Omissão de socorro

Viação é condenada por não socorrer vítima de assalto

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25 de outubro de 2005, 17h24

A Viação Ideal — empresa de transporte público — foi condenada a pagar R$ 12 mil de indenização por danos morais por não socorrer um passageiro agredido durante assalto num ponto de ônibus. A decisão é da 46ª Vara Cível do Rio de Janeiro. Cabe recurso.

Hilmar de Almeida Santos foi agredido na madrugada de 20 de junho de 2004. Quando desceu no ponto de ônibus, assaltantes o abordaram, levaram sua mochila e o agrediram. O motorista seguiu viagem, sem prestar qualquer socorro.

A empresa alegou que o prejuízo causado ao passageiro foi culpa de terceiros e que não poderia ser responsabilizada pela violência urbana. Para a Viação Ideal, cabe ao estado zelar pela segurança das pessoas.

A juíza Maria Luiza Obino Niederauer condenou a empresa por omissão na prestação de socorro. “O motorista sequer conduziu a vítima, que necessitava de atendimento médico, ao hospital. Conclui-se que houve uma falha na prestação de serviço de transporte, configurando o dano moral”, afirmou.

Processo 2004.001.105290-5

Leia a decisão

SENTENÇA Vistos, etc… Trata-se de AÇÃO INDENIZATÓRIA, que segue o rito ORDINÁRIO, proposta por HILMAR DE ALMEIDA SANTOS, em face de EMPRESA VIAÇÃO IDEAL LTDA. Na inicial de fls. 02/09, alega o autor, em resumo, que:

1- na madrugada do dia 20/06/2004, se encontrava num ônibus dá empresa ré, da linha 324, Ribeira-Castelo, tendo embarcado na Ilha do Governador, quando, ao se levantar para saltar do veículo, foi abordado por dois criminosos, que arrancaram sua mochila, derrubaram-no no chão e chutaram-lhe o rosto, deixando o coletivo em seguida com o produto do crime;

2- foi solicitado o auxílio da Polícia Militar que, todavia, não logrou localizar os meliantes;

3- foi medicado no Hospital Geral de Bonsucesso, sendo liberado em seguida, com o rosto inchado e dolorido, tendo sido roubada uma mochila da marca Waterproof, com valor aproximado de R$ 80,00, e alguns pertences pessoais do autor;

4- por tais motivos, requer a condenação da empresa demandada ao pagamento de indenização por danos morais, a ser arbitrada pelo Juízo em montante sugerido de 100 salários mínimos nacionais, acrescidos de correção monetária a contar da citação e ao pagamento do prejuízo material sofrido, no valor de R$80,00, corrigidos monetariamente desde a data do fato de que se originou o dano (20/06/2004). Com a inicial, a procuração e os documentos de fls. 10/17.

A parte ré, regularmente citada, conforme Certidão de fls. 33, apresenta a procuração e os documentos de fls. 34/38 e resposta através da contestação de fls. 39/46, alegando, em resumo, que:

1- cabe somente ao Estado manter a paz social e garantir a segurança dos indivíduos, não podendo a responsabilidade estatal ser transferida para empresas privadas;

2- as empresas de transporte não podem contratar seguranças para cada ônibus, ou revistar cada passageiro, usando o Poder de Polícia que é do Estado;

3- e mais, não há nexo de causalidade entre a prestação de serviço ofertada pela ré e o prejuízo sofrido pela vítima em virtude do fato narrado; tal fato constitui fato de terceiro, equiparado a caso fortuito, pois o coletivo transitava normalmente quando dois assaltantes agrediram o autor em retaliação a sua reação de não querer entregar-lhes a mochila que portava, conforme narrado no Boletim de Ocorrência juntado aos autos pelo autor (fls.14/15);

4- a responsabilidade de levar o passageiro incólume ao seu destino implica levá-lo corretamente, desde que não ocorra um nítido caso de fortuito externo, restando caracterizado por três elementos básicos – a inevitabilidade, a irresistibilidade e a imprevisibilidade;

5- por derradeiro, requer a total improcedência do pedido, caso não seja o entendimento do Juízo pugna que a condenação pelos danos morais se restrinja ao valor de 10 salários mínimos, considerando o montante pleiteado na inicial excessivo. Com a resposta, os documentos de fls. 47/89. Réplica, às fls. 92/95, em que o autor se reporta aos termos da inicial e aduz ser insuficiente o montante de dez salários mínimos a título de indenização. Audiência, nos moldes do artigo 331 do C.P.C., conforme ata de fls. 102, com Decisão Saneadora deferindo a inversão do ônus da prova. Às fls. 105, rol de testemunhas (parte autora) e às fls. 106 (parte ré). Audiência de Instrução e Julgamento, conforme ata de fls. 135/136; com depoimentos de fls. 137 e fls.138. Memoriais, às fls. 139/147 e contra-razões ao agravo retido (parte autora) e às fls. 148/152 (parte ré), reportando-se aos termos da contestação e negando ter havido omissão de socorro por parte de seus prepostos.

Constam dos autos os elementos necessários para se proferir decisão quanto ao conflito de interesses existente entre as partes. Frise-se que se trata de relação jurídica regida pelo CODECON, devendo ser precipuamente observados os incisos VI, VII e VIII do artigo 6º, sendo a inversão do ônus da prova, DIREITO SUBJETIVO do consumidor, adotando-se o posicionamento esposado pela MM. Juíza Cristina Tereza Gaulia sobre o tema, intitulado A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, publicado na Revista de Direito do Consumidor, nº 40, outubro/dezembro/2001.

A parte autora, exatamente com fulcro no fato de haver entre autor e ré relação de consumo, vem aos autos invocar a responsabilidade objetiva da mesma pelos fatos ocorridos no interior do ônibus, por ocasião da prestação do serviço de transporte. O CODECON, no entanto, em seu art. 14, §3º, II, estabelece dentre as cláusulas que isentam o fornecedor de serviços do dever de indenizar a culpa exclusiva de terceiro. No caso em análise ocorreu um roubo seguido de agressão ao autor no interior do coletivo da ré, caracterizando um fato de terceiro, equiparado a caso fortuito externo.

Nessas hipóteses, há a ruptura do nexo de causalidade entre a prestação de serviço ofertada pela ré e o prejuízo sofrido pela vítima. Quanto ao fato de os meliantes haverem ingressado pela porta traseira do ônibus sem a oposição dos prepostos da ré, tal circunstância não afasta a incidência do art. 14, §3º, II do CODECON, não se caracterizando a culpa da empresa ré. Isso porque, uma vez efetuada a parada do coletivo para o desembarque normal dos passageiros, ao vê-lo invadido pela porta de desembarque por um grupo numeroso de marginais, e sem saber, num primeiro momento, se estariam ou não armados, e até que ponto seriam violentos, não seria razoável esperar do cobrador e do motorista que reagissem, impedindo que continuassem a subir ou exigindo que desembarcassem.

Qualquer pessoa em seu lugar se sentiria acuada e não esboçaria reação. Isso não os faz, ou à empresa para a qual trabalham, responsáveis pela ação dos criminosos. Ao contrário, foram também vítimas, na medida em que, mesmo que não tenham tido os seus pertences subtraídos e sua integridade física atingida, como a do autor, também passaram pelo susto, pelo constrangimento, pela tensão, pelo sentimento de insegurança e de estarem em perigo.

No que tange à responsabilidade da prestadora de serviços de transporte de levar incólume o passageiro ao seu destino, responsabilidade esta que, de acordo com o Enunciado nº 187 da Súmula do STF é objetiva, na medida em que não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem a transportadora ação regressiva, entende a melhor doutrina ser este dever objetivo de reparação ligado a sinistros relativos à atividade do transporte em si, que guardem conexão, portanto, com o serviço prestado, tais como eventuais acidentes de trânsito, colisões, freadas, etc., inserindo-se nos riscos próprios do deslocamento, e não a um caso fortuito externo estranho ao contrato de transporte, como é o caso do roubo ocorrido.

No caso em tela, tem-se que o dano causado ao autor deveu-se a causa estranha ao transporte em si.Trata-se de hipótese que se deve equiparar ao fortuito, excluindo-se a responsabilidade da transportadora, para a qual não haveria base legal. De fato, o roubo perpetrado contra o demandante constitui um fato inteiramente alheio ao contrato de transporte em si, não sendo o transporte a sua causa, mas apenas a sua ocasião. Se nem o Estado responde objetivamente por todos os furtos e roubos que ocorrem todos os dias nas ruas, não seria razoável pretender responsabilizar o transportador por aqueles cometidos dentro dos ônibus.

Nesse sentido, faz-se pertinente a menção à decisão prolatada pela 18ª Câmara Cível, tendo como Relator o Exmo. Des. Jessé Torres, quando do julgamento da Apelação Cível nº 2002.001.25277: ´APELAÇÃO. Responsabilidade civil de concessionária. Morte de passageiro, baleado durante assalto ocorrido no ônibus em que viajava. Fortuito externo a cláusula de incolumidade do contrato de transporte. Orientação jurisprudencial prevalecente. Ausência do dever de indenizar. Harmonização com o verbete 187, da Súmula do STF, que não se refere a fato de terceiro sem nexo com a atividade da transportadora. Irresponsabilidade também do Estado, à falta de relação de causalidade entre o dano e o atuar estatal, rompido que foi pelo fato exclusivo de terceiro, a afastar a responsabilidade objetiva. Recurso desprovido. Sentença de improcedência mantida´.

Acrescente-se ainda que não haveria base econômica para se exigir que as empresas prestadoras de serviço de transporte exercessem o papel de seguradoras universais, a indenizar todos os passageiros que fossem vítimas de roubos, furtos e violências perpetradas no interior de seus veículos, nem teriam os transportadores suporte econômico para montar um esquema de segurança capaz de evitar assaltos, uma vez que o valor cobrado atualmente pelas passagens de ônibus não faria frente a tais despesas e nem poderia ser reajustado para tanto por tais empresas, uma vez que é tarifado pelo Poder Público.

No entanto quanto à alegada omissão de socorro pelos prepostos da ré para com o autor após o roubo e a agressão ocorridos, restou a mesma configurada, haja vista os depoimentos de fls. 137 e 138, dando conta de que o motorista sequer conduziu no próprio ônibus, a vítima, ora autor ao hospital, eis que necessitava atendimento.

Conclui-se pois que demonstrada a falha na prestação de serviço de transporte e configurado o fato gerador a ensejar indenização a título de danos morais. Ensina o Prof. Sérgio Cavalieri Filho, in Programa de Responsabilidade Civil, Malheiros, 4ª ed, tiragem 2003, pag. 108, que ´ … o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e, outras circunstâncias mais que se fizerem presentes.´

Sendo assim, entendo que o valor equivalente a 40 (quarenta) salários mínimos, ou seja, a quantia de R$12.000,00 (doze mil reais) é adequada para compensar o autor pelos danos morais sofridos. Face ao exposto e ao mais contido nos autos, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO AUTORAL em parte, para condenar a parte ré ao pagamento de R$12.000,00 (doze mil reais) a título de danos morais, com os acréscimos legais, observando o Enunciado nº 23, publicado no D.O. do dia 25/05/05. Condeno a parte ré ao pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação. P.R.I.

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