Aumento ilegal

Juiz manda município anular lançamento de IPTU de 2003 e 2004

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26 de outubro de 2005, 10h39

O município de Mogi das Cruzes (Grande São Paulo) deve anular os lançamentos do IPTU de 2003 e 2004 de um morador. A decisão é do juiz Célio de Almeida Mello, da 3ª Vara Cível de Mogi, que entendeu que o aumento do valor do imposto foi ilegal e que não houve qualquer referência tributária para servir de base para o novo valor.

O advogado do morador, Ricardo Luís Rodrigues da Silva, alegou que não haveria como comparar o valor de 2003 e 2004 com o IPTU — Imposto Predial e Territorial Urbano de 2002, já que este foi considerado nulo judicialmente.

O município alegou que o artigo 142 do CTN — Código Tributário Nacional não obriga indicação da base de cálculo e alíquotas na notificação. O artigo 42 diz que: “compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível”.

Para o juiz Célio de Almeida Mello, houve significativo aumento do valor do IPTU entre 2003 e 2004 com o Decreto Municipal 2.888/01, que revia o cálculo do valor venal dos imóveis. Segundo o juiz, o decreto “fere o princípio da reserva legal, relativo as garantias do contribuinte e, sob outro aspecto, as limitações constitucionais e legais ao poder de tributar”.

A base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel, no entanto, segundo o juiz, o município de Mogi das Cruzes “pretende valer-se da conjugação entre a planta genérica de valores (objeto de Lei) e do Decreto que estabelece critérios e processo de apuração do valor venal dos imóveis”.

O juiz entendeu que houve violação ao princípio da legalidade em matéria tributária. “A modificação da base de cálculo do Imposto passa a ficar sob o arbítrio do chefe do executivo, que pode, com simples edição de novo Decreto, modificar todo um conjunto de componentes para a obtenção do valor venal dos imóveis”.

De acordo com o juiz, o aumento do imposto só pode ocorrer por meio de lei, como previsto no artigo 150, inciso I da Constituição Federal ou no artigo 97, inciso II, do Código Tributário Nacional. Além da nulidade do lançamento do IPTU de 2003 e 2004, o juiz determinou que o carnê de cobrança do imposto seja reimpresso com o valor correspondente ao exercício de 2001, já que o aumento foi feito de forma irregular e que não há base de cálculo no valor de 2002.

Leia a sentença

Processo: 361.01.2004.009137-3/000000-000 — nº ordem 1686/2004

Procedimento Sumário – LUIS CLAUDIO DE ANDRADE ASSIS X MUNICIPIO DE MOGI DAS CRUZES – VISTOS. LUIS CLAUDIO DE ANDRADE ASSIS, qualificado na inicial impetrou a presente AÇÃO ANULATÓRIA DE DÉBITO FISCAL COM TUTELA ANTECIPADA contra o FAZENDA PÚBLICA DO MUNICÍPIO DE MOGI DAS CRUZES, alegando ser contribuinte dos tributos municipais relativo ao IPTU do imóvel descrito na petição inicial e pugna pela anulação do lançamento e do valor venal do IPTU de 2003 e 2004, porquanto embasou no valor do exercício de 2002, nulo judicialmente, não podendo, pois, ser utilizado como base de cálculo e não houve qualquer referência tributária como suporte ao referido lançamento, violando-se princípio de direito administrativo de fundamentação da validade do ato praticado. Pediu antecipação da tutela. Protestou por provas. Com a inicial vieram documentos. A liminar não foi deferida (fls. 138).

Realizada a citação, sobreveio contestação e documentos a fls. 164/250, aduzindo a requerida que o art. 142 do CTN não obriga indicação da base de cálculo e alíquotas na notificação e o conhecimento da lei é presunção nos termos do art. 3º da Lei de introdução ao Código Civil. Aduziu inexistir ilegalidade e nulidade do lançamento tributário. Pugnou pela improcedência da ação. As partes apresentaram memoriais finais.

É o relatório.

Decido.

A bem da verdade, não questiona a requerida que, no caso, `sub judice`, houve significativa majoração no valor do IPTU entre os exercícios de 2003 e 2.004, nem que essa majoração deva ser imputada ao advento do Decreto nº 2.888, de 27.12.01 (documento de fls. 109) Tanto não questiona a existência dessa majoração que faz consignar a edição da Lei Complementar n. 05/02, para a contenção de `convulsão social`, no âmbito local, decorrente do aludido reajustamento de valores.

Resta saber se esse Decreto foi expedido na conformidade de seus limites jurídicos por natureza. Não se duvida que ao Executivo é lícito expedir atos administrativos de cunho normativo, tendentes a explicitar ou regulamentar comandos emanados da lei. Nem se ignora, nessa ordem de idéias a distinção doutrinária, apontada pela Autoridade, entre base de cálculo `in concreto` e `in abstrato`. No caso em apreço, contudo, é de se reconhecer que o Decreto aludido fez mais do que regulamentar os Diplomas legais já mencionados, porquanto, em seu teor, invadiu matéria reservada à lei em sentido estrito.

Noutras palavras, o Decreto 2.888, de 27/12/2001 (lançamento tributário), fere o princípio da reserva legal, relativo as garantias do contribuinte e, sob outro aspecto, as limitações constitucionais e legais ao poder de tributar. É que, como se sabe, constitui base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano o valor venal do imóvel, para cálculo desse valor venal, o Município de Mogi das Cruzes, no panorama atual, pretende valer-se da conjugação entre a planta genérica de valores (objeto de Lei) e do Decreto supradito que estabelece critérios e processo de apuração do valor venal dos imóveis.

Destarte, a modificação da base de cálculo do Imposto, mantido o sistema em questão, passa a ficar sob o arbítrio do Chefe do Executivo, que pose, mediante simples edição de novo Decreto, modificar todo um conjunto de componentes para a obtenção do valor venal dos imóveis. Conseqüentemente, pode ocorrer majoração do tributo mercê da modificação da sua base de cálculo. Nesse ponto, especificamente, esta é justificativa para a afirmação de que ocorreu violação ao princípio da legalidade em matéria tributária.

A majoração só pode ocorrer por força de lei, nos precisos termos do art. 150, I, da Constituição Federal. Em idêntico sentido, ainda, o disposto no art. 97, II, do Código Tributário Nacional, especialmente em seu § 1º ao dispor que se equipara à elevação do tributo a modificação de sua base de cálculo, que o torne mais oneroso.

Nesse contexto, toda a disciplina relativa à obtenção do valor venal dos imóveis (base de cálculo do IPTU) deveria ser objeto de lei, por interessar diretamente ao contribuinte, destinatário primeiro da garantia constitucional consubstanciada no principio da legalidade, sinônimo de proteção (princípio da reserva legal cf. HUGO DE BRITO MACHADO `Curso de Direito Tributário` – Malheiros , 13ª edição, p. 61) Não se esta, aqui, invadindo a esfera da discricionariedade administrativa, invocada pela requerida em sua defesa, e que não há de se confundir discricionariedade com ilegalidade ou, mais especificamente, inconstitucionalidade como já se expôs.

Por derradeiro, tornando à Lei Complementar n. 05/02 sua própria existência e conseqüência inegável do reconhecimento, pela Administração Municipal, de todo o equivoco acima examinado, na edição do Decreto em comento. Na exposição de motivos que a precedeu, passou-se ao largo de toda a discussão posta nesta lide, mas o objetivo da lei é claro: procurar diminuir os efeitos concretos da aberração representada pelo Decreto. E essa Lei não poderia, mesmo, vingar com o escopo de elidir todo o direito do autor, dentro deste raciocínio, pois vem a disciplinar sobre a majoração de tributo no mesmo exercício de sua cobrança, ferindo o princípio da anterioridade. Mesmo que assim não fosse, há outro motivo para tornar essa lei irrelevante ao caso `sub judice`, na medida em que não eliminou a incidência do Decreto Municipal supradito na composição do cálculo do tributo.

Ademais isso, tendo ocorrido decisão judicial anulando o lançamento tributário do exercício de 2002, não pode este servir de base de cálculo para os exercícios seguintes.

Ante o exposto e tudo o mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido para declarar nulo o lançamento do IPTU do imóvel descrito e caracterizado na inicial relativo ao exercício de 2003 e 2004, bem como determinar a reemissão do carnê do IPTU pelo valor corresponde ao exercício de 2001, vez que a majoração foi efetuada ao arrepio do art. 150, I, da Constituição Federal, e do art. 97, II e § 1º do Código Tributário Nacional. Arcará a requerida com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, fixados estes em 10% (dez por cento) sobre o valor atribuído à causa, tudo devidamente atualizado, na forma da lei. Decorrido o prazo para eventuais recursos, subam os autos ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, seção de direito público, por força do reexame necessário.

P.R.I.

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