Origem do e-mail

Brasil Telecom terá de identificar autor de e-mails ofensivos

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25 de outubro de 2005, 13h42

A Brasil Telecom foi condenada a fornecer o número de IP de um de seus clientes, acusado de enviar mensagens caluniosas sobre um candidato a síndico do edifício em que moram. A decisão é da 1ª Câmara Civil do Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Cabe recurso.

Segundo os autos, o autor da ação concorria ao cargo de síndico quando soube que e-mails com conteúdo ofensivo à sua honra e profissão foram endereçados aos demais condôminos. As mensagens eram anônimas.

Inconformado, o candidato entrou com ação de indenização e pediu, liminarmente, que a Brasil Telecom fornecesse informações que pudessem identificar o autor das mensagens. A primeira instância negou o pedido. No recurso, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina atendeu a solicitação.

O advogado José Augusto de Leça Pereira, do escritório BKBG, entende que o número do IP é protegido pelo constitucional à privacidade, mas não fica livre de ser usado como prova.

Leça ressalta que este tipo de decisão na esfera civil não é comum, porém não é impossível conseguir a autorização. “O que se tem notícia é da concessão de liminar para uma investigação criminal. Na demanda privada, não se tem notícias de que haja muitas decisões nesse sentido”, observa.

Segundo o advogado Omar Kaminski, “os juízes têm entendido que o fornecimento de dados cadastrais em poder do provedor de acesso à Internet, que permitam a identificação de autor de crimes digitais, não fere o direito à privacidade e o sigilo das comunicações, uma vez que dizem respeito à qualificação de pessoas, e não ao teor da mensagem enviada”.

“Além disso, há julgados que entendem que a pretensão de ter acesso a informações que levem à identificação da autoria de crime contra a honra tem se sobreposto ao dever da prestadora do serviço de garantir a privacidade de seus clientes”, salienta.

AI 2003.02.4687-8

Leia a íntegra da decisão

Agravo de instrumento n. 03.024687-8, da Capital

Relator: Des. Monteiro Rocha

MEDIDA CAUTELAR INOMINADA – EXIBIÇÃO DE DOCUMENTO ELETRÔNICO – E-MAIL ANÔNIMO – INDEFERIMENTO NO PRIMEIRO GRAU – INCONFOR-MISMO – VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL AO ANONIMA-TO – FUMUS BONI JURIS E PERICULUM IN MORA DE-MONSTRADOS – DECISUM REFORMADO – RECURSO PROVIDO.

Documento eletrônico é o registro público ou par-ticular – de dados produzidos por meios não conven-cionais – cuja leitura é feita através de computador.

Vedada a manifestação de pensamento sem a i-dentificação de seu autor, devem ser fornecidos os da-dos cadastrais do responsável pelo IP (Internet Pro-tocol), quando demonstrado o fumus boni ju-ris e o periculum in mora.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de agravo de ins-trumento n. 03.024687-8, da Comarca da Capital, em que é agravante Eduardo Sérgio da Silva, e agravada TELESC Brasil Telecom S/A:

ACORDAM, em 2ª Câmara de Direito Civil, por votação u-nânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento para deferir a liminar pleite-ada na inicial.

Custas na forma da lei.

– RELATÓRIO:

Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto por Eduardo Sérgio da Silva contra TELESC Brasil Telecom S/A, objetivando reformar a de-cisão interlocutória proferida pelo MM. Juiz de Direito da 4ª Vara Cível da Co-marca da Capital que, nos autos de Ação Cautelar Inominada que move o a-gravante, indeferiu liminar para a produção antecipada de provas.

Colhe-se do decisum objurgado (fl. 57 TJSC):

“…

Na presente demanda, observo a ausência do requisito do periculum in mora.

A informação de quem seria o autor do e-mail, se possível ser determinada, não perecerá com a demora, pois, consta do banco de dados da requerida.

Logo se não há perigo na demora, a liminar há de ser indeferida

…”.

Irresignado, Eduardo Sérgio da Silva agravou da decisão alegando que em data recente, antes da realização da eleição do condomínio onde reside o agravante, para o cargo de síndico – pleito no qual o mesmo era novamente candidato – foi enviado a um grande número de condôminos, uma mensagem de correio eletrônico – e-mail – contendo informa-ções inverídicas sobre sua pessoa.

Aduziu que a mensagem tinha como remetente o “comitê da moralidade” , ou seja, o autor da mensagem não se identificou. Entretanto, asseverou o agravante, que o IP (Internet Protocol – carteira da identidade da máquina) era de um cliente da Brasil Telecom.

Preconizou que “está desmoralizado injustamente, e tal ofensa moral só irá paralisar com a condenação do responsável, e para tanto servirá a futura ação de indenização por dano moral a ser ajuizada – se a de-mandada fornecer a informação do proprietário da Máquina que contenha o IP supra-mencionado”.


Em sede de liminar, este Tribunal de Justiça negou efeito suspensivo à decisão guerreada (fls. 63/65).

As contra-razões aportaram às fls. 70/71.

Este é o necessário relatório do principal. á

II – VOTO:

O recurso é próprio, tempestivo e preparado, razões pelas quais dele se conhece.

Trata-se de agravo de instrumento com o desiderato de re-formar o decisum que indeferiu a liminar na medida cautelar de produção antecipada de provas.

Aduziu o agravante que foi vítima de um e-mail difamatório, no qual foi atacado em sua moral e profissão e que o mesmo e-mail foi enviado, de forma anônima, a vários condô-minos de seu prédio.

Com o intuito de ser indenizado pelo ato atentatório, o a-gravante ajuizou medida cautelar de produção antecipada de provas, para, a-través do IP – Internet Protocol n.º 200.193.98.18 (carteira de identidade da máquina), solicitar à agravada TELESC Brasil Telecom S/A o fornecimento do cadastro completo do responsável.

Um endereço de IP (IP address) é um endereço numérico de um computador conectado na internet. Um número de IP não é a mesma coisa que um nome de domínio, (por exemplo www.bvs.br), ou que um endere-ço de e-mail. O IP, que é o protocolo da internet, objetiva trans-ferir os dados mais utilizados na rede mundial de computadores. Cada compu-tador conectado na internet tem a ele ligado um número ou endereço de IP cor-respondente.

Tratando sobre o assunto, traz-se aos autos entendimento inserido na revista “Consultor Jurídico”, de 03/12/2002:

“Apesar do simples acesso indevido a computadores não ser tipificado como delito, no Brasil há projetos de lei, como o PL n.º 84/99, que pro-curam tipificar como crime a conduta de acesso indevido a computadores e ou-tras ligadas à informática, podemos considerá-lo como ilícito civil. Desta forma, não está o hacker cometendo qualquer crime, mas poderá sujeitar-se a san-ções civis e multas cujo valor, a ser decidido pelo juiz, pode oscilar de acordo com os atos ou prejuízos que resultarem da operação computacional.

“Agravam-se os fatos quando, da invasão, restar qualquer espé-cie de mudança dos dados ou informações que havia na máquina, em especial quando esta mudança se qualificar como defacement. Isto importa em dizer que a transfiguração das páginas do site de uma empresa poderá prejudicar de forma irreversível sua imagem e confiabilidade no mercado, de-vendo, em situações como esta, caso se recorra à justiça, ser imputada ao hacker multas exemplares.

“Da pixação cibernética, pode advir ainda crimes como calúnia, difamação, injúria, preconceito ou discriminação de raça-cor-etnia-etc, dentre muitos outros, dependendo do conteúdo exposto, que além da pena de restri-ção de liberdade, pode exigir que se faça a respectiva reparação civil, pelos e-feitos nocivos causados (Lei n. 7716/89, art. 20)”.

Outrossim, a matéria aventada tem previsão constitucional:

“Art. 5º (…)

IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.

No caso em tela, o agravante foi atacado, de forma anôni-ma, por e-mail intitulado “comitê da moralidade”. Em referido e-mail foi dito, entre outras coisas, que o ora agravante super-faturava as obras realizadas no condomínio.

In casu, a manifestação ofensor, através de e-mail, contrariou a Constituição Federal, tendo em vista que, anonimamente, opinou e atacou o patrimônio moral do autor.

Como é cediço, para deferimento da liminar em medida cautelar, necessários são o fumus boni juris e o periculm in mora.

Oportuno trazer à colação excerto doutrinário de HUM-BERTO THEODORO JÚNIOR, quando leciona sobre os aludidos requisitos necessários à concessão da liminar:

“Para a ação cautelar, não é preciso demonstrar-se cabal-mente a existência do direito material em risco, mesmo porque esse, freqüen-temente, é litigioso e só terá sua comprovação e declaração no processo prin-cipal. Para merecer a tutela cautelar, o direito em risco há de revelar-se apenas como o interesse que justifica o ‘direito de ação’, ou seja, o direito ao processo de mérito”

“Para obtenção da tutela cautelar, a parte deverá demonstrar fundado temor de que, enquanto aguarda a tutela definitiva, venham a faltar as circunstância de fato favoráveis à própria tutela. E isto pode ocorrer quando ha-ja o risco de perecimento, destruição, desvio, deterioração, ou de qualquer mu-tação das pessoas, bens ou provas necessários para a perfeita e eficaz atua-ção do provimento final do processo principal” (in Curso de Direito Proces-sual Civil, v. III, 36 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 360/361).


O fumus boni juris restou amplamente comprovado através da impressão do e-mail enviado anonima-mente ao agravante (fls. 21/23 TJSC), que possui o direito de ser indenizado moralmente.

O periculum in mora está comprovado pe-la possibilidade de que haja perecimento ou desvio da prova necessária que irá fundamentar a lide.

Traz-se aos autos excerto de acórdão da 3ª Turma do Tri-bunal Regional Federal da 4ª Região, que entendo aplicável ao caso vertente:

“A ação exibitória é perfeitamente viável nos casos desta espécie, uma vez que o direito processual não pode desconhecer a evolução científica, a qual devem encampar o conceito do denominado ‘documento eletrônico’ . Este, na visão da moderna doutrina, seria um arquivo eletrônico capaz de representar um fato através do tempo e do espaço, ou, conforme refere Gian Franco Ricci, citado por Ivo Teixeira Gico Júnior: ‘por documento eletrônico se entende o documento não cartular, constituído em uma memória eletrônica. A manifestação de vontade do agente não se expressaria através dos signos gráficos da escrita e subscrição, mas através de um fluxo eletrônico incorporado em uma memória, a qual só seria suscetível de ser lida através do uso de um computador. O documento eletrônico seria definido pela impossibilidade de leitura sem o uso da máquina’ (Repertório IOB Jurisprudência: Civil, Processual, Penal e Comercial. São Paulo, n. 14, 2ª quinz. Jul. 2000,3/7004).

“Complementa o mesmo Ivo Teixeira: ‘ no Brasil, alguns projetos de lei começam a tratar do assunto, mas apenas um traz uma definição do que venha a ser documento eletrônico. O PL n. 2644, em seu art. 1º, diz o seguinte: Considera-se documento eletrônico, para efeitos desta lei, todo documento, público ou particular, originado por processamento eletrônico de dados e armanezamento em meio magnético, optomagnético, eletrônico ou similar”.

O fornecimento do IP – Internet Protocol nº 200.193.98.18 (carteira de identidade da máquina) requerido pelo agravante não produzirá prejuízos à agravada, que deverá ter a seu favor o contraditório, ampla defesa e o duplo grau de jurisdição.

O provedor Brasil Telecom deve fornecer os dados requeri-dos na inicial – fornecimento do cadastro completo do responsável que enviou mensagem de correio eletrônico yahoo! por e-mail através do IP – Internet Protocol n. 200.193.98.18 (cliente da Brasil Tele-com), devendo ser deferida liminar para propiciar ao agravante o ajuizamento de ação contra o ofensor do ilícito.

Ante o exposto, preenchidos presentes o fumus boni juris e o periculum in mora, voto para conhecer do recurso e dar-lhe provimento, deferindo-se a liminar para que o estabeleci-mento requerido apresente nos autos o documento eletrônico aludido na inicial.

III – DECISÃO:

Nos termos do voto do relator, esta Segunda Câmara de Direito Civil, à unanimidade de votos, decide conhecer do recurso e dar-lhe provimento.

Participou do julgamento o Exmo. Sr. Desembargador Luiz Carlos Freyesleben.

Florianópolis, 13 de outubro de 2005.

MAZONI FERREIRA

Presidente com voto

MONTEIRO ROCHA

Relator

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