Moral e material

Danos são cumuláveis, mesmo antes da Constituição de 88

Autor

24 de outubro de 2005, 14h28

Danos morais e patrimoniais são cumuláveis, mesmo que o fato que deu origem à indenização tenha ocorrido antes da Constituição Federal de 1988. Este tipo de indenização já estava previsto no Código Civil de 1916 (artigo 159) e a Constituição veio apenas para reforçar a previsão. O entendimento é da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça.

A mulher e dois filhos de um homem morto em acidente de trânsito em 1987 entraram com recurso no STJ contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que negou a cumulação de indenização por danos materiais e morais.

O relator do caso, ministro Barros Monteiro, esclareceu que a Súmula 37 do STJ prevê que “são cumuláveis as indenizações por dano material e moral oriundas do mesmo fato”. Por conta disso, fica fora de propósito o entendimento adotado pela segunda instância.

A indenização foi fixada na quantia equivalente a cem salários mínimos para cada um dos três filhos (R$ 30 mil para cada em valores atuais). A decisão da 4ª Turma foi unânime.

História

A ação reparatória foi movida por Eva de Souza Porto Soares e seus filhos, menores à época, contra a Viação Transdutra. Em janeiro de 1987, um ônibus da empresa se envolveu num acidente que resultou na morte de Arsênio José Soares, marido e pai dos autores, que viajava como passageiro.

Em primeira instância, a empresa foi condenada a pagar pensão alimentícia aos filhos, desde a data do acidente até quando a vítima completasse 65 anos. O valor da pensão foi fixado em dois terços da renda medida à época. A sentença condenou também a empresa ao pagamento de indenização por dano moral de cem salários mínimos.

Quanto à mulher, a sentença extinguiu o processo por carência da ação (espécie que ocorre quando a parte não atende a certas condições legais, sem as quais, o órgão é dispensado de decidir o mérito de sua pretensão).

Os recursos das partes foram parcialmente aceitos pela 10ª Câmara de Férias do 1ª Tribunal de Alçada Civil de São Paulo: à família, para reconhecer o direito de acrescer (absorção em favor dos demais sucessores da parte cabível a um co-legatário que não a quer ou não pode aceitá-la), e à ré para excluir a reparação por dano moral.

A segunda instância entendeu não haver dano moral, porque o acidente se deu numa data anterior à Constituição Federal de 1988. Os autores recorreram, então, ao STJ. Sustentaram a legalidade da reparação do dano moral cumulativamente com o patrimonial, ainda que o fato gerador da indenização tivesse ocorrido antes da promulgação da Constituição de 88.

Leia a íntegra da decisão

RECURSO ESPECIAL Nº 320.462 – SP (2001/0048993-1)

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO:

Eva de Souza Porto Soares e seus filhos menores, Cristiana Porto Soares, Cristina Porto Soares e Fernando Porto Soares, ajuizaram ação reparatória de danos contra a “Viação Transdutra Ltda.”, sob a alegação de que, no dia 18.1.1987, o ônibus de placa OW 5771, de propriedade da ré, dirigido por seu preposto, envolveu-se em gravíssimo acidente, de que resultou a morte de Arsênio José Soares, marido e pai dos autores, quando viajava como passageiro do coletivo.

O MM. Juiz de Direito julgou parcialmente procedente o pedido, condenando a ré a pagar pensão alimentícia aos filhos do de cujus, desde o evento até o período de sobrevida da vítima, estimado em 65 anos, interrompendo quando os filhos vieram a completar 21 anos de idade, ou a contrair matrimônio, sendo a pensão fixada em 2/3 da renda auferida na época, convertida em salário mínimo, além do 13º; pagas de uma só vez as pensões vencidas e garantido o pagamento mediante prestação de caução real.

Condenou a ré, ainda, a solver a indenização por dano moral, fixada na quantia equivalente a cem salários mínimos vigentes à época do pagamento, além de custas processuais e honorários advocatícios de 15% sobre as prestações vencidas e doze das vincendas; extinguiu o processo em relação à autora Eva de Souza Porto Soares, por carência de ação, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC.

A Décima Câmara de Férias do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, à unanimidade, negou provimento ao agravo retido e deu parcial provimento aos apelos manejados por ambas as partes; dos autores, para reconhecer o direito de acrescer, ao da ré, para excluir a reparação por dano moral. Os fundamentos do acórdão resumem-se na seguinte ementa:

“PRESCRIÇÃO. Prazo – Agravo retido – Ação de indenização decorrente de acidente de trânsito com cunho alimentar – Aplicabilidade do art. 177 do CC – Prescrição vintenária – Agravo retido improvido.

RESPONSABILIDADE CIVIL – Acidente de trânsito – Indenização por morte do marido e pai dos autores, passageiro da empresa-ré – Responsabilidade objetiva desta, sendo inócua a apuração da culpa do motorista do ônibus – Pensão corretamente fixada em 2/3 da remuneração auferida pela vítima à época do acidente, como anotado na carteira de trabalho, resguardando o direito de acrescer – Descabimento, por outro lado, do dano moral por ser o evento anterior à CF/88 – Agravo retido improvido e apelos parcialmente providos.” (Fl. 409)

Os embargos declaratórios opostos pela ré foram rejeitados.

Inconformados, os autores manifestaram recurso especial, com arrimo na alínea “a” do permissor constitucional, apontando negativa de vigência aos arts. 159 e 1.537 do Código Civil/1916. Sustentaram a legalidade de reparação do dano moral cumulativamente com o patrimonial, ainda que o evento danoso tenha ocorrido em data anterior à promulgação da Constituição Federal de 1988.

Contra-razões às fls. 507/514.

Admitido o apelo extremo na origem, subiram os autos a esta Corte.

A douta Subprocuradoria Geral da República opinou pelo não-conhecimento do recurso.

É o relatório.

VOTO

O SR. MINISTRO BARROS MONTEIRO (Relator):

1. Prima facie, acha-se satisfeito, no caso, o requisito do prequestionamento, uma vez que a decisão recorrida apreciou às expressas o tema relativo ao dano moral. É suficiente, para o atendimento do aludido pressuposto, que a questão jurídica tenha sido analisada pelo Tribunal de origem, pouco relevando que não tenha sido feita referência, de modo específico, aos preceitos legais posteriormente invocados no apelo especial.

2. A promulgação da Carta Política de 1988 apenas veio reforçar, na ordem jurídica brasileira, a previsão já existente da reparação por dano moral.

Encontrava-se a indenização contemplada na regra geral constante do art. 159 do Código Civil de 1916.

Daí o verbete sumular n. 37 desta Casa, que não deixa dúvida alguma a respeito: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato”.

Descabida, pois, a distinção feita pelo acórdão combatido segundo o qual a cumulação por danos material e moral somente era admissível em favor da própria vítima.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é inequívoca a respeito.

Quando do julgamento do REsp n. 232.103-SP, relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, esta Quarta Turma decidiu com base na seguinte ementa:

“RESPONSABILIDADE CIVIL. Dano moral. Fato anterior a 1988.

A indenização pelo dano moral pode ser deferido por fato ocorrido antes da Constituição de 1988, pois já antes dela o nosso ordenamento legal admitia a responsabilidade civil do causador de dano extrapatrimonial. Recurso conhecido e provido”.

Nesses termos, ao excluir a indenização por dano moral na espécie, o julgado recorrido afrontou a norma inserta no art. 159 do CC/1916. A prova da ocorrência do dano moral está na existência do fato (in re ipsa). Confira-se a respeito o REsp n. 153.155-SP, também de relatoria do Ministro Ruy Rosado de Aguiar. Nem se alegue, como o faz a recorrida, que os co-autores Cristiana, Cristina e Fernando, por serem menores impúberes, não sentiram dor alguma pela perda do progenitor. Tal assertiva equivale a dizer que os referidos autores seriam desprovidos de personalidade jurídica, o que contraria não só a Lei Maior (art. 5º, caput), como também o art. 2º do Código Civil de 1916 (art. 1º do vigente Código Civil).

3. Devida a reparação pelo dano moral suportado pelos co-autores incapazes, o seu quantum é de ser determinado preponderantemente em face dos seguintes elementos:

I. A situação pessoal dos ofendidos;

II. o porte econômico da ofensora;

III. a intensidade do constrangimento ou da dor e o grau da culpa.

Se, de um lado, pode ser tida como grave a natureza da lesão sofrida pelos demandantes menores impúberes, de outro, cabe levar em conta a situação econômica da ré, que não se apresenta como uma das maiores empresas do setor de transporte no País. Impende, pois, estabelecer o importe da condenação com a qual tenha ela condições de arcar.

Daí por que se considera razoável arbitrar a indenização pelo dano moral, na hipótese vertente, em quantia equivalente a cem salários mínimos para cada um dos três demandantes menores, isto é, R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para cada um, num total de R$ 90.000,00 (noventa mil reais).

4. Isso posto, conheço do recurso e dou-lhe provimento, a fim de condenar a ré ao pagamento da quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais) para cada um dos co-autores incapazes, a título de dano moral; totalizando, assim, o importe de R$ 90.000,00 (noventa mil reais), atualizável a contar desta data.

É como voto.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!