Segunda Guerra

Não incide Imposto de Renda em pensão de ex-combatente

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24 de outubro de 2005, 17h05

Imposto de Renda não incide sobre pensão especial de ex-combatente. Isso foi o que decidiu o juiz Alcides Vettorazzi, do Juizado Especial Federal de Florianópolis (SC). O juiz também condenou a União a pagar R$ 6.484 a um ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira como restituição do que ele já havia recolhido. A sentença transitou em julgado. O ex-combatente foi reformado nos termos da Lei 2.579/55, optando depois pela pensão especial, conforme artigo 30 da Lei 4.242/63. De acordo com Vettorazzi, a pensão do ex-expedicionário é isenta do Imposto de Renda.

A Lei 4.242/63 estabelece que a pensão especial “é concedida aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, da FEB, da FAB e da Marinha, que participaram ativamente das operações de guerra e se encontram incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência e não percebem qualquer importância dos cofres públicos, bem como a seus herdeiros (…)”.

Com a sentença, Vettorazzi confirmou liminar concedida inicialmente ao ex-combatente. A defesa do militar foi feita pela advogada Karine Siqueira da Silva, do escritório Naschenweng Advogados Associados, em Santa Catarina.

O juiz afirmou ainda que a isenção do Imposto de Renda para o ex-combatente também está prevista no artigo 6º, inciso XII, da Lei 7.713/88, que regulamenta o Imposto de Renda.

Leia a liminar

Processo n. 2005.72.50.005019-7

Decisão – vistos, etc.

01. Para processamento e julgamento desta lide [I] adoto rito sumaríssimo previsto na Lei 9.099/95 com as adequações específicas contidas na Lei 10.259/01 e aplicação, em casos omissos, do CPC; [II] admito, por ora, apenas prova documental, indefiro demais tipos de provas requeridos ou protestados; [III] deixo, em conseqüência, de designar audiência de instrução e julgamento, concentrando produção de provas documentais (a) no momento da apresentação do pedido inicial pela parte autora, para a qual assino prazo de TRÊS dias para juntada de documentos que seriam eventualmente apresentados em audiência, e (b) no momento da apresentação da resposta pela parte ré, a qual, pelo princípio da eventualidade, deverá juntar, com a resposta, também os documentos que eventualmente seriam apresentados em audiência; [IV] é facultada à parte autora manifestar-se, em TRÊS dias, havendo documentos juntados pela ré, para o que a Secretaria efetuará intimação.

02. Fica a parte ré, UNIÃO (FAZENDA NACIONAL), citada, e intimada, para, no prazo de TRINTA dias, [I] responder, ciente de que (a) não sendo contestada a ação, se presumirão aceitos pelo réu, como verdadeiros, os fatos articulados pelo autor, (b) ao autor foi facultado juntar documentos no prazo estipulado no item “01.III.a” suso; [II] apresentar cálculos considerando possibilidade, em tese, de procedência da demanda, [III] manifestar interesse ou não em conciliação, formulando, se for o caso, com a resposta, proposta concreta (valores, condições, etc.), ou, requerendo, alternativamente, designação de audiência se for o caso; [IV] fornecer ao juízo a documentação que disponha para o esclarecimento da causa (Lei 10.259/01: art. 11) como, por exemplo, fichas financeiras em se tratando de servidor; extratos, em se tratando de FGTS, etc; [V] em se tratando de repetição de indébito, fica facultado à parte ré, através de seus procuradores, em suprimento à inadmissibilidade de produção de prova pericial, requisitar, junto ao empregador da parte autora, informações acerca dos valores do tributo objeto de repetição a fim de confrontá-los com os valores apresentados pela parte autora.

03. Após, com ou sem manifestação da parte autora acerca dos documentos trazidos pela parte ré, e tendo esta [I] manifestado desinteresse em conciliar, e/ou [II] não formulado pedido contraposto, e/ou [III] apresentados cálculos com valores divergentes daqueles da inicial, ou [IV] se tornado revel, a Secretaria direcione o feito à contadoria ou o registre para sentença consoante determinação verbal emanada deste juízo ante o caso concreto.


04. Manifestando a parte ré interesse em conciliação, a Secretaria, [I] abra vista à parte autora pelo prazo TRÊS dias havendo formulação de proposta concreta e, aceita esta pela parte autora, registre o feito para sentença. Rejeitada a oferta cumpra a Secretaria item “03” suso; [II] designe data de audiência de conciliação e intime as partes e procuradores havendo requerimento expresso da parte ré nesse sentido.

05. Defiro assistência judiciária gratuita nos termos da Lei 1.060/50.

06. TUTELA ANTECIPADA – IRRF SOBRE OS PROVENTOS RECEBIDOS A TÍTULO DE PENSÃO ESPECIAL. A. Em exame ao título de pensão juntado nos autos, verifica-se que a parte autora recebe pensão especial, nos termos do art. 30 da Lei 4.242/63, desde 24/09/80. Segundo determina tal dispositivo, “é concedida aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, da FEB, da FAB e da Marinha, que participaram ativamente das operações de guerra e se encontram incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência e não percebem qualquer importância dos cofres públicos, bem como a seus herdeiros, pensão igual à estipulada no art. 26 da Lei n.º 3.765, de 4 de maio de 1960”. Por sua vez, dispõe o art. 6o, inciso XII, da Lei 7.713/88, que ficam isentos do imposto de renda os rendimentos percebidos por pessoas físicas que se referirem às “pensões e os proventos concedidos de acordo com os Decretos-Leis, nºs 8.794 e 8.795, de 23 de janeiro de 1946, e Lei nº 2.579, de 23 de agosto de 1955, e art. 30 da Lei nº 4.242, de 17 de julho de 1963, em decorrência de reforma ou falecimento de ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira”. Do mesmo modo expressa o art. 39, inciso XXXV, do Decreto 3.000/99, o qual determina não se computarem no cômputo do rendimento bruto “as pensões e os proventos concedidos de acordo com o Decreto-Lei nº 8.794 e o Decreto-Lei nº 8.795, ambos de 23 de janeiro de 1946, e Lei nº 2.579, de 23 de agosto de 1955, Lei nº 4.242, de 17 de julho de 1963, art. 30, e Lei nº 8.059, de 4 de julho de 1990, art. 17, em decorrência de reforma ou falecimento de ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso XII)”. A princípio, assim, vislumbro o requisito da verossimilhança que possibilita o deferimento da tutela emergencial, uma vez que a situação de isenção, realçada na Lei 7.713/88 e Decreto 3.000/99, está cabalmente comprovada nos autos (título expedido pela repartição militar que demonstra o recebimento da pensão especial prevista no art. 30 da Lei 4.242/63). Pode-se, assim, determinar que, desde já, a parte autora não mais sofra a retenção tributária. B.Defiro, assim, a tutela antecipada, para que seja suspensa a exigibilidade do imposto de renda sobre a pensão especial recebida pela parte autora, ficando esta, desde já intimada de que, através de seu advogado, lhe incumbe [I] emitir eletronicamente duas vias impressas desta decisão e, dispensadas assinaturas ou carimbos deste juizado, entregar uma via à fonte pagadora (Ministério do Exército) mediante recibo na outra via, sem ulterior comprovação, dessa entrega, nos autos; [II] demonstrar, em caso de dúvida da fonte pagadora, a autenticidade desta decisão mediante acesso ao e-proc com sua senha. C. O Ministério do Exército, ao receber a via impressa, fica automaticamente intimado de que deverá cumprir com exatidão este provimento liminar sem criar embaraços à sua efetivação sob pena de acoima de multa (CPC: art. 14-V), podendo, ainda em caso de dúvida quanto à autenticidade desta decisão, contatar com a Secretaria do Juizado pessoalmente ou pelo fone 0xx48-251-2515 ou 0xx48-251-2516. D. Fica a parte ré intimada de que poderá, querendo, atacar esta decisão através de recurso inominado diretamente à Colenda Turma Recursal (Lei 10.259/01: art. 4o). E. Junte a parte autora, novamente, o documento OUT4, já que não pode ser aberto.


07. Publicado na data em que foi inserido no e-proc.

Alcides Vettorazzi

Juiz Federal

Leia a íntegra da sentença

Sentença-vistos, etc.

I – RELATÓRIO.

Dispensado o relatório consoante na Lei 9.099/95 (art. 38).

II – FUNDAMENTOS.

Cuida-se restituição de IRPF sobre proventos de pensão especial de ex-combatente (Lei 4.242/63) em face da isenção dessa verba (Lei 7.713:art.6º-XII).

Prescrição & decadência. A importância paga indevidamente o foi com natureza de tributo razão por que prescrição e decadência regem-se por normas estabelecidas em lei complementar (CF/88: art. 146-III-b). No caso, pelo CTN, excluídos, em conseqüência, outros dispositivos versando prescrição e decadência [Código Civil, Decreto 20.910/32, Lei 8.212/91, etc.] face ao princípio da hierarquia das leis.

Afastam-se também pretensas intenções de contagem de prazo prescricional a partir da data da publicação de ADINs, de Resolução do Senado, ou de Recursos Extraordinários, uma vez que o prazo prescricional é contado na forma do art. 165-I c/c art. 168-I ambos do CTN, observado o enquadramento temporal da data do ajuizamento da ação às normas de regência abaixo explicitadas:

A) Ações ajuizadas anteriormente a 9.2.2005, data da edição da LC 118/2005: Dentre as diversas interpretações dadas pelo STJ, adoto aquela pela qual “Não tendo ocorrido homologação expressa, a decadência do direito de pleitear a restituição só ocorrerá após o transcurso do prazo de cinco anos, contados da ocorrência do fato gerador, acrescido demais cinco anos, contados daquela data em que se deu a homologação tácita…” (REsp 44221/PR, Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, 2a T., DJ 5-6-95, p. 16638). Inteligência dos artigos 150 § 4º, 156-VII, 165-I e 168-I todos do CTN. Não havendo prova de homologação expressa, prescrito resta o direito à restituição de valores recolhidos em data anterior a dez anos da data do ajuizamento da ação. Esse entendimento restou pacificado eis que “A 1ª Seção do STJ, no julgamento do ERESP 435.835/SC, Rel. p/ o acórdão Min. José Delgado, em sessão de 24.03.2004, consagrou o entendimento segundo o qual o prazo prescricional para pleitear a restituição de tributos sujeitos a lançamento por homologação é de cinco anos, contados da data da homologação do lançamento, que, se for tácita, ocorre após cinco anos da realização do fato gerador – sendo irrelevante, para fins de cômputo do prazo prescricional, a causa do indébito” (RESP 735.803/SP).

B) Ações ajuizadas no período da “vacatio legis” (9.2.2005 a 8.6.2005) da LC 118/2005: Afasto eventual pretensão da ré de aplicar, aos feitos ajuizados no período de vacância e até mesmo àqueles ajuizados antes de 9.2.2005, o disposto no art. 3º da LC 118/2005 [“Para efeito de interpretação do inciso I do artigo 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional -, a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado de que trata o § 1º do art. 150 da referida Lei”]. Assim o faço adotando fundamentos expressos no REsp 735.803-SP, Relator Ministro Teori Zavascki, j. 3.5.2005, site STJ, segundo os quais “2. O art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar os arts. 150 § 1º, 160 (rectius: 168) I, do CTN, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a `interpretação´ dada, não há como negar que a Lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Portanto, o art. 3º da LC 118/2005 só pode ter eficácia prospectiva, incidindo apenas sobre situações que venham a ocorrer a partir da sua vigência”. Nesse passo, inaplicável, à espécie, o art. 106-I do CTN pretendido pelo art. 4º da LC 118/2005. Demais disso, recentemente, as determinações do artigo 3º da LC 118/2005 foram analisadas pela Primeira Seção do STJ, no julgamento dos Embargos de Divergência no Recurso Especial nº 327.043-6. Com base nos debates verificados nesse julgamento (o acórdão proferido ainda aguarda redação e publicação), vale destacar que os Ministros da Primeira Seção do STJ afastaram, ao menos, a aplicação retroativa do artigo 3º da LC 118/2005. De acordo com os Ministros do STJ, interpretar é função do Poder Judiciário e isso já havia sido feito em relação ao disposto nos artigos 150 e 168 do CTN. Com isso, fica afastada a possibilidade do artigo 3º ser aplicado retroativamente e, conseqüentemente, mantido o entendimento expresso na alínea “A” suso.


C) Ações ajuizadas após 8.6.2005: O Min. Teori Zavascki, no REsp 735.803/SP, proferiu voto vencedor do qual transcrevo o que segue:

“Trata-se de recurso especial (fls. 207-217) interposto com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional contra acórdão do TRF (sigla não original) da 3ª Região (fls. 201-204) cuja ementa é a seguinte:

"PREVIDENCIÁRIO. CONTRIBUIÇÃO INCIDENTE SOBRE A FOLHA DE SALÁRIOS. RECONHECIMENTO DA CONSOLIDAÇÃO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO.

1. O direito de pedir a devolução de crédito pago indevidamente ao poder público, a título — inconstitucional ou ilegal — de tributo, extingue-se em cinco anos (art. 168, inc. I, do CTN).

2. O termo inicial da contagem do prazo prescricional é a data do pagamento (art. 156, inc. I, do CTN).

3. Apelação improvida" (fl. 204).

No recurso especial, a recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, ofensa aos arts. 165 e 168 do CTN, alegando, em síntese, que o prazo prescricional de cinco anos, tem como termo inicial o término do qüinqüênio reservado ao Fisco para homologar o lançamento do tributo. Intimado, o recorrido deixou de apresentar contra-razões. É o relatório.

EMENTA

TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. ORIENTAÇÃO FIRMADA PELA 1ª SEÇÃO DO STJ, NA APRECIAÇÃO DO ERESP 435.835/SC. LC 118/2005: NATUREZA MODIFICATIVA (E NÃO SIMPLESMENTE INTERPRETATIVA) DO SEU ARTIGO 3º. INCONSTITUCIONALIDADE DO SEU ART. 4º, NA PARTE QUE DETERMINA A APLICAÇÃO RETROATIVA. ENTENDIMENTO CONSIGNADO NO VOTO DO ERESP 327.043/DF.

1. …

2. …

3. O artigo 4º, segunda parte, da LC 118/2005, que determina a aplicação retroativa do seu art. 3º, para alcançar inclusive fatos passados, ofende o princípio constitucional da autonomia e independência dos poderes (CF, art. 2º) e o da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). Ressalva, no particular, do ponto de vista pessoal do relator, no sentido de que cumpre ao órgão fracionário do STJ suscitar o incidente de inconstitucionalidade perante a Corte Especial, nos termos do art. 97 da CF.

4. Recurso especial a que se dá provimento.

VOTO

1. No que concerne à controvérsia atinente ao prazo prescricional, a 1ª Seção do STJ, na apreciação do ERESP 435.835/SC, Rel. p/ o acórdão Min. José Delgado, julgado em 24.03.2004, revendo a orientação até então dominante, firmou entendimento no sentido de que o prazo prescricional para o ajuizamento de ação de repetição de indébito, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, é de cinco anos, tendo como marco inicial a data da homologação do lançamento, que, sendo tácita, ocorre no prazo de cinco anos do fato gerador. Considerou-se ser irrelevante, para efeito da contagem do prazo prescricional, a causa do recolhimento indevido (v.g., pagamento a maior ou declaração de inconstitucionalidade do tributo pelo Supremo), eliminando-se a anterior distinção entre repetição de tributos cuja cobrança foi declarada inconstitucional em controle concentrado e em controle difuso, com ou sem edição de resolução pelo Senado Federal, mediante a adoção da regra geral dos "cinco mais cinco" para a totalidade dos casos. Assim firmada a orientação, é de ser adotada no presente caso, com ressalva do ponto de vista pessoal, no sentido da subordinação do termo a quo do prazo ao universal princípio da actio nata (voto-vista proferido nos autos do ERESP 423.994/SC, 1ª Seção, Min. Peçanha Martins, sessão de 08.10.2003).


Na hipótese dos autos, em que foi aplicada a regra prescricional de forma diversa, ajuizada a ação em 04.11.1999, estariam prescritos apenas os créditos cujo fato gerador tenha ocorrido antes de 04.11.1989, razão pela qual é de ser afastada a prescrição porquanto não há créditos prescritos.

Com relação à recente alteração no CTN , promovida pela LC 118/2005, proferi voto, no ERESP 327.043/DF (rel. Min. João Otávio Noronha), nos seguintes termos:

"1. Questiona-se, aqui, (a) a natureza – se interpretativa ou não – do art. 3º da LC 118/2005, segundo o qual, para efeito de contagem do prazo para a repetição do indébito, deve ser considerado que “a extinção do crédito tributário ocorre, no caso de tributo sujeito a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado”, bem como (b) a legitimidade da art. 4º, segunda parte, da mesma Lei, que determina a aplicação retroativa daquele artigo 3º, tal como prevê o art. 106, I, do CTN.

2. Em nosso sistema constitucional, as funções legislativa e jurisdicional estão atribuídas a Poderes distintos, autônomos e independentes entre si (CF, art; 2º). Legislar, função essencialmente conferida ao Parlamento, é criar os preceitos normativos, é impor modificação no plano do direito positivo. Já a função jurisdicional – de assegurar o cumprimento da norma, que pressupõe também a de interpretá-la previamente -, é atribuída ao Poder Judiciário. A atividade legislativa está submetida à cláusula constitucional do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI), razão pela qual as modificações do ordenamento jurídico, impostas pelo Legislativo, têm, em princípio, apenas eficácia prospectiva, não podendo ser aplicadas retroativamente. A função jurisdicional, ao contrário, atua, em regra, sobre fatos já ocorridos ou em via de ocorrer. Só excepcionalmente pode o Legislativo atuar sobre o passado, assim como só excepcionalmente pode Judiciário produzir sentenças com efeitos normativos futuros.

Todos sabemos que essa bipartição não tem caráter absoluto, comportando algumas exceções. Mas a regra geral é essa: o Legislativo produz o enunciado normativo, que vai ter aplicação para o futuro; produzido o enunciado, ele assume vida própria, cabendo ao Judiciário, daí em diante, zelar pelo cumprimento da norma que dele decorre, o que comporta a função de, mediante interpretação, descobri-la e aplicá-la aos casos concretos. São atividades complementares: como dizia Calamandrei, “O Estado defende com a jurisdição sua autoridade de legislador” (CALAMANDREI, Piero. Instituciones de Derecho Procesal Civil, tradução de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires, Ediciones Jurídicas Europa-América, 1986, vol. I, p. 175)

3. Interpretar um enunciado normativo é buscar o seu sentido, o seu alcance, o seu significado. “A interpretação”, escreveu Eros Grau, “é um processo intelectivo através do qual, partindo de fórmulas lingüísticas contidas nos textos, enunciados, preceitos, disposições, alcançamos a determinação de um conteúdo normativo. (…)

Interpretar é atribuir um significado a um ou vários símbolos lingüísticos escritos em um enunciado normativo. O produto do ato de interpretar, portanto, é o significado atribuído ao enunciado ou texto (preceito, disposição)” (GRAU, Eros Roberto. Ensaio e Discurso sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 2ª ed., SP, Malheiros, 2003, p. 78). E observa, mais adiante: “As disposições são dotadas de um significado, a elas atribuído pelos que operaram no interior do procedimento normativo, significado que a elas desejaram imprimir. Sucede que as disposições devem exprimir um significado para aqueles aos quais são endereçadas. Daí a necessidade de bem distinguirmos os significados imprimidos às disposições (enunciados, textos), por quem as elabora e os significados expressados pelas normas (significados que apenas são revelados através e mediante a interpretação, na medida em que as disposições são transformadas em normas)” (op. cit., p.79).


Prossegue o autor: “A interpretação, destarte, é meio de expressão dos conteúdos normativos das disposições, meio através do qual pesquisamos as normas contidas nas disposições. Do que diremos ser – a interpretação – uma atividade que se presta a transformar disposições (textos, enunciados) em normas. Observa Celso Antônio Bandeira de Mello (…) que ‘(…) é a interpretação que especifica o conteúdo da norma. Já houve quem dissesse, em frase admirável, que o que se aplica não é a norma, mas a interpretação que dela se faz. Talvez se pudesse dizer: o que se aplica, sim, é a própria norma, porque o conteúdo dela é pura e simplesmente o que resulta da interpretação. De resto, Kelsen já ensinara que a norma é uma moldura. Deveras, quem outorga, afinal, o conteúdo específico é o intérprete, (…)’. As normas, portanto, resultam da interpretação. E o ordenamento, no seu valor histórico-concreto, é um conjunto de interpretações, isto é, conjunto de normas. O conjunto das disposições (textos, enunciados) é apenas ordenamento em potência, um conjunto de possibilidades de interpretação, um conjunto de normas potenciais. O significado (isto é, a norma) é o resultado da tarefa interpretativa. Vale dizer: o significado da norma é produzido pelo intérprete. (…) As disposições, os enunciados, os textos, nada dizem; somente passam a dizer algo quando efetivamente convertidos em normas (isto é, quando – através e mediante a interpretação – são transformados em normas). Por isso as normas resultam da interpretação, e podemos dizer que elas, enquanto disposições, nada dizem – elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem (…)” (op. cit., p. 80).

4. Sendo assim e considerando que a atividade de interpretar os enunciados normativos, produzidos pelo legislador, está cometida constitucionalmente ao Poder Judiciário, seu intérprete oficial, podemos afirmar, parafraseando a doutrina, que o conteúdo da norma não é, necessariamente, aquele sugerido pela doutrina, ou pelos juristas ou advogados, e nem mesmo o que foi imaginado ou querido em seu processo de formação pelo legislador; o conteúdo da norma é aquele, e tão somente aquele, que o Poder Judiciário diz que é. Mais especificamente, podemos dizer, como se diz dos enunciados constitucionais (= a Constituição é aquilo que o STF, seu intérprete e guardião, diz que é), que as leis federais são aquilo que o STJ, seu guardião e intérprete constitucional, diz que são.

5. Nesse contexto, a edição, pelo legislador, de lei interpretativa, com efeitos retroativos, somente é concebível em caráter de absoluta excepcionalidade, sob pena de atentar contra os dois postulados constitucionais já referidos: o da autonomia e independência dos Poderes (art. 2º, da CF) e o do respeito ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada (art. 5º, XXXVI, da CF). Lei interpretativa retroativa só pode ser considerada legítima quando se limite a simplesmente reproduzir (= produzir de novo), ainda que com outro enunciado, o conteúdo normativo interpretado, sem modificar ou limitar o seu sentido ou o seu alcance. Isso, bem se percebe, é hipótese de difícil concreção, quase inconcebível, a não ser no plano teórico, ainda mais quando se considera que o conteúdo de um enunciado normativo reclama, em geral, interpretação sistemática, não podendo ser definido isoladamente. “Interpretar uma norma”, escreveu Juarez Freitas, “é interpretar um sistema inteiro: qualquer exegese comete, direta ou obliquamente, uma aplicação da totalidade do Direito” (FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito, SP, Malheiros, 1995, p. 47). Ora, lei que simplesmente reproduz a já existente, ainda que com outras palavras, seria supérflua; e lei que não é assim, é lei que inova e, portanto, não pode ser considerada interpretativa e nem, conseqüentemente, ser aplicada com efeitos retroativos.


6. Ainda que se admita a possibilidade de edição de lei interpretativa, como prevê o art. 106, I, do CTN, mas considerando o que antes se disse sobre o processo interpretativo e seus agentes oficiais (= a norma é aquilo que o Judiciário diz que é), evidencia-se como hipótese paradigmática de lei inovadora (e não simplesmente interpretativa) aquela que, a pretexto de interpretar, confere à norma interpretada um conteúdo ou um sentido diferente daquele que lhe foi atribuído pelo Judiciário ou que limita o seu alcance ou lhe retira um dos seus sentidos possíveis.

É o que ocorre no caso em exame. Com efeito, sobre o tema relacionado com a prescrição da ação de repetição de indébito tributário, a jurisprudência do STJ (1ª Seção) é no sentido de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o prazo de cinco anos, previsto no art. 168 do CTN, tem início, não na data do recolhimento do tributo indevido, e sim na data da homologação – expressa ou tácita – do lançamento. Segundo entende o Tribunal, para que o crédito se considere extinto, não basta o pagamento: é indispensável a homologação do lançamento, hipótese de extinção albergada pelo art. 156, VII, do CTN. Assim, somente a partir dessa homologação é que teria início o prazo previsto no art. 168, I. E, não havendo homologação expressa, o prazo para a repetição do indébito acaba sendo, na verdade, de dez anos a contar do fato gerador.

Essa jurisprudência certamente não tem a adesão uniforme da doutrina e nem de todos os juízes. Em muitos casos, eu mesmo já manifestei minha discordância pessoal em relação a ela, como, v;g., no voto vista proferido no ERESP 423.994, 1ª Seção, rel. Min. Peçanha Martins, onde apontei sua fragilidade por desconsiderar inteiramente “um princípio universal em matéria de prescrição: o princípio da actio nata, segundo o qual a prescrição se inicia com o nascimento da pretensão ou da ação (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, Bookseller Editora, 2.000, p. 332)”. “Realmente”, sustentei, “ocorrendo o pagamento indevido, nasce desde logo o direito a haver a repetição do respectivo valor, e, se for o caso, a pretensão e a correspondente ação para a sua tutela jurisdicional. Direito, pretensão e ação são incondicionados, não estando subordinados a qualquer ato do Fisco ou a decurso de tempo. Mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o direito, a pretensão e a ação nascem tão pronto ocorra o fato objetivo do pagamento indevido. Sob este aspecto, pareceria mais adequado ao princípio da actio nata aplicar, inclusive em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o disposto art. 168, I, combinado com o art. 156, I, do CTN, ou seja: o prazo prescricional (ou decadencial) para a repetição do indébito conta-se da extinção do crédito (art. 168, I), que, por sua vez, ocorre com o pagamento (art. 156, I). Observe-se que, mesmo em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, o pagamento antecipado também extingue o crédito, ainda que sob condição resolutória (CTN, 150, § 1º).”

Todavia, inobstante as reservas e críticas que possa merecer, o certo é que a jurisprudência do STJ, em inúmeros precedentes, definiu o conteúdo dos enunciados normativos em determinado sentido, e, bem ou mal, a interpretação que lhes conferiu o STJ é a interpretação legítima, porque emanada do órgão constitucionalmente competente para fazê-lo. Ora, o art. 3º da LC 118/2005, a pretexto de interpretar esses mesmos enunciados, conferiu-lhes, na verdade, um sentido e um alcance diferente daquele dado pelo Judiciário. Ainda que defensável a “interpretação” dada, não há como negar que a lei inovou no plano normativo, pois retirou das disposições normativas interpretadas um dos seus sentidos possíveis, justamente aquele tido como correto pelo STJ, intérprete e guardião da legislação federal. Se, como se disse, a norma é aquilo que o Judiciário, como seu intérprete, diz que é, não pode ser considerada simplesmente interpretativa a lei que dá a ela outro significado. Em outras palavras: não pode ser considerada interpretativa a lei que tem o evidente objetivo de modificar a jurisprudência dos Tribunais. Somente a jurisprudência é que pode, legitimamente, alterar a jurisprudência.

7. Não se nega ao Legislativo o poder de alterar a norma (e, portanto, se for o caso, também a interpretação formada em relação a ela). Pode, sim, fazê-lo, mas não com efeitos retroativos. Admitir a aplicação do art. 3º da LC 118/2005, sobre os fatos passados, nomeadamente os que são objeto de demandas em juízo, seria consagrar verdadeira invasão, pelo Legislativo, da função jurisdicional, comprometendo a autonomia e a independência do Poder Judiciário. Significaria, ademais, consagrar ofensa à cláusula constitucional que assegura, em face da lei nova, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Portanto, o referido dispositivo, por ser inovador no plano das normas, somente pode ser aplicado a situações que venham a ocorrer a partir da vigência da Lei Complementar 118/2005, que ocorrerá 120 dias após a sua publicação (art. 4º), ou seja, no dia 09 de junho de 2005.


Tratando-se de norma que reduz prazo de prescrição, cumpre observar, na sua aplicação, a regra clássica de direito intertemporal, afirmada na doutrina e na jurisprudência em situações dessa natureza: o termo inicial do novo prazo será o da data da vigência da lei que o estabelece, salvo se a prescrição (ou, se for o caso, a decadência), iniciada na vigência da lei antiga, vier a se completar, segundo a lei antiga, em menos tempo. São precedentes do STF nesse sentido:

"Prescrição Extintiva. Lei nova que lhe reduz prazo. Aplica-se à prescrição em curso, mas contando-se o novo prazo a partir da nova lei. Só se aplicará a lei antiga, se o seu prazo se consumar antes que se complete o prazo maior da lei nova, contado da vigência desta, pois seria absurdo que, visando a lei nova reduzir o prazo, chegasse a resultado oposto, de ampliá-lo" (RE 37.223, Min. Luiz Gallotti, julgado em 10.07.58).

"Ação Rescisória. Decadência. Direito Intertemporal. Se o restante do prazo de decadência fixado na lei anterior for superior ao novo prazo estabelecido pela lei nova, despreza-se o período já transcorrido, para levar-se em conta, exclusivamente, o prazo da lei nova, a partir do início da sua vigência" (AR 905/DF, Min. Moreira Alves, DJ de 28.04.78).

No mesmo sentido: RE 93.110/RJ, Min. Xavier de Albuquerque, julgado em 05.11.80; AR 1.025-6/PR, Min. Xavier de Albuquerque, DJ de 13.03.81.

É o que se colhe, também, de abalizada doutrina, como, v.g., a de Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1998, Tomo VI, p. 359), Barbosa Moreira (Comentários ao Código de Processo Civil, Forense, 1976, volume V, p. 205-207) e Galeno Lacerda, este com a seguinte e didática lição sobre situação análoga (redução do prazo da ação rescisória, operada pelo CPC de 1973):

“A mais notável redução de prazo operada pelo Código vigente incidiu sobre o de propositura da ação rescisória. O velho e mal situado prazo de cinco anos prescrito pelo Código Civil (art. 178, § 10, VIII) foi diminuído drasticamente para dois anos (art. 495). Surge, aqui, interessante problema de direito transitório, quanto à situação dos prazos em curso pelo direito anterior. A regra para os prazos diminuídos é inversa da vigorante para os dilatados. Nestes, como vimos, soma-se o período da lei antiga ao saldo, ampliado, pela lei nova. Quando se trata de redução, porém, não se podem misturar períodos regidos por leis diferentes: ou se conta o prazo, todo ele pela lei antiga, ou todo, pela regra nova, a partir, porém, da vigência desta. Qual o critério para identificar, no caso concreto, a orientação a seguir? A resposta é simples. Basta que se verifique qual o saldo a fluir pela lei antiga. Se for inferior à totalidade do prazo da nova lei, continua-se a contar dito saldo pela regra antiga. Se superior, despreza-se o período já decorrido, para computar-se, exclusivamente, o prazo da lei nova, na sua totalidade, a partir da entrada em vigor desta. Assim, por exemplo, no que concerne à ação rescisória, se já decorreram quatro anos pela lei antiga, só ela é que há de vigorar: o saldo de um ano, porque menor ao prazo do novo preceito construa a fluir, mesmo sob a vigência deste. Se, porém, passou-se, apenas, um ano sob o direito revogado, o saldo de quatro, quando da entrada em vigor da regra nova, é superior ao prazo por esta determinado. Por este motivo, a norma de aplicação imediata exige que o cômputo se proceda, exclusivamente, pela lei nova, a partir, evidentemente, de sua entrada em vigor, isto é, os dois anos deverão contar-se a partir de 1º de janeiro de 1974. O termo inicial não poderia ser, nesta hipótese, o do trânsito em julgado da sentença, operado sob lei antiga, porque haveria, então, condenável retroatividade" (O Novo Direito Processual Civil e os Feitos Pendentes, Forense, 1974, pp. 100-101).

Câmara Leal tem pensamento semelhante:

"Estabelecendo a nova lei um prazo mais curto de prescrição, esse começará a correr da data da nova lei, salvo se a prescrição iniciada na vigência da lei antiga viesse a se completar em menos tempo, segundo essa lei, que, nesse caso, continuaria a regê-la, relativamente ao prazo" (Da Prescrição e da Decadência, Forense, 1978, p.90).


8. Ocorre que o art. 4º da Lei Complementar 118/2005, em sua segunda parte, determina, de modo expresso, que, relativamente ao seu art. 3º, seja observado “o disposto no art. 106, I, da Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”, vale dizer, que seja aplicada inclusive aos atos ou fatos pretéritos. Ora, conforme antes demonstrado, a aplicação retroativa do dispositivo importa, nesse caso, ofensa à Constituição, nomeadamente ao seu art. 2º (que consagra a autonomia e independência do Poder Judiciário em relação ao Poder Legislativo) e ao inciso XXXVI do art. 5º, que resguarda, da aplicação da lei nova, o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Assim, fica evidenciada a inconstitucionalidade do dispositivo, cumprindo observar, em relação a ele, o disposto no art. 97 da Constituição, instalando-se o devido incidente de inconstitucionalidade . Não basta, para contornar o incidente, simplesmente deixar de aplicar o dispositivo inconstitucional. Ao Judiciário, que está submetido à lei, somente é dado deixar de aplicá-la quando ela for incompatível com a Constituição, o que só pode ser reconhecido e declarado pela maioria absoluta dos seus membros ou dos membros do órgão especial. Bem a propósito, eis a orientação do STF a respeito, em situação absolutamente análoga:

“A declaração de inconstitucionalidade de norma incidenter tantum, e, portanto, por meio do controle difuso de constitucionalidade, é o pressuposto para o juiz ou o Tribunal, no caso concreto, afastar a aplicação da norma tida por inconstitucional. Por isso, não se pode pretender, como o faz o acórdão recorrido, que não há declaração de inconstitucionalidade de uma norma jurídica incidenter tantum quando o acórdão não a declara inconstitucional, mas afasta a sua aplicação, porque tida como inconstitucional. Ora, em se tratando de inconstitucionalidade de norma jurídica a ser declarada em controle difuso por Tribunal, só pode declará-la, em face do disposto no artigo 97 da Constituição, o Plenário dele ou seu Órgão Especial, onde este houver, pelo voto da maioria absoluta dos membros de um ou de outro” (STF, RE 179.170, 1ª Turma, Min. Moreira Alves, DJ de 30.10.98).

9. Ante o exposto, acompanho o entendimento do Ministro relator, mas proponho seja suscitado incidente de inconstitucionalidade da expressão “observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”, constante do art. 4º, segunda parte, da Lei Complementar 118/2005, submetendo-se a matéria à consideração do órgão especial, na forma dos arts. 199 e 200 do Regimento Interno. É o voto". (destaque em letra maior não constante do original).

Invoco os mesmos fundamentos para o caso em exame, ressalvando meu ponto de vista quanto ao incidente de inconstitucionalidade, que, no entender majoritário da Turma, é dispensável.

2. Diante do exposto, dou provimento ao recurso especial para afastar a prescrição, determinando o retorno dos autos ao tribunal de origem para que sejam apreciadas as demais matérias recorridas. É o voto. “É dizer, em face do precedente suso, para os feitos ajuizados após 8.6.2005, a prescrição tem o seguinte tratamento:

C.1) Em relação aos feitos ajuizados após 8.6.2005, relativos a pagamentos indevidos efetuados também a partir de 9.6.2005, aplica-se somente a regra da prescrição qüinqüenal de que trata a LC 118/2005.

C.2) Mas, aos pagamentos indevidos efetuados antes de 8.6.2005 — e objeto de ações ajuizadas após 8.6.2005 —, já sob efeitos da fluência da prescrição decenal (teoria dos 5 + 5), passam agora a submeter-se às normas de direito intertemporal didaticamente explicitadas pelo saudoso Galeno Lacerda [Quando se trata de redução, porém, não se podem misturar períodos regidos por leis diferentes: ou se conta o prazo, todo ele pela lei antiga, ou todo, pela regra nova, a partir, porém, da vigência desta. Qual o critério para identificar, no caso concreto, a orientação a seguir? A resposta é simples. Basta que se verifique qual o saldo a fluir pela lei antiga. Se for inferior à totalidade do prazo da nova lei, continua-se a contar dito saldo pela regra antiga. Se superior, despreza-se o período já decorrido, para computar-se, exclusivamente, o prazo da lei nova, na sua totalidade, a partir da entrada em vigor desta. (referência bibliográfica no voto antes transcrito)], sufragadas pelo STF em relação ao art. 495 do CPC/73 (redução do prazo de 5 anos para 2 anos para ajuizamento de ação rescisória) mas, inteiramente, aplicáveis à espécie: “Se o restante do prazo de decadência fixado na lei anterior for superior ao novo prazo estabelecido pela lei nova, despreza-se o período já transcorrido, para levar em conta, exclusivamente, o prazo da lei nova, a partir do início de sua vigência” (STF-Pleno: RTJ 87/2; STF-1ª Turma: RTJ 107/1.152; Súmula 445 [“A Lei 2.437, de 7.3.55, que reduz prazo prescricional, é aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência(1.1.56), salvo quanto aos processos então pendentes”]). Destarte, tomando-se como base a data de vigência da LC 118 (9-6-2005) e aplicadas regras de direito intertemporal que adoto, suso explicitadas, e considerando a pretensão de repetir pagamentos indevidos efetuados até dez anos precedentes à data do ajuizamento da ação interposta após 8.6.2005, têm-se que [I] os pagamentos indevidos efetuados até 8.6.2000 são regidos só pela regra dos 10 anos (5+5) e [II] os pagamentos indevidos efetuados de 9.6.2000 até 8.6.2005 submetem-se à regra de transição, ou seja, despreza-se o prazo já decorrido até 9.6.2005 e inicia-se a contagem do prazo de 5 anos a partir de 9.6.2005.


Traduzindo em termos gráficos, as ações ajuizadas a partir de 09.06.2005, tendo em vista a data do pagamento indevido, tem a prescrição assim disciplinada:

Na espécie, a pretensão repetitória compreende pagamentos indevidos efetuados até 10 anos anteriores à data do ajuizamento desta ação (em julho de 2000), não estando, destarte, fulminados pela prescrição.

NO MÉRITO, o autor, soldado ex-combatente da FEB, nos termos da Lei 2.579/55 [“Art. 1º – O militares convocados ou não, que tenham servido no teatro de operações da Itália, no perído de 1944-45, em qualquer tempo julgados inválidos ou incapazes – mesmo depois de transferidos para a reserva – reformados, aposentados ou licenciados do serviço militar (…) serão considerados (…) como se em serviço ativo estivessem, e reformados ou aposentados com as vantagens da Lei (…)’. Sublinhado não original.] foi reformado com proventos da Graduação de Cabo, consoante certidão, emitida em 17.06.80, da Seção de Inativos e Pensionistas – SIP do Ministério do Exército e, sendo funcionário público da SUNAB, optou pelo provento militar conforme facultado pelo art. 3º da Lei 2.579, de 23.08.1955 [“O amparo concedido por esta Lei não poderá ser cumulado com qualquer outro provento de reforma ou aposentadoria, cabendo, porém, aos beneficiários pelo art. 5º da Lei nº 288, de 8 de junho de 1948, o direito de opção.”].

Em 30.10.80, a mesma SIP conferiu-lhe Título de Pensão Militar em face da opção pela Pensão Especial de que trata o art. 30 da Lei 4.242/63 [Art 30. É concedida aos ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial, da FEB, da FAB e da Marinha, que participaram ativamente das operações de guerra e se encontram incapacitados, sem poder prover os próprios meios de subsistência e não percebem qualquer importância dos cofres públicos, bem como a seus herdeiros, pensão igual à estipulada no art. 26 da Lei n.º 3.765, de 4 de maio de 1960. Parágrafo único. Na concessão da pensão, observar-se-á o disposto nos arts. 30 e 31 da mesma Lei nº 3.765, de 1960.] Por sua vez, a Lei 3.765/60, mencionada no dispositivo supra, prevê o pagamento de pensão “correspondente a deixada por um 2o sargento” [“Art 26. Os veteranos da campanha do Uruguai e Paraguai, bem como suas viúvas e filhas, beneficiados com a pensão especial instituída pelo Decreto-lei nº 1.544, de 25 de agôsto de 1939, e pelo art. 30 da Lei nº 488, de 15 de novembro de 1948, e os veteranos da revolução acreana, beneficiados com a pensão vitalícia e intransferível instituída pela Lei nº 380, de 10 de setembro de 1948, passam a perceber a pensão correspondente a deixada por um 2º sargento, na forma do art. 15 desta lei.”].

Pelo teor do inciso XII do artigo 6º da Lei 7.713/88 [“Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas: (..) XII – as pensões e os proventos concedidos de acordo com os Decretos-Leis nºs 8.794 e 8.795, de 23 de janeiro de 1946 e Lei nº 2.579, de 23 de agosto de 1955, e art. 30 da Lei nº 4.242, de 17 de julho de 1963, em decorrência de reforma ou falecimento de ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira: (…)”], reprisado no inciso XXXV do art. 39 do Regulamento do Imposto de Renda – RIR/99 – aprovado pelo Decreto 3.000/99 [“as pensões e os proventos concedidos de acordo com o Decreto-Lei nº 8.794 e o Decreto-Lei nº 8.795, ambos de 23 de janeiro de 1946, e Lei nº 2.579, de 23 de agosto de 1955, Lei nº 4.242, de 17 de julho de 1963, art. 30, e Lei nº 8.059, de 4 de julho de 1990, art. 17, em decorrência de reforma ou falecimento de ex-combatente da Força Expedicionária Brasileira (Lei nº 7.713, de 1988, art. 6º, inciso XII)”], a pensão auferida pelo autor é expressamente isenta de imposto de renda.

O argumento da ré, segundo o qual a pensão especial deferida perdeu esse caráter e, portanto a isenção, face à opção do autor pelos proventos de segundo tenente em 1995, não encontra eco nos fatos e no direito visto que não veio acompanhada de prova fática tampouco de fundamentação jurídica encargo que lhe cabia nos termos do art. 333-II do CPC. Não merece guarida, pois, a alegação.


Procede, destarte, o pedido versado na inicial e, no que diz com o pleito repetitório, a Contadoria Judicial realizou cálculos cujo valor é demonstrado no item “dispositivo” e cujas memórias de cálculos acostadas fazem parte integrante desta decisão.

III – DISPOSITIVO.

EX POSITIS.

01. Reconheço “incidenter tantum” a inconstitucionalidade da expressão “Para efeito de interpretação do inciso I do art. 168 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional”, constante do art. 3º e a expressão “…observado, quanto ao art. 3º, o disposto no art. 106, inciso I, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 – Código Tributário Nacional.” constante do art. 4º ambos da Lei Complementar nº 118, de 9 de fevereiro de 2005.

No mérito, julgo PROCEDENTE EM PARTE o pedido expresso neste processo n. 2005.72.50.005019-7 e extingo o feito forte no art. 269-I do CPC. Em conseqüência: [I] declaro a inexistência de relação jurídica a obrigar a parte autora a suportar, na fonte ou na declaração de ajuste, imposto de renda de pessoa física (IRPF) incidente sobre os proventos recebidos a título de pensão especial (Lei 4.242/63), [II] condeno a UNIÃO FEDERAL (Fazenda Nacional), nos termos dos fundamentos, a pagar à parte autora (JOÃO OLAVO ALBINO) a importância de R$ 6.484,87 (seis mil, quatrocentos e oitenta e quatro reais e oitenta e sete centavos), atualizada até 05/2005, [III] ratifico a tutela antecipada anteriormente deferida.

02. Contra esta decisão cabe recurso inominado. Decorrida a dezena legal com interposição de recurso, a Secretaria, verificada a tempestividade, regularidade e preparo, receba-o no efeito devolutivo e suspensivo o encaminhe à Colenda Turma Recursal. Havendo deferimento de tutela antecipada nesta sentença, eventual recurso contra ela subirá apenas com efeito devolutivo.

03. Transitada em julgado esta decisão, e mantida, a Secretaria proceda à atualização pela SELIC do valor referido no item “01”, expeça RPV e, efetuado o pagamento, arquive-se.

04. Sem custas nem honorários, nesta instância, a teor do art. 4o-I da Lei 9.289/96 e art. 55 da Lei 9.099/95 c/c art. 1o da Lei 10.259/01.

05. Pretendendo o causídico da parte autora o pagamento direto dos honorários advocatícios contratados, por dedução da quantia a ser recebida pelo constituinte (§ 4º do art. 22 da Lei 8.906/94), caso mantida esta decisão total ou parcialmente, deverá, antes da expedição da requisição de pagamento, juntar aos autos o contrato de honorários, conforme orientação do Conselho da Justiça Federal (Resolução nº 399/94), informando se se trata de cópia autenticada ou de original do contrato.

06. P.I.

Florianópolis/SC, 26 de setembro de 2005.

Alcides Vettorazzi

Juiz Federal

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