Concorrência municipal

Justiça Federal deve julgar mau uso de recursos federais

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24 de outubro de 2005, 12h21

O processo contra o ex-prefeito de Curitiba Cássio Taniguchi, sobre a acusação de superfaturamento em licitação de merenda escolar, será julgado pela Justiça Federal. A decisão é da 6ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

A Turma atendeu pedido formulado pela defesa do ex-prefeito em Habeas Corpus. No entendimento do relator, ministro Paulo Gallotti, Taniguchi não poderia ser julgado pela Justiça estadual porque se trata de crime praticado contra bens de uma autarquia federal, já que parte dos recursos utilizados eram resultados de um convênio firmado com o Ministério da Educação.

Segundo os autos, a fraude ocorreu em 2000, quando Taniguchi exercia o cargo de prefeito de Curitiba. Taniguchi homologou a Concorrência Pública 12/2000, que declarou vencedora a empresa Risotolândia Indústria e Comércio de Alimentos, pertencentes aos também denunciados Carlos Antonio Gusso e Aroni Grassi Gusso.

O objeto da concorrência era o fornecimento de refeições para a rede municipal de ensino. O contrato entre a prefeitura e a empresa foi assinado no dia 15 de junho de 2000. O desvio pela fraude somaria R$ 3 milhões.

A concorrência foi impugnada pelo Tribunal de Contas da União porque haveria irregularidades na aquisição de merenda escolar, paga com recursos do Programa Nacional de Alimentação Escolar, do Ministério da Educação. De acordo com a denúncia o ex-prefeito teria combinado previamente com os donos da Risotolândia, direcionando a concorrência para ser vencida pela empresa, prejudicando o erário.

O Tribunal de Justiça da Paraná considerou a Justiça estadual competente para julgar o caso. A defesa do ex-prefeito ingressou com Habeas Corpus no STJ. A intenção era declarar a incompetência da Justiça Estadual para processar Taniguchi, reivindicando que os autos fossem remetidos para o Tribunal Regional Federal, já que a verba para a licitação foi repassada através do FNDE — Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, um fundo do governo federal.

O ministro Paulo Gallotti acolheu o argumento. O relator já havia concedido liminar para suspender o interrogatório de Taniguchi até que o mérito do Habeas Corpus fosse decidido. Os autos seguem, agora, para o TRF da 4ª Região. A decisão foi unânime.

HC 28.293

Leia a íntegra do voto

HABEAS CORPUS Nº 28.293 – PR (2003⁄0071557-3)

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (Relator):

Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de CARLOS VALÉRIO AVAIS DA ROCHA, contra decisão da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Paraná, que recebeu a denúncia em processo de sua competência originária. Eis a ementa da decisão (fls. 141⁄2):

“DENÚNCIA – PREFEITO MUNICIPAL E CO-DENUNCIADOS – CRIME DE RESPONSABILIDADE – FALSIDADE IDEOLÓGICA – DESCRIÇÃO DE FATO TÍPICO, ANTIJURÍDICO E CULPÁVEL – DEFESA ANTECIPADA QUE NÃO ILIDE A ACUSAÇÃO – INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 41 E 43 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL – PEDIDO DE PRISÃO PREVENTIVA – INDEFERIMENTO – REQUISITOS INEXISTENTES – RECEBIMENTO DA PECA ACUSATÓRIA.

1. NOS CRIMES DE COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DOS TRIBUNAIS, QUANDO O ELEMENTO SUBJETIVO DO INJUSTO SÓ PODE SER APRECIADO ATRAVÉS DE REGULAR INSTRUÇÃO, COM AMPLA PRODUÇÃO PROBATÓRIA PARA O ACUSADO, O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA É DE RIGOR.

2. SE OS FATOS DENUNCIADOS COMO ILÍCITOS NÃO RESTARAM PLENAMENTE JUSTIFICADOS COM A DEFESA PRELIMINAR, A EXORDIAL ACUSATÓRIA É DE SER ADMITIDA COMO HÁBIL A PERMITIR A INSTAURAÇÃO DA AÇÃO PENAL.

3. INEXISTENTES NO CASO CONCRETO OS REQUISITOS DA PRISÃO PREVENTIVA PODEM OS DENUNCIADOS RESPONDER O PROCESSO EM LIBERDADE (CPP, ART. 312).”

Traz a impetração o propósito de “obter a correção da adequação típica imputada ao paciente, um vez que a denúncia, cometendo o erro grosseiro e sem qualquer justificativa, após arrolar os fatos ao longo de mais de vinte laudas, culmina por arrolar contra esse o cometimento do crime previsto no art. 299, parágrafo único, do Código Penal, ou seja, falsidade ideológica cometida por funcionário público” (fl. 03). Aduz que o Paciente jamais exerceu função pública, sendo, portanto, necessária a correção da peça acusatória por meio deste writ.

Autos ao MPF, veio parecer pela denegação.

É o relatório.

HABEAS CORPUS Nº 28.293 – PR (2003⁄0071557-3)

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO JOSÉ ARNALDO DA FONSECA (Relator):

Não é da essência do procedimento heróico a discussão acerca da definição técnica do delito, inclusa na peça acusatória. Por outro lado, independentemente da medida engendrada, também não se admite discutir as profundezas do contexto meritório da ação justamente em sua fase inicial, sob o prisma eminentemente do enquadramento típico, quando sequer razões de ordem existencial do fato são apontadas.

Dito essas considerações introdutórias, penso que a decisão colegiada bem dispôs quanto às defesas preliminares. Dela destacam-se essas passagens:

“Algumas respostas ofertadas insistem em sustentar que o delito previsto no artigo 299 do Código Penal exige, para seu aperfeiçoamento, o dolo específico e todos refutam tenham seus constituintes agido com tal vontade (fls. 895⁄6, entre outros).

No entanto, tal matéria só poderá ser bem analisada, após regular e ampla instrução probatória, não podendo aqui e agora ser perquirida, por falta de lastro probante.” (fl. 160)

(…)

“Verificam-se estarem presentes os elementos exigidos no dispositivo processual pré-falado, pois os fatos criminosos, com todas as suas circunstâncias, encontram-se delineados na inicial acusatória, bem como a qualificação dos acusados, a classificação dos crimes e o rol de testemunhas. O recebimento da denúncia se impõe.” (fl. 163)

Traduzidas essas colações, pode-se afirmar que o réu não se defende da indicação típica da denúncia, mas dos fatos que lhe são atribuídos e que, de alguma forma, afiguram-se penalmente relevantes. É o que já vem professando este Tribunal em um sem-números de casos. Cite-se um:

“PROCESSO PENAL. ESTELIONATO. FALSIDADE IDEOLÓGICA. DENÚNCIA. INÉPCIA. SENTENÇA. EMENDATIO LIBELLI. JULGAMENTO EXTRA PETITA. INEXISTÊNCIA. CONCURSO MATERIAL.

Não é inepta a denúncia que descreve devida e circunstanciadamente a conduta delinqüente, destacando claramente o agir ilícito imputado ao paciente, a ensejar, quantum satis, o exercício de ampla defesa.

Não configura mutatio libelli atribuir a fato descrito na denúncia a correspondente capitulação legal.

O juiz pode dar ao fato descrito na denúncia definição jurídica diversa, ainda que, em conseqüência, deva aplicar pena mais grave (art. 383 do CPP).

No processo penal, o sujeito passivo da relação processual defende-se dos fatos a ele imputados, e não de sua capitulação jurídico-legal.

Estelionato consumado independentemente da prática de falsidade ideológica, ocorrida posteriormente, com finalidade diversa. Concurso material.

Ordem denegada.” (HC 22195⁄MG, Rel. Min. Paulo Medina, DJ de 17⁄11⁄2003)

Ademais, desejar a mudança da imputação típica requer um mínimo de exame probatório, o que não é viável na via eleita. Especialmente no contexto da argüição heróica, asseverou com acerto o Parquet (fl. 210):

“Ora, a boa doutrina ensina que responde pelo delito o sujeito “que ajudou a planejá-lo, o que forneceu os meios materiais para a execução, o que intervém na execução e mesmo os que colaboram na consumação do ilícito”. Assim, a tipicidade da conduta de Carlos decorre da norma referente à participação (art. 29, do CP). Por isso, aplica-se-lhe a agravante deduzida no parágrafo único, mesmo que nunca tenha exercido qualquer cargo ou função pública.”

Portanto, representando a denúncia a descrição dos fatos ocorrentes e a suposta participação do Paciente, em respeito à previsão legal do art. 41, do CPP, caberá ao Juízo sentenciante (o Tribunal), no momento próprio, confirmar ou negar as suas disposições, consoante as provas dos autos.

Ante o exposto, denego a ordem.

É o voto.

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