Baixaria na TV

Ministério Público quer tirar do ar a Rede TV!

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24 de outubro de 2005, 18h10

O Ministério Público Federal em São Paulo ajuizou uma ação nesta segunda-feira (24/10), pedindo a cassação da concessão da Rede TV! O motivo do pedido são os atos de discriminação contra homossexuais e humilhações a mulheres, idosos e deficientes físicos no programa Tardes Quentes, produzido, dirigido e apresentado por João Kléber. A Ação Civil Pública, co-assinada por entidades de defesa dos direitos dos homossexuais e de controle social da programação das emissoras de TV, deve tramitar com pedido de urgência.

Em pedido liminar, os autores da ação pedem a retirada imediata do programa do ar e a colocação no mesmo horário de um direito de resposta às entidades de direitos humanos por 60 dias. Caso a emissora seja condenada, os procuradores paulistas pedem a condenação a uma multa para o fundo de direitos difusos no valor de R$ 20 milhões, equivalente a 10% do faturamento bruto anual da emissora. Além disso, pedem a cassação da concessão pública da emissora, o que na prática seria a sua extinção.

Antes de oferecer a denúncia, os procuradores Sergio Gardenghi Suiama e Adriana da Silva Fernandes, que assinaram juntos a ação, propuseram à emissora um Termo de Ajustamento de Conduta, pelo qual a emissora concordaria em retirar do ar programas discriminatórios e assim evitaria a ação. A Rede TV!, no entanto, rejeitou a proposta. A emissora é acusada também pelos procuradores de tentar impedir a apuração. Para que as fitas com as chamadas "pegadinhas" fossem entregues ao MPF, foi necessária uma busca e apreensão determinada pela Justiça Federal. Por isso, os autores da ação já avisaram que não pretendem fazer acordo, levando-a até as últimas conseqüências.

Esta ação é parte de um conjunto de medidas do MPF e de entidades como o "Quem Financia a Baixaria É Contra a Cidadania" contra os programas de conteúdo discriminatório. A entidade faz um ranking quadrimestral de queixas de telespectadores contra programas considerados de baixo nível. Na contagem geral, os dois programas de João Kléber estão entre os mais citados. O "Eu Vi na TV" também é alvo de procedimento no MPF. O apresentador já se propôs, no MPF e para a entidade, a melhorar a qualidade de seus programas televisivos, mas não cumpriu.

Os autores da ação também expediram uma recomendação à Móveis Marabrás, sugerindo que a empresa pare de patrocinar programas como os do apresentador. Em um outro procedimento, os procuradores investigam a falta de fiscalização do Ministério das Comunicações sobre a programação das concessionárias de sinal televisivo.

Além da Rede TV! a Rede Globo, a TV Gazeta, a Rede Record e a Rede Mulher já foram acionadas na Justiça por causa de sua programação. O Ministério Público Federal em Brasília recomendou que a Globo retirasse do ar quadros do Zorra Total de conteúdo homofóbico, assim como do programa do apresentador Sérgio Mallandro, da TV Gazeta. No caso das redes Record e Mulher, ambas controladas pela Igreja Universal do Reino de Deus, a reclamação é contra os programas religiosos que discriminam as religiões afrobrasileiras e seus praticantes. Neste caso, a Justiça já concedeu o direito de resposta, que ainda não foi apresentado por causa de um recurso no STJ que adiou a exibição até o julgamento de um pedido de reconsideração das emissoras no TRF-3.

Procurado pela revista Consultor Jurídico, o superintendente de gestão estratégica da Rede TV! Dênis Munhoz disse que entrou em contato com os procuradores que assinaram a ação para tentar um ajustamento de conduta.

Para Munhoz não há a necessidade de uma ação para cassar a concessão da emissora. “A intenção da emissora é fazer uma programação de qualidade e se houver algum problema com algum quadro vamos adequar às sugestões do Ministério Público Federal”, disse Munhoz.

Leia a íntegra da ação

EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DE UMA DAS VARAS CÍVEIS DA SUBSEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO PAULO.

“A que não obrigas os corações humanos, ó fome maldita de ouro?”


(Vergílio, Eneida III, 57)

Assim como o Pato Donald nos cartoons, assim também os desgraçados na vida real recebem sua sova para que os espectadores possam se acostumar com a que eles próprios recebem.

(Adorno e Horkheimer, Dialética do Esclarecimento)

“- Queria dizer ao telespectador que mais de 22 milhões de pessoas estão vendo a gente.”

(João Kleber, durante a exibição do programa Eu vi na TV)

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pelos Procuradores da República infra-assinados, e as organizações da sociedade civil INTERVOZES – COLETIVO BRASIL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL[1], associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ/MF sob o número 06040910/0001-84, sediada nesta capital na Rua Heitor de Souza Pinheiro, 300 – Portal do Morumbi – São Paulo – SP, neste ato representada pelo advogado que subscreve a presente inicial; CENTRO DE DIREITOS HUMANOS, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ/MF sob o número 3895316/0001-87, sediada nesta capital na Rua Araújo, 124 – 2o andar – Centro – São Paulo – SP, neste ato representada pelo advogado que subscreve a presente inicial ASSOCIAÇÃO DA PARADA DO ORGULHO DOS GAYS, LÉSBICAS, BISSEXUAIS E TRANSGÊNEROS DE SÃO PAULO, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ/MF sob o número 03308506/0001-50, sediada nesta capital na Rua Pedro Américo, 32 – 13o andar – Vila Buarque – São Paulo – SP, neste ato representada pelo advogado que subscreve a presente inicial; ASSOCIAÇÃO DE INCENTIVO À EDUCAÇÃO E SAÚDE DE SÃO PAULO – AIESSP, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ/MF sob o número 04188689/0001-80, sediada nesta capital na Avenida Dr. Altino Arantes, 83 – Vila Clementino – São Paulo – SP, neste ato representada pelo advogado que subscreve a presente inicial; AÇÃO BROTAR PELA CIDADANIA E DIVERSIDADE SEXUAL – ABCDS, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ/MF sob o número 07339979/0001-76, sediada na Rua Marechal Floriano, 255 – Vila Gilda – Santo André – SP, neste ato representada pelo advogado que subscreve a presente inicial; e IDENTIDADE – Grupo de Ação pela Cidadania Homossexual, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ/MF sob o número , sediada EM campinas, na Rua 11 de agosto, 260 – sobreloja; vêm respeitosamente à presença de Vossa Excelência propor a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA

COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA

em face da TV ÔMEGA LTDA., empresa concessionária[2] do serviço público federal de radiodifusão de sons e imagens, estação geradora da REDE TV!, inscrita no CNPJ sob o número 02.131.538/0001-60, sediada nesta subseção judiciária, no Município de Barueri – SP, na Rua Bahia, 205 – Alphaville; JOÃO FERREIRA FILHO, também conhecido como JOÃO KLEBER, brasileiro, portador da cédula de identidade RG n.o 9.972.108-6, o qual poderá ser encontrado em um dos seguintes endereços: a) Alameda Tietê, 288 – 2o andar – Jardins – São Paulo – SP; b) Rua Bahia, 205 – Alphaville – Barueri – São Paulo – SP; e UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de direito público, a qual poderá ser citada por intermédio de seus advogados, na Avenida Paulista, 1804 – 20º andar – Cerqueira César – São Paulo – SP; pelas seguintes razões de fato e de direito:


DOS FATOS

Não é de hoje que os programas dirigidos e apresentados pelo réu JOÃO KLEBER na REDE TV são conhecidos por exibirem cenas de humilhação a pessoas do povo, instigação da violência contra grupos discriminados e exploração da miséria humana, em todas as suas formas[3].

Nas listas de programas que mais violam os direitos da pessoa, desde 2004 publicadas pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados[4], os programas comandados por JOÃO KLEBER têm lugar cativo. Aparecem em TODAS elas, à exceção de uma. Em quatro sistematizações, o apresentador é o líder absoluto do nomeado “ranking da baixaria”.

A violação explícita e reiterada a direitos fundamentais é promovida pelo mais torpe[5] dos fins: a obtenção do lucro fácil, auferido com a venda da audiência a um punhado de anunciantes, que parecem não se incomodar em ver a imagem de seus produtos associada a cenas vexatórias e infamantes.

Na disputa por pontos de ibope instituiu-se neste Estado de Direito o vale-tudo entre as emissoras comerciais. Vale expor crianças deformadas, exibir mulheres sendo espancadas, pregar linchamentos de suspeitos, ridicularizar pobres, gays, idosos e deficientes físicos. Só mesmo a Constituição brasileira nada vale, já que é diariamente vilipendiada em comunicações como as feitas por JOÃO KLEBER.

Por certo não é o apresentador o único vaníloquo a promover a destruição simbólica – diante de milhões de espectadores – dos valores que fundam qualquer Estado que se declara republicano. Mas o réu e a emissora que lhe dá suporte são certamente os maiores responsáveis[6] pelo festival de agressões a que todos nós, cidadãos brasileiros, estamos expostos quando sintonizamos um canal comercial de televisão.

Convém apresentar desde logo os fatos específicos que constituem a causa de pedir da ação, para que Vossa Excelência possa ver, por si próprio, por que o Ministério Público Federal vê-se obrigado a vir a juízo. Para facilitar a consulta, as cenas que ilustram o que adiante será exposto foram reunidas em dois anexos CD-R’s[7].

JOÃO KLEBER apresenta atualmente dois programas na emissora ré: “EU VI NA TV”, levado ao ar às segundas-feiras, às 23:30 horas, e “TARDE QUENTE”, veiculado de segunda à sexta-feira às 17 horas, e aos sábados, a partir das 18 horas.

“EU VI NA TV” exibe o famigerado “teste de fidelidade”, no qual mulheres que “traíram” os namorados são agredidas em pleno palco[8], para o deleite da platéia.

O outro programa – “TARDE QUENTE” – veicula, na visão dos dois primeiros Réus, as “melhores e mais engraçadas[9] pegadinhas da TV brasileira [10].


Trata-se, na verdade, de uma interminável seqüência de zombarias feitas a passantes, supostamente incautos. Poderia ser objeto de menoscabo, não fosse a ofensa a dois valores elementares em qualquer sociedade civilizada: o direito à não-discriminação e a dignidade humana. Vejamos.

1. Discriminação em razão da orientação sexual[11].

Ao menos um terço das chacotas levadas ao ar no programa TARDE QUENTE faz referência explícita à orientação sexual dos personagens da cena.

Os títulos de algumas gravações recolhidas falam por si: “Bicha atrevida faz pedestre se passar por gay e apanha”; “Bichas fazem festa no banheiro, irritam as pessoas e apanham”; “Acha que vai ser servido por ‘gostosa’ mas é travesti”; “Ator insiste que pedestre é gay e acaba apanhando”; “Repórter faz pedestre passar por marido de travesti e apanha”.

Há duas situações distintas nas chacotas exibidas: a) o “ator”, travestido de um tosco estereótipo do que a ideologia dominante crê ser “o homossexual”, assedia moral e fisicamente os participantes da cena, provocando-lhes reações de repulsa e violência; b) o “ator” insulta os passantes chamando-lhes de “bicha”, “veado” e “boiola”, todos conhecidos disfemismos empregados para inferiorizar homossexuais do sexo masculino, como registra o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa[12].

Ilustram a primeira situação os seguintes sketchs:

“Machão à paisana tira sarro e apanha de pedestre”[13]

Resumo: “Machão” assusta mulheres, dizendo ser policial, revista bolsas, joga as coisas no chão, e depois usa batom. Em seguida se faz passar por homossexual, dando gritos. Diz que “vai encontrar com seu bofe”. Chama algumas mulheres de “trouxa”.

“Acha que vai se dar bem com gostosa e bate em folgado”[14]

Resumo: Jovem loira oferece a passantes “test-drive de camisinhas”, mas depois chega ator do sexo masculino, e agarra o participante à força, enquanto lhe pergunta se é “ativo ou passivo”.

“Bicha atrevida faz pedestre se passar por gay e apanha”[15]

Resumo: Ator pede que passante leia bilhete em que está escrito “eu sou gay”. Quando passante lê, ator passa a assediá-lo, fingindo ser estereótipo de homossexual.


Para um participante diz: “você chupa bastante, não chupa?” Vários participantes batem no ator.

“Bichas fazem festa no banheiro, irritam as pessoas e apanham”[16]

Resumo: Atores travestidos dizem para participante que está em “inauguração de banheiro gay”. Em seguida o assediam e o agarram.

“Quer se dar bem com gostosa, mas acaba se dando mal”[17]

Resumo: Atriz loira pede para passante segurar pano escuro para que possa mudar de roupa. Atriz troca de papel com estereótipo de homossexual, que assedia e agarra participante. Homem agride fisicamente estereótipo. Comentário de João Kleber: “A loira sai e entra a bichinha”.

“Acha que vai ser servido por ‘gostosa’ mas é travesti”[18]

Resumo: Garçonete de restaurante é travesti, que assedia e agarra participantes.

“Vai engraxar o sapato, leva xaveco e fica furioso”[19]

Resumo: Ator passa a mão na perna de homens, assediando-os.

“Pensa que vai receber massagem de loira e fica furioso”[20]

Resumo: Participante acha que será massageado por jovem loira, mas quando deita na maca é atendido por estereótipo de homossexual, que o agarra à força.

“Cliente pede rabada… mas quando vai comer, a rabada é outra”[21]

Resumo: Participante pede, em um restaurante, uma “rabada”, e em seguida é assediado por estereótipo de homossexual.

“Vai comprar engate e é ‘engatado’ por machão”[22]

Resumo: Participante vai a uma oficina para comprar um “engate” (peça de automóvel) e é agarrado por trás por estereótipo de homossexual.


São exemplos da segunda situação as seguintes encenações:

“Folgado fala que pedestre é ‘gay’ e apanha”[23]

Resumo: Ator pergunta para dois homens o que acham da adoção de crianças por homossexuais. Se o participante responde que é a favor, ator pergunta se “vai adotar um menino ou uma menina”, “quem é a mamãe e quem é o papai” e “se você é a mulher dele”. Os participantes se ofendem e agridem o “entrevistador”. Comentário de João Kleber: “Que é isso??! Chamou os caras de “casalzinho gay’!!”;

“Folgado confunde pedestre e acaba apanhando”[24]

Resumo: “Ator” belisca as nádegas dos passantes. Quando reagem, diz: “Desculpe, pensei que você fosse meu amigo Zé. É que ele rebola assim, meio baitola, como você”; e “é que você parece o Zé, um amigo meio veadinho como você”.

“Falsa pesquisa engana pedestre e se dá mal”[25]

Resumo: Ator pergunta a passantes: “queria saber por que todo viado é surdo”.

“Folgado faz piadinha sem graça e apanha de pedestre”[26]

Resumo: Ator pergunta a pedestre: “- o que é marrom por fora, branca por dentro, e sangra”. Participante não sabe, e ator responde que é a mandioca. Participante não entende, e ator diz: “você já sentou em cima de uma, para saber se não sangra?”. Para um pedestre, ator diz: “esse baitola acha que é macho.”

“Ator insiste que pedestre é gay e acaba apanhando”[27]

“Foi sacanear pedestre e apanhou”[28]

Resumo: “Ator” aperta a mão de passantes, dizendo: “Fui de automóvel e voltei de avião; você é o primeiro viado que pega hoje na minha mão”. Quando passantes saem, “ator” diz: “Vai embora, seu veado”; “careca, bicha”.

Comentário de João Kleber: “essa eu gostei, essa eu gostei, essa foi sensacional”.

“Atrevido procura buraco em pedestre e acaba apanhando”[29]


Resumo: Ator aponta aparelho para nádegas do passante, e em seguida diz que participante está com “buraco muito aberto” e “fora de padrão”.

“Atrevido engana pedestre em ‘assalto’ e apanha”[30]

Resumo: “Ator” simula assalto, deixa passante ficar com as mãos para o alto e sai. Depois outro ator diz que vítima “não pode ver um pau nas suas costas que se arma todo”.

Podemos identificar alguns elementos comuns a todas cenas mencionadas. Elas:

a) naturalizam a oposição “macho” vs. “bicha”, impondo-a como critério geral de diferenciação entre as pessoas, levando o espectador ingênuo a crer que o mundo é naturalmente[31] dividido em homos e heterossexuais;

b) inferiorizam aqueles que nomeiam de “bichas atrevidas”, quer usando a orientação sexual como elemento do crime de injúria[32], quer atribuindo-lhes traços semânticos nitidamente negativos. No pastiche[33] produzido pelos réus, os “homossexuais” não possuem atributos positivos; são párias, inconvenientes, ofensivos, misóginos;

c) simbolizam e legitimam a violência social contra homossexuais, na medida em que a “bicha” encenada termina sempre punida com os socos e chutes dos passantes.

Não pretendemos argüir nexo de causalidade direto entre as emissões dos réus e as centenas de agressões físicas contra homossexuais que ocorrem todos os dias no Brasil. Isso porque O PRÓPRIO PROGRAMA TELEVISIVO DOS RÉUS JÁ É UM ATO DE VIOLÊNCIA SIMBÓLICA CONTRA, PELO MENOS, 20 MILHÕES DE BRASILEIROS.

Especificamente trata-se do que Axel Honneth chamou de “negativa de valor a um modo de viver”[34], feita por intolerantes, incapazes de conviver com múltiplas formas de existência.

Vossa Excelência poderá melhor dimensionar o mal causado pela conduta dos Réus se atentar para o fato de que as ofensas à sexualidade e à dignidade alheias são exibidas durante seis dias por semana, para uma platéia de dezenas de milhões de telespectadores, inclusive crianças e adolescentes.

Mutatis mutandis, seria o mesmo que conceder ao editor de livros gaúcho Siegfried Ellwanger – condenado definitivamente em 2003 pela prática do crime de racismo – um público cativo de milhões de telespectadores para que pudesse transmitir em “horário nobre” suas idéias fascistóides acerca da “mentira do holocausto judeu”. Nas “inocentes” pegadinhas divulgadas pelos dois primeiros Réus há o mesmo insidioso conteúdo de intolerância e preconceito contra o Outro que alimenta as idéias racistas. Em perspectiva psicanalítica, talvez se trate do que Freud chamou de “narcisismo das pequenas diferenças”[35], ovo da serpente do nazifascismo.


Tivéssemos nós, brasileiros, uma cultura de tolerância para com o Outro, a doutrinação dos Réus não encontraria solo para fertilizar. Acontece que a sociedade brasileira pratica, em grande medida, formas de violência simbólica ou física contra negros, pobres, índios, idosos, mulheres, pessoas com deficiência e, também, contra gays, lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis.

Segundo pesquisa[36] realizada pelo Centro Latino Americano em Sexualidade e Direitos Humanos e pelo Instituto de Medicina Social da UERJ durante a 9ª Parada do Orgulho GLBT, no Rio de Janeiro, 64,8% DOS HOMOSSEXUAIS ENTREVISTADOS JÁ HAVIAM SIDO VÍTIMAS DE ALGUM TIPO DE DISCRIMINAÇÃO. Em 33,5% dos casos, isso ocorreu no círculo de amigos e vizinhos; em 27%, no ambiente familiar; em 26,8%, nas escolas e universidades[37]. 55,4% DOS ENTREVISTADOS DISSERAM TER SOFRIDO AGRESSÕES VERBAIS OU AMEAÇAS, EM RAZÃO DE SUA ORIENTAÇÃO SEXUAL; 18,7% RELATARAM TER SOFRIDO VIOLÊNCIA FÍSICA.

Enfim: está claro que os Réus REDE TV e JOÃO KLEBER vêm há anos ofendendo a liberdade de orientação sexual de milhões de brasileiros e, com isso, contribuindo para a legitimação social da homofobia e da intolerância.

A ofensa – convém repetir – consiste em categorizar, inferiorizar e ridicularizar todos cuja orientação do desejo está voltada para pessoas do mesmo sexo. Para tais seres, “cujo único crime é não ter os mesmos gostos que vós”[38], o programa levado ao ar pelos Réus reserva toda a sorte de xingamentos e agressões físicas (“Bicha atrevida faz pedestre se passar por gay e APANHA”, “Bichas fazem festa no banheiro, irritam as pessoas e APANHAM”).

2. Ofensa à dignidade da pessoa humana[39].

Não são os gays os únicos a serem humilhados diante da multidão ávida por construir a própria imagem em negativo[40].

Também pessoas comuns do povo são vítimas de humilhações e constrangimentos no programa “TARDE QUENTE”. Passantes são gratuitamente adjetivados de “trouxas”, “drogas”, “fedidos”, “aleijados”, “cornos”, “otários” e “escrotos”. Mulheres – inclusive senhoras idosas – são chamadas de “galinhas” pelos “atores” contratados pelos Réus (“É chamada de galinha, fica furiosa e folgados apanham”).

Em cena levada ao ar no dia 05 de julho de 2005 (“Homem ameaça apagar pedestres e acaba apanhando”, registrada no anexo CD-Rom), o “ator” se faz passar por assaltante e ameaça uma mulher que, sem saber que se tratava de uma farsa, começa a chorar, sob o riso de escárnio de JOÃO KLEBER.

Em outra cena, a “atriz” indaga a homens acompanhados: “- Você não usa drogas?! Como não, e essa droga de mulher que está aí do seu lado?!” (“Gostosa faz pesquisa, irrita as pessoas e se dá mal”)[41].


São freqüentes, no programa, humilhações a pessoas simples que se dispõem a ajudar alguém em necessidade. Transcrevemos, abaixo, alguns exemplos registrados no CD-Rom juntado aos autos:

”Dinheiro falso faz pedestre entrar em fria e folgado apanha”[42]

Resumo: Passante entra numa fonte para pegar dinheiro a pedido de “ator”, vê que cédula é falsa, e é chamado de “trouxa”.

“Aleijado engana pedestre e entra no tapa”[43]

Resumo: Um “ator” com muletas pede ajuda para atravessar a rua. Tão logo chega do outro lado, tira as muletas, e dá um chute na pessoa que o ajudou.

“Titio atrevido passa a mão nas pessoas e acaba em fria”[44]

Resumo: “Atriz” pede ajuda a pedestre para colocar “ator” que simulava passar mal em um carro. Em seguida, atriz comenta com ator que conseguia “pegar qualquer trouxa”.

“Acha que vai ganhar bolsa de estudo e fica furioso”[45]

Resumo: Quando o passante não sabe responder perguntas há imitação do zurro de um asno. Ator chama participantes de “trouxa”.

“Vai comprar chiclete, é sacaneado e folgado apanha”[46]

Resumo: “Ator” dá bala com corante azul para passantes, e em seguida chama-os de “frescos” e “trouxas”.

“Folgado pede ajuda, solta pum na cara do pedestre e acaba apanhando”[47]

Resumo: o título é auto-explicativo.

“Ajuda gostosa a trocar pneu e acaba se dando mal.”[48]

Resumo: “Atriz” pede para passante trocar o pneu do carro. Depois chega “marido” da “atriz” e chama o participante de “babaca”, “otário” e “mané”.


“’Mudo’ folgado deixa pedestre furioso e entra em fria”[49]

Resumo: “Ator” se faz passar por mudo, e quando passantes cruzam seu caminho, os chama de “trouxas”, “boiolas” e “feiosas”.

“Vai dar informação para folgado e acaba se dando mal”[50]

Resumo: “Ator” pergunta a passantes onde fica o banheiro. Enquanto respondem, ator simula urinar em cima da pessoa.

Indagamos a Vossa Excelência que direito tem os Réus REDE TV e JOÃO KLEBER de usar uma concessão do povo para enriquecer à custa da humilhação feita a pessoas comuns. O poder-dever de explorar o serviço público de radiodifusão (CR, art. 21, XII, “a”) acaso confere à concessionária o direito de aviltar a boa fé e a dignidade alheias, em nome da mais desprezível das ambições? Como em qualquer outra concessão, não há normas de observância obrigatória pela empresa que explora o serviço?

O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL noticia que tentou, exaustivamente, evitar a propositura da presente ação. Consoante atestam os documentos anexos[51], chegou, inclusive, a propor a celebração de termo de ajustamento de conduta pelo qual os dois primeiros demandados obrigar-se-iam tão somente a cumprir os preceitos constitucionais de proteção a direitos fundamentais. A proposta foi rejeitada porque a emissora ré “não visualizou (sic) motivos para firmar, junto ao MPF, o documento sugerido”.

Não restou ao MINISTÉRIO PÚBLICO, portanto, outro meio senão vir a juízo pedir a ação protetora do Estado em defesa dos mais altos valores desta República.

DO DIREITO

1. Direito de não ser discriminado em razão da orientação sexual.

Como se sabe, o artigo 5º, caput, da Constituição declara o direito geral de igualdade nos seguintes termos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

A redação do artigo é manifestamente hiperbólica, pois é evidente que não há o dever de assegurar a igualdade de todos com relação a todas as posições jurídicas. A própria Constituição, em diversos dispositivos[52], estabelece distinções entre pessoas e situações, sem que haja, por isso, ofensa ao princípio em questão.

O que é preciso perquirir, na verdade, é se há alguma justificativa legítima que autorize a diferenciação. Pois, na precisa formulação de Robert Alexy, “se não há nenhuma razão suficiente para a permissão de um tratamento desigual, então está ordenado o tratamento igual[53].


Pensamos já ter suficientemente demonstrado que os réus vêm se valendo do critério “orientação sexual” para inferiorizar e humilhar aqueles cujo desejo é dirigido a pessoas do mesmo sexo. Em outras palavras, os réus estão conferindo tratamento desigual entre as pessoas.

Resta, então, indagar se há alguma “razão suficiente” para que a orientação sexual de milhões de brasileiros seja cotidianamente aviltada pelo programa TARDE QUENTE, de responsabilidade dos réus JOÃO KLEBER e REDE TV.

É evidente que não há.

Talvez nem seja preciso lembrar que o artigo 3°, inciso IV, da Constituição estabelece, como objetivo fundamental da República, a promoção do bem de todos “sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

E que o artigo 5° da mesma Lei Fundamental assegura a todos os brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à liberdade (inclusive a liberdade de escolha do parceiro sexual), à honra e à intimidade[54].

E ainda que em um Estado democrático não é lícito a ninguém impor seus ideais de excelência humana, nem suas concepções de moralidade auto-referente[55], ainda que compartilhadas pela maioria.

A transmissão reiterada de chacotas dirigidas a homossexuais constitui, portanto, autêntica discriminação atentatória aos direitos e liberdades fundamentais, e deve ser reprimida com todo o rigor pelo Estado brasileiro, como, aliás, determina o artigo 5°, inciso XLI, da Constituição.

Afinal a “falta de proteção judicial contra essas ações simbólicas” também representa “um consentimento, uma cumplicidade com esta violência diuturna. Ela é uma evidência da denegação de igualdade plena”[56].

2. Respeito à dignidade da pessoa.

A formulação de Kant é conhecida:

“Tudo tem um preço ou uma dignidade. Aquilo que tem um preço pode ser muito bem substituído por qualquer outra coisa, a título de equivalente; ao contrário, AQUILO QUE É SUPERIOR A TODO PREÇO, AQUILO QUE POR CONSEGÜINTE NÃO ADMITE EQUIVALENTE, É ISTO QUE POSSUI UMA DIGNIDADE.”[57]

No programa televisivo de responsabilidade dos réus, todavia, a dignidade humana não só admite equivalente, como também possui, literalmente, um preço. Custa R$ 13.424,00, valor cobrado para uma inserção comercial nacional de 30 segundos no programa[58].


Em troca da paga, os réus exibem intermináveis flagrantes de violação da dignidade humana a um público virtual[59] de 131.874.053 de brasileiros, majoritariamente formado por pessoas de média e baixa rendas[60], e que muitas vezes não dispõe de outra opção de lazer que não assistir a sete ou oito canais da televisão aberta.

A dignidade humana – nunca é demais lembrar –constitui o fundamento último deste Estado (CR, art. 1º, III) e é o valor de onde emanam todos os direitos da pessoa.

Muito embora, como ressalta Ingo Wolfgang Sarlet, o princípio constitucional da dignidade humana constitua uma “categoria axiológica aberta, sendo inadequado conceituá-lo de maneira fixista”[61], é perfeitamente possível definir-lhe alguns contornos que autorizem decidir, no caso concreto, se houve ou não ofensa ao fundamento maior da ordem comunitária.

Para Dürig, por exemplo, a dignidade da pessoa humana pode ser considerada atingida sempre que a pessoa for rebaixada a objeto, a mero instrumento, tratada como uma coisa, privada, portanto, de sua condição de sujeito de direitos[62].

Pérez Luño, em sentido convergente, salienta que o princípio implica a afirmação positiva do pleno desenvolvimento da personalidade de cada indivíduo, e também “la garantía negativa de que la persona no va a ser objeto de ofensas o humillaciones[63].

Ora, humilhar pessoas comuns, chamando-as de “galinhas”, “trouxas”, “cornos” e “escrotos” e submetendo-as a situações constrangedoras, é justamente a especialidade do programa TARDE QUENTE, como já visto.

Ante a omissão criminosa dos órgãos administrativos da UNIÃO incumbidos de fiscalizar as concessões públicas de rádio e TV, cabe à Justiça brasileira conferir plena efetividade ao princípio constitucional fundador da ordem social, fazendo cessar, imediatamente, as humilhações e constrangimentos praticados por uma concessionária do serviço público federal de radiodifusão.

3. Violação das normas constitucionais e infraconstitucionais que regulam o serviço público de radiodifusão.

É importante dizer que, ao contrário do que pensa o senso-comum, a emissora Ré não é “proprietária” do canal em que opera. É, na verdade, uma concessionária do serviço público federal de radiodifusão de sons e imagens[64], e, como tal, está sujeita às normas de direito público que regulam este setor da ordem social.

Justifica-se o regime jurídico de direito público porque, diversamente do que acontece nas mídias escritas, as emissoras de rádio e TV operam um bem público escasso: o espectro de ondas eletromagnéticas por onde se propagam os sons e as imagens.


Trata-se de um bem público de interesse de todos os brasileiros, pois somente por intermédio da televisão e do rádio é possível a plena circulação de idéias no país. A imprensa escrita, como se sabe, não alcança número expressivo de leitores, e a Internet, espaço democrático, quase anárquico, de comunicação global, ainda tem um universo de usuários muito restrito.

Como esperamos já ter demonstrado, a empresa Ré vem, há anos, usando o bem público que lhe foi temporariamente concedido para negar os valores fundamentais declarados na Constituição.

Ao fazê-lo, descumpre o artigo 221 da Constituição, que obriga as emissoras a respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família, dentre os quais se encontram, indubitavelmente, a dignidade humana, a igualdade de todos e o respeito à honra, à liberdade e à privacidade alheias.

Descumpre também o artigo 53, alíneas “a” e “h”, do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei Federal n.º 4.117/62), pois ofende a moralidade pública e incita a multidão que assiste ao programa a desobedecer a Lei maior do país.

Descumpre, finalmente, o artigo 28 do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto Presidencial nº 52.795/63), que obriga as concessionárias a “subordinar os programas de informação, divertimento, propaganda e publicidade às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão” e a “não transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico”.

Ora, como observa Rodolfo de Camargo Mancuso,

“Lendo-se os dispositivos que regem a programação televisiva à luz do que visa garantir a liberdade de iniciativa e a livre concorrência (CF, art. 170, caput e inciso IV), chega-se a esta exegese: É AUTORIZADA A EXPLORAÇÃO COMERCIAL DA DIFUSÃO TELEVISIVA PRIVADA, COM NATURAL APROPRIAÇÃO DOS LUCROS DAÍ RESULTANTES, DESDE QUE VENHAM OBSERVADOS OS PRINCÍPIOS E GUARDADAS AS RESTRIÇÕES ESPECIFICADAS PARA TAL ATIVIDADE. Em suma, livre iniciativa com responsabilidade social; lucro empresarial sem capitalismo selvagem.

De outra parte, deve o intérprete precatar-se de não baralhar o entendimento do que seja um padrão básico de qualidade na programação televisiva, em face de textos outros que em verdade apenas reflexamente tangenciam aquele tema, tais os que vedam a censura artística e garantem a liberdade de expressão (CF, art. 220, caput e § 2º). Aí, a nosso ver, não se trata do fenômeno conhecido por colisão entre preceitos constitucionais, visto não ser razoável pretender-se que os valores liberdade de expressão e vedação de censura prévia viessem preservados às custas do aniquilamento de outros preceitos constitucionais reguladores de uma atividade que é estritamente regulada, como se passa com a radiodifusão de sons e imagens.

Sem esses cuidados, o intérprete pode tomar a nuvem por Juno, extraindo dos textos de regência o que neles não se contêm, porque É EVIDENTE QUE NÃO ESTEVE NA INTENÇÃO DO CONSTITUINTE FRANQUEAR UM LAISSEZ FAIRE, JUSTAMENTE NA PROGRAMAÇÃO TELEVISIVA, ATIVIDADE PARA A QUAL A PRÓPRIA CONSTITUIÇÃO FIXOU PARÂMETROS COGENTES. SERIA NO MÍNIMO ESTRANHÁVEL, escreve José Carlos Barbosa Moreira, ‘QUE SE HOUVESSE DE DEIXAR A DETERMINAÇÃO AO ARBÍTRIO DAS EMISSORAS, ISTO É, DOS PRÓPRIOS INFRATORES POTENCIAIS OU ATUAIS…’”[65]


O descumprimento reiterado das normas que regulam o serviço dá ensejo à CASSAÇÃO DA CONCESSÃO PÚBLICA outorgada à emissora, mediante decisão judicial, nos termos do disposto no artigo 64 da Lei Federal n.º 4.117/62 c.c. o art. 223, § 4º, da Constituição. É o que será pedido adiante.

CABIMENTO DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

O Ministério Público Federal e as organizações da sociedade civil litisconsortes desejam esclarecer que não estão em juízo para defender o direito individual dos participantes das “pegadinhas”.

A busca dos Autores é pelo reconhecimento do direito de milhões de brasileiros a uma programação televisiva que respeite os direitos fundamentais.

Trata-se de legítimo INTERESSE DIFUSO, como já apontou Barbosa Moreira, em artigo sobre o tema:

O INTERESSE EM DEFENDER-SE ‘DE PROGRAMAS OU PROGRAMAÇÕES DE RÁDIO E TELEVISÃO QUE CONTRARIEM O DISPOSTO NO ART. 221’ ENQUADRA-SE COM JUSTEZA NO CONCEITO DE INTERESSE DIFUSO. (…) Com efeito: em primeiro lugar, ele se caracteriza, à evidência, como ‘TRANSINDIVIDUAL’, já que não pertence de modo singularizado, a qualquer dos membros da comunidade, senão a um conjunto indeterminado – e, ao menos para fins práticos, indeterminável – de seres humanos. Tais seres ligam-se uns aos outros pela mera circunstância de fato de possuírem aparelhos de televisão ou, na respectiva falta, costumarem valer-se do aparelho do amigo, do vizinho, do namorado, do clube, do bar da esquina ou do salão de barbeiro. E ninguém hesitará em qualificar de INDIVISÍVEL o objeto de semelhante interesse, no sentido de que cada canal, num dado momento, transmite a todos a mesma e única imagem, nem se concebe modificação que se dirija só ao leitor destas linhas ou ao rabiscador delas”[66].

O direito aqui invocado é de natureza indivisível também por outro motivo: funda-se no princípio da solidariedade como dever jurídico fundamental.

A discriminação e as humilhações exibidas pelos réus não atingem apenas um ou outro indivíduo ou grupo social. Os lesados somos todos.

A solidariedade, ensina Fábio Konder Comparato,

“(…) prende-se à idéia de responsabilidade de todos pelas carências ou necessidades de qualquer indivíduo ou grupo social. É a transposição, no plano da sociedade política, da obligatio in solidum do direito privado romano. O fundamento ético desse princípio encontra-se na idéia de justiça distributiva, entendida como a necessária compensação de bens e vantagens entre as classes sociais, com a socialização dos riscos normais da existência humana”[67].

Em registro mais literário, escreve Albert Camus: “a revolta não nasce exclusiva e forçosamente nos oprimidos, mas pode igualmente surgir perante o espetáculo da opressão de que outrem seja vítima (…). O indivíduo não é por si só esse valor que quer defender. É preciso pelo menos todos os homens para o formar[68].


O argumento de que uma parcela dos espectadores apóia os preconceitos exibidos não serve para afastar o cabimento da ação coletiva. Isto porque, como bem lembrou Rodolfo de Camargo Mancuso, é justamente no embate de coletividades extensas – uma parte posicionando-se contra, e outra a favor de um padrão básico de qualidade na programação televisiva – que repousa uma das notas mais típicas dos interesses difusos, que é a sua intrínseca conflituosidade[69].

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL E LEGITIMIDADE ATIVA

Pensamos que já está suficientemente esclarecido o motivo da demanda ter sido proposta perante a Justiça Federal: A UNIÃO FIGURA NO PÓLO PASSIVO DA AÇÃO e a EMPRESA RÉ É CONCESSIONÁRIA DE UM SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL, como se depreende da leitura dos arts. 21, inciso XII, “a”, e 223 da Constituição.

Como em qualquer concessão pública, tem o poder concedente – no caso, a UNIÃO – o DEVER[70] DE FISCALIZAR o cumprimento das obrigações legais e contratuais impostas aos concessionários, e também a RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA por danos causados a terceiros no exercício do serviço delegado[71].

Uma vez que o órgão do Ministério das Comunicações incumbido[72] de fiscalizar as emissoras concessionárias queda-se HÁ ANOS totalmente inerte, cabe ao Ministério Público, na qualidade de defensor da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CR, art. 127), pleitear em juízo as medidas necessárias e suficientes à reparação do mal causado e à aplicação da sanção contra os faltosos.

A propósito, o art. 5º, inciso IV, da Lei Orgânica do Ministério Público da União (Lei Complementar Federal n.º 75/93), confere ao Ministério Público Federal atribuição expressa para “zelar pelo efetivo respeito dos meios de comunicação social aos princípios, garantias, condições, direitos, deveres e vedações previstos na Constituição Federal e na lei, relativos à comunicação social”.

Como o Ministério Público Federal é órgão da União, e os réus demandados são a própria União e a prestadora do serviço público federal concedido, a ação coletiva deve ser, obrigatoriamente, proposta perante a Justiça Federal, consoante dispõe o art. 109, inciso I, da Constituição.

A legitimidade ativa das associações civis autoras decorre de permissivo legal expresso (o art. 5º da Lei Federal n.º 7.347/85).

DOS PEDIDOS

Os pedidos que serão adiante formulados partem dos seguintes pressupostos já enunciados:

a) há uma ação ilícita continuada praticada pelos dois primeiros réus;


b) a ação consiste na transmissão quase diária de mensagens preconceituosas e ofensivas à dignidade humana, à liberdade de orientação sexual, à privacidade e à honra das pessoas;

c) o Estado brasileiro – aqui compreendido o Poder Judiciário – tem o dever de proteger tais direitos contra a ação ilícita promovida pelos réus;

d) as mensagens transmitidas alcançam dezenas de milhões de pessoas porque a emissora ré é concessionária do serviço público federal de radiodifusão de sons e imagens;

e) não foi garantido aos Autores – ou a outras organizações da sociedade civil – o direito de responder aos preconceitos transmitidos em condições de “igualdade comunicativa” (kommunikative Chancengleichheit);

f) sem prejuízo das tutelas inibitórias específicas que serão adiante formuladas, a ação ilícita continuada da emissora enseja também a aplicação de duas sanções, de natureza distinta: a SANÇÃO CIVIL – equivalente à indenização pelos danos morais causados à toda coletividade – e a SANÇÃO ADMINISTRATIVA, correspondente à cassação da concessão pública outorgada, mediante sentença judicial, conforme dispõe o art. 223, § 4º, da Constituição.

Compartilham os Autores da concepção de que o art. 5º, inciso XXV, da Constituição assegura a todos não só o direito de ação, mas o DIREITO À TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA, EFETIVA E TEMPESTIVA. Pois, como bem diz Luiz Guilherme Marinoni,

“Não teria cabimento entender, com efeito, que a Constituição da República garante ao cidadão que pode afirmar uma lesão ou uma ameaça a direito apenas e tão-somente uma resposta, independentemente de ser ela efetiva e tempestiva. Ora, SE O DIREITO DE ACESSO À JUSTIÇA É UM DIREITO FUNDAMENTAL, PORQUE GARANTIDOR DE TODOS OS DEMAIS, NÃO HÁ COMO SE IMAGINAR QUE A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PROCLAMA APENAS QUE TODOS TÊM O DIREITO A UMA MERA RESPOSTA DO JUIZ. O DIREITO A UMA MERA RESPOSTA DO JUIZ NÃO É SUFICIENTE PARA GARANTIR OS DEMAIS DIREITOS, E, PORTANTO, NÃO PODE SER PENSADO COMO UMA GARANTIA FUNDAMENTAL DE JUSTIÇA. (…) Como diz Camoglio, o problema crucial do acesso à justiça está, em última análise, na efetividade da tutela jurisdicional. Não basta reconhecer, em abstrato, a libertà di agire e garantir a todos, formalmente, a oportunidade de exercer a ação. Limitar-se a tal configuração, no catálogo tradicional das liberdades civis, significa desconhecer o sentido profundamente inovador dos direitos sociais de liberdade, em seus inevitáveis reflexos sobre a administração da justiça. Cabe, portanto – prossegue o professor da Universidade de Pavia -, ASSEGURAR A QUALQUER INDIVÍDUO, independentemente das suas condições econômicas e sociais, A POSSIBILIDADE, SÉRIA E REAL, DE OBTER A TUTELA JURISDICIONAL ADEQUADA”[73].

PEDIDOS DE CONCESSAO DE TUTELA ANTECIPATÓRIA INIBITÓRIA

A tutela inibitória destina-se a impedir a prática, repetição ou continuação do ilícito. Difere da tutela ressarcitória porque esta volta-se à reparação do dano causado ao direito material, ao passo que aquela diz respeito à imposição de meios coercitivos capazes de convencer o obrigado a não fazer ou a cumprir uma obrigação de fazer infungível[74].


A ação inibitória é indispensável à efetividade da tutela dos direitos fundamentais, já que, como observa Marinoni, esses direitos dependem, primordialmente, “de obrigações continuativas de não-fazer, ou de obrigações de fazer infungíveis ou dificilmente passíveis de execução através das formas tradicionais da ‘execução forçada’”:

“Os direitos de personalidade não podem ser garantidos adequadamente por uma espécie de tutela que atua apenas após a lesão ao direito. ADMITIR QUE TAIS DIREITOS SOMENTE PODEM SER TUTELADOS ATRAVÉS DA TÉCNICA RESSARCITÓRIA É O MESMO QUE DIZER QUE É POSSÍVEL A EXPROPRIAÇÃO DESTES DIREITOS, TRANSFORMANDO-SE O DIREITO AO BEM EM DIREITO À INDENIZAÇÃO. NÃO É PRECISO LEMBRAR QUE TAL ESPÉCIE DE EXPROPRIAÇÃO SERIA ABSURDA QUANDO EM JOGO DIREITOS INVIOLÁVEIS DO HOMEM”[75].

Por esse motivo, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva corresponde, no caso dos direitos não-patrimoniais, “ao DIREITO A UMA TUTELA CAPAZ DE IMPEDIR A VIOLAÇÃO DO DIREITO. A ação inibitória, portanto, é absolutamente indispensável em um ordenamento que se funda na ‘dignidade da pessoa humana’ e que se empenha em realmente garantir – e não apenas em proclamar – a inviolabilidade dos direitos da personalidade[76].

Ora, como já ficou demonstrado, o programa televisivo TARDE QUENTE, de responsabilidade dos Réus JOÃO KLEBER e REDE TV, vem de forma continuada ofendendo os direitos invioláveis à dignidade humana, à liberdade, à igualdade, à honra e à privacidade de milhões de brasileiros.

OU O ESTADO BRASILEIRO CONTINUA A ASSISTIR PASSIVAMENTE AO FESTIVAL DE VIOLAÇÕES A DIREITOS FUNDAMENTAIS PATROCINADO PELA REDE TV, OU ENTÃO, CORAJOSAMENTE, OBRIGA A EMISSORA A CUMPRIR AS NORMAS DE DIREITO PÚBLICO QUE INCIDEM SOBRE A CONCESSÃO, FAZENDO CESSAR, IMEDIATAMENTE, OS PRECONCEITOS E OFENSAS EXIBIDOS PELO PROGRAMA “TARDE QUENTE”. TERTIUM NON DATUR.

A SUSPENSÃO DEFINITIVA DA VEICULAÇÃO DO PROGRAMA E DE SUAS FAMIGERADAS “PEGADINHAS” É MEDIDA IMPRESCINDÍVEL, PORÉM INSUFICIENTE PARA COMBATER O MAL CAUSADO pela repetição, durante anos, das mensagens preconceituosas e ofensivas transmitidas pelos réus.

É obrigatório, também, propiciar o que Jorge Miranda denominou de “pluralismo interno”, isto é, a “POSSIBILIDADE DE EXPRESSÃO E CONFRONTO DAS DIVERSAS CORRENTES DE OPINIÃO – tomando opinião no sentido mais amplo para abarcar quer a opinião política quer a religiosa e filosófica”[77] – NO INTERIOR DA PRÓPRIA EMISSORA.

Isto porque, como advertia Stuart Mill em seu conhecido libelo a favor da liberdade de expressão,

“O único modo pelo qual é possível a um ser humano tentar aproximar-se de um conhecimento completo acerca de um assunto é ouvindo o que podem dizer sobre isso pessoas de grande variedade de opiniões, e estudando todos os aspectos em que o podem considerar os espíritos de todas as naturezas (…). O hábito constante de corrigir e completar a própria opinião cotejando-a com a de outros, longe de gerar dúvidas e hesitações ao pô-la em prática, constitui o único fundamento estável para que nela se tenha justa confiança”[78].


Durante anos os dois primeiros réus vêm se valendo da omissão do poder concedente para disseminar mensagens de intolerância e preconceito. Seria injusto permitir que a emissora em questão simplesmente substitua o programa TARDE QUENTE por outro do mesmo “nível”, sem que seja assegurado à sociedade civil organizada o direito de, ao menos durante algumas semanas, fazer a devida contrapropaganda, de forma a permitir que o público forme suas convicções a partir do confronto de idéias, e não do monólogo da emissora.

A falta de previsão legal específica não constitui óbice válido para impedir a concessão da tutela ora requerida. Pois, como bem diz Cândido Rangel Dinamarco,

“A crescente e visível tendência moderna à universalização da jurisdição desautoriza o abuso de bolsões de direitos ou interesses não-jurisdicionalizáveis e impõe que na maior medida possível possa o Poder Judiciário ser o legítimo e eficiente portador de tutela a pretensões justas e insatisfeitas. O exagero na exclusão da jurisdicionalidade alimentaria a litigiosidade contida e, com isso, minaria a realização de um dos objetivos do Estado”[79]. Portanto, “EM PROCESSO CIVIL, A DETERMINAÇÃO DA POSSIBILIDADE JURÍDICA FAZ-SE EM TERMOS NEGATIVOS, DIZENDO-SE QUE HÁ IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA QUANDO O ESTADO, SEM LEVAR EM CONTA AS CARACTERÍSTICAS PECULIARES DA SITUAÇÃO JURÍDICA CONCRETA, NEGA APRIORISTICAMENTE O PODER DE AÇÃO AO PARTICULAR. INEXISTINDO RAZÃO PREPONDERANTE OU EXPRESSA VEDAÇÃO LEGAL, A AÇÃO É ADMISSÍVEL”[80].

Ademais, é perfeitamente possível aplicar à lide, por analogia, os preceitos que cuidam da contrapropaganda inseridos no Código de Defesa do Consumidor. O artigo 60 do Código autoriza a imposição da contrapropaganda “quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator”.

O § 1º do mesmo artigo determina que “a contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, freqüência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva”.

A conduta dos Réus JOÃO KLEBER e REDE TV é assemelhada à publicidade abusiva, porque, nos termos do art. art. 37, § 2°, do Código de Defesa do Consumidor, é abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza e a que incite à violência, explore o medo ou a superstição do público.

Considerando, ainda, que o acesso à informação é direito fundamental da pessoa, reconhecido no art. 5º, inciso XIV, da Constituição, compreende-se porque é preciso, no presente caso, desfazer o malefício causado pelas mensagens abusivas, através da garantia da contrapropaganda.

Tanto a Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal n.º 7.347/85) quanto o art. 461 do Código de Processo Civil autorizam a concessão da tutela antecipatória inibitória específica.

A medida preventiva é cabível, nos termos do § 3o do art. 461 do CPC, quando for “relevante o fundamento da demanda” e houver “justificado receio de ineficácia do provimento final”.


Pensam os Autores desta ação que a relevância da demanda já está suficiente demonstrada.

Diversamente das ações que costumam ser propostas perante a Justiça Federal, a presente demanda não versa sobre direitos patrimoniais de contribuintes. Ela busca tutelar a liberdade, a igualdade e a dignidade dos telespectadores brasileiros, que não suportam mais assistir às humilhações e preconceitos veiculados ad nauseam no programa dos primeiros Réus.

Para esses brasileiros, apenas a concessão do provimento jurisdicional antecipado servirá para proteger, de modo efetivo, os direitos não-patrimoniais de que são titulares. A outra opção – aguardar anos até a prolação da sentença definitiva – importaria em admitir que os direitos fundamentais invioláveis aqui invocados podem continuar a ser violados até final decisão judicial, o que evidentemente é um absurdo.

POR TODO O EXPOSTO, PLEITEIAM OS AUTORES A CONCESSÃO DE TUTELA ANTECIPATÓRIA INIBITÓRIA PARA O FIM DE:

a) ORDENAR AOS RÉUS REDE TV e JOÃO KLEBER QUE SE ABSTENHAM DEFINTIVAMENTE DE EXIBIR O PROGRAMA “TARDE QUENTE” E O QUADRO “PEGADINHAS”, NELE VEICULADO;

b) ORDENAR QUE A EMISSORA RÉ EXIBA, À TÍTULO DE CONTRAPROPAGANDA, DURANTE 60 (SESSENTA) DIAS, NO MESMO VEÍCULO, LOCAL, ESPAÇO E HORÁRIO DA TRANSMISSÁO IMPUGNADA, OS PROGRAMAS DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS PRODUZIDOS E/OU INDICADOS PELOS AUTORES DA AÇÃO;

c) PARA TORNAR EXEQUÍVEL A MEDIDA REQUERIDA NO ITEM ANTERIOR, ORDENAR QUE OS RÉUS REDE TV e JOÃO KLEBER SEJAM COMPELIDOS A FORNECER A ESTRUTURA E O PESSOAL TÉCNICO NECESSÁRIO (câmeras, operadores de áudio e de vídeo, cabos, técnicos de iluminação, eletricistas, operadores de VT etc.) E TAMBÉM A PAGAR OS CUSTOS DE PRODUÇÃO E EDIÇÃO, ATÉ O LIMITE DE R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), POR PROGRAMA;

d) ORDENAR QUE O ÓRGÃO DA UNIÃO FEDERAL COMPETENTE (a Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações) proceda ao IMEDIATO MONITORAMENTO DOS DEMAIS PROGRAMAS EXIBIDOS PELA EMISSORA RÉ, sobretudo aqueles arrolados no “ranking da baixaria”, periodicamente divulgado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados;

e) DETERMINAR A IMPOSIÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA DIÁRIA, em valor não inferior a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), com fundamento no art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil, para a hipótese de DESCUMPRIMENTO das ordens judiciais requeridas nos itens anteriores.

PEDIDOS DE PROVIMENTO CONDENATÓRIO E DESCONSTITUTIVO APÓS COGNIÇAO EXAURIENTE


1. Condenação dos Réus JOÃO KLEBER e REDE TV ao pagamento de indenização por dano moral coletivo.

Como ensina Carlos Alberto Bittar Filho,

“(…) O DANO MORAL COLETIVO É A INJUSTA LESÃO DA ESFERA MORAL DE UMA DADA COMUNIDADE, OU SEJA, É A VIOLAÇÃO ANTIJURÍDICA DE UM DETERMINADO CÍRCULO DE VALORES COLETIVOS. Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu aspecto imaterial.”[81]

A possibilidade jurídica do pedido de indenização por dano moral coletivo decorre de expresso dispositivo legal: o art. 1º, caput, da Lei da Ação Civil Pública (Lei Federal n° 7.347/85):

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, AS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE POR DANOS MORAIS e patrimoniais causados (…) A QUALQUER outro INTERESSE DIFUSO OU COLETIVO. .

Há, no caso, o dever de indenizar porque a conduta ilícita continuada praticada no programa TARDE QUENTE ofendeu, diante de uma platéia de milhões de telespectadores, valores fundamentais compartilhados por todos os brasileiros.

A responsabilidade dos Réus REDE TV e JOÃO KLEBER é solidária, uma vez que decorre da prática de ato ilícito para o qual ambos concorreram[82].

Como observa Carlos Alberto Bittar, O VALOR DEVIDO a título de indenização pelos danos morais coletivos

“(…) deve traduzir-se em MONTANTE QUE REPRESENTE ADVERTÊNCIA AO LESANTE E À SOCIEDADE DE QUE SE NÃO SE ACEITA O COMPORTAMENTO ASSUMIDO, OU O EVENTO LESIVO ADVINDO. Consubstancia-se, portanto, em IMPORTÂNCIA COMPATÍVEL COM O VULTO DOS INTERESSES EM CONFLITO, REFLETINDO-SE DE MODO EXPRESSIVO, NO PATRIMÔNIO NO PATRIMÔNIO DO LESANTE, A FIM DE QUE SINTA, EFETIVAMENTE, A RESPOSTA DA ORDEM JURÍDICA AOS EFEITOS DO RESULTADO LESIVO PRODUZIDO. DEVE, POIS, SER QUANTIA ECONOMICAMENTE SIGNIFICATIVA, EM RAZÃO DAS POTENCIALIDADES DO PATRIMÔNIO DO LESANTE. Coaduna-se essa postura, ademais, com a própria índole da teoria em debate, possibilitando que se realize com maior ênfase, a sua função inibidora de comportamentos. Com efeito, o peso do ônus financeiro é, em um mundo em que cintilam interesses econômicos, a resposta pecuniária mais adequada a lesionamentos de ordem moral.”[83]

O faturamento bruto anual anunciado pela emissora Ré é de R$ 200.000.000,00 (duzentos milhões de reais).

É preciso considerar também que: a) o programa impugnado é exibido para um público virtual de 131.874.053 de brasileiros; b) as ofensas são transmitidas em horário livre, durante todos dias da semana (exceto aos domingos), e alcançam praticamente todo o território nacional; c) a conduta ilícita vem se repetindo há anos; d) os Réus têm pleno conhecimento da ilicitude do fato e recusaram a composição amigável da lide.


Por essas razões, entendem os Autores que é mais do que razoável a FIXAÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS NO VALOR DE R$ 20.000.000,00 (VINTE MILHÕES DE REAIS), EQUIVALENTE A 10% DO FATURAMENTO BRUTO ANUNCIADO DA EMISSORA.

2. Cassação da concessão pública outorgada à emissora ré.

Como ocorre em TODOS os serviços públicos cuja exploração é deferida a particulares, também as concessões do serviço de radiodifusão de sons e imagens estão sujeitas a normas de direito público, de caráter cogente.

Justifica-se o regime jurídico não-privatista porque, na dicção de Celso Antônio Bandeira de Mello, os serviços concedidos estão “inamovivelmente sediados na esfera pública, razão porque não há transferência da titularidade dos serviços para o particular[84].

Como em qualquer outra concessão pública, também na outorga do serviço de radiodifusão o concedente dispõe de uma série de “poderes-deveres” em face do concessionário, dentre os quais o poder regulamentar e o poder de aplicar sanções administrativas ao concessionário inadimplente.

Como já visto, a emissora Ré vem reiteradamente descumprindo as seguintes normas regulamentares, de natureza cogente, que incidem sobre a concessão:

a) o artigo 221 da Constituição, que obriga as concessionárias a respeitar os valores éticos e sociais da pessoa e da família;

b) o artigo 53 do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei Federal n.º 4.117/62), que tipifica, como infração administrativa, o emprego da concessão para “incitar a desobediência às leis ou decisões judiciárias”, “veicular notícias falsas, com perigo para ordem pública, econômica e social” e “ofender a moral familiar pública ou os bons costumes[85];

c) o artigo 28 do Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto Presidencial nº 52.795/63) que obriga as concessionárias a “subordinar os programas de informação, divertimento, propaganda e publicidade às finalidades educativas e culturais inerentes à radiodifusão” e a “não transmitir programas que atentem contra o sentimento público, expondo pessoas a situações que, de alguma forma, redundem em constrangimento, ainda que seu objetivo seja jornalístico”.

As sanções administrativas para a concessionária faltosa estão tipificadas no art. 59 do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei Federal n.º 4.117/62). São elas: a) multa até o valor de NCr$ 10.000,00; b) suspensão, até 30 (trinta) dias; e c) cassação da concessão.

A pena de cassação da concessão pública – isto é, a rescisão unilateral do contrato celebrado – é cabível nas hipóteses elencadas no art. 64 do mesmo Código, dentre elas, “a infringência do artigo 53 (acima citado) e a “reincidência em infração anteriormente punida com suspensão”.


Além de infringir as alíneas “a”, “h” e “j” do art. 53 do Código Brasileiro de Telecomunicações, a emissora ré também cometeu – e continua cometendo – o crime de injúria contra as pessoas que participam das “pegadinhas”, crime esse tipificado no art. 22 da Lei 5.250/67.

Ora, o art. 63, alínea “b”, do Código Brasileiro de Telecomunicações autoriza a imposição da pena de suspensão justamente na hipótese de infração à Lei Federal n.º 5.250/67. Como a Ré é reincidente nessa infração, também é cabível a aplicação da pena de cassação da concessão, com fundamento no art. 64, alínea “b”, do mesmo Código.

Ocorre que a Constituição brasileira excepcionou, no art. 223, § 4º, a regra geral que faculta à Administração Pública o poder de “cancelar” [rectius: rescindir unilateralmente] os contratos de concessão do serviço público de radiodifusão. Segundo a norma constitucional, “o cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo, DEPENDE DE DECISÃO JUDICIAL”.

O que se está a pleitear a Vossa Excelência, portanto, é a RESCISÃO JUDICIAL do contrato de concessão do serviço de radiodifusão, celebrado entre a União e a emissora Ré.

O fundamento do pedido de desconstituição da relação jurídica é o reiterado inadimplemento, pela concessionária ré, das normas regulamentares de caráter cogente que incidem sobre a prestação do serviço.

Trata-se, convém repetir, de sanção administrativa tipificada no art. 64 do Código Brasileiro de Telecomunicações, cuja imposição só pode ser feita mediante decisão JUDICIAL definitiva. Daí a razão do pedido.

SÍNTESE DOS PEDIDOS FORMULADOS E REQUERIMENTOS FINAIS

Em síntese, Excelência, os Autores estão em juízo para pedir[86]:

1. A concessão de TUTELA ANTECIPATÓRIA INIBITÓRIA DE EFEITOS NACIONAIS[87] para, com fundamento no art. 461 do Código de Processo Civil:

ORDENAR QUE OS RÉUS SE ABSTENHAM DEFINTIVAMENTE DE EXIBIR O PROGRAMA “TARDE QUENTE” E O QUADRO “PEGADINHAS”, NELE VEICULADO;

ORDENAR QUE A EMISSORA RÉ EXIBA, À TÍTULO DE CONTRAPROPAGANDA, DURANTE 60 (SESSENTA) DIAS, NO MESMO VEÍCULO, LOCAL, ESPAÇO E HORÁRIO DA TRANSMISSÁO IMPUGNADA, OS PROGRAMAS DE PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS PRODUZIDOS E/OU INDICADOS PELOS AUTORES DA AÇÃO;

PARA TORNAR EXEQUÍVEL A MEDIDA REQUERIDA NO ITEM ANTERIOR, ORDENAR QUE OS RÉUS SEJAM COMPELIDOS A FORNECER A ESTRUTURA E O PESSOAL TÉCNICO NECESSÁRIO (câmeras, operadores de áudio e de vídeo, cabos, técnicos de iluminação, eletricistas, operadores de VT etc.) E TAMBÉM A PAGAR OS CUSTOS DE PRODUÇÃO E EDIÇÃO, ATÉ O LIMITE DE R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais), POR PROGRAMA;


ORDENAR QUE O ÓRGÃO DA UNIÃO FEDERAL COMPETENTE (a Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações) proceda ao IMEDIATO MONITORAMENTO DOS DEMAIS PROGRAMAS EXIBIDOS PELA EMISSORA RÉ, sobretudo aqueles arrolados no “ranking da baixaria”, periodicamente divulgado pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados;

DETERMINAR A IMPOSIÇÃO DE MULTA COMINATÓRIA DIÁRIA, em valor não inferior a R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), com fundamento no art. 461, § 4º, do Código de Processo Civil, PARA A HIPÓTESE DE DESCUMPRIMENTO DAS ORDENS JUDICIAIS REQUERIDAS NOS ITENS ANTERIORES;

2. A CONDENAÇÃO DOS RÉUS REDE TV e JOÃO KLEBER, SOLIDARIAMENTE, ao PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO, POR DANOS MORAIS COLETIVOS NO VALOR DE R$ 20.000.000,00 (VINTE MILHÕES DE REAIS), acrescidos de juros moratórios e correção monetária a partir da citação, importância que deverá ser revertida ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, instituído pela Lei Federal n.º 7.347/85;

3. A RESCISÃO JUDICIAL DO CONTRATO DE CONCESSÃO DO SERVIÇO DE RADIODIFUSÃO, CELEBRADO ENTRE A UNIÃO E A EMISSORA RÉ.

Requerem, ainda:

a) A DISTRIBUIÇÃO URGENTE desta inicial;

b) A ISENÇÃO do pagamento de custas, emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nos termos do que dispõe a Lei

Federal n.º 7.347/85;

c) A INTIMAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL para, se quiser, integrar a presente lide, na posição de litisconsorte ativa, como lhe faculta o art. 5º, § 2º, da Lei 7.347/95, caso concorde com os pedidos ora formulados;

d) A CITAÇÃO dos Réus para, querendo, contestar a presente ação, pena de, assim não o fazendo, sofrerem os efeitos da revelia;

e) A INTIMAÇÃO PESSOAL dos representantes do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, nos termos do que dispõe o art. 236, § 2º, do Código de Processo Civil.

Protestam os Autores provar os fatos alegados por todos os meios admitidos no Direito, notadamente a juntada de documentos, a oitiva de testemunhas e a realização de perícias.

Dá-se à presente causa o valor de R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais).

Termos em que,


P. Deferimento.

São Paulo, 24 de outubro de 2005.

SERGIO GARDENGHI SUIAMA

Procurador Regional dos Direitos do Cidadão

Procurador da República

ADRIANA DA SILVA FERNANDES

Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão

Procuradora da República

FERNANDO DE OLIVEIRA CAMARGO

ADVOGADO – CDH

OAB/SP 144.638

PAULO TAVARES MARIANTE

ADVOGADO – Intervozes/Identidade

OAB/SP 89.915

FERNANDO QUARESMA DE AZEVEDO

ADVOGADO – AIESSP/Associação da Parada

OAB/SP 110.503

Leia a íntegra da recomendação à Marabraz:

RECOMENDAÇÃO MPF/SP N.º , de 24 de outubro de 2005.

Os PROCURADORES REGIONAIS DOS DIREITOS DO CIDADÃO NO ESTADO DE SÃO PAULO infra-assinados, no exercício das atribuições que lhe foram conferidas pelos arts. 5º, III, “e”, e 6º, XX, da Lei Complementar Federal n.º 75/93,

CONSIDERANDO a instauração dos procedimentos administrativos n.º , instaurados no âmbito desta Procuradoria da República.

CONSIDERANDO que nos referidos procedimentos apurou-se a sistemática violação de direitos da pessoa humana pelo programa “TARDE QUENTE”, dirigido e apresentado por JOÃO KLEBER, e exibido de segunda a sexta-feira na REDE TV.

CONSIDERANDO que tais violações consistem na transmissão de mensagens discriminatórias e ofensivas à dignidade da pessoa humana, no quadro “pegadinhas”.

CONSIDERANDO que o art. 221, inciso IV, da Constituição da República OBRIGA as emissoras de televisão a respeitar, em sua programação, os valores éticos e sociais da pessoa e da família, dentre os quais, certamente, estão a igualdade, a liberdade, a honra e a dignidade humana.

CONSIDERANDO que os programas comandados por JOÃO KLEBER aparecem em todas as listas de programas que mais violam os direitos da pessoa, publicadas pela Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, à exceção de uma;

CONSIDERANDO que a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos dá ensejo à responsabilização dos ofensores pelos danos morais causados a toda comunidade;

CONSIDERANDO que a empresa “MARABRAZ COMERCIAL LTDA.” (cujo nome fantasia é “LOJAS MARABRAZ”) é, na atualidade, a patrocinadora do programa TARDE QUENTE, onde as violações são exibidas;


CONSIDERANDO que o patrocínio a uma atividade implica, logicamente, no fornecimento do suporte material necessário à sua realização;

CONSIDERANDO que o auxílio material é modalidade de participação no ato ilícito praticado por outrem;

CONSIDERANDO que, nos termos do art. 942, parágrafo único, do Código Civil, os co-autores do ato ilícito são solidariamente responsáveis com os autores pelo pagamento da indenização;

CONSIDERANDO o ajuizamento, nesta data, de ação civil pública responsabilizando a emissora REDE TV e o apresentador JOÃO KLEBER por danos morais causados a toda a coletividade nacional;

CONSIDERANDO, enfim, que os direitos fundamentais têm eficácia vinculante também na esfera jurídico-privada, isto é, no âmbito das relações jurídicas entre particulares, não sendo lícito a ninguém invocar o princípio da autonomia da vontade para negar vigência a direitos constitucionais da pessoa;

RESOLVEM RECOMENDAR à empresa “MARABRAZ COMERCIAL LTDA.” que CESSE, imediatamente, de prestar auxílio material à veiculação do programa “TARDE QUENTE” ou outro em que haja a exibição do quadro “pegadinhas”, apresentado por JOÃO KLEBER, sob pena de, assim não procedendo, ser instaurado o devido procedimento para apurar sua responsabilidade específica pelos danos causados à coletividade.

ENCAMINHE-SE, com urgência, A PRESENTE RECOMENDAÇÃO À EMPRESA NOTIFICADA, SOLICITANDO QUE INFORME, NO PRAZO DE 15 DIAS, SE HOUVE O CUMPRIMENTO ESPONTÂNEO DO OBJETO DA RECOMENDAÇÃO.

ENCAMINHE-SE, também, à empresa notificada, cópia da ação civil pública ajuizada e das gravações do programa anexadas aos autos do processo.

ENCAMINHE-SE, ainda, cópia da RECOMENDAÇÃO à Excelentíssima Senhora Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão e à Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, para conhecimento e publicação.

São Paulo, 24 de outubro de 2005.

SERGIO GARDENGHI SUIAMA

Procurador Regional dos Direitos do Cidadão – SP

ADRIANA DA SILVA FERNANDES

Procuradora Regional dos Direitos do Cidadão – SP


[1] As procurações, estatutos e atas da assembléia de constituição das associações civis estão juntadas no doc. 01.

[2] O contrato de concessão da emissora está juntado no doc. 02.


[3] Algumas das denúncias recebidas contra o programa estão juntadas no doc. 03..

[4] Doc. 04.

[5] O cometimento de crime “mediante paga ou promessa de recompensa” é considerado motivo torpe pelo art. 121, § 2º, I, do Código Penal, e constitui circunstância agravante da pena no concurso de agentes, segundo preceitua o art. 62, inciso IV, do mesmo Código. As normas evidenciam que a ordem jurídica brasileira considera altamente censurável o cometimento de qualquer ato ilícito motivado pela busca do lucro.

[6] A afirmação é estatisticamente mensurável: dos quatro programas de maior audiência da emissora ré, três deles (“PÂNICO NA TV”, “EU VI NA TV” e “SUPERPOP”) foram objeto de reclamações fundamentadas endereçadas ao Ministério Público e à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

[7] A cópia integral dos programas em que foram selecionadas está nas fitas VHS também anexadas aos autos. A produção do CD-Rom só foi possível graças ao trabalho voluntário de WELLINGTON COSTA, da ONG INTERVOZES, subscritora da ação.

[8] Em outro procedimento (número 1.34.001.006697/2004-11), a Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão de São Paulo apura a violação de direitos da mulher pelo programa EU VI NA TV. Há nos autos daquele procedimento gravação na qual o namorado supostamente “traído” xinga e chuta uma jovem, assistido por milhares de telespectadores.

[9] Data de quase 50 anos a crítica lúcida de Adorno e Horkheimer à “diversão” proporcionada pela indústria cultural: “Rimos do fato de que não há nada de que se rir. (…) Rir-se de alguma coisa é sempre ridicularizar, e a vida que, segundo Bergson, rompe com o riso a consolidação dos costumes, é na verdade a vida que irrompe barbaramente, a auto-afirmação que ousa festejar numa ocasião social sua liberação do escrúpulo. Um grupo de pessoas a rir é uma paródia da humanidade. São mônadas, cada uma das quais se entrega ao prazer de estar decidida a tudo às custas dos demais e com o respaldo da maioria.” (“A indústria cultural” in Dialética do Esclarecimento: fragmentos filosóficos, Rio de Janeiro, Zahar, 1985, pp. 131-132).

[10] A afirmação está no site da emissora (www.redetv.com.br).

[11] Os pareceres juntados aos autos (doc. 05) corroboram o que será adiante falado.

[12] “Veado”: “Derivação: sentido figurado. Regionalismo: Brasil. Uso: tabuísmo. Homossexual do sexo masculino O uso desta palavra, no Brasil, em sentido tabuístico e freqüentemente disfêmico, não está explicado satisfatoriamente”; “Bicha”: “adjetivo e substantivo de dois gêneros. Uso: informal. Diz-se de ou indivíduo efeminado”; “Boiola”: “substantivo masculino. Regionalismo: Rio de Janeiro. Uso: informal, tabuísmo. 1. homossexual do sexo masculino.”

[13] Cena exibida no dia 04.08.03.


[14] Cena exibida no dia 04.08.03.

[15] Cena exibida no dia 04.08.03.

[16] Cena exibida no dia 05.08.03.

[17] Cena exibida no dia 22.09.03.

[18] Cena exibida no dia 22.09.03.

[19] Cena exibida no dia 06.10.03.

[20] Cena exibida no dia 13.10.03.

[21] Cena exibida no dia 01.08.05.

[22] Cena exibida no dia 04.08.03.

[23] Cena exibida no dia 04.08.03.

[24] Cena exibida no dia 05.08.03.

[25] Cena exibida no dia 05.08.03.

[26] Cena exibida no dia 05.08.03.

[27] Cena exibida no dia 21.03.03.

[28] Cena exibida no dia 04.08.03.

[29] Cena exibida no dia 05.08.03.

[30] Cena exibida no dia 12.07.05.

[31] Um dos mais poderosos recursos de que se vale a ideologia é a naturalização das divisões sociais e a criação da figura do outro, por oposição ao sujeito produtor do discurso. Trata-se daquilo que Barthes chamou de “naturalização das significações”, isto é, a estabilização ideológica de um significante (no caso, a figurativização grosseira de um “homossexual”, tal como concebida pela mente empobrecida dos produtores do programa) com um significado socialmente fixado, transmitido, porém, como se fosse “natural”. Cf. a propósito Roland Barthes, Mitologias, São Paulo, Difel, 2003, especialmente as páginas 199 e ss. Cf. também a excelente introdução do livro de Eugênio Bucci e Maria Rita Kehl, Videologias: ensaios sobre televisão, São Paulo, Boitempo, 2004, pp. 15-23. Crêem os subscritores dessa petição que, diversamente do que o discurso dominante quer fazer crer, a identidade de cada um não é um dado, mas sim algo construído a partir das relações que se estabelecem nas sociedades humanas. Acerca da construção social da homossexualidade, cf. Michel Foucault, A História da Sexualidade – vol. I – A Vontade de Saber, Rio de Janeiro, Graal, 1988; Steven Seidman (ed.), Queer Theory: sociology, Cambridge, Blackwell Publishers Ltd., 1996; e Roger Raupp Rios, O Princípio da Igualdade e a Discriminação por Orientação Sexual, São Paulo, RT, 2002, pp. 120-126.


[32]O que a injúria me diz é que sou alguém anormal ou inferior, alguém sobre quem o outro tem o poder e, antes de tudo, o poder de me ofender. A injúria é, pois, o meio pelo qual se exprime a assimetria entre os indivíduos (…) Ela tem igualmente a força de um poder constituinte. Porque a personalidade, a identidade pessoal, a consciência mais íntima é fabricada pela existência mesma desta hierarquia e pelo lugar que ocupamos nela e, pois, pelo olhar do outro, do ‘dominante’, e a faculdade que ele tem de inferiorizar-me, insultando-me, fazendo-me saber que ele pode me insultar, que sou uma pessoa insultável e insultável ao infinito” (Didier Eribon, Papier d’identité citado por José Reinaldo de Lima Lopes, “O direito ao reconhecimento para gays e lésbicas” in Francisco Loyola de Souza e outros, A Justiça e os direitos de gays e lésbicas: jurisprudência comentada, Porto Alegre, Sulina, 2003, p. 21).

[33] Como lembra Roland Barthes, “o mito prefere trabalhar com imagens pobres, incompletas, nas quais o sentido já está diminuído, disponível para uma significação: caricaturas, pastiches, símbolos etc.” (Mitologias, op. cit., pp. 218-219).

[34] A experiência da desvalorização social – acrescenta Honneth – “traz consigo normalmente uma perda de auto-estima, da oportunidade de enxergar-se como um ser cujos traços e habilidades devem ser estimados” (The Struggle for recognition: the moral grammar of social conflicts, citado por José Reinaldo de Lima Lopes, op. cit., p. 21).

[35] “En los sentimientos de repulsión y de aversión que surgen sin disfraz alguno contra personas extrañas, con las cuales nos hallamos en contacto, podemos ver la expresión de un narcisismo que tiende a afirmarse y se conduce como si la menor desviación de sus propiedades y particularidades individuales implicase una crítica de las mismas y una invitación a modificarlas. Lo que no sabemos es por qué se enlaza tan grande sensibilidad a estos detalles de la diferenciación” (Psicología de las masas, Madrid, Alianza Editorial, 2001, p. 40).

[36] “Política, Direitos, Violência e Homossexualidade: pesquisa 9ª Parada do Orgulho GLBT – Rio 2004”, disponível em http://www.clam.org.br/pdf/paradario2004.pdf.

[37] Outra pesquisa – “Juventudes e Sexualidade”, realizada pela UNESCO em parceria com os Ministérios da Educação e da Saúde -, lançada em março de 2004, revelou que cerca de um quarto dos alunos de ensino fundamental e médio entrevistados não gostaria de ter um colega homossexual.Esse percentual varia de 45% em Vitória a 34% em Belém, para os meninos; e de 22% em Recife a 10% no Rio de Janeiro, para as meninas (o relatório pode ser acessado no sítio http://observatorioucb.unesco.org.br/publicaçoes/juventudesesexualidade).

[38] Marquês de Sade, A Filosofia na Alcova ou os preceptores morais, excurso “Franceses, mais um esforço se quereis ser republicanos”, São Paulo, Iluminuras, 2000, p. 156. Ainda Sade: “É espantoso o abismo de absurdos em que mergulhamos quando não raciocinamos à luz da razão! Tenhamos bem claro que é tão simples gozar de uma mulher de uma maneira ou de outra, que é absolutamente indiferente gozar de uma moça ou rapaz, e que é constante em nós não existir outras inclinações além das que recebemos da natureza; ela é por demais sensata e conseqüente para ter colocado em nós as que pudessem alguma vez ofendê-la.” (op. cit., p. 157).

[39]Os pareceres juntados aos autos (doc. 05) corroboram o que será adiante falado.


[40] Como bem observa Eric Landowski, “um sujeito não pode, no fundo, apreender-se a si mesmo enquanto ‘Eu’, ou ‘Nós’, a não ser negativamente, por oposição a um ‘outro’, que ele tem que construir como figura antitética a fim de poder colocar-se a si mesmo como o seu contrário: ‘O que eu sou é o que você não é’. E, claro, nesse caso o sujeito que diz Eu, ou que diz Nós, é um sujeito que ‘sabe’ ou que, pelo menos, crê saber o que vem a ser o Outro. Ele não precisa, no mais, estar muito informado sobre isso, nem ir procurar bem longe: para fundamentar sua própria certeza de ser Si, a única coisa que lhe importa, a única ‘verdade’ da qual precisa se assegurar é que o Outro é ‘outro’, e que o é categoricamente: natureza versus cultura, bestialidade versus humanidade, Eles versus Nós, todos esses pares de contrários se equivalem, para falar da mesma relação de exclusão mútua. Daí, no plano das estratégias discursivas características desse tipo de configuração, o privilégio concedido… ao uso do estereótipo, não como descrição do Outro, mas como meio expeditivo de reafirmar uma diferença. É de acordo com este esquema simplista que procedia o Sr. Todo Mundo… para colocar diante de si mesmo a figura caricatural do ‘estrangeiro’, espécie de espantalho feito com materiais pegos ao acaso, reunião barroca de antivalores, como se se tratasse simplesmente de atemorizar-se a si mesmo. Restaria evidentemente entender melhor o que torna possível, talvez mesmo necessária, a construção de simulacros que apresentam um caráter tão grosseiramente exagerado. A explicação não seria que, construindo daquela maneira a própria imagem em negativo, o grupo social se fornecesse pura e simplesmente um meio cômodo de resolver o problema de sua própria identidade antes mesmo de o ter colocado? Postular categoricamente a finitude do Outro, pretender saber o que ele é em sua ‘essência’ e, para caracterizá-lo, contentar-se com a justaposição de uma série de clichês que fazem sobressair seus ‘vícios’ ou suas ‘más-formações’, tudo isso provavelmente só faz sentido para quem se satisfaz com uma visão simplista da própria identidade. Em outras palavras, para assumir uma representação de outrem tão desprovida de consistência, é preciso que o Nós que se compraz em reconhecer aí seu próprio reflexo invertido não seja ele mesmo, a seus próprios olhos, senão uma espécie de fantoche mal articulado, modelo de todas as virtudes, é claro, mas não menos privado de carne e de vida real. Isso é pouco, mas, no caso, que mais pedir? Se ser si-mesmo não significa nada além de gozar da satisfação de ser ‘Si’ e não o ‘Outro’, então tanto faz, efetivamente, aumentar o contraste, com o risco de comparar, de ambas as partes, apenas identidades sem espessura, imagens pré-fabricadas, congeladas para sempre em sua radical diferença” (Presenças do Outro: ensaios de sociossemiótica, São Paulo, Perspectiva, 2002, pp. 25-26).

[41] Cena exibida no dia 14.10.05.

[42] Cena exibida no dia 04.08.03.

[43] Cena exibida no dia 05.08.03.

[44] Cena exibida no dia 22.09.03.

[45] Cena exibida no dia 22.09.03.

[46] Cena exibida no dia 13.10.03.

[47] Cena exibida no dia 17.02.03.

[48] Cena exibida no dia 17.02.03.


[49] Cena exibida no dia 06.10.03.

[50] Cena exibida no dia 11.07.05.

[51] Doc. 06.

[52] Por exemplo, nos arts. 12, § 3º; 37, I; 170, IX e 222.

[53] Robert Alexy, Teoria de los Derechos Fundamentales, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1997, p. 395.

[54] A propósito, a Convenção Americana de Direitos Humanos, tratado internacional de direitos humanos ratificado pelo Estado brasileiro e, portanto, em pleno vigor no país, dispõe expressamente em seu art. 17 que “ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domícilio ou em sua correspondência”. E que “toda pessoa tem direito à proteção da lei contra tais ingerências ou tais ofensas”. Pergunta-se: ofender a expressão lícita do afeto de alguém não é uma ingerência arbitrária em sua vida privada?

[55] Pois “a solidariedade social em sociedades de massa, burocráticas e democráticas, tolerantes e em uma palavra justas, não equivale ao controle público das felicidades particulares. Não equivale nem mesmo ao controle social: a liberdade contra a interferência alheia é um dos grandes benefícios da democracia e que a torna desejável” (José Reinaldo de Lima Lopes, op. cit., p. 25). Cf., também, Carlos Santiago Nino, Etica y Derechos Humanos: un ensayo de fundamentación, Barcelona, Ariel, 1989, pp. 199-236.

[56] José Reinaldo de Lima Lopes, op. cit., p. 20.

[57] Fondements de la Métaphysique de Moeurs, Paris, Vrin, pp. 112-113.

[58] Fonte: site “Portal Imprensa” (http://www.portalimprensa.com.br/mapadamidia/ tabela_tvaberta_resultado.asp). Cf. doc. 07.

[59] Segundo informações da própria empresa ré, as emissões da REDE TV alcançam, atualmente, 84% dos domicílios com TV, em todos os Estados do Brasil. A rede possui 40 transmissoras, com aproximadamente 3.500 municípios cobertos, em todo o território nacional.

[60] 63% do público das classes C, D e E, segundo consta do site da emissora. 20% do público é formado por crianças e adolescentes, pessoas ainda em formação.

[61] A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2004, p. 113.

[62] Citado por Ingo Wolfgang Sarlet, op. cit., p. 117.


[63] Derechos Humanos, Estado de Derecho Y Constitución, Madrid, Tecnos, 1984, pp. 317-318.

[64] Constituição da República, art. 21: “Compete à União: (…) XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens”.

[65] Rodolfo de Camargo Mancuso, “Controle Jurisdicional do Conteúdo da Programação Televisiva” in Boletim dos Procuradores da República, nº 40, Agosto/2001.

[66] “Ação Civil Pública e Programação de TV”, op. cit., pp. 243-244. No mesmo sentido, cf. o artigo de Rodolfo de Camargo Mancuso, “Controle jurisdicional do conteúdo da programação televisiva” in Boletim dos Procuradores da República n.º 40, agosto de 2001, pp. 20-29.

[67] A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, São Paulo, Saraiva, 1999, pp. 51-52.

[68] O Homem Revoltado, Lisboa, Livros do Brasil, p. 30. Ainda Camus: “Na experiência absurda, o sofrimento é individual. A partir do movimento de revolta, adquire a consciência de se ter tornado coletiva: passou a ser a aventura de todos. O primeiro progresso de um espírito impressionado com a sua singularidade consiste portanto em reconhecer que partilha essa mesma singularidade com todos os homens e que a realidade humana, na sua totalidade, sofre com essa distância relativa a si própria e ao mundo. O mal que apenas um homem experimentava converte-se em peste coletiva. Na nossa provação cotidiana, a revolta desempenha o mesmo papel que o ‘cogito’ na ordem do pensamento: é a primeira evidência. Mas semelhante evidência arranca o indivíduo à sua solidão; é um lugar-comum que baseia em todos os homens o primeiro valor. Eu revolto-me, logo existimos” (Idem, pp. 37-38).

[69] “Controle jurisdicional do conteúdo da programação televisiva”, op. cit., p. 27. No mesmo sentido, ensina Ada Pellegrini Grinover: “o interesse difuso caracteriza-se por sua ampla área de conflittualità. Conflituosidade, essa, que não se coloca necessariamente ou apenas no clássico contraste do indivíduo vs. autoridades, mas que é típica das escolhas políticas” (verbete “interesses difusos” in Rubens Limongi França (coordenador), Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 45, São Paulo, Saraiva, 1977, pp. 401-402).

[70] O poder-dever de fiscalizar a prestação do serviço de radiodifusão vem expresso no art. 10 do Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei Federal n.º 4.117/62): “Compete privativamente à União: I – manter e explorar diretamente: b) os serviços públicos de telégrafos, de telefones interestaduais e de radiocomunicações, ressalvadas as exceções constantes desta lei, inclusive quanto aos de radiodifusão e ao serviço internacional; II – fiscalizar os serviços de telecomunicações por ela concedidos, autorizados ou permitidos.”

[71] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 1996, p. 469-470.

[72] O Decreto Presidencial nº 5.220, de 30 setembro de 2004, atribui esse poder dever à Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica, órgão do Ministério das Comunicações (art. 8º: Compete à Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica: (…) II – coordenar as atividades referentes à orientação, execução e avaliação das diretrizes, objetivos e metas, relativas aos serviços de radiodifusão, seus ancilares e auxiliares; III – propor a regulamentação dos serviços de radiodifusão, seus ancilares e auxiliares; IV – proceder à avaliação técnica, operacional, econômica e financeira das pessoas jurídicas executantes dos serviços de radiodifusão, necessária ao estabelecimento das condições exigidas para a execução desses serviços; V – proceder às atividades inerentes às outorgas e ao acompanhamento da instalação dos serviços de radiodifusão, seus ancilares e auxiliares; VI – fiscalizar a exploração dos serviços de radiodifusão e de seus ancilares e auxiliares nos aspectos referentes ao conteúdo de programação das emissoras, bem como à composição societária e administrativa e às condições de capacidade jurídica, econômica e financeira das pessoas jurídicas executantes desses serviços; VII – instaurar procedimento administrativo visando a apurar infrações de qualquer natureza referentes aos serviços de radiodifusão, seus ancilares e auxiliares; VIII – adotar as medidas necessárias ao efetivo cumprimento das sanções aplicadas aos executantes dos serviços de radiodifusão, seus ancilares e auxiliares (…)”).


[73] Luiz Guilherme Marinoni, Novas Linhas do Processo Civil, 4a edição, São Paulo, Malheiros, 2000, pp. 151-152.

[74] Luiz Guilherme Marinoni, A Antecipação da Tutela, São Paulo, Malheiros, 1999, p. 66.

[75] Idem, p. 65. Em outra obra, escreve o mesmo autor: “Se várias situações de direito substancial, diante de sua natureza, são absolutamente invioláveis, é evidente a necessidade de admitir uma ação de conhecimento preventiva. Do contrário, as normas que proclamam direitos, ou objetivem proteger bens fundamentais, não teriam qualquer significação prática, pois poderiam ser violadas a qualquer momento, restando somente o ressarcimento do dano. Como o direito material depende – quando pensado na perspectiva da efetividade – do processo, é fácil concluir que a ação preventiva é conseqüência lógica das necessidades do direito material. Basta pensar, por exemplo, na norma que proíbe algum ato com o objetivo de proteger determinado direito, ou em direito que possui natureza absolutamente inviolável, como o direito à honra ou o direito ao meio ambiente. Lembre-se, aliás, que várias normas constitucionais afirmam a inviolabilidade de direitos, exigindo, portanto, a correspondente tutela jurisdicional, que somente pode ser aquele capaz de evitar a violação” (Técnica Processual e Tutela dos Direitos, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 254.

[76] Luiz Guilherme Marinoni, Técnica Processual e Tutela dos Direitos, op. cit., p. 82.

[77] Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 2a edição, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, p. 412.

[78] A Liberdade, São Paulo, Martins Fontes, 2000, p. 34.

[79] Execução Civil, 3a edição, São Paulo, Malheiros, 1993, p. 380.

[80] Execução Civil, 3a edição, São Paulo, Malheiros, 1993, p. 386. Em outra perspectiva, mas no mesmo sentido, diz Luz Guilherme Marinoni: “Diante de um direito fundamental (…) o Estado não pode se esquivar do seu dever de proteção. Perante esse dever, há o que Canaris chama ‘imperativo de tutela’, isto é, a necessidade de tutela ou de proteção do direito fundamental. Essa tutela incumbe, em princípio, ao legislador, que deve editar a norma de proteção, realizando a denominada proteção ou tutela normativa. Contudo, quando o legislador descumpre o seu dever de proteção, surge uma situação de omissão de tutela ou de proteção. Não obstante, essa omissão pode ser questionada perante o Poder Judiciário, quando o juiz deverá verificar, em face do direito fundamental, se realmente houve omissão de proteção por parte do legislador. Se a conclusão for positiva, caberá ao magistrado, suprir a omissão na proteção do direito fundamental, concedendo a tutela jurisdicional. Isso porque, como já foi dito, o dever de proteção é incumbência do Estado, e não apenas do legislador. Não se pense que o juiz, nesse caso, estará assumindo o lugar do legislador. É que o dever de proteção normativa decorre do direito fundamental. Quando o legislador deixa de proteger um direito fundamental, há simplesmente violação do direito fundamental, a qual pode ser corrigida pelo Poder Judiciário. Imaginar que o juiz não pode corrigir tal violação é o mesmo que supor que o Estado – Legislador – não tem ‘obrigações’ para com particulares. Na verdade, a conseqüência de que o Estado tem o dever de proteger um particular contra o outro é a de que a violação desse dever pode ser corrigida pelo Poder Judiciário. Separação de poderes, como é óbvio, não é o mesmo do que ‘carta-branca’ para a violação dos direitos” (Técnica Processual e Tutela de Direitos, op. cit., pp. 320-321).


[81] “Do dano moral coletivo no atual contexto jurídico brasileiro” in Direito do Consumidor, vol. 12- Ed. RT.

[82] Porque, nos termos do art. 942, parágrafo único, do Código Civil, “são solidariamente responsáveis com os autores os co-autores”. O réu JOAO KLEBER é apresentador, produtor e diretor do programa exibido pela emissora Ré. Portanto, ambos os Réus são solidariamente responsáveis pelos atos ilícitos praticados durante a exibição do programa TARDE QUENTE.

[83] “Reparação Civil por Danos Morais” in RT, 1993, p. 220-222.

[84] Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Malheiros, 1996, p. 435.

[85] Os conceitos jurídicos indeterminados “moral familiar pública” e “bons costumes” devem sofrer interpretação conforme à Constituição, sem redução de texto, para conferir à norma de 1962 interpretação que lhe preserve a constitucionalidade; isto porque, em atendimento ao princípio da conservação das normas, uma norma não deve ser declarada inconstitucional quando, observados os fins a que se destina, pode ela ser interpretada em conformidade com a Constituição (cf. a respeito, José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Lisboa, Almedina, 1998, pp. 1096-1100). Como resultado da exegese, é lícito considerar que os conceitos “moral familiar pública” e “bons costumes” referem-se aos valores fundamentais explícita ou implicitamente declarados na Constituição, tais como, liberdade, igualdade, presunção de inocência, proteção à infância e à velhice, privacidade, honra etc.

[86] No Recurso Especial nº 605.323 – MG, relator para o acórdão Min. Teori Albino Zavascki, recentemente julgado, a 1ª Turma do STJ admitiu, expressamente, a possibilidade, em ação civil pública para a tutela do meio ambiente, de cumulação de pedidos de obrigação de fazer, de não-fazer e de pagar quantia certa, a título de indenização. A ementa do acórdão é a seguinte: “PROCESSO CIVIL. DIREITO AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA TUTELA DO MEIO AMBIENTE. OBRIGAÇÕES DE FAZER, DE NÃO FAZER E DE PAGAR QUANTIA. POSSIBILIDADE DE CUMULAÇÃO DE PEDIDOS ART. 3º DA LEI 7.347/85. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA. ART. 225, § 3º, DA CF/88, ARTS. 2º E 4º DA LEI 6.938/81, ART. 25, IV, DA LEI 8.625/93 E ART. 83 DO CDC. PRINCÍPIOS DA PREVENÇÃO, DO POLUIDOR-PAGADOR E DA

REPARAÇÃO INTEGRAL. 1. O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral. Deles decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e obrigações de variada

natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso. 2. A ação civil pública é o instrumento processual destinado a propiciar a tutela ao meio ambiente (CF, art. 129, III). Como todo instrumento, submete-se ao princípio da adequação, a significar que deve ter aptidão suficiente para operacionalizar, no plano jurisdicional, a devida e integral proteção do direito material. Somente assim será instrumento adequado e útil. 3. É por isso que, na interpretação do art. 3º da Lei 7.347/85 ("A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer"), a conjunção “ou” deve ser considerada com o sentido de adição (permitindo, com a cumulação dos pedidos, a tutela

integral do meio ambiente) e não o de alternativa excludente (o que tornaria a ação civil pública instrumento inadequado a seus fins). É conclusão imposta, outrossim, por interpretação sistemática do art. 21 da mesma lei, combinado com o art. 83 do Código de Defesa do Consumidor e, ainda, pelo art. 25 da Lei 8.625/1993, segundo o qual incumbe ao Ministério Público “IV – promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei: a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente (…)”. 4. Exigir, para cada espécie de prestação, uma ação civil pública autônoma, além de atentar contra os princípios da instrumentalidade e da economia processual, ensejaria a possibilidade de sentenças contraditórias para demandas semelhantes, entre as mesmas partes, com a mesma causa de pedir e com finalidade comum (medidas de tutela ambiental), cuja única variante seriam os pedidos mediatos, consistentes em prestações de natureza diversa. A proibição de cumular pedidos dessa natureza não existe no procedimento comum, e não teria sentido negar à ação civil pública, criada especialmente como alternativa para melhor viabilizar a tutela dos direitos difusos, o que se permite, pela via ordinária, para a tutela de todo e qualquer outro direito.

5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (DJ 17/10/2005, pp. 1-2).

[87] Os efeitos da decisão antecipatória devem alcançar todos os Estados em que ocorra a veiculação do programa em espeque, sob pena de se criar situação insustentável, qual seja, a declaração de que tal veiculação é inadequada para o Estado de São Paulo, e, ao mesmo tempo, adequada para os demais entes federados. Além do que, em situações análogas, mais especificamente em casos de produtos que se revelem nocivos, nosso ordenamento jurídico (art. 102 do Código de Defesa do Consumidor) prevê a possibilidade de ajuizamento de ações que visem compelir o Poder Público competente a proibir, em todo o território nacional, a produção, divulgação, a distribuição ou venda deste produto, razão mais que suficiente para, por analogia, aplicar a extensão pretendida.

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