Ato insignificante

Furto de quatro pilhas usadas não dá demissão por justa causa

Autor

25 de outubro de 2005, 11h27

O Tribunal Superior do Trabalho anulou a demissão por justa causa de um trabalhador acusado de furtar quatro pilhas usadas. A 1ª Turma manteve decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas, SP) ao rejeitar Agravo de Instrumento interposto pela Usina São Martinho.

A usina de cana do interior paulista caracterizou a conduta do ex-empregado (mantenedor de embarque de açúcar) como ato de improbidade e o demitiu por justa causa.

“Não se pode cogitar de ato de improbidade se a conduta imputada ao empregado sequer configura ato ilícito, qualquer que seja o prisma sob o qual enfocado — o do Direito Penal, ou o do Direito do Trabalho”, observou o relator no TST, ministro Lélio Bentes Corrêa.

Segundo os autos, o trabalhador reutilizou quatro pilhas usadas numa lanterna particular. O empregado foi revistado no ônibus da empresa e as pilhas encontradas numa sacola com roupas sujas. Três dias depois, ele recebeu a comunicação de sua demissão por justa causa, enquadrado na letra “a” do artigo 482 da CLT — ato de improbidade.

O ex-empregado entrou com ação para reverter a demissão. Alegou que trabalhou durante 16 anos sem sofrer qualquer advertência ou suspensão. A Vara do Trabalho de Jaboticabal descaracterizou a justa causa por verificar a “ausência de proporcionalidade na aplicação da pena”. A usina foi condenada a pagar as diferenças de horas extras e seus reflexos, aviso prévio, 13º salários, férias e multa de 40% do FGTS.

O Tribunal Regional do Trabalho de Campinas confirmou a decisão, alterando detalhes das verbas rescisórias. A empresa recorreu ao TST, alegando que houve violação da legislação trabalhista e que a Justiça deveria considerar a prática de ato ilícito e não o valor do bem furtado.

A 1ª Turma do TST não acolheu o argumento. “A subtração de quatro pilhas usadas, sem qualquer valor econômico, não pode servir ao empregador de pretexto para por termo a contrato de trabalho, sem registro de qualquer deslize por parte do empregado”.

Leia a íntegra da decisão

NÚMERO ÚNICO PROC: AIRR – 153/2002-029-15-40

PUBLICAÇÃO: DJ – 02/09/2005

PROC. Nº TST-AIRR-153/2002-029-15-40.1

A C Ó R D Ã O

1ª Turma

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA.

1. Não se pode cogitar de ato de improbidade se a conduta imputada ao empregado sequer em tese configura ato ilícito, qualquer que seja o prisma sob o qual enfocado o do Direito Penal, ou o do Direito do Trabalho. A subtração de quatro pilhas usadas, sem qualquer valor econômico, não pode servir ao empregador de pretexto para por termo a contrato de trabalho havido por mais de dez anos, sem registro de qualquer deslize por parte do empregado.

2.O dolo caracterizado pela intenção maliciosa de causar prejuízo a outrem constitui elemento ínsito à conduta improba. A ausência de malícia por parte do empregado, aliada à inexistência de qualquer repercussão patrimonial negativa para o empregador decorrente do ato praticado, revelam-se suficientes a afastar a figura do ato de improbidade.

3. Agravo a que se nega provimento.

Vistos, relatados e discutidos estes autos do Agravo de Instrumento em Recurso de Revista nº TST-AIRR-153/2002-029-15-40.1, em que é agravante USINA SÃO MARTINHO S/A e agravado SILVIO LUIZ FERREIRA.

A reclamada interpõe agravo de instrumento à decisão singular proferida à fl. 112, mediante a qual se denegou seguimento ao seu recurso de revista, com amparo no que estabelecem as Súmulas de nos 23 e 221 do TST.

A agravante sustenta, em síntese, que seu recurso merece processamento, porquanto demonstrada violação à literalidade de dispositivo de lei e dissenso de teses (fls. 2/7).

Contraminuta não foi oferecida, conforme certidão lavrada à fl. 118. Dispensada a remessa destes autos à douta Procuradoria-Geral do Trabalho, à míngua de interesse público a tutelar.

É o relatório.

V O T O

I – CONHECIMENTO

Conheço do agravo de instrumento porque atendidos os pressupostos legais de admissibilidade.

II – MÉRITO

O Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região manteve a decisão de primeiro grau, mediante a qual se considerou indevida a demissão do reclamante por justa causa. Entendeu aquela Corte que a conduta do reclamante, que retirou, sem autorização da reclamada, quatro pilhas usadas, seria até passível de punição, todavia, não estaria caracterizada a improbidade de molde a justificar a rescisão por culpa do empregado.

Considerou, ainda, que a subtração abrangeu bem sem nenhum valor comercial, e de expressão irrisória para a própria reclamada. Assim se pronunciou, no particular:

“Como visto antes, o reclamante contava mais de doze anos de serviço, e sem qualquer mácula ou punição. Foi promovido por diversas vezes ao longo dos doze anos, o que demonstra ser cumpridor de seus deveres, e detentor de bom conceito perante a empresa. A subtração abrangeu bem sem nenhum valor comercial, e de expressão irrisória para a própria reclamada (quatro pilhas usadas). Questionado pela segurança, o reclamante assumiu prontamente a autoria da subtração, não procurando se esquivar da responsabilidade pela prática do ato, e demonstrando arrependimento. A improbidade se configura pela desonestidade, pela falta de honradez, situações essas que não ficaram evidenciadas no caso em exame. É certo que o reclamante tomou para si bem comercial e, sem valor até mesmo para a reclamada, o que demonstra absoluta falta de malícia na prática do ato.

Estivesse o reclamante agindo por desonestidade, ou por falta de honradez, e certamente não teria se limitado a pegar quatro pilhas usadas, da mesma forma que não teria assumido prontamente a responsabilidade pelo ato. (…)

Não se desconhece que a prática seguida de atos de pequena monta ou que envolvam bens de valor irrisório possa configurar improbidade, mesmo porque esta não pode ficar afeta, exclusivamente, a valores ou significâncias. Mas a desonestidade, ai, se configura pela reiteração do fato e pela intenção inequívoca do agente.

“Um único ato, isolado ao longo de doze anos de trabalho imaculado, e de expressão monetária insignificante, conquanto passível de punição, não se mostra suficiente para atribuir a pecha de ímprobo ao trabalhador, mesmo porque ela marcará, de forma definitiva, não apenas a sua vida profissional, como também a pessoal” (fls. 97/98 grifo no original).

Em recurso de revista, a reclamada alegou violação literal e direta do artigo 482, a, da CLT, ao argumento de que, para sua incidência à hipótese seria irrelevante o valor do bem material, havendo de se considerar, sim, a prática do ato ilícito, devidamente caracterizado como falta grave ensejadora da justa causa. Indicou arestos para demonstrar o dissenso de teses (fls. 102/109).

Discute-se, na presente hipótese, se a conduta do autor subtração de quatro pilhas usadas caracteriza ato de improbidade, constituindo, assim, justa causa para a rescisão do contrato de trabalho pelo empregador, nos termos da alínea a do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Conforme o quadro fático delineado pelo egrégio Tribunal Regional, trata-se de empregado que, ao longo de 12 anos de trabalho para a empresa, não apresentou qualquer mácula em sua vida funcional, tendo sido, inclusive, promovido diversas vezes.

Deve-se considerar, ainda, que o bem subtraído não se reveste de valor econômico, não se divisando repercussão patrimonial para o empregador, nem proveito para o empregado.

Não se pode cogitar de ato de improbidade se a conduta imputada ao empregado sequer em tese configura ato ilícito, qualquer que seja o prisma sob o qual enfocado o do Direito Penal, ou o do Direito do Trabalho. A subtração de quatro pilhas usadas, sem qualquer valor econômico, não pode servir ao empregador de pretexto para por termo a contrato de trabalho havido por mais de dez anos, sem registro de qualquer deslize por parte do empregado.

O dolo caracterizado a partir da intenção maliciosa de causar prejuízo a outrem constitui elemento ínsito à conduta improba. A ausência de malícia por parte do empregado, aliada à inexistência de qualquer repercussão patrimonial negativa para o empregador decorrente do ato praticado, revelam-se suficientes a afastar a figura do ato de improbidade.

Nesse contexto, verifica-se que a decisão do Regional deve ser mantida, não se constatando a alegada violação do artigo 482, a, da CLT. Os arestos trazidos à colação, a seu turno, não se prestam a demonstrar a pretendida divergência jurisprudencial, tendo em vista que todos versam acerca de hipóteses em que presentes todos os elementos característicos do ato de improbidade inclusive a malícia do empregado. Não é esta, porém, a hipótese dos autos, em que o Tribunal Regional expressamente afastou a existência de dolo por parte do empregado. Incide o disposto na Súmula nº 296 do TST.

Com esses fundamentos, nego provimento ao recurso de revista.

ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Primeira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento.

Brasília, 3 de agosto de 2005.

LELIO BENTES CORRÊA

Relator

NIA: 3923204

EMENTA

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DEMISSÃO POR JUSTA CAUSA.

1. Não se pode cogitar de ato de improbidade se a conduta imputada ao empregado sequer em tese configura ato ilícito, qualquer que seja o prisma sob o qual enfocado o do Direito Penal, ou o do Direito do Trabalho. A subtração de quatro pilhas usadas, sem qualquer valor econômico, não pode servir ao empregador de pretexto para por termo a contrato de trabalho havido por mais de dez anos, sem registro de qualquer deslize por parte do empregado.

2. O dolo caracterizado pela intenção maliciosa de causar prejuízo a outrem constitui elemento ínsito à conduta improba. A ausência de malícia por parte do empregado, aliada à inexistência de qualquer repercussão patrimonial negativa para o empregador decorrente do ato praticado, revelam-se suficientes a afastar a figura do ato de improbidade.

3. Agravo a que se nega provimento.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!