em aulas de alfabetização, em uma interpretação analógica do vocábulo “trabalho” inscrito no artigo 126 da LEP.

Essa interpretação extensiva ou analógica, longe de afrontar o art. 126 da LEP, lhe deu, antes, correta aplicação, considerando-se a necessidade de se ampliar, no presente caso, o sentido ou alcance da lei, para abarcar o estudo dentro do conceito de trabalho, uma vez que a atividade estudantil, tanto ou mais que a própria atividade laborativa, se adequa perfeitamente à finalidade do instituto, que é a readaptação e ressocialização do condenado.

É que, sendo um dos objetivos da lei, ao instituir a remição, incentivar o bom comportamento do sentenciado e a sua readaptação ao convívio social, a interpretação extensiva se impõe no presente caso, se considerarmos que a educação formal é a mais eficaz forma de integração do indivíduo à sociedade.

Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte:

RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO PENAL. ARTIGO 126 DA LEI Nº 7.210⁄84. REMIÇÃO PELO ESTUDO FORMAL. INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. POSSIBILIDADE. IMPROVIMENTO.

1. A remição, dentro de suas finalidades, visa abreviar, pelo trabalho, o tempo da condenação.

2. O termo trabalho compreende o estudo formal pelo sentenciado, servindo à remição o tempo de freqüência às aulas, como resultado da interpretação extensiva da norma do artigo à luz do artigo 126 da Lei de Execução Penal, inspirada em valores da política criminal própria do Estado Democrático de Direito.

3. Recurso especial improvido.

(REsp. 595.858⁄SP, Ministro Hamilton Carvalhido, DJ 17.12.2004).

PENAL. RECURSO ESPECIAL. REMIÇÃO. FREQÜÊNCIA EM AULAS DE ALFABETIZAÇÃO. INTELIGÊNCIA DO ART. 126 DA LEP. RECURSO PROVIDO.

O conceito de trabalho na Lei de Execução Penal não deve ser restrito tão somente àquelas atividades que demandam esforço físico, mas deve ser ampliado àquelas que demandam esforço intelectual, tal como o estudo desenvolvido em curso de alfabetização.

A atividade intelectual, enquanto integrante do conceito de trabalho trazido pela Lei. 7.210⁄84, conforma-se perfeitamente com o instituto da remição. Precedentes.

Recurso conhecido e provido.

(REsp. 596.114⁄RS, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ de 22.11.2004).

Desta forma, a decisão recorrida mantém-se por seus próprios fundamentos.

Ante o exposto, nego provimento ao recurso.

É como voto.

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