Banco Marka

Cacciola, foragido na Itália, apela contra condenação

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24 de outubro de 2005, 20h21

O ex-controlador do Banco Marka, Salvatore Cacciola, está tentando reverter sua condenação de 13 anos de prisão. Ele é acusado de gestão fraudulenta e peculato.

Na Apelação, apresentada na segunda-feira (17/10) ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro), a defesa do banqueiro pede a anulação do processo penal, alegando que há ilegalidades desde a instauração das investigações. O recurso é assinado pelos advogados Alan Bousso, Carlos Cyrello Neto e Carlos Ely Eluf.

Segundo os advogados, Cacciola, por ser co-réu num processo ao lado de Francisco Lopes, presidente do Banco Central à época dos fatos de que é acusado, cargo equivalente ao de ministro da República, teria direito a foro especial. Por isso, a ação contra ele não poderia ter sido impetrada na Justiça comum, mas no Supremo Tribunal Federal.

Além disso, segundo a defesa, a investigação não poderia ter sido conduzida pelo próprio Ministério Público. Para os advogados de Cacciola, isto prejudica a imparcialidade do procedimento jurídico e fere a exclusividade da Polícia Federal para investigar, conforme estabelecido pela Constituição Federal.

A apelação em favor de Cacciola também afirma que não houve nenhuma prova material, nem documento nem testemunha, que comprovasse os crimes pelos quais ele é acusado. Segundo a defesa, o banqueiro foi condenado com base em notícias da imprensa e “bilhetes pouco elucidativos a respeito dos fatos”.

Os advogados pedem, então, que o processo seja anulado e Cacciola absolvido. Se o TRF-2 não concordar com os argumentos da defesa, pedem que seja imputada ao banqueiro uma condenação mais branda, de cinco anos, o mínimo legal para os crimes de peculato e gestão fraudulenta.

Carlos Ely Eluf, advogado de Cacciola, também alega que o próprio Superior Tribunal de Justiça, na semana passada, considerou que não houve gestão fraudulenta no Banco Marka. Portanto, o banqueiro não pode ser condenado por este crime. Eluf se refere à decisão do STJ que decidiu que o banco não deve responder por propaganda enganosa. Os ex-cotistas dos fundos Marka Nikko diziam que foram vítimas de propaganda enganosa já que perderam todo o dinheiro aplicado num banco que aparentava saúde financeira.

História

Segundo a denúncia, o ex-presidente do BC Francisco Lopes e a ex-diretora Tereza Grossi favoreceram os bancos Marka e FonteCindam às vésperas da desvalorização do real, em janeiro de 1999. O BC teria dado tratamento privilegiado aos bancos privados. Além de Cacciola, Lopes foi condenado a 10 anos de prisão e Tereza a 13 anos. Outros dirigentes dos bancos também foram condenados. Todos, no entanto, podem responder em liberdade, menos Cacciola, que já teve a sua prisão decretada. O banqueiro está foragido na Itália. A Justiça brasileira pediu sua extradição, mas a Justiça italiana negou porque Cacciola é cidadão italiano.

Leia a íntegra da apelação

EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO.

Processo nº 2000.51.01.509046-0

SALVATORE ALBERTO CACCIOLA, na AÇÃO PENAL que lhe move a JUSTIÇA PÚBLICA, vem, apresentar as RAZÕES DE APELAÇÃO.

Nestes Termos,

pede deferimento.

Rio de Janeiro, 17 de Outubro de 2.005

p.p. Carlos Ely Elufp.p.Carlos Cyrillo Neto

OAB/SP 23.437OAB/SP 11.706

p.p. Alan Bousso

OAB/SP122.600

RAZÕES DE APELAÇÃO

Pelo Recorrente

SALVATORE ALBERTO CACCIOLA

Colenda Câmara

1. O Apelante, inconformado com a r. sentença que o penalizou de maneira draconiana e injusta pela prática dos crimes de peculato e gestão fraudulenta, aplicando injustificadamente, pena que excedeu em demasia o mínimo legal, vem evidenciar a desrazão da sua condenação.

1-A. Aprioristicamente, cumpre salientar, que a r. sentença ora combatida não se ateve ao fato, no que tange especificamente ao suposto crime de gestão temerária ou fraudulenta, de que o E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, nos autos da Apelação nº 2002.001.21164, interposta em face do Apelante e do Banco Marka, já se manifestou acerca do crime em tese perpetrado pelo Apelante, reconhecendo, expressamente, que o Apelante jamais foi autor de tais delitos, tendo essa decisão sido acatada e corroborada pela 4ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, no RESP 747.149. (doc. fls.).

1-B. Ambas decisões acima especificadas serão minuciosamente ilustradas nos itens 275/277-K do presente recurso. Ademais, esclareça-se de plano que as decisões acima mencionadas, foram proferidas no bojo de processo em tramite perante a esfera Cível, que versa rigorosamente sobre os mesmos fatos apurados no caso vertente, no que concerne à não existência do suposto crime de gestão fraudulenta de Instituição Financeira, em tese praticado pelo Apelante, o que certamente será reconhecido e declarado por Vossas Excelências, sob pena de ser proferida no presente decisão diversa dos julgados do E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e do Superior Tribunal de Justiça, conforme decisões inclusas à presente (doc. fls. ).

2. Além da decisão ora guerreada ser conflitante com as acima aludidas, ressalta o Apelante que foram desrespeitadas regras fundamentais em que se ampara o moderno processo penal, destacando-se até mesmo incompetência absoluta do juízo monocrático que lançou a r. sentença recorrida, em razão de assistir ao co-Apelante Francisco Lopes foro privilegiado por prerrogativa de função, em razão de, na qualidade de ex-Presidente do Banco Central, lhe ser assegurado julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102 da Carta Magna, conforme foi proclamado

em Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADIN 3290-05, estendendo-se, em razão de conexão, este permissivo legal ao Apelante.

3. Discorre ainda em sede de preliminar o Apelante a respeito de cerceamento de defesa, desrespeito ao contraditório e ao devido processo legal, bem como violação ao princípio do Promotor natural, ilicitude das provas carreadas aos autos pela Promotoria, atuando seus agentes fora de suas atribuições legais, fazendo às escancaras o papel de polícia judiciária, o que é manifestamente ilegal.

4. No mérito demonstra o Apelante a insubsistência das provas carreadas aos autos, tendo a r. sentença recorrida se baseado apenas em indícios desprovidos de valor probatório, dos quais depreende-se mera suspeita, estando envoltos, portanto, em incertezas e dubiedades.

5. E na remota hipótese, ainda que assim não entendam Vossas Excelências, deverá ser aplicada a pena no mínimo legal, uma vez que o Apelante não possui antecedentes criminais, tratando-se de pessoa idônea com ilibada conduta moral e profissional.

6. Após este preâmbulo, passa o Apelante a discorrer, inicialmente, a respeito das preliminares que maculam o presente feito com nulidade insanável, para posteriormente atacar o mérito da r. sentença monocrática, demonstrando a fragilidade das provas carreadas aos autos durante a instrução criminal, e , ao final, caso, na remotíssima hipótese de ser mantida a r. sentença, deverá a pena ser aplicada no mínimo legal e não na excessiva e injustificada dosimetria da punição imposta ao Apelante pela r. sentença monocrática.

I-PRELIMINARMENTE

1ª PRELIMINARDA

ILÍCITA ATUAÇÃO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL NA FASE INVESTIGATÓRIA E DA ILICITUDE DAS PROVAS: NULIDADE PROCESSUAL INSANÁVEL DA AÇÃO PENAL

7. Data maxima venia, Cultos Desembargadores, via de regra, não agiu com acerto o r. decisório apelado, quanto ao afastamento da alegação de nulidade processual, considerando equivocadamente idônea a prova obtida na fase pré-processual, a qual foi colhida contra – legem, eis que contou com a ilícita participação ministerial na fase de inquérito policial, como a seguir será minuciosamente demonstrado:

8. Na data de 30 de março de 1999, o Ilustre Procurador da República, Dr. Arthur Gueiros, enviou ofício PR/ RJAG nº 037/99 aos Srs. Coordenadores da Área Criminal de PR/RJ, solicitando a “provocação de distribuição criminal”, pois, “o BANCO CENTRAL DO BRASIL teria, em janeiro passado, favorecido determinada instituição financeira, vendendo-lhe dólares por preço “abaixo” do mercado” (grifo do original) (doc. de fls. 05 dos autos da Medida de Busca e Apreensão).

9. O REFERIDO OFÍCIO FOI INSTRUÍDO E BASEOU-SE, EXCLUSIVAMENTE,

EM CÓPIAS DE REPORTAGENS VEICULADAS NA REVISTA VEJA, DATADA DE 17 DE FEVEREIRO DE 1999, intitulada “CAÇA À FRAUDE CAMBIAL” (doc. fls. 04 dos autos da medida de Busca e Apreensão).

10. A mencionada notícia – crime veiculada por intermédio do mencionado ofício PR/RJ/AG nº 037/99 desencadeou, de forma totalmente irregular e inconstitucional, a instauração, no âmbito interno da Procuradoria da República, de um “Procedimento Investigatório” sob a presidência de Procuradores da República (subscritores da denúncia), que visava apurar a suposta prática, por parte dos dirigentes do Banco Marka S/A e de funcionários do Banco Central do Brasil, de infração penal prevista no artigo 23, da Lei 7.492/86 (crime contra o sistema financeiro nacional).

11. Nos autos do mencionado procedimento investigatório, os Ilustres Procuradores da República, arvorando-se e ocupando contra – legem o lugar de autoridade policial e extrapolando, às escâncaras, suas funções, outorgaram a si próprios, sem nenhum embasamento legal, o direito de “determinar” e participar das seguintes diligências:


“ 1º) requisite-se, via fac – simile, ao senhor Presidente do Banco Central que preste, dentro de 5 dias úteis, informações pormenorizadas, devidamente acompanhadas de documentos correspondentes, sobre a venda de dólares ao FONTECINDAM e ao MARKA noticiada pela Revista Veja, em 17.02.99, devendo informar, entre outros dados relevantes, qualificação completas das pessoas que autorizam as operações, motivos e finalidades das referidas operações, se houve manifestação prévia dos setores competentes do BACEN, inclusive da DIJUR, o montante dos prejuízos a serem suportados pela Autarquia em referência, os normativos legais e infra – legais utilizados para respaldar tais operações;

2º) requisite-se, via fac-simile, ao senhor Presidente da Bolsa de Mercadorias e de Futuros (BM&F) que preste, dentro de 5 dias úteis, informações pormenorizadas, devidamente acompanhadas dos documentos correspondentes, sobre as operações de compra e venda de dólares, abaixo da cotação disponível no mercado, realizadas, no dia 14 de janeiro de 1999, entre o BANCO DO BRASIL e o FONTECIDAN e o MARKA;

3º) requisite-se, via fac-simile, ao senhor Presidente do Banco Central que remeta, dentro de 05 dias úteis, cópias autenticadas dos atos constitutivos e das atas de assembléias gerais das instituições denominadas FONTECINDAM e MARKA, envolvidas nas supostas operações irregulares de compra e venda de dólares realizadas no dia 14 de janeiro de 1999;

4º) intimem-se o senhor Francisco Lopes, então presidente do Banco Central à época dos fatos, bem assim a senhora Sandra Cupello, ex-secretária da Marka Nikko Asset Magnament a comparecerem nesta Procuradoria da República, a fim de prestarem esclarecimentos sobre os fatos em tela;

5º) solicite-se, via fac-simile, ao Excelentíssimo Deputado Aloísio Mercadante que remeta, com urgência, cópia dos documentos que dispuser acerca da suposta venda irregular de dólares ao FONTECINDAM e ao MARKA;

6º) cumpridas as diligências dos itens retro, remetam-se os autos à Biblioteca, a fim de que instrua, dentro de 05 dias, o presente procedimento com cópia das matérias publicadas sobre o assunto nos Jornais e Revistas de grande circulação editados durante o período de 15.02.99 até a presente data 15.03.99; e

7º) oficie-se, via fac-simile, Excelentíssimo Senhor Procurador da República no Distrito Federal, Doutor Luiz Francisco, comunicando-lhe da instauração deste Procedimento Investigatório e solicitando-lhe a conjugação entre ambas as Procuradorias do Rio de Janeiro e Distrito Federal, com vistas a total elucidação do caso;

8º) os originais dos ofícios mencionados nos itens 1º, 2º, 3º, 5º e 7º deverão seguir pelo Correio, com Aviso de Recebimento; e

9º) cumpridas todas as diligências, voltem-se os autos conclusos” (doc. de fls. 10/12 dos autos da Medida de Busca e Apreensão).

12. Este ilegal “Procedimento Investigatório”, instaurado no âmbito interno da Procuradoria da República/RJ e que foi presidido pelos Ilustres Procuradores da República (subscritores da denúncia), constituiu um procedimento absolutamente inconstitucional e contra – legem, pois a referida instituição não tem poderes para efetuar investigações criminais visando obtenção de prova direta como fez – pois esta é a função constitucionalmente destinada à Polícia Judiciária – cabendo-lhe apenas e tão somente requisitar diligências investigatórias, porque É PARTE NO PROCESSO.

13. As requisições e intimações acima transcritas foram todas expedidas no lugar da autoridade policial, que é quem deve conduzir as investigações criminais, conforme previsto na Constituição Federal, por um setor da Procuradoria da República/ RJ que simula as atividades de um cartório criminal, conforme se verifica às fls. 14/22 dos autos da Medida de Busca e Apreensão (doc. fls.).

14. Dessa forma, tornam esdrúxulos os argumentos proferidos no r. decisório combatido, que não tem o condão de afastar a ilícita atuação do Ministério Público Federal na fase investigatória, conforme faz prova o r. decisório transcrito no seguinte sentido:

(…) os elementos que instruíram o pedido de busca não eram, propriamente, os elementos de prova, mas mera narrativa de fatos notórios, quer porque os elementos obtidos através das buscas, autorizadas por este juízo, não podem ser tidos como frutos de investigação direta, porque colhidos através de atos deste juízo.

(…)

Todavia, ainda que elementos de prova houvesse, colhidos diretamente pelo Parquet, razão não haveria para reconhecimento da nulidade.

(…) ao conceder ao Ministério Público poderes explícitos, traduzidos na possibilidade de efetuar requisições e propor ações, não lhe poderia vedar a forma de efetivamente realizar esse controle, por meio de suprimento das deficiências na fase investigativa verificáveis no trabalho da polícia judiciária.

(…) considerando o histórico da atuação da polícia judiciária em nosso país, Instituição com ligações (…) com o Poder Executivo, cujos membros jamais gozaram de qualquer garantia que lhes permitisse um mínimo de independência em relação ao poder político, parece claro que a possibilidade de uma instituição como o Ministério Público, hoje formada por jovens nela ingressos através de concurso público de provas e títulos, gozando das garantias da inamovibilidade, vir a investigar crimes cometidos por nossa elite econômica e política é, sem dúvida, o grande impulsionador da reação contra estas investigações” (grifos nossos)

15. Nem seria preciso nos alongarmos mais e mencionar sobre a ilegalidade e arbitrariedade da atuação do Ministério Público no caso vertente, eis que o Parquet é parte processo e categoricamente extrapolou as suas funções, uma vez que a Constituição Federal em seu artigo 129, VIII, dotou ao Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração do Inquérito Policial, sendo certo que a norma constitucional não contemplou a possibilidade do Parquet realizar e presidir inquérito policial como meio de suprimento de supostas deficiências na fase investigativa no trabalho da polícia judiciária. O ABSURDO É GRITANTE.

16. Assim, como arbitrariamente ocorrido no caso vertente, não cabe ao Ministério Público inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime como ocorreu no caso do Apelante, pois o órgão ministerial deveria ter requisitado diligências à autoridade policial e não as fez. Dessa forma, a atuação ministerial, categoricamente, extrapolou todos os seus limites constitucionais, ao arvorar-se nas funções de Polícia Judiciária e com isso assumiu a direção das investigações, substituindo-se a autoridade policial pelo Parquet que – repita-se – É PARTE NO PROCESSO.

17. Em suma, não é possível sustentar a substituição da Polícia Federal, que tem o dever de assumir a direção e realização de investigações nas infrações penais de competência da Justiça Federal, pelo órgão ministerial que é parte no processo, desrespeitando-se assim a estrutura de ambas instituições, as quais possuem atribuições funcionais bastante diferenciadas.

18. Posteriormente, também foram juntados ao inusitado “Procedimento Investigatório”, o qual, frise-se, foi presidido pelos Ilustres Procuradores da República, ao arrepio da lei, informações a respeito dos Bancos Marka e Fontecidam, extraídas de suas home-pages respectivas na Internet, bem como cópias de notícias veiculadas na Revista “Isto É”, datada de 07 de abril de 1999, e na Revista “Veja” do dia 14 de abril de 1999, conforme determinado (item 4 – 6ª diligência) (doc. de fls. 23/39 dos autos da Medida de Busca e Apreensão).

19. Tendo em vista que nenhuma resposta havia sido encaminhada à Procuradoria da República em atendimento às mencionadas “requisições”, expedidas por ordem dos ilustres Procuradores da República, que presidiam o esdrúxulo e ilegal “Procedimento Investigatório”, no dia 13 de abril de 1999, os mesmos Procuradores da República, arvorando-se nas funções de Polícia Judiciária, requereram, perante a Justiça Federal, a realização de busca e apreensão de documentos em diversos locais, dentre eles a residência e o local de trabalho do Apelante, Salvatore Alberto Cacciola, (sede do Banco Marka S/A) (doc. de fls. 02/04).

20. O mencionado pedido de busca e apreensão formulado pelos Ilustres Procuradores da República foi embasado, exclusivamente, como não podia deixar de ser, nas matérias jornalísticas acima elencadas e em nada mais além disso.

21. Os mandados de busca e apreensão foram expedidos e cumpridos, na data de 15 de abril de 1999, por cinco equipes da Polícia Federal, acompanhadas dos Ilustres Promotores de Justiça que conduziram pessoal e indevidamente as diligências realizadas na residência e no local de trabalho do Apelante, Alberto Cacciola, estranhamente investidos nas funções exclusivas da Polícia Judiciária, além de contarem com a prestativa presença da Imprensa (doc. fls. 64/68, 97/98 e 105/113 dos autos da Medida de Busca e Apreensão).

22. Data maxima venia, em relação ao r. decisório apelado houve injustificável intolerância a este ilícito estado de coisas, um elementar erro material, eis que os Ilustres Procuradores da República (subscritores da denúncia), na fase de inquérito policial comandaram pessoalmente e estiveram à frente da referida busca e apreensão, invadiram juntamente com o batalhão da Polícia Federal, todos armados com metralhadoras e escopetas, a residência do Apelante e a sede do Banco Marka S/C (local de trabalho do Apelante), revirando cada canto dos referidos imóveis, sem, ao menos, se preocuparem com as pessoas, inclusive crianças que ali se encontravam, violando, por mais de oito horas, a privacidade da família do Apelante, gritando e ameaçando sua mulher, Adriana, e, inclusive, ameaçando quebrar objetos, além de se dirigirem a elas de forma grosseira e ameaçadora, em flagrante desrespeito às normas e garantias constitucionais em vigor.


23. Arvorando-se ilegalmente na função de polícia judiciária, o Ministério Público Federal, ao arrepio da lei e extrapolando, às escancaras, seus limites funcionais, previstos expressamente na Constituição Federal, instaurou e presidiu, no âmbito interno da Procuradoria da República/RJ, o inusitado “Procedimento Investigatório”, requisitando informações e documentos a autoridades, comandando investigação (os procuradores federais a fizeram pessoalmente), presidindo e participando, inclusive, de busca e apreensão de documentos na residência e local de trabalho do Apelante, como se fosse Polícia Judiciária.

24. Gerou-se através destas atuações ministeriais, um clima insustentável de condenação antecipada do Apelante, Salvatore Alberto Cacciola, em virtude do alarido de imprensa, ou seja, criou-se, artificialmente, o entendimento implícito de que o mesmo era culpado. A falsa premissa do informado pela imprensa, confundido propositalmente com “clamor público”, lançada na fase de investigação criminal, contaminou o trâmite da presente ação penal, tudo em descompasso com o princípio da ampla defesa e do devido processo legal, condenando-se, por antecipação, o Apelante não tendo, equivocadamente, o r. decisório combatido levado em consideração os mencionados fatos.

25. Constata-se, portanto, que o Apelante está recorrendo de uma ação penal embasada em indícios probatórios colhidos direta e pessoalmente pelos ilustres Procuradores da República/ RJ, de modo que a referida ação penal está instruída com “provas” produzidas pelo próprio Ministério Público, de maneira ilegal e inconstitucional. Só se pode concluir que A PRESENTE AÇÃO PENAL É NULA, AB INITIO, tendo em vista o disposto no art. 4º do Código de Processo Penal, nestes termos:

Art. 4º. A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no território de suas respectivas circunscrições e terá por fim a apuração das infrações penais e da sua autoria”. (grifos nossos)

26. Em recentíssima decisão, a 2ª Turma do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL pontificou, por unanimidade de votos, tendo como relator o Ministro Nelson Jobim, que o Ministério Público não pode fazer investigação criminal, faltando-lhe legitimidade para tanto, manifestando-se nestes termos:

EMENTA – RECURSO ORDINÁRIO

EM HÁBEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL. CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL/DF. PORTARIA. PUBLICIDADE DE ATOS DE INVESTIGAÇÃO. INQUIRIÇÃO ILEGITIMIDADE. PORTARIA. PUBLICIDADE.

A Portaria que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal, no que tange à publicidade, não foi examinada no STJ.

Enfrentar a matéria neste Tribunal ensejaria supressão de instância. Precedentes.

2 .INQUIRIÇÃO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA.ILEGITIMIDADE.

A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração do inquérito policial (CF, art. 129, VIII).

A norma constitucional não contemplou a possibilidade do parque realizar e presidir o inquérito policial.

Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime.

Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes (…)”, in RO em HC nº 81.326-7 – DF – 2ª T., Rel. Min. Nelson Jobim, 05.06.2003. (grifos nossos)

27. Como visto, o próprio Supremo Tribunal Federal entende que a atuação ministerial, como ocorreu no caso em espécie, extrapolando seus limites funcionais e arvorando-se nas funções de Polícia Judiciária é ilegal e inconstitucional.

28. Daí depreende-se que o ordenamento jurídico processual brasileiro está fincando na concepção de que as investigações preliminares, que constituem a fase preparatória da persecutio criminis, devem ser realizadas pelas autoridades policiais, ainda que sob o controle (vigilância e não participação ativa e ilegal) do Ministério Público.

29. Esta concepção tem em conta a necessidade de garantir-se a equitatividade do processo penal, em cujo curso se deve assegurar às partes a igualdade de tratamento, possibilitando a ambas as partes a mesma possibilidade de intervirem na instrução criminal, coligindo as provas necessárias para a comprovação dos fatos alegados. Assim, nos crimes de competência da Justiça Federal, a Polícia Federal é o órgão encarregado de presidir as investigações, que serão, a seguir, encaminhadas ao Ministério Público Federal, ao qual é conferido a titularidade da ação penal pública.

30. Se esses papéis não forem respeitados, como ocorreu no caso em questão, tem-se clara violação do preceito constitucional referente ao devido processo legal, assim estatuído:

“Art. 5º. Todos os cidadãos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos seguintes termos:

(…)

LIV – ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

31. Portanto, a competência para exercer as funções de investigação, na fase preparatória da persecutio criminis, é outorgada à Polícia Judiciária, e não ao Ministério Público, porque assim determina a lei penal vigente e, ainda, PORQUE O MINISTÉRIO PÚBLICO É PARTE INTERESSADA NA AÇÃO PENAL, NÃO ESTANDO NO ROL DE SUAS ATRIBUIÇÕES O EXERCÍCIO DAS FUNÇÕES POLICIAIS.

32. Eivada de vício, portanto, encontra-se a presente ação penal, bem como a decisão apelada, intentada contra o Apelante, Salvatore Alberto Cacciola, uma vez que parte interessada – Ministério Público instaurou, presidiu e participou da fase investigatória do inquérito policial, tornando nulo o feito de pleno direito, cerceada que foi a defesa na colheita das provas.

33. Nos termos da Constituição Federal, a Polícia Judiciária da União é exercida, com exclusividade, pela Polícia Federal. É o que preceitua o artigo 144, I, § 1º, in verbis:

“Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I- polícia federal;

(…)

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a:

I – apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

(…)

IV – exercer com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União”.

34. Ou seja, Cultos Desembargadores, a Constituição Federal determina, restritivamente, o mecanismo pelo qual deverá ser conduzida a investigação policial, vedando quaisquer interpretações contrárias, que só têm o condão de eivar de nulidade a condução investigativa perpetrada à margem do texto constitucional.

35. No caso em questão, a investigação policial foi, às escancaras, presidida pelos Procuradores da República/RJ, e não pela Polícia Federal, como determina a Constituição Federal, daí decorrendo vício insanável, causador de MANIFESTO CERCEAMENTO DE DEFESA e conseqüente NULIDADE DO FEITO, devendo ser, desta forma, reformada a r. sentença combatida.

36. A propósito da atuação do Ministério Público, a Carta Magna prevê, em seu artigo 129, VIII, o seguinte:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

(…)

VIII – requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;”

37. Ou seja, ínclitos Desembargadores a Constituição Federal deixa claro que o Ministério Público deve requisitar diligências investigatórias, e não efetuá-las, como ocorreu no caso em tela, justamente porque é parte no processo!

38. Decidiu-se, recentemente, em caso análogo:

“ (…)

I – inocorrência de ofensa ao art. 129. VIII, C.F., no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações pendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao membro do Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal (C.F., art. 144 1º e 4º). Ademais, a hipótese envolvia fatos que estavam sendo investigados em instância superior.”, in 2ª Turma do STF, RECR 250.473, Min. Carlos Velloso. (grifos nossos – doc. fls.).

39. Em seu brilhante voto, o Ilustre MINISTRO CARLOS VELLOSO, nesta decisão recente do Supremo Tribunal Federal, supra transcrita, é enfático a respeito da matéria:

“ (…) não compete ao Procurador da República, na forma do disposto no art. 129, VIII da Constituição Federal, assumir a direção das investigações, substituindo-se à autoridade policial, dado que, tirando a hipótese inscrita no inciso III do art. 129 da Constituição Federal, não lhe compete assumir a direção de investigações tendentes à apuração de infrações penais (C.F., art. 144, 1º e 4º). “ in, RO em HC 81.326, Rel. Min. Nelson Jobim. (grifos nossos)


40. Não cabe, como visto, ao Ministério Público, como ocorreu no caso em testilha fazer às vezes de Polícia Federal, como verdadeiro intruso, promovendo as investigações criminais em lugar da autoridade policial competente.

41. Os insignes juristas Ada Pellegrini Grinover, Antônio Scarance Fernandes e Antônio Magalhães Gomes Filho já se posicionaram sobre o assunto, na ilustrada obra “As Nulidades no Processo Penal”, 6ª Edição, Editora RT, 1999, págs. 120/121:

“(…) Inválida é a prova produzida sem a presença do juiz.

O Código de Processo Civil alemão é expresso na exigência de que a produção de prova seja feita perante órgão jurisdicional (365, caput), tendo-se salientado que o princípio representa um dos elementos estruturais fundantes de todo o ordenamento processual daquele país.

Desta afirmação básica decorre a conseqüência de que não são provas, que o juiz possa utilizar para a formação de seu convencimento, as que forem produzidas em procedimentos administrativos prévios. (…)”

42. Não há dúvidas de que o expediente utilizado pelo órgão ministerial contaminou a valia das provas, colhidas ilegitimamente, de forma indevida, por quem não possuía competência funcional para tanto, justamente por se tratar do órgão incumbido de promover a acusação. Em última análise, uma vez contaminadas as provas produzidas nos autos da presente ação penal, resta contaminado todo o processo, pela presença de nulidade insanável. É remansosa a jurisprudência pátria:

O magistrado e o membro do Ministério Público, se houverem participado da investigação probatória não podem atuar no processo. Reclama-se isenção de ânimo de ambos. Restaram comprometidas (sentido jurídico). Daí a possibilidade de argüição de impedimento ou suspeição”. (RT, vol. 733/530 – grifos nossos).

43. Os pretórios brasileiros já sedimentaram entendimento de que o Membro do Ministério Público que houver participado da investigação probatória não pode atuar no processo, uma vez que fica impedido porquanto a isenção de ânimo peculiar ao magistrado também deve ser exigida do Ministério Público, notadamente face à sua dúplice função Apelante/ fiscal da lei:

MP e magistratura não podem estar comprometidos com o caso sub judice. Daí a possibilidade de argüição de impedimento, ou de suspeição dos respectivos membros. Se um, ou outro, atua na colheita de prova que, por sua vez, mais tarde, será a base do recebimento da denúncia ou do sustentáculo da sentença, ambos perdem a imparcialidade, no sentido jurídico do termo. Não se confunde com interesse pessoal de a decisão seguir um caminho, ou outro. O comprometimento, insista-se, reside no interesse de elas serem prestigiadas, exaustivas bastantes para arrimar sentença de condenação, ou de absolvição”. (RT., Vol. 733/532, Rel. Min. Cernichiaro, STJ). (grifos nossos)

“Não se nega ao Ministério Público a faculdade de empreender diligências extra autos. O que se nega é que, na perspectiva muito provável de ser parte (quer no procedimento contraditório, quer na ação penal), possa colher declarações de pessoa vinculada aos fatos a coberto do contraditório” (RT, Vol. 624/280 TJSP).

“Promotor de Justiça. Argüição de suspeição. Inteligência do artigo 258 do Código de Processo Penal. Na conformidade do disposto no artigo 258 do Código de Processo Penal, os promotores de justiça podem ser recusados pelas mesmas causas que justificam a rejeição dos juízes. Membros do Ministério Público reconhecidamente hostis ao Apelante não devem representar a acusação. Apresentando-se em juízo o órgão estatal através de representante suspeito de agir de má-fé, não é lícito ao Poder Judiciário negar-se a coartar o exercício da acusação (mesmo em defesa do bom nome da instituição do Ministério Público)” (RT., vol. 595/404, TJMG).

44. É sabido que os atos praticados pela autoridade suspeita ou impedida são, em verdade, atos nulos, como prescreve o Código de Processo Penal, em seus artigos 564, I, c/c artigo 258, in fine. Portanto, o ato da apreensão dos inúmeros documentos na residência e local de trabalho do Apelante (busca e apreensão), que serviram de prova para embasar a presente ação penal, é nulo.

45. Por outro lado, o § 1º, do artigo 573, do Código de Processo Penal, estabelece que a nulidade de um ato causará a dos atos que dele diretamente dependam, ou seja sua conseqüência:

“Art. 573. Os atos, cuja nulidade não tiver sido sanada, na forma dos artigos anteriores serão renovados ou retificados.

§ 1º. A nulidade de um ato, uma vez declarada, causará a dos atos que dele diretamente dependem ou sejam conseqüência.”

46. No mesmo sentido é o entendimento do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ao analisar questões semelhantes:

“PROCESSO PENAL – HÁBEAS CORPUS – INQUÉRITO POLICIAL – COMPETÊNCIA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO – LIMITES.

I – Hábeas Corpus impetrado objetivando o trancamento da ação penal, defluente de denúncia formulada e baseada em subsídios probatórios extraídos de inquérito policial instaurado, processado e presidido por membros do Ministério Público Federal, subscritores da peça vestibular da ação penal.

II – Ilegalidade procedimental por invasão de atribuições reservadas à competência da polícia judiciária, nos termos do art. 144, 4º, da Constituição Federal.

III – Reconhecimento de competência do Ministério Público do poder-dever de fiscalizar atividades policiais, com requisição, inclusive, de diligências, sem entretanto, substituir-se à atribuição legal de Delegados de Polícia.

IV – Concessão da ordem de hábeas corpus impetrada em favor do pacientes para determinar o trancamento da ação penal contra eles instauradas, em curso no Juízo da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Unânime.”

(HC 1273 – Desembargador Ney Fonseca, 1ª Turma) (grifos nossos)

HÁBEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.

O representante do Parquet sem motivação aparente, instaurou inquérito administrativo que ele mesmo realizou, exorbitando sua competência legal e o qual culminou com o oferecimento da denúncia abusiva.

Ordem de “habeas corpus” concedida como requerimento na inicial” (HC nº 1137/RJ – 2ª T. Desembargador Federal Silvério Cabral)

“Ademais, também entendo que o Ministério Público, no curso de um inquérito policial, não tem atribuição legal para a colheita de pessoal de prova e direta de declarações de indiciados ou de testemunhas. Pode, sim, requisitar diligências e estar presente à realização das mesmas, mas não pode substituir a autoridade policial, a quem compete o exercício, com exclusividade, das funções de polícia judiciária da União, nos termos do art. 144, 1º, IV, da Carta Magna.” (HC nº 96.0209709-4, 2ª T., Rel. Desembargador Federal Castro Aguiar).

“ HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL PENAL. REPRESENTANTE DO PARQUET (CF, ART. 129). REALIZAÇÃO DIRETA DE PROCEDIMENTOS INVESTIGATÓRIOS NÃO CABIMENTO. POLÍCIA (CF, ART. 144, 1º, IV). ORIENTAÇÃO DO PRETÓRIO EXCELSO.

– O Ministério Público, como dominus litis, é o verdadeiro destinatário das investigações preparatórias da ação penal, cabendo a operacionalização das mesmas, de forma exclusiva, pela Polícia Judiciária (CF, art.144, 1º, IV);

“… Pode o Ministério Público, portanto, presente as normas do inc. VIII, do art. 129, da CF, requisitar diligências investigatórias e requisitar a instauração de inquérito policial, indicando os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais. As diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial deverão ser requisitadas, obviamente, à autoridade policial” (STF – RE 215.301 – CE, 2ª Turma, Rel. Min. CARLOS VELLOSO, Informativo – STF 145, D. 28/05/99, p. 1303);

– Diante da falta de atribuição legal ao Ministério Público Federal para promover diretamente atos investigatórios, há que ser reconhecida a ilegalidade das provas coligidas, sob pena de violação ao princípio do due process of law.

Habeas Corpus concedido.” (HC 99.02.07263-1/RJ – 4ª T. Rel. Desembargador Federal Benedito Gonçalves – DJ 8/11/00) (doc. fls. acórdão incluso – grifos nossos)

47. A preocupação com as graves conseqüências do abuso cometido por membros do Ministério Público foi objeto de manifesto da Associação dos Advogados de São Paulo, intitulado “Direito ou Barbárie”, no qual ressalta:

“O que se tem assistido, porém, em todo o País, é o uso desmedido e abusivo desses poderes por parte de alguns membros do Ministério Público, inclusive com a realização de atos próprios da investigação criminal, que a mesma Constituição atribuiu, com exclusividade, às Polícias Federal e Civis. Não bastasse isso, tem-se tornado usual, na conduta de tais membros do MP, a divulgação de imputações peremptórias, ainda que não amparadas por prova ou indícios, com o que procuram consolidar a certeza de que alguém atentou contra o interesse público, e depois se valerem das notícias que plantaram para coagir o Poder Judiciário a expedir medidas coercitivas contra aqueles que transformaram, com o auxílio da mídia, em inimigos públicos. Essa prática merece o repúdio de todos quantos tenham compromisso com o Estado Democrático de Direito, pois fere as principais garantias constitucionais do cidadão…Pretenderem alguns membros do Ministério Público substituir a polícia na função de apurar, e o juiz na função de julgar, condenando por antecipação – e por meio dos órgãos que deveriam ser apenas informação, não de execração – cidadãos aos quais são negadas as garantias constitucionais, constitui atentado ao regime democrático, tanto quanto eram autoritárias, antidemocráticas e expressões de barbárie as práticas adotadas pela Inquisição ou por qualquer regime de exceção, como se caracterizavam todas as ditaduras que vitimaram a sociedade brasileira no curso de sua história.”


48. Também foi objeto de notícia do IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, divulgada no Boletim nº 135 – Fevereiro/ 2004, “Poderes Investigatórios do Ministério Público e suas conseqüências”, in verbis:

“Com grande preocupação o IBCCRIM tem acompanhado empenho de representantes do Ministério Público, inclusive junto ao Supremo Tribunal Federal, em fazer prevalecer o entendimento de que possuem poderes de investigação criminal, apresentando-se aos olhos dos menos avisados como uma única instituição incorruptível e capaz de enfrentar o crime organizado.

Para sustentar que dispõe de poderes investigatórios no âmbito penal, o Ministério Público serve-se de interpretação isolada e distorcida de incisos que integram o art. 129 da Constituição Federal. Aduz, ademais, que tais poderes são implícitos, já que são inerentes às suas funções constitucionais. Argumenta que a investigação criminal não é monopólio da Polícia Judiciária. E chega ao extremo de defender que “quem pode o mais (promover ação penal pública) pode o menos (presidir inquérito policial)”, esquecendo-se que de que as funções de investigar e de acusar são bem distintas.

(…)

O problema é que sob nenhum prisma, de que se examine a matéria, mostra-se adequada a atribuição de poderes investigatórios penais ao órgão ministerial. Não é como pretendem alguns, o argumento histórico ou a tradição que determina essa conclusão.

Sob o aspecto jurídico, as interpretações sistemática, lógicas e, até mesmo, gramatical do art. 129 da Constituição Federal não permitem extrair outra conclusão exceto aquela de que o Ministério Público não possui poderes para a investigação criminal. O texto é claro e expresso ao indicar, como função institucional ministerial, a promoção da ação penal pública, do inquérito civil e da ação civil pública. Quanto ao inquérito policial, limita-se a atribuir ao Ministério Público a requisição de sua instauração.

(…)

Além disso, a função de apurar infrações penais foi expressamente atribuída no próprio texto constitucional às polícias civis e à polícia federal, no art. 144.

(…)

Examinando a Constituição Federal, verifica-se que a exclusão da investigação criminal das funções ministeriais foi deliberada e proposital: por meio dela, mantém-se o imprescindível equilíbrio com as demais instituições desenvolvidas na apuração das infrações penais: a Polícia Judiciária, o Poder Judiciário e a Advocacia.

No sistema constitucional, incumbe à Polícia Judiciária investigar os delitos; ao Ministério Público promover a ação penal pública – requisitando para tanto a polícia da Polícia Judiciária sob o crivo do Poder Judiciário as diligências necessárias -, e à Advocacia zelar pela observância dos direitos fundamentais do investigado e pela legalidade do procedimento, socorrendo-se do Judiciário nesta tarefa.

(…)

Além disso, a experiência tem demonstrado que o Ministério Público, quando investiga, age de forma totalitária e contrária às suas próprias funções institucionais: seleciona a dedo as investigações que pretende realizar; abandona por completo o regramento estabelecido no Código de Processo Penal; preside procedimentos que não são dotados de publicidade, nem da mínima transparência, uma vez que rotineiramente não são submetidos a regular distribuição no Poder Judiciário, sendo os advogados sistematicamente impedidos de examinar as peças que os integram, a pretexto de sigilo decretado ao arrepio da lei.

Nesse quadro, além de patente inconstitucionalidade da atribuição de poderes investigatórios criminais ao Ministério Público, verifica-se que nem mesmo na prática ela se justifica, porque constitui verdadeiro desserviço ao Estado de Direito”. (doc. fls.)

49. E, tantos foram os desmandos e ilicitudes que vêm cometendo os membros do Ministério Público, precipuamente extrapolando suas funções, que a sociedade, agora, passou externar sua preocupação e seu repúdio ante as graves conseqüências dos abusos cometidos por seus membros, movidos até por inconfessáveis propósitos de cunho pessoal, fascinados como mariposas pelas fugazes luzes e holofotes da mídia falada, escrita e principalmente televisiva, em lugar de notoriedade.

50. Esse repúdio vem se reiterando, na atualidade, através dos mais altos representantes da sociedade, em reportagens jornalísticas contundentes, que denunciam este lastimável estado de coisas. Em apenas um dia de matéria, tamanha é a gravidade do tema, um dos mais conceituados jornais do país, “O Estado de São Paulo”, no dia 04 de abril de 2004, publicou as seguintes matérias:

“Planalto e Congresso apressam controle sobre MP”

“Parlamentares querem CPI sobre promotores”

“Para Roseana, procuradores tinham objetivo político em 2002”

“Diretor da PF defende clareza no papel do MP”

Procuradores agem como policiais e atropelam o andamento de inquéritos, avalia Lacerda”

“Esse grupo age totalmente fora da lei, diz Eduardo Jorge”

51. O recente acórdão proferido

em Recurso Ordinário em Habeas Corpus, do Supremo Tribunal Federal de nº 81.326-7, datado de 06.05.2003, cujo Relator foi o Ministro Nelson Jobim, sacramenta o entendimento da Corte Máxima de Justiça deste país no sentido de que o Ministério Público não pode assumir as funções da Polícia Judiciária, sob pena de incorrer em ilegalidade e ferir a Constituição Federal. Mas foi o que ocorreu no caso vertente, como supra explanado.

52. Portanto, impõe-se como medida de justiça a reforma da r. sentença combatida, pois a presente ação penal proposta contra o Apelante, Salvatore Alberto Cacciola, é eivada de vício e é flagrantemente nula, devendo, data maxima venia, assim ser reconhecido pelos motivos elencados nesta preliminar, pois decorre de abuso de poder praticado pelo Ministério Público Federal, uma vez que veio acompanhada de “provas” ilicitamente obtidas pelo Parquet, que instaurou e presidiu, no âmbito interno da própria Procuradoria da República/ RJ, um inusitado inquérito, denominado “Procedimento Investigatório”, promovendo diligências, participando e inclusive presidindo busca e apreensão de documentos na residência e local de trabalho do Apelante, violando, às escâncaras, o princípio constitucional do devido processo legal, com a usurpação da atribuição constitucional que a Carta Magna diz ser exclusiva da Polícia Judiciária.

53. Por todo o exposto, requer o Apelante o acolhimento desta preliminar declarando nula a presente ação penal ab initio, pela ilegal intervenção ministerial na fase investigativa na qual culminou a ilicitude das provas colhidas na presente ação.

2ª PRELIMINAR:

NULIDADE DECORRENTE DO CERCEAMENTO DE DEFESA DO APELANTE

em virtude de:

LESÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA POR INSUFICIÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA: LESÃO AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO; LESÃO AO PRINCÍPIO DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

54. Ademais, além das nulidades existentes já abordadas neste recurso, existe outra a seguir comentada, que acarreta nulidade inafastável à absurda demanda promovida contra o Apelante no caso em testilha.

55. A preliminar de cerceamento de defesa apresentada pelo Apelante, em sede de alegações finais, é de suma importância para o deslinde da presente ação, e não foi acatada, equivocadamente, pelo MM. Juízo da 6ª Vara Criminal Federal, por ocasião da prolação da r. sentença de fls., a qual ignorou princípios elementares que regem o direito de defesa.

56. Salienta-se, conforme já aduzido nesses autos em atenção ao artigo 500 do Código de Processo Penal, que foi manifesta a lesão ao princípio constitucional da AMPLA DEFESA do Apelante, previsto no artigo 5º, LV, da Constituição Federal, que dispõe:

“Art. 5º.

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos apelantes em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;” (grifo nosso)

57. Conforme ficou demonstrado, a r. sentença apelada, negou vigência ao princípio constitucional supra citado, desprezando assim as razões do Apelante, o que deve ser por questão de justiça, reconhecido por esta Excelsa Corte. Senão vejamos:

58. Ao contrário da fundamentação da r. sentença, no dia 28 de junho de 2000, o advogado constituído pelo Apelante, Dr. José Carlos Fragoso, foi intimado a oferecer defesa prévia, no processo nº 2000.51.01.509056-0, ora apensado à presente ação penal, por determinação do MM. Juízo “a quo”.

59. Atendendo a intimação advinda dos autos, e em cumprimento do disposto no artigo 395, do Código de Processo Penal, que estipula prazo de 03 (três) dias para apresentação de defesa prévia, o ilustre advogado Dr. José Carlos Fragoso enviou ao Cartório do MM. Juízo “a quo”, o estagiário de direito, Dr. Rodrigo Fragoso, para efetuar carga dos autos processuais, como lhe faculta o disposto no artigo 7º, inciso XV da lei Federal nº 8.906, de 04/07/96, que dispõe:

“Art. 7º – São direitos do advogado:

[…]

XV – ter vista dos processos judiciais ou administrativos de qualquer natureza, em cartório ou na repartição competente, ou retirá-los pelos prazos legais;” (grifo nosso)

60. Naquela oportunidade, o ilustre escrivão do Cartório do Juízo Monocrático, João de Almeida Rodrigues Neto, informou ao estagiário de direito que “os autos ainda não estavam disponíveis para vista”, consoante noticiado nos autos pela defesa então constituída (doc. fls.).

61. Diante desta informação e considerando a necessidade de apresentação da defesa prévia (prazo de três dias), o ilustre defensor do Apelante, o saudoso Dr. José Carlos Fragoso, procurou obter informações adicionais, com vistas a apurar as razões pelas quais os autos da ação judicial não estavam disponíveis para elaboração da defesa prévia, em pleno curso de seu exíguo prazo, em ação penal envolvendo fatos de complexa elucidação e contendo significativo volume de documentos a serem analisados pela defesa, dentre eles aproximadamente 50 (cinqüenta) horas de gravações telefônicas decografadas (doc. fls.).

62. Diante destes fatos, aquele insigne advogado, Dr. José Carlos Fragoso (que faleceu no ano de 2.003) logrou apurar, na ocasião, através de informação fornecida pela própria Secretaria do D. Juízo “a quo”, não só que os autos processuais não estavam disponíveis para carga e análise fora de Cartório, embora estivesse fluindo o prazo para apresentação da defesa prévia, como também que existiam diversas caixas de papelão e volumes de lona, todos lacrados, contendo documentos não numerados, que sequer se encontravam dispostos em volumes, portanto, que ainda não tinham sido juntados aos autos da presente ação penal, o que impossibilitava o estudo do conjunto probatório existente contra o Apelante, para a elaboração da defesa prévia com o necessário rigor técnico e jurídico (doc. fls.).

63. Tem-se, assim, que, na plena vigência do prazo para elaboração da defesa prévia do Apelante, os autos processuais não estavam disponíveis para exame da defesa constituída pelo Apelante e a eles ainda não se tinha juntado grande volume de provas colhidas, que permaneciam encaixotadas no Cartório do D. Juízo monocrático, sem sequer terem sido juntadas aos autos processuais, identificadas e numeradas, conforme determina a lei processual vigente.

64. É de se ressaltar, ainda, conforme se verifica pelos documentos de fls., que no dia 19 de junho de 2000 (dez dias antes dos fatos supra narrados) foi requerido pela defesa do Apelante, por petição da lavra do mesmo defensor, Dr. José Carlos Fragoso, que lhe fossem entregues, para escuta e plena ciência, “pelo prazo de 10 (dez) dias, todas as fitas magnéticas de áudio contendo diálogos colhidos em interceptações telefônicas determinadas por este r. Juízo” (doc. fls.).

65. Entretanto, este requerimento da defesa simplesmente não foi apreciado pelo MM. Juízo de 1ª instância, na ocasião oportuna, ou seja, antes do início do prazo legal para apresentação da defesa prévia. Note-se que o número de fitas existentes (aproximadamente cinqüenta) é muito elevado, o que, somado a outros documentos existentes, tornava absolutamente necessária a dilação do prazo para apresentação da defesa prévia pelo patrono do Apelante, que deveria ter tido tempo hábil para tomar conhecimento do inteiro teor da acusação, quando então, após a análise das fitas magnéticas e apreciação de todos os documentos que ainda não haviam sido juntados aos autos, poderia estar efetivamente a par de todos os fatos e de todas as provas existentes contra o Apelante, para a correta elaboração de sua defesa prévia, o que não ocorreu no caso vertente.

66. Salienta-se, outrossim, que às fls. 753/757 dos autos processuais, a defesa do Apelante, peticionou, alertando a D. Juíza de 1ª instância para esses fatos anômalos e requereu: a) a anulação da abertura do prazo para elaboração de defesa prévia; b) o deferimento da entrega das fitas magnéticas à defesa, por prazo razoável, devido ao seu grande volume (50 horas de gravações) e a virtual impossibilidade de sua análise no prazo de 03 (três) dias; c) que a Secretaria do D. Juízo monocrático procedesse à regularização dos autos processuais, inclusive autuando os documentos que se encontravam encaixotados, no chão do Cartório, ordenando-os; d) após, que os autos fossem colocados à disposição da defesa para a respectiva carga e vista fora de Cartório; e) a intimação da defesa, para, após sanadas as irregularidades apontadas, elaborar a defesa prévia do Apelante (doc. fls. 753/757).

67. Preclaros Julgadores, conforme dispõe o Código de Processo Penal, toda prova já existente nos autos deve, obrigatoriamente, submeter-se ao CRIVO DO CONTRADITÓRIO, sob pena de nulidade ocasionada pelo cerceamento de defesa. Desta forma, por ocasião da defesa prévia, este mesmo princípio constitucional deveria ter sido respeitado, dando possibilidade da defesa do Apelante analisar todos os documentos e as provas existentes até aquele momento, os quais deveriam estar disponíveis para análise, e isto não ocorreu comprovadamente.

68. Determina a lei federal que a vista dos autos processuais em cartório é garantida a qualquer momento do andamento da ação penal. Todavia, no curso dos prazos legais não comuns às partes, como ocorreu na presente ação penal, nos quais cabia ao advogado praticar atos inerentes ao exercício profissional, estabelece a lei federal, tendo em vista o princípio da ampla defesa do Apelante, o direito de retirar os autos fora de Cartório. Mas na fase de defesa prévia do Apelante, Salvatore Cacciola, os autos não estavam em termos sequer para exame no próprio Cartório, o que não foi reconhecido na r. sentença monocrática, uma vez que a eles ainda não se tinha juntado vasta documentação, nem tampouco se tinha dado acesso às dezenas de fitas contendo gravações de interceptações telefônicas existentes.

69. Sem obter qualquer decisão acerca do quanto requerido às fls. 753/757, bem como do seu pedido de concessão de prazo de 10 (dez) dias para análise das fitas magnéticas de áudio colhidas em interceptações telefônicas, datada de 19 de junho de 2000, o Apelante apresentou a sua defesa prévia, a qual o próprio subscritor classificou de “defesa às escuras”. Isto é inadmissível e configura intolerável cerceamento à defesa do Apelante.

70. Efetivamente, a defesa prévia de fls., apresentada às pressas e “às escuras”, como bem salientado pelo ilustre defensor do Apelante, só podia ser perfunctória, uma vez que os defensores constituídos pelo Apelante simplesmente não tiveram a oportunidade, conforme era necessário, de analisar a totalidade do conjunto probatório dos autos, sendo certo que, no próprio corpo daquela fundamental peça processual, MAIS UMA VEZ, a defesa solicitou ACESSO AOS AUTOS, FORA DE CARTÓRIO, bem como a análise DA TOTALIDADE DA VASTA DOCUMENTAÇÃO E ANÁLISE DO ENORME VOLUME DE FITAS MAGNÉTICAS DE AUDIO DECOGRAFADAS (doc. fls.), o que também não foi acatado pelo juízo prolator da r. sentença ora guerreada.

71. Conforme fundamentado na r. sentença ora combatida, a r. decisão sobre este pedido legal, necessário à defesa veio, enfim, às fls. 760/ 763, porém, na data de 03 de julho de 2000, apenas após a apresentação da defesa prévia e no estrito interregno temporal de APENAS 02 DIAS ANTES DA DATA MARCADA PARA A AUDIÊNCIA DE OITIVA DAS TESTEMUNHAS DE ACUSAÇÃO (05.07.00), ponderando, entre outras considerações contidas naquele r. despacho, que a regularização dos autos requerida pela defesa, para que pudesse analisar com um mínimo de condições favoráveis os autos da ação judicial, era “incompatível com a própria natureza do material”, porque “tudo aquilo que já deveria constar de capa de processo, já está inserido nos mesmos, sendo impossível fazer o mesmo com fitas cassete, livros contábeis e bancários e boletas de bolsa, por exemplo” (doc. fls.), o que feriu e maculou de forma direta o princípio do contraditório e da ampla defesa.

72. Mais adiante, o r. despacho judicial (proferido APÓS A APRESENTAÇÃO DA DEFESA PRÉVIA), finalmente concedeu ao Apelante o tão necessário acesso às provas colhidas, inclusive concedendo-lhe o prazo adicional de EXÍGUOS 10 (DEZ) DIAS para eventual complementação da defesa prévia, ponderando que a lesão ao princípio da ampla defesa deveria ser confrontada com o princípio da celeridade processual, pois “não pode gerar no Apelante a sensação de que permanecerá preso indefinidamente, sem culpa formada e sem que o juiz prime por dar seguimento à instrução”. De forma ainda mais lesiva e irregular, aumentando o já enorme prejuízo causado à defesa, a r. decisão determinou que os insuficientes 10 (dez) dias concedidos interromper-se-iam, para realização de audiência de oitiva das testemunhas de acusação, oportunidade em que o processo deveria retornar ao D. Juízo monocrático (doc. fls.). Pasmem!

73. Data maxima venia, preclaros julgadores, o interesse do Apelante, na fase inicial da instrução processual, ERA O DE QUE SEUS DEFENSORES OBTIVESSEM TOTAL CIÊNCIA, TORNANDO-SE SEGUROS SABEDORES DO PLENO CONTEÚDO DE TODO O VASTO CONJUNTO PROBATÓRIO reunido contra o Apelante, de forma ilegal, no caso das gravações telefônicas.

74. Malgrado o zelo profissional demonstrado pela D. Juíza monocrática ao invocar o princípio da celeridade processual para justificar tão econômico prazo deferido, o fato concreto é que, à época, o Apelante estava assistido por advogados por ele escolhidos e constituídos, aos quais cabia, e não à D. Juíza, representar, interpretar e dar voz em Juízo aos interesses de seu constituinte. Somente aos advogados do Apelante é atribuída a tarefa de defender seus interesses na ação penal, pois somente estes sabem quais são os interesses de seus clientes, isto é, se preferem um atraso benéfico e justificado no julgamento da ação penal, dando possibilidade da ampla defesa, ou se preferem um julgamento mais célere, com prejuízo ao crivo do contraditório.

75. Frise-se que tais interesses do Apelante eram os de ter a defesa ampla e totalmente ciente do conjunto probatório (inclusive do teor das fitas magnéticas de áudio, conforme lhe assegura a nossa Carta Magna) e não o de ver sua defesa simplesmente atropelada abruptamente pelo Ministério Público, desde a fase de inquérito policial, surpreendida que foi pelo surgimento de milhares de páginas de documentação e horas sem fim de gravações de interceptações telefônicas, juntadas de surpresa pelo Parquet e que se constituíram em um verdadeiro atoleiro de novos fatos francamente intransponível para a análise da defesa, no exíguo prazo concedido pelo Juízo monocrático, à guisa do que interpretou equivocadamente como respeito ao princípio da celeridade processual, ao arrepio do princípio da ampla defesa, sendo este último princípio muito mais amplo e abrangente do que o que foi adotado, ou seja, o da celeridade processual.

76. Merece reforma a r. sentença guerreada, uma vez que a própria MM. Juíza “a quo” reconheceu, expressamente, que a defesa do Apelante não obteve pleno acesso e conhecimento das provas contidas nos autos, subtendendo sem nenhuma manifestação dos defensores do Apelante que este já tinha ciência de todo o conteúdo das investigações que antecedera, a propositura da ação penal na medida em que pediu vista apenas do último volume, afirmando, às fls. 183 e 184 da r. sentença, que “(…) como se vê, ao longo de toda fase pré-processual, sendo de salientar a vista obtida pela defesa do último volume (fls. 3032), que demonstra claramente que praticamente todo conteúdo das investigações era de seu conhecimento pouco antes do oferecimento da denúncia (…)”, caracterizando-se, assim, evidente cerceamento de defesa, o que deve ser reconhecido por esta E. Corte.

77. Por outro lado, ao contrário do entendimento do D. Juízo monocrático, de que o prazo suplementar de 10 (dez) dias para complemento da defesa prévia constituiu-se na justa medida para agradar a gregos e troianos, posicionando os interesses do Apelante no justo equilíbrio entre ambos os princípios, da ampla defesa e da celeridade processual, em realidade a decisão obrou em sentido contrário ao princípio consagrado de assegurar ampla defesa ao Apelante, pois atropelou o declarado, manifesto, reiterado e imprescindível interesse da defesa de tomar conhecimento pleno do conjunto probatório dos autos processuais, declarando, equivocadamente, a paridade desses princípios, sendo certo que, como é notório, em sede de ação penal, a primazia do princípio da ampla defesa é indiscutível e indispensável, e se sobrepõe a todos os outros conceitos, consoante se depreende da interpretação da norma constitucional, hierarquicamente superior a qualquer outra norma, no sistema jurídico pátrio.

78. Não resta dúvidas de que foi concedida à defesa do Apelante um prazo suplementar de 10 (dez) dias para complementação de sua defesa prévia, mas tal prazo concedido apenas dois dias antes da audiência designada para oitiva das testemunhas de acusação, o qual seria interrompido por ocasião da realização da referida audiência, nada beneficiou o Apelante, pois o mesmo continuou não tendo pleno conhecimento da acusação, como ponderou a r. sentença de fls., resultando, daí, o evidente e manifesto prejuízo para a sua defesa, autorizando a nulidade da r. sentença monocrática, por cerceamento de defesa.

79. Feriu-se, desta forma, o direito à ampla defesa do Apelante, em nome do princípio da celeridade processual, dando-se equivocada prioridade a este último, o que não deve ser mantido por esta Excelsa Corte.

80. Aos 05 de julho de 2000, data marcada para realização da audiência para a oitiva das testemunhas de acusação, prosseguindo a instrução do processo, às fls. 798/802, a defesa, chamando palavra de ordem no início da audiência, reiterou veementemente à D. Juíza monocrática o alerta quanto às irregularidades e impossibilidade da defesa ampla do Apelante, insistentemente por ela apontadas, de inteirar-se da totalidade do conjunto probatório para defender o Apelante, como lhe garante a Lei Penal em vigor e a Constituição Federal. Ponderou que, diante destas circunstâncias, o sumário que se realizaria a seguir era prematuro e requereu à D. Juíza o adiamento da audiência bem como a juntada posterior de petição formalizando o quanto alegado (doc. fls.).

81. A defesa então constituída, inclusive, ponderou que se retiraria da audiência, por total impossibilidade de prosseguir com aquele ato processual sem antes ter conhecimento pleno da totalidade do conjunto probatório reunido contra seu constituinte, ao qual, ao contrário, o Ministério Público tivera amplo, longo e irrestrito acesso, razão pela qual restava flagrantemente ferido o necessário e fundamental equilíbrio que deve existir entre as partes, desfavoravelmente ao Apelante, caracterizando-se, assim, repita-se, frontal lesão ao princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório, bem como do devido processo legal (doc. fls.). Não caracterizou a ausência da defesa do Apelante na audiência de instrução como tática de defesa, como afirma erroneamente a r. sentença recorrida, mas sim o inconformismo com a disparidade de tratamento dado entre as partes, o que foi amplamente demonstrado em sede de alegações finais.

82. Nesta ocasião, a D. Juíza de 1ª instância, manifestando-se de pronto, afirmou, data maxima venia, sem razão, que: havia paridade de franquia dos autos e da totalidade do que deles consta ao Ministério Público e à defesa; que não se feriu o princípio do promotor natural (este tópico será discutido adiante); e que, em verdade, entendia que o pedido da defesa de análise da totalidade do conjunto probatório reunido contra o Apelante até aquela data se tratava de “uma estratégia defensiva, válida sob seu ponto de vista, mas que não deve ser a que orientará o juiz na decisão a respeito do incidente”.

83. Não restou à defesa alternativa naquela ocasião senão retirar-se da audiência, ante a flagrante impossibilidade de defender o Apelante nestas anômalas circunstâncias de ilegalidade perpetrada pela negativa de concessão de prazo pelo menos razoável à defesa pela D. Juíza “a quo” para esta preparar-se para o início da instrução processual, pois até aquela data a defesa não tivera a oportunidade de adquirir conhecimento do conjunto probatório existente contra o Apelante (doc. fls).

84. A MM. Juíza monocrática, então, ao verificar e constatar que a defesa constituída retirou-se antes do início da audiência, permaneceu insensível a esses fatos e simplesmente nomeou defensor dativo, na pessoa da Dra. Tânia Mascarenhas (OAB/RJ nº 21.213 – membro integrante da assistência judiciária), concedendo-lhe o exíguo e restrito prazo de apenas 01 (uma) hora para inteirar-se do feito, que, àquela altura, já contava, seguramente, com mais de mil laudas, sem se levar em consideração os caixotes de provas e dezenas e dezenas de fitas magnéticas de áudio em poder do Cartório daquele D. Juízo monocrático, largados, inclusive, sem organização ou ordem, em caixas de papelão em uma sala do D. Juízo.

85. Prejudicando de forma aberrante e ilegal a defesa, o óbvio se deu. A defensora dativa examinou os autos pelo prazo de uma hora, e, exaurido este absurdo e iníquo prazo, não só solicitou o auxílio de outro defensor dativo, o então nomeado Dr. Arthur da Rocha Ferreira Neto (OAB/RJ nº 76.793), como também requereu a concessão de prazo de “pelo menos mais uma hora”, para ter mínimas condições de sentar-se à mesa na sala de audiências. Outro absurdo.

86. Ante este requerimento, a D. Juíza monocrática, interpretando o mais como menos, ou seja, a expressão “pelo menos” como “exatamente”, concedeu precisamente mais 01 (uma) hora para que a defesa se preparasse para importante ato processual, inusitadamente fazendo constar no termo o horário preciso para o término do exame dos autos pela defensoria dativa, dando mostras claras que o termo “cum granu salis” definitivamente não faz parte do vocabulário atinente a este feito (doc. fls.).

87. Procedeu-se, então, após ínfimas 02 (duas) horas de prazo para exame de todas estas provas, à oitiva da testemunha Leila Malafaia Marques, postergando-se para data futura a oitiva das demais testemunhas. Tal se deu porque a defesa dativa, em 02 (duas) exíguas horas de análise dos autos, entendeu estar apta a ouvir esta testemunha, uma vez que, na fase de inquérito policial, aparentemente a mesma não trouxe elementos de complexidade técnica que requeressem estudo mais aprofundado dos autos.

Nada mais incoerente e absurdo.

88. Data maxima venia, ínclitos julgadores, este processo não é simples, longe disto. Sua complexidade é tamanha que requereu a atuação de verdadeira força-tarefa de procuradores federais, inclusive ao arrepio do princípio do promotor natural (tópico que será debatido adiante, neste recurso de apelação) para preparar a estratégia de investigações e colhimento de provas contra o Apelante, inclusive na fase de inquérito policial, ao passo que a defesa dativa, indicada às pressas, contando com apenas exíguas 02 (duas) horas para analisar os autos, não poderia, de forma alguma, ter-se declarado apta a ingressar nos autos, cuja complexidade foi reconhecida pela própria MM. Juíza “a quo” (cf. fls. 946 – decisão, item II) participando da oitiva de testemunha de acusação. Tem-se entendido que este tipo de situação caracteriza o que se denomina de Insuficiência da Defesa Técnica, acarretando nulidade processual, por violação ao princípio constitucional da ampla defesa. Confira-se:

“A presença formal de um defensor dativo, sem que a ela corresponda a existência efetiva de defesa substancial, nada significa no plano do processo penal e no domínio tutelar das liberdades públicas” (STF – 1ª T. -HC nº 68.926/MG – Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 28 ago. 1992, p. 582).

“Defesa – Efetividade – O princípio segundo o qual nenhum apelante, ainda que ausente ou foragido, será processado ou julgado sem defensor´ – artigo 261 do Código de Processo penal – há que ter alcance perquirido considerada a realidade. Exsurgindo dos autos que o defensor designado teve desempenho simplesmente formal, em verdadeira postura contemplativa, forçoso é concluir que o réu esteve indefeso. `A defesa é órgão da administração da Justiça e não mero representante dos interesses do apelante. Isto porque se exerce, substancialmente, para a preservação e tutela de valores e interesses do corpo social, sendo assim, garantia de proteção da própria sociedade´ (Nilo Batista – `Defesa Deficiente´, Revista de Direito Penal, p. 169). Por outro lado, `se estiver evidente a inércia e desídia do defensor nomeado, o réu deve ser tido por indefeso e anulado o processo desde o momento em que deveria ter sido iniciado o patrocínio técnico no juízo penal´.” (STF – 2ª T. – HC nº 71.691-9/SC – Rel. Min. Marco Aurélio; j. 6-12-1994; v.u. ementa). (grifos nossos).


89. Neste sentido, dispõe a Súmula 523 do STF:

“no processo penal, a falta de defensor constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.

90. Acrescente-se, ainda, o didático e esclarecedor entendimento do Egrégio Supremo Tribunal Federal, o que a r. sentença monocrática também ignorou:

“A persecução penal, rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada, por padrões normativos, que, consagrados pela Constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido – e assim deve ser visto – como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu.

O processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção e de delimitação dos poderes que dispõem os órgãos incumbidos da persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu – que jamais se presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória – o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão apelante o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao apelante, que jamais necessita demonstrar a sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, TODOS OS ELEMENTOS PROBATÓRIOS PRODUZIDOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO”. S.T.F. – HC nº 73.338-7 – RS, 1ª Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 7/11/89, DJU de 14/8/92, p. 12.225. ementa parcial. (grifos nossos)

91. Portanto E. tribunal, resta claro que o que se passou no caso em tela é que, de forma absurda e incoerente foram outorgados apenas 02 (duas) horas de exame dos autos, o advogado dativo, indicado às pressas para realização de audiência de oitiva de testemunha de acusação, não poderia ter suprido com a necessária eficiência o trabalho da defesa constituída pelo Apelante, a qual vinha, há meses, se digladiando com enormes dificuldades impostas pelo Ministério Público (por ter juntado aos autos vasta prova, de “surpresa”) para formar idéia sólida e uniforme do conjunto probatório dos autos, tamanha a sua desorganização (caixotes de documentos e incontáveis horas de gravação de interceptações telefônicas empilhados nos fundos do Cartório do D. Juízo monocrático).

92. Daí se depreende que a defesa dativa limitou-se a analisar, em exíguo lapso temporal (parcas duas horas), quando muito, as principais das milhares de peças processuais, deixando de dar vazão plena à melhor acepção jurídica do termo “ampla defesa”.

93. É que, no brevíssimo interregno temporal de 02 (duas) horas, é absolutamente impossível a qualquer advogado, em causa tão complexa, e, especialmente, extensa em volume de documentos e provas como 50 (cinqüenta) horas de gravações em fitas magnéticas de áudio, analisar a totalidade dos autos, quanto mais perquirir o Apelante acerca de sua narrativa dos acontecimentos. Isto é absurdo e irreal.

94. Da mesma forma que neste iníquo prazo o advogado dativo não poderia ter se inteirado de narrativa tão extensa, em conversa com o Apelante, analisado a totalidade dos autos, aberto e examinado inúmeros caixotes de documentos em poder do Cartório, e, ainda, tomado ciência do teor de mais de 50 (cinqüenta) horas de gravações de interceptações telefônicas em fitas de áudio magnéticas. Impossível é um termo brando para descrever esta situação de franca violação ao princípio constitucional da ampla defesa. ABSURDO ou FELLINIANO é o termo mais apropriado para descrever este fato, que denota amplo e injusto cerceamento da defesa do Apelante.

95. Resta evidente que a injustificável complacência da defesa dativa com o que se houve por bem denominar, no caso sub-judice, “respeito ao princípio da celeridade processual” extrapolou o razoável e deixou o Apelante literalmente indefeso, à mercê da implacável acusação, muito provavelmente especificamente destacada para postular uma condenação do Apelante rápida e de efeito, ainda que pouco convincente e dissociada das mais basilares regras de direito penal estabelecidas neste país, o que deve ser repudiado por essa Câmara Julgadora.

96. Não aproveita, no que tange aos interesses do Apelante de exercer seu direito constitucional à ampla defesa, ou aos seus advogados, dativos ou constituídos, se aquela testemunha específica, inquirida naquela malsinada audiência, tinha muito ou pouco a acrescentar aos autos através de seu depoimento em Juízo, pelo simples fato de que não foi dado à defesa saber o pleno conteúdo das provas reunidas contra o Apelante, o que a deixou às escuras, portanto, quanto ao que esperar e como conduzir a audiência. E a defesa, conforme se depreende do teor das perguntas tecidas naquela audiência, portou-se como um estranho, que desconhecia os fatos, cioso de absorver conhecimento do quanto ocorrido, e não como alguém que elaborou perguntas com conhecimento pleno e prévio dos fatos, perquirindo a testemunha para esclarecer pontos controversos da narrativa em favor do Apelante, como era sua função natural no feito.

97. Por outro lado, o princípio da celeridade processual, precipuamente de natureza processual civil, não pode ser retorcido e desfigurado, para se sobrepor ao da ampla defesa, este sim afeito ao Direito Processual Penal, sendo muito mais amplo e abrangente.

98. Por tudo o quanto foi exposto, evidencia-se que SE CARACTERIZOU A TOTAL AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA DO APELANTE, por ter ficado o Apelante indefeso na referida audiência, acarretando em nulidade nestes autos processuais, por não ter tido a defesa constituída pelo Apelante, no momento processual oportuno (antes da audiência), tempo hábil para se inteirar da totalidade do conjunto probatório (caixotes infindáveis de documentação e mais de 50 horas de gravações de interceptações telefônicas em fitas magnéticas de áudio) existente contra seu constituinte.

99. Portanto, requer-se deste E. Tribunal o acolhimento desta preliminar, para declarar a nulidade do processo penal a partir da malsinada audiência ocorrida nestas condições que afrontaram o direito de defesa do recorrente.

3ª PRELIMINAR:

APLICAÇÃO DA ADIN 3290 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL- DA NULIDADE DA R. SENTENÇA RECORRIDA – DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUÍZO – CO-APELANTE FRANCISCO DE PADUA LOPES – PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL

100. A presente ação padece de vício insanável, consubstanciado na incompetência absoluta do juízo de 1ª instância para julgar o Apelante pela prática dos crimes imputados na denúncia, uma vez que desfruta as prerrogativas de foro privilegiado, pois um dos co-Apelantes, Francisco Lopes, à época dos fatos, ocupava o cargo de Presidente do Banco Central, cuja função foi alçada ao status de Ministro de Estado pela medida provisória nº 207/04, convertida na lei 11.036/04, cujo teor estipula nestes termos:

“Art. 1° da Lei 11.036/2004 – Os artigo 8° e 25° da Lei 10.683/2003 passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 8° -……………….

§ 1°- ………………….

III- ………………….

“Art. 25 – …………

Parágrafo único – São Ministros de Estado os titulares dos Ministérios, o Chefe da Casa Civil, o Chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o Chefe da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica, o Chefe da Secretaria Geral da o Chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, o Chefe da Secretaria de Coordenação Política e Assuntos Institucionais da Presidência da República, o Advogado-Geral da União, o Ministro de Estado do Controle e da Transparência e o Presidente do Banco Central do Brasil.” (NR)

Art. 2o O cargo de Natureza Especial de Presidente do Banco Central do Brasil fica transformado em cargo de Ministro de Estado.

Parágrafo único. A competência especial por prerrogativa de função estende-se também aos atos administrativos praticados pelos ex-ocupantes do cargo de Presidente do Banco Central do Brasil no exercício da função pública.

(…)” (grifos nossos)

101. O Supremo Tribunal Federal pacificou qualquer discussão em torno da matéria, ao julgar improcedente, em decisão definitiva, a ação direta de inconstitucionalidade nº 3.290-9, movida pelo Partido da Social Democracia Brasileira, que pretendia afastar a eficácia da medida provisória 207/04, a qual instituiu foro privilegiado para o cargo de Presidente do Banco Central, ao atribuir-lhe as prerrogativas de Ministro de Estado, razão pela qual a presente ação somente poderia ter sido processada e julgada perante o Supremo Tribunal Federal.

102. Tendo em vista que as decisões proferidas pelo Excelso Pretório em sede de ação direta de inconstitucionalidade têm natureza erga omnes, estendendo-se seus efeitos para todos os órgãos do Poder Judiciário e do Poder Executivo, que não poderão, em hipótese alguma proferir comando normativo diverso, a r. sentença de fls. é nula de pleno direito, uma vez que foi prolatada por Juízo absolutamente incompetente para apreciação da matéria, tendo em vista o disposto nos artigos 78, III, e 84, ambos do Código de Processo Penal, conforme a seguir se demonstrará, razão pela qual, ab initio, requer o Apelante a decretação da nulidade processual, pela inobservância da prerrogativa de foro especial do co-Apelante Francisco Lopes, remetendo-se os autos para apreciação e julgamento perante o E. Supremo Tribunal Federal, único órgão judicial competente para julgamento do caso vertente.

103. Desta forma, o r. decisório, ao reconhecer a inconstitucionalidade da Lei n° 11.036/2004, visando não aplicá-la ao caso concreto, prejudicou sobremaneira os co-Apelantes, merecendo ser reformado, uma vez que ao afastar de forma equivocada a aplicação da mencionada lei, a qual encontra-se plenamente em vigor, conforme proclamou recentemente a Excelsa Corte, negou as benesses do foro especial por prerrogativa de função a que tem direito, no caso sub-judice, o co-Apelante Francisco Lopes e por conexão o ora Apelante, por força do disposto no inciso III do artigo 78 do Código de Processo Penal, bem como pelo artigo 84, § 1º do mesmo codex.

104. Equivocadamente e distorcendo a legislação, entendeu a r. sentença monocrática, cometendo, “data maxima venia”, grosseiro erro de direito, que a referida lei é inconstitucional tendo em vista que, segundo a distorcida ótica da r. decisão recorrida, a mesma lei originou-se de uma medida provisória, que foi editada sem respeitar os pressupostos de urgência e relevância, fundamentando que “o Presidente do Banco Central desempenha papel proeminente na economia do país. Contudo, suas atribuições sempre foram as mesmas, inexistindo qualquer circunstância que justifique a alteração de seu status jurídico em caráter de urgência”, o que é equivocado e contrário à ADIN nº 2792-7, prolatada pelo STF, conforme a seguir se demonstrará.

105. A Lei n° 11.036/2004 foi criada tendo em vista que através da globalização, o Banco Central do Brasil assumiu nos últimos anos, a exemplo dos Bancos Centrais de muitos países, importância estratégica em razão da complexidade de suas atribuições, ou seja, exerce um papel de suma importância na economia da nação, pois é o mesmo que controla a taxa de juros, a flutuação do câmbio, a formulação da política monetária do país, bem como, a intervenção no sistema financeiro nacional, atribuições estas que são essenciais para o desenvolvimento do país. Este foi um dos motivos que levou o Governo Brasileiro a editar referida lei, o que vem ao encontro da relevância do Banco Central no plano institucional brasileiro, preenchendo, deste modo, os requisitos necessários, tais como, a relevância e a urgência na edição da Medida provisória n° 207/2004, posteriormente convertida na Lei n° 11.036/2004.

106. Assim, é de suma importância que o Presidente do Banco Central do Brasil, que toma decisões de acordo com os eventos da conjuntura política e econômica da nação, diversamente do quanto alegado na r. sentença recorrida, seja julgado pela mais alta Corte do nosso país – Supremo Tribunal Federal – e não por um único juiz, como ocorreu no caso “sub judice”, tendo em vista que os julgamentos proferidos pelo STF são advindos de ministros mais experientes e menos comprometidos com a repercussão do caso em espécie na mídia, o que deixaria de expor de forma constrangedora o Presidente do Banco Central e a instituição, e não afronta a organização do Poder Executivo em sua feição constitucional, conforme equivocadamente fundamentado no r. decisório ora combatido.

107. Neste mesmo diapasão, ad argumentandum tantum, no atual contexto de globalização da economia, com a participação cada vez mais efetiva da autoridade monetária do país no cenário nacional e internacional, o cargo de Presidente do Banco Central do Brasil assume, cada vez mais, relevância estratégica, tanto no cenário político, como no plano institucional, em razão da complexidade e da relevância dos fatos da vida econômica.

108. Repita-se, a relevância das matérias que integram a pauta das decisões do Presidente do Banco Central do Brasil, cujas atribuições compreendem, dentre outras medidas de notória complexidade, a formulação da política monetária do país e a intervenção no sistema financeiro nacional, motivo pelo qual suas decisões são dotadas de grande repercussão na ordem econômica, deram ensejo à necessidade de conferir ao Presidente do BACEN a condição de Ministro de Estado.

109. As razões do r. decisório recorrido de que “a inovação teve como único objetivo subtrair o julgamento do atual Presidente do Banco Central, bem como de ex-presidentes da competência dos juízes de 1° grau de jurisdição, em manifesta violação ao princípio do juiz natural”, não merece respaldo, uma vez que, conforme mencionado acima, o que deu ensejo à edição da Medida Provisória n° 207/2004, posteriormente convertida em Lei n° 11.036/2004, foi a notória complexidade e relevância das atribuições do Presidente do Banco Central, bem como sua intervenção no sistema financeiro nacional, razão pela qual o mesmo deve ser julgado por um tribunal mais qualificado, que é o Supremo Tribunal Federal, e isto não implica, absolutamente, em violação ao princípio do juiz natural.

110. Assim sendo, foi promulgada a Lei n° 11.036/2004, que elevou ao status de Ministro de Estado o cargo exercido pelo Presidente do Banco Central do Brasil, nos termos do parágrafo único do artigo 25 da Lei n° 10.683 de 28 de maio de 2003, que foi alterado pelos artigos 1° e 2° da Lei 11.036 de 22 de dezembro de 2004.

111. Preceitua, expressamente, o Código de Processo Penal, em seu artigo 564, que:

“Art. 564 – A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

I –por incompetência, suspeição ou suborno do juiz;

(…)” (grifamos)

112. Logo em seguida, no artigo 567, a lei processual estabelece que:

“Art. 567 – A incompetência do juízo anula somente os atos decisórios, devendo o processo, quando for declarada a nulidade, ser remetido ao juiz competente.”

113. O co-Apelante Francisco Lopes foi Presidente do Banco Central do Brasil, tendo sido seu cargo equiparado ao cargo exercido pelos Ministros de Estado, e como os ministros têm, atualmente, a prerrogativa constitucional de foro especial por prerrogativa de função, todos os co-Apelantes da ação penal n° 99.0046981-0, incluindo o Apelante, deveriam também ter sido julgados pelo Supremo Tribunal Federal, conforme a seguir se demonstrará.

114. No concurso de jurisdições de diversas categorias, prevalecerá a de maior graduação, no caso, entre a jurisdição da Justiça Federal Criminal do Estado Rio de Janeiro e a do Supremo Tribunal Federal, prevalecerá, sem sombra de dúvidas, a jurisdição da Suprema Corte.

115. Estas são as determinações previstas nos artigos 78 e 84, ambos do Código de Processo Penal, que, ao tratar sobre fixação de competência, estabelece expressamente, in verbis:

“Artigo 78 – Na determinação da competência por conexão ou continência, serão observadas as seguintes regras:

I – no concurso entre a competência do júri e a de outro órgão da jurisdição comum, prevalecerá a competência do júri;

II – no concurso de jurisdições da mesma categoria:

a) preponderará a do lugar da infração, à qual for cominada a pena mais grave;

b) prevalecerá a do lugar em que houver ocorrido o maior número de infrações, se as respectivas penas forem de igual gravidade;

c) firmar-se-á a competência pela prevenção, nos outros casos;

III – no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação;

IV – no concurso entre a jurisdição comum e a especial, prevalecerá esta.” (grifos nossos)

“Artigo 84 – A competência pela prerrogativa de função é do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Apelação, relativamente às pessoas que devem responder perante eles por crimes comuns ou de responsabilidade.

116. Este também é o entendimento firmado pela jurisprudência de nosso país, que corrobora as alegações lançadas acima, no sentido de que no concurso entre jurisdições de categorias diferentes, deve prevalecer a de maior graduação. Vejamos:

“CRIMINAL. HC. PORTE ILEGAL DE ARMA. IRREGULARIDADES NO LAUDO PERICIAL. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA DE PRONTO. IMPROPRIEDADE DO MEIO ELEITO. CO-RÉU PROMOTOR DE JUSTIÇA. PRERROGATIVA DE FORO ESTENDIDA AO PACIENTE. OFENSA AO PRINCÍPIO DO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. INOCORRÊNCIA. ORDEM DENEGADA.

O habeas corpus constitui-se em meio impróprio para análise de alegações que exijam o reexame do conjunto fático-probatório – como a apontada ocorrência de reprodução de informações em caixa acondicionadora de arma, bem como das condições físicas e psicológicas do paciente no momento da prática do delito, se não demonstrada, de pronto, qualquer ilegalidade nos fundamentos do laudo pericial.

Não se pode falar em ofensa do duplo grau de jurisdição, na hipótese do paciente que teve a si estendido o foro privilegiado conferido ao co-Apelante e seu irmão, promotor de justiça, pois havendo concurso de jurisdição de diversas categorias, prevalece a de maior graduação, estendendo-se a competência aos demais co-Apelantes, por imposição legal.

Ordem denegada.” (STJ, 5ª Turma, Habeas Corpus n° 2001/0098819-4, Rel. Min. Gilson Dipp, 13.11.2001, DJ 04.02.2002, p. 444) (grifamos)

“RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. EX-SECRETÁRIO DE ESTADO. DELITOS RELACIONADOS COM ATOS ADMINISTRATIVOS DO AGENTE PÚBLICO. FORO PRIVILEGIADO. PRORROGAÇÃO. APLICABILIDADE DO § 1º DO ART. 84 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 10.628/2002. CO-RÉUS. REUNIÃO DE PROCESSOS. ART. 78, INCISO III, DO CPP.

1. A Lei n.º 10.628/2002, que alterou a redação do art. 84 do Código de Processo Penal, a despeito de ser objeto de impugnação na ADIn n.º 2792, está em pleno vigor, enquanto não ultimado o julgamento da referida ação direta de inconstitucionalidade, conforme entendimento esposado pelo próprio Supremo Tribunal Federal.

2. Restando induvidosa a prorrogação do foro privilegiado para o ex-Secretário de Estado, os demais co-réus devem ser também processados perante a Corte Estadual, mantendo-se a unidade de processos, consoante dispõe o art. 78, inciso II, do Código de Processo Penal, litteris: “no concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação”.

3. Recurso provido para, declarada a competência do Tribunal de Justiça Estadual para processar e julgar o ora Recorrente, determinar que aquela Corte aprecie o mérito do habeas corpus originalmente impetrado. Extensão do efeito desta decisão aos demais co-Apelantes do ex-Secretário de Estado denunciados pelos mesmos crimes ou conexos”. (STJ, 5ª Turma, RHC n° 2003/0154514-9, Rel. Min. Laurita Vaz, 07.12.2004, DJ 01.02.2005, p. 580) (grifos nossos)

“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ECA. PROSTITUIÇÃO E EXPLORAÇÃO DE MENORES. PRISÃO PREVENTIVA. FUNDAMENTAÇÃO. QUESTÃO PREJUDICADA. ENVOLVIMENTO DE PROMOTOR DE JUSTIÇA. CONEXÃO. CONTINÊNCIA. FORO PRIVILEGIADO. PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. EXTENSÃO AOS DEMAIS CO-RÉUS.

Revogada a prisão preventiva do paciente, resta superada a alegação de inexistência dos requisitos autorizadores da custódia cautelar. Na determinação da competência por conexão e continência, havendo concurso de jurisdições de diversas categorias, predominará a de maior graduação (art. 78, III, do CPP), estendendo-se tal competência aos demais co-réus, que não gozem de foro especial por prerrogativa de função. Precedentes desta Corte e do colendo Supremo Tribunal Federal. Writ prejudicado em parte e parcialmente concedido.

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder parcialmente a ordem para anular o processo a partir da denúncia, inclusive, para que o paciente seja processado e julgado perante o e. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Com fundamento no art. 580 do CPP, estender os efeitos desta decisão aos co-Apelantes que não gozam de foro especial por prerrogativa de função. Os Srs. Ministros Gilson Dipp e Jorge Scartezzini votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro José Arnaldo da Fonseca.” (STJ, 5ª Turma, HC n° 2002/0054726-0, Rel. Min. Felix Fischer, 05.11.2002, DJ 09.12.2002, p. 362) (grifamos)

DOS PREJUÍZOS SOFRIDOS PELO ORA APELANTE EM RAZÃO DA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO PARA JULGAR A PRESENTE LIDE

117.Importante salientarmos para o deslinde da questão que o co-Apelante Francisco Lopes e os demais co-Apelantes, os quais na época dos fatos eram funcionários públicos, foram condenados, no caso “sub judicie”, às penas impostas pelo crime de peculato, porém, o ora Apelante Salvatore Alberto Cacciola, que jamais exerceu tal cargo, injustamente também foi condenado pela MM. Juíza “a quo”, como partícipe deste crime previsto no artigo 312 do Código Penal.

118. É cediço que o peculato é crime próprio, isto é, só pode ser praticado por funcionário público. Porém, nos termos do artigo 29 e 30 do Código Penal, pode haver participação de pessoas desprovidas da qualidade de funcionário público. Ora, se o Apelante, que não é, nem nunca foi, funcionário público e foi injustamente condenado por um crime próprio, cuja pena a ele se estendeu, por suposta co-autoria, não restam dúvidas de que o mesmo também teria direito de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, tribunal este, único competente para julgar os crimes supostamente praticados pelo Presidente do Banco Central, Francisco Lopes, ora co-Apelante, nos termos do artigo 78, III, c/c o artigo 84, ambos do Código de Processo Penal.

119. Assim, o ora Apelante sofreu grave prejuízo ao ser julgado e condenado pela Juíza monocrática da 6ª Vara Federal do Rio de Janeiro, tendo em vista que é da competência exclusiva do Supremo Tribunal Federal o julgamento da presente ação judicial, uma vez que um dos co-Apelantes, Francisco Lopes, tem foro especial por prerrogativa de função, por ter ocupado cargo equiparado ao de Ministro de Estado, conforme dispõe a Lei 11.036/2004, que está em pleno vigor, devendo, portanto, ser respeitada.

120. Por outro lado, este prejuízo sofrido pelo Apelante acentua-se, pois, é cediço que os julgamentos do Superior Tribunal Federal são proferidos por insignes ministros mais experientes e sábios, com notável conhecimento jurídico e não comprometidos com a repercussão do caso vertente na mídia, o que ocorreu com a r. sentença guerreada, que se deixou levar pela forte pressão exercida pelos Procuradores da República, quando em Brasília, local onde se situa o Supremo Tribunal Federal, este gravame insólito jamais teria ocorrido, por estar distante da sede dos supostos fatos criminosos (Rio de Janeiro), e o processo submetido ao julgamento de ministros com muito mais isenção de ânimo, notável saber, longe das influências da mídia, e principalmente por serem pessoas mais experientes no deslinde das causas judiciais, caso contrário os insignes ministros do Excelso Supremo Tribunal Federal não gozariam de tão relevante posição dentro da magistratura pátria, pois o cargo de Ministros de Tribunais Superiores somente é exercido por notáveis.

121. “Data maxima venia”, a observação acima exposta, absolutamente não quer desmerecer a honrada e proba figura da Ilustre subscritora da r. sentença monocrática, ora combatida, tratando-se, porém, de considerações obvias e cristalinas, não necessitando, mesmo até, de maiores explicações, pois a própria lei determina que somente os ministros de Tribunais Superiores da República é que deveriam ter julgado o caso vertente, os quais sem dúvida têm condições muito mais propícias para julgar a presente ação penal, fatos que acabaram por prejudicar o ora Apelante na injusta condenação que sofreu por suposta co-autoria em inexistente crime de peculato, que teria praticado com os co-Apelantes Francisco Lopes e Luiz Antonio Bragança, sendo o primeiro, na qualidade de ex-presidente do Banco Central, cristalinamente beneficiado pelo foro privilegiado em questão, circunstância esta que foi denegada ao arrepio da lei vigente, pela Juíza monocrática, que agiu “contra legem”, denegando o direito ao foro privilegiado para o co-Apelante Francisco Lopes e consequentemente ao ora Apelante e condenando injustamente por crime de peculato, o ora Apelante, por suposta co-autoria neste delito.

122. Assim, resta claro que se o co-Apelante Francisco Lopes fosse absolvido desta imputação (crime de peculato), é evidente que não poderia haver a condenação do ora Apelante, por co-autoria neste suposto delito, o que demonstra o visível prejuízo que sofreu a defesa do ora Apelante, em decorrência de ter sido violado o diploma legal que autoriza o foro privilegiado para o presidente do Banco Central, em decorrência de desacertado entendimento da r. decisão apelada.

123. Portanto, é cristalino o prejuízo causado ao Apelante, em decorrência deste fato relevante, ou seja, a ocorrência do julgamento conjunto de todos os Apelantes desta ação penal por Juízo incompetente, quando então, o Presidente do Banco Central do Brasil, Francisco Lopes, que tem direto inegável a foro privilegiado, por força de lei vigente (art. 84, do CPP), teve esta prerrogativa direito ignorado, fato este que acarretou a nulidade da sentença e de todo o processo em questão.

124. No mesmo sentido é o entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, que em recentíssimo julgamento do Habeas Corpus nº 43.602/SP, que assim como no caso vertente, versa sobre incompetência do Juízo em processar e julgar, reconheceu, expressamente, a vigência do artigo 84 do Código de Processo Penal, nos seguintes termos:

“HABEAS CORPUS. FRAUDE A LICITAÇÃO E QUADRILHA. PRISÃO PREVENTIVA. NULIDADE. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. APLICABILIDADE DO § 1º DO ART. 84 DO CPP, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 10.628/02. EX-PREFEITO. REUNIÃO DE PROCESSOS. ART. 78, INCISO III DO CPP. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

A Lei nº 10.628/02, que alterou a redação do art. 84 do Código de Processo Penal, a despeito de ser objeto de impugnação na ADIN nº 2792-7, está em pleno vigor, enquanto não ultimado o julgamento da referida Ação Direta de Inconstitucionalidade. Precedente do Superior Tribunal de Justiça.

A teor do disposto no § 1º do artigo 84, do Código de Processo Penal, prevalece a competência do Tribunal de Justiça do Estado para processar e julgar ex-prefeito em ação penal por delitos relacionados com atos administrativos praticados no exercício do cargo.

Parecer pela concessão da ordem, reconhecendo-se a competência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, para processar e julgar o ora paciente.” (HC 43602 – Paciente: José Civis Barbosa Ferreira – 5ª Turma do STJ – Min.: Gilson Dipp – DJ: 12/09/2005) (grifos nossos)


125. Assim, levando-se em consideração a regra prevista no inciso III do artigo 78 e no artigo 84, ambos do Código de Processo Penal, que prorroga a competência para o órgão de maior graduação, quando houver mais de um Apelante, com jurisdições diversas (quando um deles tiver direito ao foro especial), e da ADIN 3290-9 julgada pelo Supremo Tribunal Federal, é a presente para requerer a Vossas Excelências que acolham a presente preliminar, para o fim de ser decretada nula a r. sentença proferida pela MM. Juíza da 6ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, por ser este juízo absolutamente incompetente para presidir e julgar a presente ação, com a conseqüente remessa dos autos ao Supremo Tribunal Federal, este sim único competente para o julgamento da lide, nos termos dos artigos 564 e 567 do Código de Processo Penal e da ADIN 3290-9 julgada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal.

4ª PRELIMINAR

DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL E CONSEQUENTE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO DEVIDO PROCESSO LEGAL.

126. Ao contrário do que tenta sustentar a r. decisão ora recorrida, e como já aduzido em matéria preliminar nas Alegações Finais do Apelante, consta nos autos da presente ação penal, que ocorreu notória e expressa violação ao princípio do promotor natural, ocasionando, por conseguinte, a total nulidade da presente ação penal desde seu início, ou seja, do recebimento da denúncia, como será demonstrado e comprovado de maneira cabal nesta preliminar, vejamos, cultos Desembargadores.

127. Mesmo diante de todos os fatos e direito expostos e demonstrados nas Alegações Finais do Apelante, a r. sentença recorrida entendeu equivocadamente, “data venia”, passar por cima do princípio do promotor natural e de todas as irregularidades que macularam processualmente a fase instrutória da presente ação penal com nulidade absoluta.

128. Note-se que na r. sentença ora apelada de fls., consta a transcrição de um v. acórdão proferido pelo Egrégio Supremo Tribunal Federal sem qualquer fundamentação plausível, bem como os necessários motivos de convencimento para o não reconhecimento da violação do aludido princípio do promotor natural.

129. Neste diapasão, cumpre salientar que no decorrer do supramencionado v. acórdão de fls., menciona-se o parágrafo primeiro do art. 127 da CF, ocasião em que se argumenta ser dentre outros, um princípio institucional ao Ministério Público, a independência funcional.

130. Todavia, os nobres julgadores hão de convir estar implícita a esta supracitada independência, os limites e regras explícitas nas demais normas constitucionais, bem como nos próprios parágrafos seguintes do aludido artigo 127 da CF.

131. Por oportuno, faz-se necessário mencionar o artigo 129 e seus incisos, do mesmo Diploma Legal, que é claro ao delimitar as funções institucionais do Ministério Público, dentre as quais, não consta efetuar diligências policiais, tampouco instaurar inquérito policial, e sim, apenas requisitar diligências e instauração de inquérito (inciso VIII).

132. Também em contrapartida às infundadas e equivocadas alegações constantes na respeitável sentença de fls., ora guerreada, o inciso IV do parágrafo 1º do artigo 144 da Constituição Federal é suficientemente esclarecedor, pois determina expressamente caber à Polícia Federal exercer com exclusividade as funções de Polícia Judiciária da União.

133. Por oportuno, necessário se faz trazer aos autos e transcrever o entendimento do notável mestre do nosso Direito Processo Penal, o ilustre professor Júlio Fabbrini Mirabete, que assim ensina e dispõe acerca do tema tratado no caso vertente:

“À Polícia Federal incumbe apurar as infrações penais contra a ordem política e social” (Código de Processo Penal Interpretado, JÚLIO FABBRINI MIRABETE, Ed. Jurídica Atlas, 9ª edição, pg. 87).

134. Neste diapasão, em prosseguimento às observações do preclaro mestre, cumpre ainda mencionar o quanto segue:

“À Polícia Federal incumbe, exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União (…) ” (Código de Processo Penal Interpretado, JÚLIO FABBRINI MIRABETE, Ed. Jurídica Atlas, 9ª edição, pg. 88).

135. Diante da clareza e objetividade do legislador, bem como do pacífico entendimento doutrinário e jurisprudencial no que se refere aos supracitados artigos, seus parágrafos e incisos, desnecessário se faz mencionar outros dispositivos legais no mesmo sentido, vez que resta nitidamente comprovada no caso vertente, expressa e frontal violação ao princípio do promotor natural, já que não houve a devida e regular distribuição do inquérito policial ao promotor previamente designado pela legislação pertinente para o eventual oferecimento de denúncia pelo promotor competente.

136. No mais, o mencionado v. acórdão de fls. foge à discussão do tema aqui tratado e pleiteado pelo Apelante, qual seja; a violação do princípio do promotor natural e conseqüente inocorrência do devido processo legal, limitando-se a abordar teorias inaplicáveis ao presente caso.

137. Posteriormente, o respeitável decisório ora apelado em sua breve exposição sobre o tema em pauta, qual seja, a violação ao princípio do promotor natural, afirma de maneira infundada e nada razoável, não ter havido qualquer violação ao discutido princípio, para tanto, menciona de forma inoportuna, e ineficaz, alguns entendimentos e pareceres doutrinários sobre o tema objeto da discussão.

138. Ainda com relação à r. sentença guerreada de fls., cumpre observar o texto consubstanciado às fls., o qual transcreve-se trecho de obra doutrinária do mestre Dr. Luiz Renato Topan, oportunidade em que este manifesta de forma objetiva seu posicionamento acerca do tema em pauta, a violação ao princípio do promotor natural.

139. O ilustre doutrinador acima aludido adverte merecer destaque a proibição do promotor de exceção, designado, escolhido, sem a observação das regras que garantam sua total imparcialidade de atuação, ou seja, exatamente o que ocorreu no caso vertente.

140. Consta ainda da r. decisão recorrida, que após a notícia de suposta prática de crime atribuída ao Apelante ter sido, segundo o entendimento da MM. Juíza “a quo”, a notícia crime devidamente distribuída ao gabinete do ilustre Procurador Bruno Caiado de Acioli, que este veio a contar posteriormente com “auxílio” de outros ilustres Procuradores, vale recordar, tiveram contato inicial com o presente feito e permaneceram atuando durante todo seu deslinde.

141. Nada mais afrontoso e anormal.

142. Este fato por si só, é plenamente suficiente para gerar fortíssimas dúvidas sobre qual seria a motivação desta abusiva e ilegítima ação unilateral do Parquet, que sem qualquer pudor, foi gerando prejuízos irreparáveis ao Apelante, face ao indevido desrespeito processo legal ocorrido na presente ação penal.

143. Segundo consta no próprio r. decisório recorrido de fls., não houve o regular sorteio de distribuição para atuação no feito quanto aos ilustres Procuradores de Justiça, já que as designações ocorridas se deram à título de “auxílio”, que segundo o entendimento constante da r. decisão guerreada, ocorrera face à grande complexidade do caso e do enorme volume de trabalho. Destarte, resta comprovado o brutal e ilegal afrontamento ao princípio do promotor natural, que fulminaram de nulidade o caso sub-judice.

144. Consta às fls. da r. sentença apelada, que referida designação encontraria supostamente amparo legal na Lei orgânica do Ministério Público, mais precisamente em seu art. 190, inciso VI. No entanto, em nenhum momento este dispositivo legal invocado faz menção ao ilegal auxílio do Parquet ocorrido nestes autos.

145. Ademais, ao analisarmos o texto consubstanciado no artigo que diz respeito ao Conselho Superior do Ministério Público, melhor sorte não assiste a equivocada fundamentação aposta no citado decisório de fls., visto que a modalidade “auxílio” também não consta em qualquer um de seus incisos e alíneas.

146. Oportuno se faz elucidar que

em nossa Carta Magna , e em nenhum outro diploma legal, nossa legislação vigente prevê a ocorrência da citada modalidade de “auxílio” no que se refere à designação de ilustres membros do Parquet, seja nos artigos que discorrem sobre a atuação do Ministério Público e determinam suas funções institucionais, seja no artigo que trata sobre a competência do Conselho Superior do Ministério Público Federal.

147. Contudo, na ora guerreada sentença de fls. não houve a devida e necessária fundamentação legal que justificasse o não reconhecimento da legitimidade do pleito da violação do citado princípio constitucional, como será detalhadamente demonstrado e comprovado a seguir.

148. Cumpre recordar que na data de 30.03.99, o ilustre Procurador da República, Dr. Arthur de Brito Gueiros, encaminhou aos coordenadores e responsáveis pela área criminal da Procuradoria da República do Estado do Rio de Janeiro, um ofício solicitando a distribuição de procedimento criminal, pelos fatos e motivos já exaustivamente esclarecidos nestes autos.

149. Todavia, a partir desta ocorrência, implementada ao arrepio da lei, houve a concatenação de uma série de procedimentos ilegais. Neste diapasão, oportuno faz-se elucidar que até o presente momento, desconhece-se quem seriam os supra aludidos coordenadores criminais aos quais foi enviada a já citada “notitia criminis”, que de maneira nada transparente, tampouco fundamentada, proferiu despacho mandamental de instauração de procedimento investigatório contra o Apelante.


150. Contudo, fato atípico e inexplicável ainda estava por vir e causar imensurável indignação e cerceamento dos direitos do Apelante, senão vejamos: Observe-se que o mencionado despacho mandamental de instauração de procedimento investigatório contra o Apelante tem como signatário o próprio ilustre procurador Dr. Arthur de Brito Gueiros, não obstante ter este sido o autor da notícia crime já mencionada, ou seja, o ilustre Procurador requereu a si mesmo que determinasse a instauração das investigações criminais contra o Apelante.

151. Nada mais controvertido e ilegal.

152. Diante do exposto, apenas pode-se concluir que esta atitude, ao arrepio da lei, só pode encontrar respaldo em motivações de cunho político e na própria vontade imensurável do Parquet, que perpetuou no comando do presente feito os mesmos procuradores de Justiça.

153. Por oportuno, cabe recordar que os nobres Procuradores fizeram absoluta questão de, ao arrepio da lei, manterem-se de forma ilegítima, durante todo o deslinde desta Ação Penal desde sua instrução, sempre os mesmos 3 ( três) membros do Parquet.

154. Por que isto ocorreu, Cultos Desembargadores?

155. Para tanto, os citados Procuradores adotaram a inadmissível conduta de agirem unilateralmente, despidos da necessária transparência e legalidade, data maxima venia, sem qualquer respeito à ordem legal, passando, para tanto por cima de todos os limites constitucionais a eles impostos.

156. Destarte, oportuno salientar que as já citadas deliberações ministeriais, bem como a adoção dos procedimentos ilegais acima transcritos, caminham em sentido contrário às normas consubstanciadas não só na Constituição Federal, mas também, àquelas constantes

em nosso Diploma Processual Penal vigente, como se verificará adiante.

157. Nosso Código de Processo Penal determina que sejam adotados e aplicados procedimentos expressamente contrários aos realizados no caso em tela, como demonstrar-se-á a seguir.

158. Assim sendo, note-se que toda a fase investigatória oriunda da competente instauração do regular inquérito policial foi desvirtuada e subvertida.

159. Ademais, se ocasionalmente no transcorrer da fase de instrução, após as regulares diligências e investigações, eventuais cotas ministeriais, e o relatório fundamentado pelo Delegado que presidisse o inquérito policial concluir que havia indícios e evidencias do crime discutido nestes autos, o inquérito policial deveria ser encaminhado ao Promotor natural do feito, competente para o eventual oferecimento de denúncia contra o Apelante, se assim este estendesse, e não, o mesmo Dr. Artur Gueiros noticiar o crime, e, posteriormente, incumbir-se da realização de todas as fases do inquérito policial e procedimentos posteriores, uma vez que não possuía legitimidade para sua implementação.

160. Nobres julgadores, fato é, que resta claro

em nossa Carta Magna , que as atribuições da ilustre Procuradoria da República decididamente foram extrapoladas por atos praticados sempre pelos mesmos Ilustres Procuradores que comandaram o feito.

161. Caberia sim, aos Ilustres Procuradores da República, dentre outras atividades de sua competência que não as procedidas no caso em pauta, promover a ação penal, requisitar diligências investigatórias, exercer controle externo das atividades no âmbito policial, porém, não cabe à Procuradoria, como ocorreu no caso vertente, exercer atividades policiais, e posteriormente se encarregarem da propositura da ação penal, o que, lamentavelmente, veio a ocorrer no presente feito, fulminando de nulidade todo o processo nestas anormais, irritas e nulas circunstâncias.

162. É notório, e tem sido cada vez mais freqüente o aparecimento de alguns ilustres Procuradores e Promotores Públicos em renomados veículos de comunicação de mídia escrita, falada e televisiva, em busca da fama, graças à notoriedade indevida que os procedimentos que lhes são outorgados passa a obter junto ao público, quando as atividades do Ministério Público deveriam desenvolver-se no mais absoluto sigilo, uma vez que trata-se de função em que valores primordiais do ser humano são analisados e discutidos.

163. Por oportuno, ressalte-se que recentemente, o tema em pauta, Procuradoria e Ministério Público investidos ilegalmente em função exclusivamente policial, tem gerado diversas discussões e debates, bem como ocasionado muita indignação no mundo das ciências jurídicas e em outros âmbitos de nossa sociedade.

164. Dessa forma, diante desta cada vez mais usual e indevida intervenção em investigações que legalmente são de atribuição específica da polícia judiciária, diversos eminentes juristas e os Tribunais da Federação têm se manifestado no sentido de que não foram atribuídos ao Ministério Público poderes para presidir e proceder diretamente investigações criminais, sendo tais atribuições, de absoluta exclusividade da polícia judicial.

165. Cabe sim, ao nobre e respeitável órgão do Ministério Público, e, por conseguinte, aos seus ilustres representantes, as atribuições previstas no artigo 129 da Constituição Federal. Por outro lado, é legítimo ao Poder Público agir de acordo com o texto legal previsto no artigo 144 da Constituição Federal, dispositivos estes, que são imiscíveis, absolutamente não se misturam tampouco se confundem.

166. Ainda neste diapasão, oportuno se faz transcrever o entendimento do Dr. Desembargador Marco Antônio Rodrigues Nahum, do E. Tribunal de Justiça (extinto TACRIM) que em recente entrevista concedida à Folha de São Paulo assim dispôs:

(…) emerge claro que ao Ministério Público não foram atribuídos poderes para conduzir privada e diretamente investigação no âmbito criminal. A ele cabe o controle externo da atividade policial e requisições de diligências em inquéritos policiais, enquanto à Polícia, em sua função de polícia judiciária, cabe instaurar e realizar inquéritos policiais para investigação dos crimes. (…)(gn)

167. Diante do respeitável, oportuno, relevante e pertinente parecer acima transcrito, nota-se que os ilustres Procuradores simplesmente procederam no caso em testilha como se policias fossem. Conseqüentemente, o Apelante foi sendo nitidamente prejudicado pela subversão das atividades dos ilustres agentes públicos, dada à atípica e obscura seletividade ocorrida neste caso específico, que se manifesta nada transparente, muito menos razoável.

168. Mesmo sendo o entendimento doutrinário e jurisprudencial totalmente contra esta ilegal intervenção dos ilustres Promotores e Procuradores investidos no exercício de função estritamente policial, bem como haverem normas expressas

em nossa Carta Magna que não permitem os abusos ocorridos nos presente feito, ao arrepio da lei vigente.

169. Diante do exposto, torna-se evidente a total irregularidade e ilicitude dos procedimentos adotados no curso da presente ação penal, bem como na fase instrutória que a antecedeu, através de indevida intromissão do Parquet em atos que não são de sua competência legal.

170. Ocorrida a instauração de inquérito em âmbito interno da Procuradoria, suprimindo as atividades funcionais da Polícia Federal, os seus agentes foram violentamente aviltados de suas atribuições funcionais, uma vez que foram arbitrariamente substituídos por quem não possui estas atribuições, de acordo com os princípios do devido processo legal de atuarem no presente feito, de acordo com os princípios do devido processo legal e do promotor natural da causa.

171. É flagrante e inadmissível a brutal violação ao princípio do promotor natural da causa na vertente ação penal, visto que não satisfeitos em noticiar o crime, investigá-lo interna e irregularmente de forma inconstitucional e unilateral, bem como diligenciar diretamente e conduzir toda a fase de inquérito que antecedeu a denúncia de forma arbitrária e inaceitável, vieram ainda, a oferecer suas alegações finais nestes autos.

172. Destarte, resta evidente que se tivesse sido respeitado o princípio do promotor natural da causa por parte dos ilustres Procuradores que atuaram no caso vertente, estes não iriam ceder e jamais se sujeitariam às evidentes pressões externas e influências de estranhos ao feito, sendo que, é de se supor, iriam agir apenas de acordo com o limite de atuação que lhes foi expressamente imposto pela nossa Constituição Federal.

173. Nesta vereda, cabe citar novamente os dispositivos constantes nos incisos e parágrafos dos artigos 127 e 128 de nossa Carta Magna, que são claros ao instituírem o princípio da independência funcional do Promotor Público, corroborando com a necessidade da existência do Promotor natural para cada causa.

174. Ademais, cite-se o princípio da impossibilidade de locomoção dos membros do Ministério Público fora da sua área de atuação. Logo, desrespeitando-se tais princípios, principalmente o do promotor natural, gera-se uma insanável nulidade processual desde a denúncia, bem como a direta violação ao devido processo legal.

175. Cumpre mencionar ainda, que a presente e notória violação ao princípio do promotor natural aqui demonstrada e as conseqüentes ilegalidades e arbitrariedades que cercam a presente ação penal desde seu fato gerador, afrontam direta e explicitamente o dispositivo legal previsto no inciso LIII do art. 5º da CF, bem como a súmula 704 do STF, já que ambos são alicerces da garantia legal de que ninguém será julgado senão pela autoridade competente. No entanto, ao arrepio da lei, estas expressas determinações legais absolutamente não foram observadas, tampouco seguidas e devidamente cumpridas no caso vertente.


176. Diante do exposto, conclui-se que face ao princípio constitucional do promotor natural da causa ter sido notória e publicamente violado, a presente ação penal, bem como toda sua condução desde seu início, ou seja, do recebimento da denúncia, não se encontra respaldada por nenhuma garantia de imparcialidade, e deverá ser declarada, por este E. Tribunal, NULA, desde o recebimento da denúncia.

177. Saliente-se, que por determinação legal, é absolutamente inadmissível a atuação no processo criminal do promotor de exceção. A escolha que se deu no caso em pauta atinge frontalmente a garantia de que haja uma plena imparcialidade dos órgãos ministerial durante a tramitação do feito, o que realmente se esperava no presente caso, e, absolutamente não houve.

178. Muito pelo contrário, a postura abusiva e arbitrária dos citados procuradores evidencia um inaceitável abuso de poder, bem como leva à tona uma série de irregularidades que por si só, são suficientes para gerar a nulidade da presente ação penal desde o seu início.

179. Sabe-se da grande repercussão nacional deste caso em veículos de comunicação sensacionalistas e de grande audiência, o que proporciona visibilidade e notoriedade a estes ilustres agentes públicos. Ademais, há toda uma conotação política e eleitoral que envolveu o presente feito, revestindo-o de obscuridade e fortíssimas suspeitas sobre sua condução.

180. Destarte, diante de todos os fatos e do direito exposto nesta peça de recurso de Apelação, resta claro o evidente abuso e a inaceitável arbitrariedade ocorrida ao arrepio da lei.

181. Finalmente, conclui-se pela sua total inconstitucionalidade e ilegalidade, geradas pela ação ilícita dos mencionados ilustres Promotores, violando de forma frontal e brutal os princípios do promotor natural, e, por conseguinte, o devido processo legal.

182. Por fim, diante de todos os fatos acima expostos, bem como do direito ora demonstrado, requer o Apelante a reforma da r. sentença apelada com a decretação da nulidade do presente feito, desde sua denúncia, por afronta direta e violação aos princípios constitucionais do promotor natural e do devido processo legal.

II-INTRÓITO AO MÉRITO

183. Na remota hipótese de serem ultrapassadas as preliminares suscitadas neste recurso de apelação, no mérito a r. sentença recorrida deve ser inteiramente reformada, pois é, data maxima venia, incoerente e contraria à prova carreada aos autos da ação penal.

184. A r. sentença recorrida, partindo de dogmas incorretos e fictícios criou uma imagem falsa e negativa do Apelante afirmando, sem qualquer congruência ou apoio em fatos concretos, que, por ocasião dos fatos objeto da denuncia ministerial, o Apelante comprou dólares norte-americanos junto ao Banco Central, a preço abaixo do patamar estabelecido pelo mercado financeiro, favorecendo-se com a operação (doc. fls. 05 – autos de medida cautelar de busca e apreensão), sendo que esta jamais ocorreu em momento algum.

185. A r.sentença recorrida afirmou equivocadamente, em discordância com a prova carreada aos autos, que o Apelante, diante dos fatos ocorridos, locupletou-se ilicitamente, quando na verdade, o Apelante, este sim, sofreu prejuízo patrimonial incomensurável com a liquidação do Banco pelo qual era responsável, sofrendo ainda danos irreparáveis em sua imagem e em sua honra, em vista da exposição indevida de sua pessoa pelos meios de comunicação e imprensa, graças ao nefasto alarido que provocaram para denegrir sua pessoa, de forma brutal e mordaz.

186. Apoiou-se a r. sentença recorrida em indícios fracos e inconsistentes, produtos de fértil imaginação, que não revelam prova idônea apta a proferir um decreto condenatório, como ocorreu no caso vertente, reportando-se a decisão recorrida a meros bilhetes dirigidos entre as partes acusadas, que não têm, em hipótese alguma, o condão de evidenciar dolo ou mesmo culpa por parte do Apelante na condução de seus negócios de modo a justificar a condenação que lhe foi injustamente imposta, calcada em meras elocubrações.

187. Influenciada pelo teor alarmista e sensacionalista da denúncia, apoiada na estrondosa mídia veiculada na imprensa, a r. sentença recorrida condenou o Apelante com base em conclusão calcada em fatos desconexos que nada comprovam de efetivo a respeito da culpa do Apelante, embasando-se em meras suspeitas que foram plenamente afastadas pela defesa, com base nos fatos e na legislação vigente, apontado as inúmeras contradições existentes nos indícios probatórios constantes dos autos, e trazendo à lume esclarecimentos indispensáveis para a verdadeira compreensão dos fatos com base em documentação pertinente.

188. A r. sentença monocrática não merece ser mantida no que diz respeito ao mérito, revelando-se infundada e excessiva a condenação imposta ao Apelante, impingindo-lhe pena severíssima e fora dos parâmetros legais previstos em abstrato nas normas penais pertinentes.

189. Embora embasada em lições doutrinárias e esclarecimentos colhidos de economistas, afeitos aos procedimentos adotados no mercado cambial frente às variações do dólar americano, as justificativas apresentadas para o decreto condenatório não encontram respaldo nas provas carreadas aos autos, de modo a divorciar-se da realidade dos fatos, não se adequando à conduta traçada pela tipicidade dos crimes de gestão fraudulenta e de peculato.

190. A atuação do Banco Marka no mercado futuro, assistida pelo Banco Central, mostrou-se consistente, encontrando respaldo na situação de grave crise financeira provocada no início de 1.999 pela súbita desvalorização do real frente ao dólar americano, utilizando-se de operação regular e licitamente ofertada pela referida instituição governamental visando proteger a posição de empresas com compromissos a honrar em moeda americana, quando ocorre uma brusca e inesperada valorização do dólar frente à moeda nacional.

191. A conduta do Apelante na qualidade de Diretor Presidente do Banco Marka S/A visou unicamente resguardar os legítimos interesses dos investidores da instituição financeira da qual era responsável, frente a uma situação de risco, emergida da crise cambial que assolou o país em janeiro de 1.999, conduzindo a mencionada organização de acordo com as informações prestadas de forma ostensiva pelo Banco Central do Brasil, de que não promoveria a desvalorização do real, aliada aos esclarecimentos e suportes técnicos prestados pelo prestigiado periódico econômico denominado “Tendências”, cujas informações são acatadas sem hesitação pelo mercado financeiro em geral.

192. Neste diapasão, a atitude do Apelante não foi ilícita ou premeditada como aludiu a r. sentença apelada, jamais tendo a intenção de precipitar o Banco Marka em uma situação de irrecuperável insolvência em benefício próprio, conforme aduz equivocadamente a r. decisão guerreada na presente.

193. Efetuados estes comentários, a título de prolegômenos, passamos à análise do mérito da r. sentença recorrida que não deve subsistir por ser contrária à prova colhida nos autos processuais. Vejamos Cultos Desembargadores.

III- DO MÉRITO

a) DA EQUIVOCADA FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA RECORRIDA

194. As principais e equivocadas argüições da decisão monocrática ora guerreada, ao fundamentar a condenação consistem nas seguintes assertivas:

“A) A operação do BACEN com o Banco MARKA e seus fundos importou na violação do princípio da isonomia, tendo havido indubitável aporte de recursos.

B) O conteúdo do negócio jurídico realizado, todavia, sem responsabilização do controlador do MARKA e cotistas do MARKA-NIKKO pelo dispêndio de recursos públicos ocorrido, bem como pelo locupletamento de cerca de treze milhões de dólares por parte de SALVATORE CACCIOLA, jamais poderia ser invocado como fruto da integração do art. 11, III DA Lei 4.595/65, por contrariar o regime jurídico de atuação do BACEN no mercado de capitais, bem como violar o princípio constitucional da moralidade.

C) Para os fundos MARKA NIKKO que não corriam risco de ter patrimônio líquido negativo (item 8 do laudo acima transcrito), a idéia de risco sistêmico é imprestável e a ilicitude da operação deriva de violação ao princípio da isonomia.

D) ….evidências irrefutáveis de que houve um acordo de vontades para a concessão do auxílio, mais especificamente através de BRAGANÇA – compadre de LOPES e irmão de SÉRGIO na Macrométrica – enviado a BRASÍLIA em avião fretado pelo MARKA para fazer a intermediação.”

No que diz respeito especificamente aos contratos futuros de venda de dólar e à operação efetuada com o Banco Central, a r. sentença salienta que:

“E) O Banco Marka detinha 9.000 contratos, no valor de cem mil dólares cada um, por meio dos quais prometia vender à contraparte, em 01 de fevereiro de 1.999, dólares futuros a uma cotação de R$1,22. Neste mesmo dia 13/01, mesmo após o anúncio do alargamento de bandas feito pelo BACEN, o Banco Marka decidiu aumentar sua exposição cambial anteriormente citada e assumida em dezembro de 1998, assumindo outrossim mais 2.300 contratos detidos pela fundo STOCK MAXIMA na BM&F, também na posição vendida, ao preço de R$ 1,23764. (fls. 55 e segts do apenso 22).

(…)

F) A operação envolvendo o BACEN e o Banco Mark pretendeu importar na zeragem do patrimônio do banco, através da venda, pelo Banco Central, do mesmo número de contratos de dólar futuro por ele detidos em posição vendida na BM&F, a uma taxa que permitisse a utilização total do patrimônio do Banco, calculada como sendo de R$ 1,275 por dólar.


G). “…É preciso deixar claro que para o Banco Marka a mudança do regime cambial, já no dia 13/01/99, gerava risco de inadimplemento na BM&F, permitindo, assim, a pré-liquidação de contratos.

195. Com efeito, conforme atesta o laudo constante do apenso 22, fls. 75 e 76:

H. 11.“ (…) O Banco Marka S/A possuía, em 13.01.1999, posição vendida no mercado futuro de dólar vendido em 9.000 (nove mil) contratos, com vencimento em 29.01.1999. Neste mesmo dia, já ciente das alterações ocorridas no mercado de câmbio (alargamento da banda cambial), efetuou uma operação na BM&F, aumentando sua posição vendida em mais 2.300 ( dois mil e trezentos) contratos, totalizando ao final do dia 11.300 ( onze mil e trezentos) contratos. A transação ocorreu entre o banco e o fundo ‘ Stock Máxima FRF-CE’ . Como a BM&F limitava a variação para ajustes no Dólar Futuro em 1% (um por cento), a operação foi realizada pela taxa de R$ 1,23764 (…) , quando o dólar já era negociado pelo teto da banda, ou seja, R$ 1,32 ( um real e trinta e dois centavos).

(…)

I. 12. Como o dólar já era negociado a R$ 1,32 ( um real e trinta e dois centavos) nos dias seguintes o ‘ MARKA’ teria de honrar ajustes na ordem de R$ 93 ( noventa e três) milhões (11.300 contratos x 100.000 dólar/contrato x R$ 1,32 – 1.23764, enquanto que o patrimônio líquido da instituição), em 31.12.1998, era de R$ 68 (sessenta e oito) milhões” (Laudo de Exame Contábil nº 43.667, Apenso 22 do Inquérito Policial nº 25/99, fls, 75/76, grifo nosso).

(….)

Um outro aspecto que também deve ficar claro, porque questionado pela defesa de FRANCISCO LOPES, é o de que efetivamente a cotação transacionada com o BANCO MARKA (1,2750 por dólar) era uma cotação que tomava em conta, apenas, a necessidade de zerar o patrimônio do Banco, mas que de forma alguma traduzia a cotação real do dólar futuro naquela data.”

K. Os recursos sacados pelo “The Innovation Fund” – cerca de treze milhões de dólares -, foram transferidos para o exterior e creditados na conta 101WA115754000, junto ao Swiss Bank New York, nos mesmos dias em que foram disponibilizados, ou seja em 14 e 18 de janeiro de 1999.

(….)

L. O beneficiado direto da operação foi o fundo ‘The Innovation Fund. Ltda’, único cotista do fundo ‘ Stock Máxima FRF-CE’.

De acordo com o relatório do Banco Central do Brasil, (…), os recursos aplicados pelo ‘ THE Innovation Fund. Ltda’ provinham do Marka Bank Ltda. E pertenciam a empresa ‘Água Clara Comércio e Consultoria (Sociedade Unipessoal) Ltda.’

M. A empresa Água Clara Comércio e Consultoria ( Sociedade Unipessoal) Ltda. era administrada indiretamente pelo Banco MARKA S/A, através de participação sucessiva nas empresas Sacre Com. Ext. Ltda e Farmi Part. Cons. E Fact., desta forma pode-se concluir que o beneficiário indireto foi o próprio Banco MARKA S/A, ou seja seus acionistas, pois o mesmo conseguiu em uma operação posterior transferir esta posição ao Banco Central do Brasil.

N. A estes recursos remetidos ao exterior devem ser acrescidos de outros dois milhões de reais devolvidos pelo Banco Central a Salvatore CACCIOLA em 29 de março de 1.999, como nos dá conta o laudo de exame contábil constante do apenso 22, que, em fls.77.

O. No dia 16.03.1999, de acordo com o relatório de fiscalização acostado às fls. 12 do apenso 12, o Banco MARKA S/A não mais possuía obrigações exclusivas de instituições financeiras e em 29.03. 1999 recebeu o saldo de sua conta ‘ Reserva Bancária’, no valor de R$ 2.112.948,74 (dois milhões, cento e doze mil, novecentos e quarenta e oito reais e setenta e quatro centavos).

P. “Não foi possível determinar a utilização das sobras de caixa.”

Q. “Por fim, um outro aspecto também incontroverso nestes autos reside na constatação de que, a despeito da utilização de dinheiro público na operação, o patrimônio pessoal de SALVATORE CACCIOLA restou intocado, sem que tivesse sido decretada a indisponibilidade de bens ou imposta a necessidade de aporte de capitais de seu patrimônio.”

196. Efetuado o apertado resumo das equivocadas conclusões da r. sentença recorrida, o Apelante passa a rebater, incisivamente, as argumentações artificiosas e insubsistentes da sentença apelada.

b) DA DESVALORIZAÇÃO CAMBIAL

197. Laborando em erro crasso, sustenta a r. sentença monocrática que conforme consta dos autos, trata-se de fato incontroverso que o Banco Marka possuía, em 13.01.1999, posição vendida no mercado futuro de dólar representada por 9.000 (nove mil) contratos, somados a outros 2.300 contratos referentes à aquisição da posição vendida do Fundo Stock Máxima, e ainda outros a outros 1.350 contratos adicionais para permitir a zeragem da carteira de SWAP da instituição, consistindo o preço de cada contrato em US$ 100.000,00 (cem mil dólares).

198. Ledo engano Cultos Desembargadores, ocorre que a posição vendida em que se encontrava o Apelante estava amparada em informações alardeadas pelo Banco Central do Poder Executivo garantindo a inocorrência de desvalorização cambial, e em declarações veiculadas por importante periódico econômico denominado “Tendências”, cujos artigos são elaborados por renomados especialistas do mercado financeiro, em que consta como editor responsável o ex-ministro Maílson da Nóbrega, informado à exaustão a estabilidade da moeda nacional frente o dólar, à época dos fatos objetos da denúncia. .

199. No entanto, no início de 1.999, ao assumir no cargo de Presidente do Banco Central, o co-Apelante Sr. Francisco Lopes, foi elaborada pelo Poder Executivo medida cambial desastrosa, por intermédio da adoção das malsinadas “bandas endógenas”, culminando na imediata, repentina, imprevisível e abrupta desvalorização da moeda nacional em relação ao dólar americano.

200. A implementação desta arriscada política econômica criou uma situação dramática junto às instituições financeiras que tinham obrigações a adimplir em dólares, colocando-as em situação de completa insolvência, caso específico do Banco Marka, gerido pelo ora Apelante.

201. De fato, como não suportar vultoso prejuízo, se a instituição bancária tem a obrigação de disponibilizar dólar à razão de R$ 1,22 em contratos futuros, quando este índice da noite para o dia atinge o patamar de R$ 1,32?

202. No caso do Banco gerido pelo Apelante, tendo em vista que não tinha patrimônio em real capaz de fazer frente às posições vendidas assumidas em contratos futuros com data de vencimento estipulada para fevereiro de 1.999, tendo em vista, ainda, a repentina valorização do dólar, não lhe restava outra alternativa senão fortalecer o passivo de suas obrigações mediante a realização de “hedge”, nas quais realiza operação inversa, firmando contratos futuros em que se posiciona como compradora.

203. Ao realizar o “hedge”, a parte que se posiciona como vendedora concede de imediato à compradora os dólares de que esta necessita, com cotação atualizada, para fazer face às obrigações assumidas nos contratos futuros em que, por sua vez, constando em posição invertida, está obrigada a entregar dólar, concedendo-lhe de imediato o numerário de que necessita.

204. Deste modo, as operações de venda e compra do Banco Marka ficam zeradas.

205. O Apelante ressalta que, na operação de “hedge” a parte posicionada como compradora, ao efetuar a aquisição de dólar, em quantidade suficiente para honrar seus compromissos, efetua seu respectivo pagamento na data da liquidação dos contratos futuros, nos quais consta como vendedora, com o real a ser arrecadado na data do vencimento.

206. No entanto, à época dos fatos, que ensejaram a denúncia do Ministério Público, a política cambial adotada pelo Banco Central teve a peculiaridade de generalizar-se para todo o mercado financeiro, uma vez que suas normas têm atribuições de impessoalidade, atingindo e alastrando-se suas determinações, ainda que insensatas e incoerentes, para todas as instituições que operavam no mercado financeiro.

207. Assim sendo, houve uma verdadeira “corrida” dos Bancos junto à Bolsa de Mercados e Futuro – BM&F, ente privado participante do mercado, onde são realizadas normalmente operações de “hedge” capazes de socorrer obrigações de grande vulto.

208. Ante a atipicidade alarmante da situação, a BM&F “travou”, significando que não tinha condições de atender a demanda de dólares que repentinamente impôs-se no mercado, caracterizando-se situação de absoluta falta de liquidez.

209. Tendo em vista estes fatos alheios à pessoa do Apelante configurou-se verdadeira situação de quebra para o Banco Marka, uma vez que não havia no mercado financeiro, naquele momento, pessoa jurídica ou física apta a fornecer o montante de dólares de que necessitava esta instituição financeira.

210. Nestas circunstâncias, não restava ao Apelante, na qualidade de presidente desta instituição, outra alternativa senão procurar apoio em órgão governamental, acenando o próprio Banco Central, responsável pela péssima situação em que ficou a instituição gerida pelo Apelante, com uma possível colaboração, mediante a consecução de uma operação de “hedge”, fornecendo-lhe para pagamento futuro a moeda americana de que tanto necessitava para salvaguarda prejuízos de seus investidores.

211. E aqui está o ponto crucial dos fatos, cujo desenrolar culminou na inconseqüente propositura da presente ação penal, e na, data maxima venia, descabida e equivocada sentença condenatória proferida pela D. Juíza Monocrática.

212. Inicialmente cumpre esclarecer que não havia nenhuma norma proibindo a intervenção do Banco Central no mercado financeiro. Ao contrário, o artigo 5º da Resolução nº 2.399/97 autorizava expressamente as operações envolvendo os bancos Marka e Fontecindam, conforme se depreende de seus termos:


“O Banco Central do Brasil poderá baixar recomendações voltadas para a avaliação e para o gerenciamento dos riscos das instituições financeiras e demais instituições por ele autorizadas a funcionar, de molde a propiciar melhor compreensão e a implementação dos instrumentos necessários ao controle e a supervisão das operações financeiras, em geral, e daquelas realizadas nos mercados de derivativos, em particular.”

213. Por outro lado, a atitude do Banco Central, ao conceder dólar acima da cotação prevista no mercado futuro, mas abaixo do valor à vista, demonstrava a sua intenção de minimizar tanto quanto possível os prejuízos sofridos pelo Banco Marka, tendo em vista não possuir lastro suficiente para acompanhar a repentina e brusca valorização da moeda americana.

214. E, ressaltamos, esta disponibilização de dólares pela referida autarquia visou com que o Apelante honrasse, ao menos, parcialmente, o passivo em aberto da instituição, cuja insolvência foi criada não por um procedimento ilícito ou escuso do Apelante, mas tão somente pela equivocada política cambial do próprio Banco Central à época dos fatos que ensejaram a denúncia ministerial.

215. E se esta autarquia não forneceu dólares atendendo à cotação do dia, o fez simplesmente porque não tinha reserva suficiente para atender integralmente a demanda solicitada. Ressalvamos que o Banco Central, ao ter criado uma situação de risco para o Banco Marka, viu-se na obrigação de socorrê-lo, conforme suas reservas de dólares o permitissem, de modo a impedir o total inadimplemento dos compromissos assumidos em contratos futuros, na qual assumia posição de venda.

216. Fica evidente, portanto, que o Apelante, enquanto gestor do Banco Marka, não praticou em hipótese alguma e sequer em tese, ato que tipificasse de gestão fraudulenta ou mesmo temerária, tendo sido repentinamente atingida a instituição da qual era responsável por uma situação de inadimplência, ocasionada não pela implementação de um procedimento inidôneo ou escuso de sua parte, mas sim por medidas abruptas e desastrosas do Banco Central.

217. Ao contrário, sua conduta frente à instituição pautava-se pelos ditames vigentes no mercado financeiro, conduzindo suas negociações com a venda de dólar futuro, conforme pronunciamentos oficiais emitidos pelo Poder Executivo, assegurando a estabilidade do real frente à moeda americana, e pareceres elaborados pelos principais especialistas do mercado financeiro.

218. Frisamos caso o Apelante não tivesse realizado operação alguma com o Banco Central, a inadimplência do Banco Marka e conseqüente liquidação eram tidas como certa, tendo buscado respaldo junto ao ente governamental em questão numa tentativa, a única possível, de, senão evitar sua quebra, ao menos evitar prejuízos dos seus investidores, e este intento foi alcançado.

219. O Apelante pede “venia” para atentar para o fato de que a política cambial desastrosa adotada pelo Poder Executivo atingiu não só as instituições financeiras, mas toda a coletividade brasileira.

220. Todos que tinham dívida em dólares obtiveram vultosos prejuízos, desde a pessoa física às sociedades anônimas.

221. E este fato demonstra por si só, a absoluta imprevisibilidade da flutuação do dólar em janeiro de 1.999, ocasionada, repita-se, por agentes econômicos externos e pela equivocada política cambial adotada pelo Banco Central.

222. Porque então inculpar o Apelante por gestão fraudulenta, se as instituições financeiras, nesta ocasião de maneira geral sofreram prejuízos significativos nas operações realizadas em moeda americana?

223. Não assistiria razão para deixar de responsabilizar todos os presidentes e gestores de fundos de instituições que experimentaram prejuízos de ordem financeira.

224. A própria sentença recorrida traz à lume significativo depoimento que evidencia esta situação de prejuízo generalizado sofrido pelas instituições financeiras, conforme constam das declarações do Sr. José Luís Miranda, ex-Presidente do Banco Boa Vista:

“(…) que o Banco gastou cerca de 100 milhões de reais para indenizar parcialmente os prejuízos dos cotistas dos fundos; que não pode precisar o prejuízo global com as operações no mercado de dólar futuro dos fundos. (sic) ” (fls…)

225. Fica claro, portanto, que não só o Banco Boa Vista, mas todas as instituições financeiras sofreram, em seus contratos futuros de dólar, o mesmo prejuízo acarretado ao Banco Marka pela abrupta e imprevisível desvalorização da moeda nacional.

226. Porque então responsabilizar apenas e tão somente o Apelante nestas anômalas circunstâncias?

227. Isto é injusto e absurdo.

228. Não se justifica a presente ação penal pelo fato de ter se socorrido junto ao Banco Central, quando foi o próprio Poder Executivo que fomentou a situação de quebra no mercado, ao expor o mercado interno aos ataques especulativos da moeda nacional em razão da política cambial adotada pelo Banco Central, permitindo uma desenfreada e súbita valorização da moeda americana em interregno temporal escasso e diminuto.

229. Ocorre que quando se trata de numerário emanado de órgão governamental, para socorrer instituições privadas, colocadas à beira de falência pelo próprio poder Executivo, surgem os falsos censores, no seio das instituições, para alardear a mídia e se autopromoverem, de modo a justificar o dispêndio gasto em suas atividades, pregando moralidade, onde não ocorreu qualquer ato atentatório aos preceitos éticos vigentes, e sob os holofotes da imprensa ganharem injustificada notoriedade de pessoas insensatas.

230. Somente poder-se-ia cogitar de gestão fraudulenta, caso em situação de normalidade, o Apelante tivesse realizado algum procedimento ou implementado negócio nocivo aos interesses da instituição que geria. Não foi o que aconteceu. O Banco Marka foi atingido pela onda de inadimplência que assolou as instituições financeiras em decorrência de uma conjuntura econômica totalmente imprevisível e causada por gestão estapafúrdia do Banco Central do Brasil.

231. Quanto ao socorro do Banco Central ao Banco Marka, justifica-se plenamente a intervenção do Poder Executivo na economia para corrigir distorções e salvaguardar interesses de sociedades privadas cuja extensão das atividades afeta a comunidade.

232. Aliás, a própria sentença recorrida assim o reconhece ao citar parecer do Banco Central exarado às fls. 1.429:

“Lei 4.595/64

.“ Art. 11 Compete ainda ao Banco Central da República do Brasil

III- atuar no sentido do funcionamento regular do mercado nacional, da estabilidade relativa das taxas de câmbio e do equilíbrio no balanço de pagamentos, podendo para esse fim comprar e vender ouro e moeda estrangeira, bem como realizar operações de crédito no exterior, inclusive as referentes aos Direitos Especiais de Saques e separar os mercados de câmbio financeiro e comercial ( Redação dada pelo Dec. n. 581, de 14/05.1969).

“ (….) Embora o inciso III, do art. 11, da Lei 4.595/64 aponte a compra e venda de ouro e moeda estrangeira, a realização de operações de crédito no exterior e a separação dos mercados de câmbio financeiro e comercial como meios para se alcançar os fins por ele fixados, entendo que o legislador não pretendeu limitar a permissão legal a esses instrumentos de política cambial, eis que eles nem sempre se revelam suficientes e satisfatórios e outros complementares, inexistentes quando da elaboração da lei 4.595, têm sido criados para melhor atender às exigências atuais do mercado de câmbio. Por esse motivo, penso que a operação ora examinada é abrangida pelo permissivo acima citado, tendo em vista que ela se apresenta como um meio legítimo e necessário para que o Banco Central cumpra adequadamente o comando do art. 11, inc. III, da Lei 4.595/64 e satisfaça mais amplamente o interesse público que aquela norma busca atender.

(….) Ademais, vale recordar o brocardo latino in eo quod plus est semper inest et minus, isto é, àquele a quem se permite o mais, não se deve negar o menos (cf. Carlos Maximiliano, ob. cit., pág, 245). Ora, se o Banco Central pode comprar e vender moeda estrangeira, que certamente, é o mais, pode, igualmente, conceder o direito de opção de compra, o menos”.

(Parecer DEJUR-160 do BACEN, fls. 1432/1434 do Inquérito Policial nº 25/99, vol 5).

233. No entanto, inexplicavelmente a r. sentença recorrida sustenta que referido parecer, agindo contra esta evidencia não se aplica à operação realizada com o Banco Marka sob o fundamento de que houve quebra da isonomia, tendo em vista que as demais instituições financeiras que se viram em dificuldades, não receberam do Banco Central o mesmo respaldo financeiro, manifestando-se neste termos:

“Ao operar na BM&F desde o ano de 1996, vinha a autarquia pautando-se por uma atuação que, por genérica, era impessoal e, portanto, acessível a qualquer interessado. Adotando a cotação vigente no dia da transação financeira, formada a partir das leis de oferta e procura, o BACEN, através da BB_DTVM e do BB-DI, assumia os riscos inerentes à natureza aleatória destes contratos, que podiam redundar indistintamente em lucro ou prejuízo para a autarquia na data do vencimento, sem que se pudesse assegurar com precisão seu resultado financeiro no momento do fechamento dos mesmos. O interesse público desta forma de atuação parece claro, na medida em que encarnava um eficiente instrumento de manutenção da política cambial adotada, através do oferecimento de hedge cambial, juntamente com a emissão de títulos públicos indexados e da atuação no mercado à vista.


Na operação envolvendo os Bancos MARKA e seus fundos a regra da impessoalidade, que deriva do princípio maior da isonomia (arts. 5º e 37 da CF), foi flagrantemente violada, na medida em que a venda de dólares futuros pelo Banco Central, nos dias 14 e 20 de janeiro, foi feita exclusivamente a este Banco e seus fundos (além do FONTECINDAM, cuja situação será apreciada no item seguinte), sendo certo que inúmeras outras instituições, que também enfrentaram dificuldades na BM&F naqueles dias, não puderam se valer deste mesmo instrumento (sic).

234. Evidencia-se plenamente o teor contraditório da sentença guerreada, afirmando num primeiro momento que a política cambial do Banco Central, ofereceu ao público operações adotadas para regular o mercado e evitar flutuações inadequadas do dólar pondo em risco o equilíbrio das operações de compra e venda futura realizadas diuturnamente no mercado financeiro.

235. Em seguida, evidenciando patente contradição a r. sentença recorrida nega, injustificadamente que a recomendada política cambial fosse aplicada ao Banco Marka, gerido pelo Apelante, sob a alegação destituída de fundamentação nas provas dos autos de que visava a operação de “hedge” entabulada pelo Banco Central com a mencionada instituição beneficiá-la com exclusividade em detrimento das demais instituições financeiras que se viram em dificuldade.

236. Esta conclusão da r. sentença apelada é equivocada e contrária à prova dos autos.

237. Não existe nos autos declaração do Banco Central neste sentido, negando a disponibilização de dólar no mercado futuro para as outras instituições financeiras que operavam no mercado, sendo um despropósito qualquer argüição neste sentido, não passando na verdade esta assertiva de uma tentativa injustificável de se buscar um culpado, ainda que adentrando na senda temerária da perseguição indiscriminada, para as políticas insensatas adotadas pelo Poder Executivo, que culminam na necessidade dos órgãos governamentais competentes de disponibilizarem no mercado financeiro dinheiro público às expensas do contribuinte.

c) DO RESPEITO À REGRA DA ISONOMIA

238. Outro tópico incoerente da r. sentença recorrida diz respeito à assertiva de que o Banco Central atuou visando beneficiar unilateralmente o Banco Marka e Fontecidam, não beneficiando as demais instituição financeiras que atuam no mercado e que também se viram em dificuldade em razão da imprevisível valorização do dólar ocorrida á época dos fatos.

239. Esta fundamentação da r. sentença recorrida é totalmente inverídica, uma vez que não só inexiste qualquer manifestação neste sentido das autoridades que geriam a mencionada autarquia, como a própria sentença contradiz-se inteiramente neste ponto.

240. Os demais Bancos simplesmente não receberam qualquer espécie de colaboração do Banco Central porque adotaram como política utilizar os recursos internos da própria instituição para arcar com os prejuízos que sobrevieram à desvalorização cambial.

241. Não se sujeitaram a obter recursos do Banco Central, realizando uma operação inversa de captação da moeda americana.

242. Neste sentido esclarece a própria sentença apelada, ao constatar o depoimento do ex-presidente do Banco Boa Vista, Sr. José Luís Miranda, arrolado como testemunha do juízo, que assim se pronunciou:

“que, indagado se seria possível aos fundos administrados pelo Boavista adquirir dólares no mercado futuro à época da mudança no câmbio ( janeiro de 1999), para fazer um hedge em relação aos contratos na posição vendida, respondeu que isto não seria possível, porque o mercado estava fechado; que o banco Boavista não cogitou de fazer esta solicitação no Banco Central; que os acionistas do banco Boavista, dois deles estrangeiros entenderam que o próprio banco deveria resolver o problema internamente; que a solução encontrada foi oferecer aos cotistas ressarcimento parcial do prejuízo, com recursos do próprio banco (doc de fls….)”

243. Não ocorreu, portanto, quebra do princípio da isonomia, cujo dogma implica em tratar desigualmente aqueles que não se encontram na mesma situação fática ou jurídica.

244. No caso dos autos, repita-se, não foi o Banco Central que se negou a socorrer as demais instituições financeiras, mas estas que decidiram, em razão de terem reservas financeiras para tanto arcar internamente com o prejuízo ocorrido.

245. No que diz respeito ao Banco Marka, esta instituição simplesmente não tinha como suportar o prejuízo advindo dos contratos futuros em que assumiu a posição de venda da moeda americana, porque não tinha recursos para tanto, foi colocada em iminente situação de quebra que somente poderia ser evitada mediante a realização de uma operação de “hedge”, que, no caso vertente apenas pode ser efetuada com a oportuna intervenção do Banco Central. Nada mais que isto.

246. Ressaltamos que a atitude do Banco Central não foi infundada ou aleatória, mas baseada em seu poder discricionário, pois ao considerar a oportunidade e conveniência de disponibilizar recursos para o Banco Marka, decidiu fazê-lo com o intuito de se evitar um risco sistêmico, mediante o qual os efeitos negativos provocados pela insolvência e respectiva liquidação de uma instituição financeira, em uma conjuntura econômica peculiar, na qual sobressai a fragilidade da moeda nacional frente ao dólar, irradiam-se de modo a afetar as demais instituições financeiras, provocando “quebras em cascata”.

247. Nesta situação, a economia ingressa em uma irreversível espiral descendente, estagnando-se os fatores de produção, inibindo-se sensivelmente a iniciativa privada, iniciando-se assim um ciclo de crescente e alarmante desemprego e falência de sociedades que traz desarmonia e insegurança para a sociedade.

248. Ressaltamos que a operação do Banco Central com o Banco Marka não resultou de um ato isolado, fruto do desatino de um funcionário graduado, tendo sua consecução sido devidamente refletida e sopesada pela cúpula da instituição, conforme extrai-se do parecer a seguir transcrito:

“ Voto BCB 00015/99:

Senhores Diretores,

Como é do conhecimento de V. Sas., este Colegiado determinou ao Departamento de Operações das Reservas Internacionais – DEPIN, por meio do Voto BCB, nº 006/99, de 145.01.1999, que realizasse “operações de venda de dólar futuro junto `a BM&F com o propósito de viabilizar a liquidação de posições vendidas de instituições que evidenciassem dificuldades para honrar seus compromissos perante terceiros junto àquela Bolsa de derivativos em decorrência da elevação das cotações dólar em relação ao Real.”

Presente o quadro de dificuldades experimentadas por algumas instituições manifestação da própria BM&F, informando sua preocupação quanto ao risco de crise sistêmica daí decorrente, referida decisão deste Colegiado visou a garantir a estabilidade do sistema financeiro nacional.

Em atendimento, portanto, a essa determinação, o DEPIN realizou, nos volumes de contratos e níveis e taxas estabelecidos por este Colegiado, as seguintes operações: i) em 14.01.1999, a venda de 12.650 (doze mil seiscentos e cinqüenta contratos de dólar comercial futuro ( vencimento fevereiro/99), à taxa de R$ 1,2750/USS para o Banco MARKA S.A e a venda de 7.900 (sete mil e novecentos) contratos de dólar comercial futuro (vencimento fevereiro/99), à taxa de R$ 1.3220/US$, para o Banco Fonte Cindam S.A) em 19.01.1999, a venda de 3.700 contratos de dólar comercial futuro para o mesmo vencimento (fevereiro/99) para os fundos do Banco MARKA , à taxa de R$ 1,56/US$.”

249. O Apelante ressalta que a própria sentença recorrida em sua fundamentação reconheceu a possibilidade de ocorrer risco sistêmico de modo a justificar a atuação do Banco Central.

(…)

(pg. 238)

“A conclusão a que cheguei, após ouvir cada um dos inúmeros economistas que depuseram nesta ação penal, alguns arrolados pelas várias defesas, outros chamados a depor como testemunhas do juízo, foi a de que efetivamente havia espaço para uma decisão que optasse pela necessidade de intervenção do Banco Central, a fim de evitar o chamado risco sistêmico.

(pg. 241)

Estamos diante, como se vê claramente, de típico ato administrativo calcado em exercício de competência discricionária, sendo que esta discricionariedade, no que diz respeito à avaliação de possível risco sistêmico, está ligada à motivação do ato levado à cabo pelo administrador, que se viu compelido, diante do caso concreto, a escolher, segundo critérios de oportunidade e conveniência, uma dentre duas ou mais soluções: atuar para impedir inadimplemento na BM&F, por vislumbrar o citado risco, ou se omitir e deixar que a Bolsa acionasse seu sistema de garantias, mediante a pré-liquidação dos contratos, por entender que o risco não existia.”

250. Não obstante, sempre laborando em erro, a r. sentença recorrida alude que o invocado risco sistêmico não se aplica às operações realizadas com o Banco Marka sob a insubsistente argüição de que:

“Ocorre que, se por um lado a idéia de risco sistêmico permite explicar o porquê de operações com o Banco Marka em um momento em que o Banco Central não operava com mais ninguém no mercado de dólar futuro ( com exceção do Banco Fontecindam), e até mesmo a uma taxa diferenciada, esta tese não vai tão longe a ponto de permitir que o aludido Apelante saia da operação com o patrimônio pessoal intocado, sem nada dever ao BACEN e ainda com outros treze milhões de dólares em contas no exterior, valor obtido com a operação direta com o fundo Stock Máxima, posteriormente remetido ao Swiss Bank New York (sic . fls…)


Preferiu, porém, opor o sigilo, deixando nos autos a prova de que os recursos remetidos tiveram como destino, na verdade, suas contas no estrangeiro ( sic..fls).”

251. Esta conclusão da r. sentença apelada é totalmente infundada, não estando amparada pelas provas colhidas nos autos, tendo em vista que o Apelante teve vultoso prejuízo com a operação na medida que foi obrigado a liquidar Banco Marka, após honrar os compromissos desta instituição no mercado futuro de dólar, perdendo tudo o que tinha, mesmo porque era banqueiro conceituado.

252. Ademais, não há qualquer prova nos autos de que o Apelante locupletou-se indevidamente com a operação, uma vez que o numerário transferido para o exterior, em decorrência da operação efetuada com Banco Stock Máxima não foi, em nenhum momento, revertido para o patrimônio particular do Apelante, mas canalizado para cobrir o passivo de outra Instuição, denominada Mark Bank S/A, a quem efetivamente pertencia numerário representado por 13 milhões de dólares, conforme é enfaticamente demonstrado no presente apelo.

253. Portanto não deve subsistir a argüição de que a ajuda efetuada pelo Banco Central junto ao Banco Marka não se ateve ao risco sistêmico que, em caso de quebra da instituição gerida pelo Apelante, estenderia seus efeitos nocivos a todo o mercado financeiro.

d) DA OPERAÇÃO COM O FUNDO STOCK MÁXIMA E A TRANSFERÊNCIA DE NUMERÁRIO PARA O EXTERIOR

254. Em relação à outra fundamentação contida na r. sentença recorrida de que o Apelante locupletou-se indevidamente com a remessa de numerário, na ordem de treze milhões de dólares, efetuada ao exterior pelo Banco Marka, após a liquidação da operação representada pelo Fundo Stock Máxima, trata-se de alegação fantasiosa e de fatos inexistentes, devendo ser prontamente afastada neste recurso, vejamos, Ínclitos Desembargadores.

255. A equivocada r. decisão monocrática alega que:

“Sobre a operação direta com o Fundo Stock Máxima, dois pontos ainda devem ser abordados no presente item. O primeiro diz respeito à inequívoca ciência do Banco Central, mais especificamente através do seu departamento de fiscalização, de que CACCIOLA a fez no próprio dia 13, após a desvalorização cambial, aumentando em 25% o montante de contratos que a autarquia precisaria com ele celebrar para zerar suas posições. Um segundo ponto é a surpreendente constatação de que, muito embora tenha o BACEN tomado ciência da operação direta, e com ela aquiescendo – na medida em que posteriormente celebrou contratos de dólar futuro com o MARKA que abrangiam os 2.300 novos contratos,adquiridos do STOCK MAXIMA – sequer se exigiu de SALVATORE CACCIOLA que comprovasse o destino por, ele alegado, daqueles milhões de dólares que indiretamente ganhou com esta manobra.

Assim, a despeito de ter CACCIOLA aduzido que os recursos teriam como destino a satisfação de obrigações na Bolsa de Chicago, isto nunca foi comprovado, tendo sido inclusive oposto, a fiscais do BACEN no Rio de Janeiro que pediram a documentação pertinente, o direito ao sigilo bancário das instituições financeiras envolvidas (sic.fls…)”

256. Após transcrever declarações de depoimentos que comprovam a realização da operação entre o Banco Marka e o Stock Máxima, a decisão apelada reporta-se a uma pretensa prova constante nos autos esclarecendo que os passivos do Marka em Chicago mal chegavam a 180 mil dólares, referindo-se ao relatório de fiscalização de fls. 10 e 16 do apenso 13, ora transcrito:

“ (…)Desta maneira, somente os valores acima foram necessários para o cumprimento de suas posições no exterior. Como o saldo final junto à Corretora Fimat foi uma disponibilidade de U$ 477,7 mil concluímos que o débito geral junto à sua posição em Chicago é da ordem de U$ 181,4 mil ( sic…fls)”

Continua a r.sentença recorrida:

É interessante notar, como salientei na decisão de fls. 1632/1636 do processo desmembrado, que seria muito fácil para o Banco Marka ou para o réu SALVATORE CACCIOLA a comprovação da existência de débitos no estrangeiro neste montante (13 milhões de dólares), caso eles realmente existissem. Fizesse a juntada desta prova nos autos, mediante a documentação relativa ao fechamento das operações no exterior, ou documentos bancários que comprovassem a utilização dos depósitos enviados ao Swiss Bank New York, e clara estaria a legitimidade da remessa.

Preferiu, porém opor o sigilo, deixando nos autos a prova de que os recursos remetidos tiveram como destino, na verdade, suas contas no estrangeiro (fls…sic).”

257. O referido relatório de fiscalização enfocado pela sentença apelada é vago, impreciso e de modo algum consiste em prova apta para demonstrar qualquer inidoneidade eventualmente praticada pelo Apelante.

258. Por outro lado, não são apontadas na r. sentença condenatória com precisão as operações de fechamento e liquidação de passivos realizados pelo Mark Bank no exterior, fazendo-se mera alusão, destituída de amparo documental pertinente a valores cuja obtenção é nebulosa e que, de maneira afrontosa e pouco digna dão a entender que o MARK BANK necessitaria de apenas R$ 180 mil dólares para honrar o passivo existente na Bolsa de Chicago, restando a diferença da remessa, que segundo a D. Juíza “a quo” foi de US$ 13.000.000 (treze milhões de dólares) quando na verdade atingiram R$ 20.000.000 (vinte milhões), conforme informado nas alegações finais, teriam sido diretamente para as contas do Apelante localizadas no exterior.

259. Conforme foi exposto, a remessa dos fundos de investimentos comprados da empresa Stock Máxima não foram remetidos para contas pessoais do Apelante, situadas no estrangeiro, mas para o MARKA BANK LTDA, pessoa jurídica inteiramente distinta do Banco Marka, com o qual tanto este quanto o Apelante não possuem relação societária de espécie alguma.

260. Cultos Desembargadores, se o Apelante não apresentou documentos comprobatórios das operações encerradas no exterior pelo Marka Bank, instituição para quem foi remetido pelo Banco Marka Ltda numerário, da ordem de US$ 13.000.000 (treze milhões de dólares), segundo a r. sentença, pertencente ao Marka Bank, e investido no Fundo Stock Máxima, decerto assim o fez porque entende ser notório e indiscutível que, uma instituição financeira, do porte do Marka Bank, cujas atividades abrangem atuação junto à Bolsa de Chicago, não tem como clientes pessoas jurídicas cujo saldo credor resultam em investimentos irrisórios no valor de 180 mil dólares americanos.

261. Evidente que, se opera neste mercado com numerário vultoso, sendo extremamente sensato e crível aceitar que os valores envolvidos nestas operações atingem a quantia mencionada pelo Apelante. Ressaltamos que o Banco Marka Ltda, viu-se na obrigação de remeter para o Mark Bank o numerário em questão, tendo em vista que seu principal dirigente, o ora Apelante, atuava no Brasil como simples representante legal do Marka Bank Ltda, o qual lhe outorgou poderes específicos para gerir o investimento efetuado pela instituição no país, por intermédio do Inovation Fund, não extravasando desta relação de mandato, o vínculo entre ambos.

262. Saliente-se que o Apelante não possuía relação societária alguma com o Marka Bank, seja diretamente, seja indiretamente mediante participação em sociedade vinculada a esta instituição.

263. Ademais, o próprio Banco Central reconhece que não amealhou documentos idôneos aptos a comprovarem a dedução firmada na r. sentença no sentido de que o Marka Bank não necessitava da remessa do numerário efetuada pelo Banco Marka Ltda, bastando disponibilizar a singela quantia de U$ 181.400 mil (cento e oitenta e um mil e quatrocentos dólares) para liquidar suas operações na Bolsa de Chicago.

264. O parecer técnico de fls. 293, exarado pela mencionada autarquia, confirma as argüições sustentadas pelo Apelante e que colocou uma pá de cal nas anêmicas razões da r. decisão recorrida:

“ (…) temos que relatar que encontramos muitas dificuldades na obtenção de documentos sobre as operações localizadas no exterior, principalmente pelo fato que o controle do MARKA BANK não se encontrava localizado na estrutura de participações do banco, como uma subsidiária ou agência no exterior.

Verificou-se, assim, uma entidade financeira atuando em Paralelo com a instituição no Brasil, apesar de pertencer ao mesmo controlador. Este fato dificulta a ação fiscalizadora desta Autarquia, já que não existe um vínculo direto com a instituição financeira no Brasil.”

265. Nesta apelação ressaltamos à V. Exas. que não restaram comprovados nos autos que o numerário remetido para o exterior foi destinado para contas particulares do Apelante, conforme faz menção a r. sentença recorrida, através de evidente esforço de captação e não calcada em fato.

266. Não há juntada de extrato bancário do Apelante ou declaração de instituição financeira da qual é correntista alicerçando a afirmação grosseira de que “os recursos remetidos tiveram, como destino, na verdade suas contas no estrangeiro.”

267. Trata-se de mera presunção, advinda da laboriosa imaginação da r. sentença apelada, que não tem o condão de comprovar qualquer desvio do numerário ventilado. Isto sequer em tese.

268. Por outro lado, o Apelante reitera as argüições lançadas nas suas alegações finais, que antecederam o decreto condenatório, demonstrando cabalmente a necessidade de ser efetuada a operação com o Stock Máxima e de ser remetido para o exterior o numerário derivado desta transação:


“Quanto a essa acusação, ilusória e despida de qualquer prova nos autos processuais, cumpre esclarecer que o Marka Bank Ltd., instituição financeira sediada nas Bahamas, sujeito a legislação local e às normas do Central Bank das Bahamas, havia realizado investimentos no Brasil, através do Inovation Fund, um fundo de investimento estrangeiro, constituído nas Bahamas, do qual era gestor.

O Marka Bank Ltd., ao resolver investir no Brasil através do Inovation Fund, nomeou como seu representante legal no país o ora Apelante Salvatore Alberto Cacciola -, que contratou o Banco Stock Maxima para gerir no Brasil os recursos investidos através de investimento do Fundo de Renda Fixa – Capital Estrangeiro Stock Maxima (FRF-CE, um Fundo Anexo VI).[1]

Assim, o Marka Bank Ltda. investiu no País, através do Inovation Fund, US$ 18.000.000,00 ( dezoito milhões)/R$ 21.448.800,00, tendo pago por ocasião do ingresso do investimento no Pais, 2% de IOF (R$ 428.976,00) e CPMF (R$ 41.955,74) e aplicou o saldo de R$ 20.977.868,26 no Fundo de Renda Fixa – Capital Estrangeiro Stock Maxima.

TRIBUTOU-SE A OPERAÇÃO, PAGARAM-SE OS IMPOSTOS CULTOS DESEMBARGADORES . O QUE MAIS HÁ QUE SE FALAR?

Em 12 de janeiro de 1999, a carteira do FRFCE Stock Maxima era constituída de:

Caixa: R$ 721 Mil

CDB Marka:R$ 5.347 Mil

Quotas Fundos Investimento:R$ 7.762 Mil

Títulos Públicos:R$ 15.339 MilR$ 29.169 Mil

Contratos Futuros:2.300 – DI fev

Com a desastrada desvalorização cambial ocasionada pela brusca mudança da política monetária, TOTALMENTE DISSOCIADA DA VONTADE DO ACUSADO E, MESMO, DAS AUTORIDADES MONETÁRIAS NACIONAIS (que reagiram a uma crise advinda de investidores estrangeiros), em janeiro de 1999, as operações em aberto do FRFCE Stock Maxima nos mercados futuros de câmbio indicaram poder dilapidar o seu patrimônio. Por via de conseqüência este, comprovada a hipótese, não devolveria ao Inovation Fund o seu investimento, o qual, por sua vez, não devolveria ao Marka Bank.

O Marka Bank tinha compromissos, pois mantinha posições em aberto de contratos de venda de futuros de Real na Bolsa de Chicago, investimentos de clientes em CDs (Certificados de Depósitos) e em Promissory Notes, entre eles a empresa estrangeira Água Clara (controlada pelo Marka).

Se o Marka Bank perdesse seus investimentos no Brasil, não teria como honrar seus compromissos no exterior. E um prejuízo de grandes proporções nesta operação traria enormes dificuldades de administração das perdas no exterior, por se tratarem, entre outros motivos, de regras pluriformes de mercado, a taxas distintas, prazos e condições peculiares, políticas econômicas diversas e, em síntese, um risco abrupto e incalculável aos investidores.

Naquele momento, sendo o Marka Bank uma empresa do mesmo grupo, numa análise fria, não faria diferença para o Controlador do grupo se o prejuízo se desse aqui no Brasil ou no exterior, pois haveria perdas de qualquer forma. Porém, considerou que aqui haveria maior possibilidade de administração, pois, sem dúvida, para o Brasil seria muito importante naquele momento que instituições financeiras brasileiras não tivessem problemas de credibilidade e confiança no mercado externo.

Então, uma vez que a prioridade do Marka, imposta pelas condições atípicas e abruptas de mercado, era liquidar a posição cambial do FRFCE Stock Maxima, optou por devolver os recursos ao Inovation Fund e ao Marka Bank, para que este pudesse honrar seus compromissos no exterior, na Bolsa de Chicago, e com seus clientes, inclusive com a empresa Água Clara, para que ela pudesse remeter os recursos de volta à sua controladora (a empresa Banco Marka), para que este, por sua vez honrasse seus passivos no Brasil.

No Brasil, a dificuldade para fazer a zeragem da operação do Fundo Stock Máxima era a de que a BM&F tinha limitado o reajuste dos contratos de dólar ao patamar de 1% (R$ 1,235) e não se podia fazer nenhuma operação no dia 13.01.1999 que não fosse, no máximo, por este preço. Então, na prática, não havia liquidez no mercado, ou seja, não havia dinheiro disponível no mercado, para que o Marka, mesmo solvente como estava e calcado em ativos próprios, pudesse concluir a operação, que era benéfica ao mercado nacional.

Esta situação foi comunicada ao Banco Central, através de seus colaboradores, Sra. Teresa Grossi e do Sr. Vânio Aguiar, para que estas autoridades do Banco Central conferissem as posições através de seus auditores no Rio, o que foi feito imediatamente, pois eles já se encontravam na Sede do Banco Marka.

Em seguida, foi contatado o Sr. Edemir Pinto, da BM&F para que fosse feita a operação “direta” entre o Banco Marka e o Fundo Stock Maxima. O Sr. Edemir, sabedor da posição que o Banco tinha, e sabendo que o Marka não teria as garantias para a operação (dadas as condições anômalas de mercado impostas pela abrupta adoção do regime de bandas endógenas cambiais), depois de consultar o Banco Central e mantendo as garantias do Fundo Stock Maxima bloqueadas como garantia, autorizou a operação, que gerou para o Fundo Stock Maxima um prejuízo de R$ 2.128 milhões.

Após as operações de “zeragem” das posições do Fundo Stock Maxima para retorno do investimento do Inovation Fund ao exterior, os saldos eram os seguintes:

CaixaR$ 721Mil

CDB (Resgate) .[2]R$ –

Quotas Fundos Investimento.[3]R$ 6.359 Mil

Títulos PúblicosR$ 15.339 Mil

Contratos Futuro(Prejuizo) (R$ 2.128 Mil)

R$ 20.291 Mil

O saldo dos recursos investidos foi remetido para o Inovation Fund em duas operações regulares de Câmbio de Saída

Data :14/jan/1999

Valor: US$ 2.000.000,00 / R$ 2.640.000,00

CPMF = R$ 5.292,23

Corretagem = R$ 826,91

Data:18/jan/1999

Valor:US$ 11.119.809,44/ R$ 17.787.000,00

CPMF = R$ 35.502,99

Os R$ 20 milhões de dólares recebidos pelo Marka Bank foram efetivamente utilizados para liquidar os compromissos do Marka Bank no exterior, com a Bolsa de Chicago e com investidores, dentre eles a empresa Água Clara, não havendo prova nos autos de que tenham sido disponibilizados de qualquer forma em benefício pessoal do controlador Salvatore Alberto Cacciola como quer afirmar a acusação.

O receio com a liquidação das operações na Bolsa de Chicago se justificava no dia 13 de janeiro, como se pode verificar pelas projeções das posições em aberto abaixo:

FIMAT CORRETORA
CONTRATOS PU COMPRA CONTRATOS PU VENDA RESULTADO U$$
14/1/1999
193 81,150 244 71,000
5 81,100 1 71,300
39 81,120 150 72,000
6 81,170
102 81,250
50 73,000
MÉDIA 395 80,141 395 71,381 (3.460.350,00)

Resultado Final:

é a diferença entre o preço de compra (PU COMPRA) e o preço de venda (PU VENDA) , vezes o numero de contratos x 1.000

Obs.:

de 0,713805 R$/US$, equivale a 1,400943 US$/R$

PU de 0,801409/US$ equivale a 1,247803 US$/R$

(na Bolsa de Chicago operava-se o Real contra o Dólar, ou seja, o inverso da BM&F)

Conclusão: Na BM&F, o preço de venda seria de 1,247803 US$/R$e o preço de compra seria de 1,400943 US$/R$

O resultado em Reais seria: (1,247803 1,400943)*395*100*1000 = (R$ 6.049.037,30)

REFCO CORRETORA
CONTRATOS PU COMPRA PU VENDA RESULTADO U$$
29 0,81300 0,71100 (295.800,00)
50 0,81300 0,73000 (415.000,00)
50 0,81300 0,73100 (410.000,00)
14 0,81320 0,73400 (110.880,00)
86 0,81300 0,73400 (679.400,00)
11 0,81320 0,73550 (85.470,00)
89 0,81350 0,73550 (694.200,00)
1 0,80600 0,73650 (6.950,00)
1 0,81200 0,73650 (7.550,00)
1 0,81410 0,73650 (7.760,00)
1 0,81750 0,73650 (8.100,00)
5 0,81600 0,73650 (39.750,00)
5 0,81600 0,73650 (39.750,00)
5 0,81700 0,73650 (40.250,00)
10 0,81300 0,73650 (76.500,00)
30 0,81400 0,73650 (232.500,00)
41 0,81350 0,73650 (315.700,00)
MÉDIA 429 0,813344 0,732562 (3.465.560,00)

Resultado Final:

é a diferença entre o preço de compra (PU COMPRA) e o preço de venda (PU VENDA) , vezes o numero de contratos x o peso de cada contrato (100) x 1.000

Obs.:

PU de 0,813344 R$/US$, equivale a 1,229492 US$ /R$

PU de 0,732562 R$/US$ equivale a 1,365072 US$/R$

(na Bolsa de Chicago operava-se o Real contra o Dólar, ou seja, o inverso da BM&F)

Conclusão: Na BM&F o preço de venda seria de 1,229492 US$ /R$ e o preço de compra seria de 1,365072 US$/R$.

O resultado em Reais seria: (1,229492-1,365072)*429*100*1000 = (R$ 5.816.386,24)

RESULTADO U$$ RESULTADO
EM REAIS (R$)
FIMAT (3.460.350,00) (6.049.037,30)
REFCO (3.465.560,00) (5.816.386,24)
TOTAL (6.925.910,00) (11.865.423,54)
SIMULAÇÕES DE PREÇOS
R$
U$$/R$ R$/U$$ FIMAT REFCO TOTAL
1,60 0,625 6.968.155,50 8.079.957,60 15.048.113,10
1,70 0,588235 8.420.361,38 9.657.163,48 18.077.524,86
1,80 0,555556 9.711.211,06 11.059.124,27 20.770.335,32
1,90 0,526316 10.866.181,82 12.313.510,23 23.179.692,05
2,00 0,5 11.905.655,50 13.442.457,60 25.348.113,10

A empresa Água Clara devolveu ao Banco Marka a importância de R$ 10.553 Mil, em 05.02.1999 a titulo de distribuição de lucros, através de regular remessa por contrato de cambio, importância esta que foi utilizada no Brasil pelo Banco Marka para liquidação de seus passivos no encerramento de suas atividades como instituição financeira.

269. Vislumbra-se, portanto, que a operação de remessa para o exterior do numerário depositado no fundo Stok Máxima não foi enviado para o patrimônio particular do Apelante, não existindo nenhuma prova clara, transparente neste sentido, não passado o enriquecimento em questão de suspeita infundada.

270. Por outro lado, a revelação do Apelante de que a remessa em questão foi efetuada para liquidar o passivo em aberto da instituição Marka Bank, da qual o Apelante não participava, foi plenamente justificada de maneira sensata e coerente nos autos em testilha, tendo sido demonstrada que qualquer retorno de parcela da quantia remetida para o Banco Marka foi utilizada para liquidar as obrigações pendentes no mercado financeiro e viabilizar o encerramento das atividades da Instituição.

271. Repetimos, Cultos Desembargadores caberia à acusação demonstrar efetivamente o acréscimo patrimonial obtido pelo Apelante com a operação consistente na remessa de dívidas para o exterior pelo Banco Marka, comprovando documentalmente o mencionado enriquecimento, mas assim não o fez.

Quedou-se inerte neste aspecto o Órgão Ministerial.

272. Não passa, portando, esta alusão, inconsistente e infundada, de mero boato, lançado na esteira do sensacionalismo desrespeitoso e imoral veiculado pela imprensa em todo o país, à época dos fatos, com a única finalidade, intencionalmente plantada, de denegrir a honra do Apelante, de passado probo e imaculado.

273. Infelizmente, no caso vertente, a Promotoria conduziu-se através de censurável onda de fofocas e mexericos, dirigidos aos detentores dos meios de comunicação de massa com a finalidade de provocarem a desgraça alheia, no caso vertente, do Apelante, sem efetivamente apresentar documentos e provas aptas a evidenciar ter o Apelante obtido qualquer proveito patrimonial indevido á época dos fatos objetos da denúncia.

e) DA NÃO ADEQUAÇÃO DA CONDUTA DO APELANTE AO TIPO PENAL DE GESTÃO FRAUDULENTA ADMITIDO PELA CONTRADITÓRIA SENTENÇA RECORRIDA – CONTRADIÇÃO DESTA COM ACÓRDÃOS ANEXOS DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO E SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

274. A r. sentença recorrida, ao TENTAR fundamentar sua r. decisão, ora guerreada, entendeu, em equívoco latente, que apenas uma única conduta do Apelante, dentre todas as acusações levantadas pela Promotoria, fornecem subsídio para a aplicação do art. 4º da Lei 7.492/86, consistente na alavancagem, no período compreendido entre dezembro de 1998 e início de 1999, de posições vendidas em contratos de dólar futuro, com vencimento previsto para 01.02.1999, conjugada com a operação efetuada com o fundo Stock Máxima, conforme passa a ser reproduzido:

“Por fim, resta apreciar se a operação com o Fundo Stock Máxima satisfaria os requisitos acima apontados.

A instrução deixou claro que, com a referida operação ocorrida no próprio dia 13/01, após a mudança cambial, o Banco Marka aumentou em 25% sua já elevada alavancagem, ciente seu controlador de que com isto aumentava também as possibilidades de prejuízo do Banco, então em situação dificílima.

A temeridade é evidente, assim como também é evidente é perigo concreto a que submetia a instituição, e como conseqüência o Sistema Financeiro, haja vista que com isto incrementa consideravelmente os riscos de inadimplemento das obrigações do Banco na BM&F, com repercussões no patrimônio de outros agentes deste mercado.

Cumpre, porém verificar se além da temeridade teríamos também fraude neste atuar, de molde a caracterizar o crime previsto no art. 4º, caput, da Lei 7492/86.

A resposta é necessariamente positiva.

Conforme já visto, a desvalorização cambial ocorrida em 13 de janeiro de 1999, de cerca de dez por cento, já foi capaz de gerar, para o Banco MARKA (considerados os 9.00 contratos de que detinha na BM&F), incapacidade de adimplemento das obrigações assumidas haja vista que seu patrimônio líquido seria insuficiente para honrar o volume das obrigações.

Reconheço, portanto, que a operação se encaixa no conceito de fraude, porque astuciosa, praticada mediante ardil, com o patente propósito de impactar o patrimônio da instituição em benefício de seu controlador.

Por fim, em tendo sido reconhecida a prática de gestão fraudulenta, a temeridade verificada nas operações do Banco, decorrente do alto grau de alavancagem, que isoladamente constituiria o p. único do art. 4º da lei 7492/86, fica absorvida pelo delito mais grave, em vista da regra da subsidiariedade no conflito aparente de normas.

Assim, partindo-se do pressuposto de que os recursos do fundo STOCK MAXIMA pertenciam a CACCIOLA, a manobra de transferir para o Banco MARKA os contrato assumidos pelo fundo permitiria a concentração dos prejuízos no Banco, cujo patrimônio líquido era, já no momento da transferência, claramente insuficiente para suportá-los, liberando assim as garantias e recursos investidos por CACCIOLA no fundo de capital estrangeiro citado.”

275. Primeiramente, o equívoco da r. sentença é gritante, uma vez que ela contraria decisão do E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO do Rio de Janeiro, que negou provimento, por votação unânime, à apelação nº 2002.001.21164, interposta por Otávio Lopes da Silva Filho e Outros em que são partes o Apelante e Outros na ação de indenização que correu pela 36ª Vara Cível do Foro Central da Capital do Rio de Janeiro (doc. fls.).

276. Esse entendimento do E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro foi ratificado, em data recentíssima, pela Quarta Turma do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), que, à unanimidade, no Resp. 747.149, manteve esta decisão que julgou improcedente a ação proposta por Octavio Lopes da Silva e outros contra Marka Nikko Asset Management S/C Ltda., Francisco de Assis Moura de Melo, Banco Marka S/A e Salvatore Alberto Cacciola, reconhecendo aquele órgão de superior Instância, a inexistência da prática de gestão fraudulenta no Banco Marka. (doc. fls., – certidão de julgamento do STJ inclusa).

277. Conforme publicação oficial da referida decisão do Superior Tribunal de Justiça, adotada no dia 17 de outubro de 2005, cuja cópia segue encartada à presente Apelação, ao julgar o recurso interposto contra o mencionado acórdão do E. Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, desacolhendo expressamente a imputação de má gestão contra o Banco Marka, do Apelante, Salvatore Alberto Cacciola, na esfera cível, por unanimidade, por decisão de seus I. Ministros, pedimos venia para transcrever ponderações sobre a referida decisão emanadas pelo Culto Ministro do Superior Tribunal de Justiça, relatora do mesmo acórdão, proferido no bojo do REsp nº 747149/RJ, Fernando Gonçalves:

“ A Quarta Turma do Superior Tribunal De Justiça (STJ), que, à unanimidade, manteve decisão que julgou improcedente a ação proposta por Octavio Lopes da Silva e outros contra Marka Nikko Asset Management S/C Ltda., Francisco de Assis Moura de Melo, Banco Marka S/A e Salvatore Alberto Cacciola. Na ação, os ex-cotistas dos fundos Marka Nikko alegaram propaganda enganosa, má gestão e gestão fraudulenta, levaram à eventual evaporação do dinheiro aplicado por eles.

(…)

Para o relator do recurso, ministro Fernando Gonçalves, não há maltrato ao artigo 332 do CPC por haver o acórdão feito referência ao depoimento em outro processo de Gustavo Franco. No caso, houve efetivamente a referência, mas a base de sustentação foi a diuturna fiscalização no Banco Central no Brasil. “O depoimento foi apenas reforço de argumentação, não teve, data vênia, a influencia que se lhe procura atribuir”, disse.

(…)

Segundo o ministro Fernando Gonçalves, a argüição do maltrato ao artigo 1.479 do Código Civil de 1916 é descabida. “ O relator no Tribunal de origem apenas disse que a aplicação em bolsa é como o jogo e aposta. Boa quando se ganha e péssima quando se perde”, afirmou” (doc. fls)

277-A. Portanto, resta claro e insofismável, confrontando-se o teor da r. sentença monocrática objeto deste recurso, e as decisões judiciais acima elencadas, proferidas pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, referendada plenamente, por votação unânime, do Superior Tribunal de Justiça (doc. fls.), que a decisão, ora combatida, se apresenta órfã, e, desprovida totalmente de qualquer suporte fático ou legal, mesmo porque a mesma matéria versada na presente, que culminou na injusta condenação do Apelante por prática de suposto crime de gestão fraudulenta na gerência do Banco Marka, foi formalmente desmentida e descaracterizada por aqueles Egrégios Tribunais de Instancia Superior.

277-B. Afigura-se então, absolutamente contraditória, a r. decisão objeto deste recurso, em consonância com os acórdãos bastante recentes, que instruem esta Apelação (doc. fls. – acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e ratificação da mesma decisão pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça)

277-C. Oportuno se faz transcrever adiante o v. acórdão prolatado pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, oriundo da supra mencionada apelação nº 21.164/2002 que julgou improcedente àquela ação, afastando, expressamente, o delito de gestão fraudulenta, nos seguintes termos:

“(…) porque não haveria que se falar em má gestão ou gestão fraudulenta, na medida em que o BANCO MARKA cumpria regularmente suas obrigações para o governo federal, isto é, Banco Central, não existindo no processo a mais mínima prova que pudesse atestar a referida ocorrência de uma ou outra hipótese, ou seja, má gestão ou gestão fraudulenta.

Demais disso, o referente à pretendida má gestão em tais fundo, a matéria ficou rejeitada nos embargos de declaração que se encontram às fls. 772/776 sendo certo que também neste ângulo da questão deverá prevalecer a certeza de que investimento em bolsas de valores é negócio de alto risco, um jogo, como todos sabemos, sendo o mercado um organismo absolutamente sensível, altamente especulativo, como agora mesmo o Brasil está presenciando com a loucura do DOLAR em nossa terra .

Finalmente pretende o apelo a anulação da sentença porque teria ocorrido decisão citra-petita, sob o fundamento de que o decisum não teria enfrentado o tema da gestão fraudenta, é evidente que tal pleito também não pode ser atendido não só porque o fundo em questão estivesse diuturnamente sob a fiscalização do Banco Central como antes acentuado, bem como no próprio depoimento do Sr. GUSTAVO FRANCO, então presidente do BACEN, às fls. 650 e seguintes, veio ele a demonstrar que alteração da política cambial foi ato unilateral do governo cambial, a tal ponto grave que houve o pedido de demissão do aludido senhor, que não concordou com a mencionada mudança, resultando nas conseqüências havidas, não, porém, por culpa da alegada gestão fraudulenta.

Foram essas as singelas razões que me levaram a REJEITAR, como ora rejeito, pretendida nulidade.

No concernente, então, ao mérito da demanda, deve-se que o raciocínio anteriormente exposto, referente as figuras examinadas na preliminar, também responde o núcleo da questão, pois, sabidamente o mercado de ações é setor altamente influenciado por quaisquer razões ou até mesmo inexistência delas, o que significa dizer que não há a menor segurança em tais aplicações.

(…)

Seja como for, o regime capitalista caracteriza-se por estas variações, havendo segurança para quem deseja segurança, ou risco para preferir risco.

(…)

Conclusivamente, aplicações em bolsas são como apostas ou jogos, boas quando se ganha e péssima quando se perde.

De todo exposto, não havendo de ilegal absurdo na douta sentença recorrida o voto de mérito é NEGANDO PROVIMENTO AO RECURSO, pelas razões acima expendidas. (Des. Rel. Benito Ferolla, data do julgamento: 22.10.02) (grifos nossos) (doc. fls. – acórdão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro).

277-D. Afinando no mesmo diapasão, imprescindível se faz transcrever o depoimento do Sr. Gustavo Henrique de Barroso Franco, ex-presidente do Banco Central, que nos termos a seguir transcritos assim bem esclareceu:

“(…) Que existem diversos tipos de fundos; que o banco Central funciona como regulador dos fundos que não envolvem ações; que existe o risco de perdas expressivas; que a orientação do regulador é no sentido de que o administrador do fundo oriente os quotista acerca dos riscos de que os fundos devem ser classificados de acordo com os riscos. Pelo patrono do primeiro e segundo réus, foi perguntado e respondido que no acordo feito com o FMI, assinado pelo governo não havia previsão de mudança cambial; que o Banco Central, em dezembro de 1998, não via necessidade de intervenção no mercado de futuros, porque este estava estável, que, em tese, é perfeitamente admissível que o gestor de um fundo assumisse um alto risco acompanhando a política do Banco Central (…), que existem regulamentos do Banco Central e da CVM em relação aos fundos, mas esses órgãos entendem que se trata de contrato entre particulares.” (doc. fls. – depoimento de Gustavo Franco)

277-E.. Diante do teor do depoimento do ex-presidente do BACEN, Gustavo Franco, bem como do teor do v. acórdão do TJ do Rio de Janeiro, posteriormente corroborado pelo julgamento da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, conclui-se, de forma inconteste, que em nenhum momento restou comprovada a ocorrência de crime de gestão temerária ou fraudulenta por parte do Apelante, já que o E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ao proferir o referido v. acórdão assim declarou expressamente, tendo sido, repita-se, tal decisão mantida pelo STJ (doc. fls).

277-F. Logo a r. sentença combatida, afronta diretamente coisa julgada, uma vez que o aludido tribunal, assim, como o STJ, à unanimidade, no Resp. 747.149, em outubro de 2005, da mesma forma ao indeferir o mencionado recurso reconheceu expressamente a inexistência, da ocorrência de crime de gestão temerária ou fraudulenta por parte do Apelante, razão pela qual, certamente, a r. sentença recorrida deverá ser reformada por este E. Tribunal, por ser contrária à mesma decisão do Superior Tribunal de Justiça. (doc. fls.)

277-G. Se o próprio Superior Tribunal de Justiça já declarou expressamente a inexistência da prática de crime de gestão fraudulenta ou temerária pelo gestor do Banco Marka, no caso o Apelante, como a r. sentença guerreada esposou decisão diferente ? Chegando a decisão contrária, e, data maxima venia, equivocada? No caso em questão deve prevalecer a decisão do Superior Tribunal de Justiça.

277-H. Como se não bastasse o absurdo da conclusão deste tópico pela sentença monocrática, afastada pelas decisões acima enunciadas, que repita-se, versam sobra a mesma matéria, e apenas e tão somente por amor ao debate, existem outras importantes considerações que também podem servir de supedâneo para nos convergirmos à mesma decisão adotada pelos Tribunais, conforme explanaremos à seguir

277-I. Não obstante estes fatos, ou seja, reconhecimento do E. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e confirmação do mesmo fato pelo Superior Tribunal de Justiça, houve erro de interpretação nas assertivas do r. decisório apelado, que esbarram em um obstáculo intransponível, relativo à falta de objetividade que configura o art. 4º da lei 7.492/86, o qual ao instituir o crime de gestão fraudulenta utilizou termos excessivamente genéricos e evasivos, descritos em uma breve proposição:

“Gerir fraudulentamente instituição financeira”

Pena – Reclusão, de 3 ( três) a 12 ( doze) anos, e multa

Parágrafo único. Se a gestão é temerária:

Pena – Reclusão, de 2 ( dois) a 8 ( oito ) anos, e multa.”

277-J. Caberia ao legislador discriminar detalhadamente que atos implicam necessariamente em fraudar a gerência de uma instituição financeira.

277-K. Esta especificação não ocorre no diploma legal, a figura penal é extremamente genérica.

278. Se assim não fez, afrontou o princípio da legalidade, uma vez que o Código Penal é preciso ao estipular que não há pena sem prévia cominação legal.

279. Não basta para atender este inatacável princípio que a lei, ao instituir determinado delito, seja criada mediante atividade legislativa emanada de órgão competente.

280. O dispositivo legal que prevê um crime específico consagra uma determinada conduta como violadora do convívio social, merecendo ser sancionada com uma penalidade que implica em reprimir a sua prática junto ao seio da sociedade.

281. Se estamos, portanto, na seara penal, a cogitar de um ato humano que macula seu autor com a pecha indesejável da delinqüência, motivando a sua imediata contenção, de modo a impor o aparato estatal a quem os pratica mecanismos de contenção e medidas correcionais, as quais muitas vezes implicam na perda da liberdade do agente, nada mais justo e legítimo que o legislador descreva de maneira precisa e detalhada quais são os atos omissivos ou comissivos que ensejam a aplicação da sanção penal.

282. A Lei 7.492/86 faculta ao livre arbítrio do juiz apontar quais atos resultam em gestão fraudulenta de instituição financeira sem que o indigitado autor do delito em questão tenha efetivamente praticado qualquer ato cuja consecução configure verdadeira fraude, ocasionando risco à pessoa jurídica em benefício próprio.

283. No que diz respeito ao Apelante, este não utilizou de subterfúgio algum, na condução das atividades do Banco MARKA, com o intuito de angariar qualquer benefício patrimonial. Senão vejamos.

284. Salientamos que a atividade das instituições financeiras, como toda atividade empresarial, traz ínsita uma margem de risco, razão pela qual se justificam os lucros obtidos pelo empresário.

285. Deste modo, as operações que integram regularmente o desenvolvimento das atividades da instituição não podem jamais serem acoimadas de fraudulentas, pois caso contrário inviabiliza-se a normal condução do empreendimento, que em se tratando de um banco possui peculiaridades específicas, visando satisfazer as necessidades de crédito das coletividades, oferecer guarida ao numerário do particular e proporcionar ganhos aos investidores.

286. Onde, portanto, a gestão de contratos de dólares no mercado futuro, atividade corriqueira no mercado financeiro, subtende a perpetração de engodo?

Nada mais incoerente do que esta precipitada conclusão.

287. Pergunta-se: quando da contratação das operações, que parâmetros deveriam ter sido utilizados para concluir que “a alavancagem” do Banco Marka situava-se fora dos limites normais de mercado? Que normas e limites teriam sido desconsiderados? Quais os paradigmas deveriam ter sido utilizados para estar havendo, na hipótese, uma atuação temerária? Na ocasião, quais os princípios de seletividade, garantia, liquidez e diversificação de riscos que deveriam ter sido utilizados pelo Recorrente?

288. Responde-se: a norma e a práxis de mercado vigentes à época não restringiam essas operações,

em absoluto. Todas as instituições financeiras atuavam dentro da lei existente e aplicável no mercado futuro, Egrégio Tribunal. Operou-se consoante os ditames e dentro dos estritos limites da norma de direito positivo vigente.

289. É sabido que inexistia, naquela ocasião, na esfera de competência do Banco Central ou de outras autoridades monetárias, qualquer normativo estabelecendo limites de atuação ou de alavancagem em operações envolvendo risco de câmbio, de operações envolvendo limites de atuações e estritos limites da norma de direito positivo vigente.

290. Ínclitos Desembargadores, se houve risco desmesurado atingindo a existência da Instituição foi ocasionada exclusivamente pela política cambial desastrada do Banco Central e pela imprevisível conjuntura econômica internacional que, ao provocarem a desvalorização do real frente ao dólar, colheu o mercado de surpresa, ocasionando danos irreparáveis ao patrimônio de diversas instituições financeiras.

291. Caso não fosse assim, o mercado teria se antecipado e criado mecanismos de defesas aptos a evitar a bancarrota generalizada que se instaurou no país com a valorização repentina e abrupta do dólar.

292. A r. sentença recorrida, ao imputar, como ocorre no caso vertente, gestão fraudulenta à operação comercial, lastreada em contratos futuros, cujo adimplemento pelo Banco Marka foi comprometido por fatores externos à instituição evidencia desatino, incoerência e injustificável manobra para atingir de maneira desleal a imagem do Apelante.

293. No que diz respeito ao envio de verba para o exterior, único ponto que pode ensejar eventual dúvida quanto à idoneidade do Apelante, já foi frisado que o numerário em questão não foi remetido para suas contas particulares, conforme sugere a r. sentença ora guerreada, mas para instituição financeira totalmente distinta daquela que geriu, Banco Marka, tratando-se de numerário que não lhe pertencia, representando investimentos efetuados pelo Marka Bank no país e que necessitaram serem resgatados para liquidarem posições em aberto na Bolsa de Chicago.

294. Donde se infere que o Apelante não auferiu nenhum acréscimo patrimonial ilícito com a liquidação do Banco Marka, por conta da desvalorização cambial inesperada que atingiu negativamente as relações comerciais da instituição.

295. Frisamos que o Apelante não só não praticou nenhum ato de gestão fraudulenta, cujos contornos não foram suficientemente delineados pelo legislador, como foi diligente ao buscar socorro no Banco Central para, mediante operação de “hedge”, dar guarida aos débitos em dólar suportados pelo Banco Marka nos contratos futuros que firmara.

296. Se o Banco Central entendeu que deveria agir colaborando com a instituição gerida pelo Apelante, o fez sem que houvesse qualquer intervenção direta ou indireta deste, e muito menos, mediante favorecimentos financeiros ilícitos às autoridades responsáveis.

297. Não ocorreram estes fatos, incorrendo a r. sentença em grave erro de interpretação.

298. Não há nenhuma prova cabal neste sentido nos autos.

299. Não podemos responsabilizar o Apelante pelos atos discricionários praticados pelos dirigentes de entidade governamental, em cujas condutas o primeiro sequer exerceu ilegítima influência.

300. Evidente que mera aproximação do Apelante, na forma de cartas ou qualquer outra que seja, solicitando eventual operação financeira com o Banco Marka, sem nenhum cunho de obrigatoriedade, representando muito mais um apelo desesperado diante das graves dificuldades financeiras que atingiram o patrimônio da instituição, não tem o condão de caracterizar a intenção de quem quer lesar o patrimônio público, acarretando-lhe enriquecimento ilícito.

301. Esta presunção é absurda e irreal.

302. Repetimos, onde está a fraude?

303. Simplesmente não existe. Nada de efetivo foi comprovado ou apurado.

304. Tudo não passou de alarido da imprensa, suposições, e mexericos maldosos que infelizmente não foram adequadamente analisado e sopesados pela r. decisão monocrática, ora recorrida.

305. Laborando em erro, infelizmente o legislador pátrio, ao prever o crime de gestão fraudulenta por intermédio de uma tipificação aberta, cujo núcleo do tipo possui conotação esvaziada, despida de significação, permite a atuação indiscriminada do arbítrio do julgador, abrindo a possibilidade perigosa de serem apenados gestores de instituições em função de pressões exercidas pela mídia e pela imprensa, que não existam em exercerem campanhas públicas difamatórias e invasivas visando, ao prejudicarem a imagem alheia, funcionando a vítima como autêntico bode expiatório, angariarem maiores vendas de periódicos, tendo ainda como colaboradores fiéis a instituição do Ministério Público, cujos agentes deveriam zelar pela impessoalidade de suas condutas profissionais, uma vez que exercem função pública da mais alta relevância, e não utilizarem a instituição como forma de obterem promoção pessoal e prestígio junto ao público.

306. Portanto, E. Tribunal, tendo em vista que a própria legislação que instituiu o crime de gestão fraudulenta padece de inquestionável ilicitude, encontrando-se destituída de critérios objetivos indispensáveis para a configuração do crime em tela, dando margem à atuação subjetiva das autoridades que representam o Poder Judiciário e o Ministério Público, os quais, quando influenciados pela mídia e pela imprensa, conforme ocorreu no presente feito, não apresentam a necessária isenção de ânimo para que a ação penal seja processada e julgada com a imparcialidade imanente ao ofício jurisdicional, a precisa e fiel aplicação da lei penal, em seus estritos termos, determina a absolvição do Apelante.

f) DA AUSÊNCIA DE DOLO DO APELANTE

307. No tópico abordado pela r. sentença recorrida concernente ao suposto dolo abrangendo a prática de gestão fraudulenta, trata-se de alegação que não merece prosperar, uma vez que não encontra respaldo nos autos.

308. O Apelante ressalta que não foi condenado pela prática reiterada e contínua de atos ardilosos e fraudulentos que puseram em risco sequer em tese a continuidade da instituição financeira, mas pela realização de uma única operação, contratos de dólar futuro, cuja consecução pelas demais instituições no mercado é efetuada com regularidade.

309. No entanto, tendo em vista a defeituosa e por demais genérica redação do art. 4º da Lei 7.492/86, dando margem a que o magistrado escolha, de acordo com critérios subjetivos, quais atos implicam em gestão fraudulenta, ainda que exercidos com manifesta legitimidade foi o Apelante injustamente condenado.

310. O Apelante frisa que o operador do Direito ao se defrontar com o crime de gestão fraudulenta deve analisar as ações de comando e de decisão do gestor em sua amplitude, devendo a fraude e o ardil empregado pelo administrador resultar de um complexo de atos, realizado ao longo de um período razoável, aptos a ludibriar investidores ou o mercado financeiro, colocando a instituição gerida em estado de insolvência.

311. Não foi o que ocorreu. Aliás a r. sentença apelada foi enfática ao afastar todos os demais atos apontados pela acusação como sendo de gestão fraudulenta (irregularidade de livros contábeis e alteração do balanço de 1.998, dentre outros) e condenar o Apelante justamente pela prática de um único ato, consistente em operação com dólar no mercado futuro, não revestindo-se esta atividade dos pressupostos legais que se extrai da capitulação legal pertinente à gestão fraudulenta.

312. Referida operação foi realizada no âmbito das atividades regulares do Banco Marka, e cuja consecução traz embutida uma margem de risco peculiar à própria operação, não se configurando nela a fraude caracterizada pelo emprego de ardil engodo e artifícios próprios das atividades que visam ludibriar terceiros com a finalidade de obter proveito próprio.

313. Ressaltamos que a inesperada política cambial que proporcionou a desvalorização do real frente ao dólar americano resultou em efeitos nocivos para todo o mercado financeiro, especialmente para as instituições que tinham compromissos em moeda americana para honrar, tratando-se, portanto de circunstância que fugiu a esfera de controle e previsibilidade do Apelante.

314. E ademais este, ao perceber o grave perigo a que estava exposta a instituição, de imediato socorrou-se ao Banco Central, realizando operação regular, visando unicamente garantir a satisfação das obrigações assumidas no mercado futuro.

315. O Apelante, portanto, agiu com a diligência e a probidade reclamadas pela legislação societária para quem efetivamente realiza importantes atos decisórios na gestão de instituições financeiras.

316. Não se vislumbra em momento algum a intenção de fraude por parte do recorrente.

317. Sequer, frisa-se, no tocante à operação com o fundo de investimentos Stock Máxima, em virtude do qual foi remetido divisas para o exterior, uma vez que tal numerário não remetido para as contas pessoais do Apelante, mas para a liquidação de obrigações pendentes junto à Bolsa de Chicago cuja titularidade pertencia ao Marka Bank, instituição em relação a qual o Apelante não participava da sociedade, tão pouco mantendo vínculo jurídico de espécie alguma com o Banco Marka Ltda, estando obrigado a efetuar referida remessa em função de ser responsável, na qualidade de mandatário pela gestão do mencionado fundo de investimentos.

318. Não houve, portanto, o dolo próprio dos atos fraudulentos, não se podendo cogitar que a operação efetuada com o Banco Central encobriu, sob o manto de “hedge”, verdadeiro empréstimo.

319. Não foi o que se verificou, pois conforme a própria r. sentença monocrática alude, o numerário disponibilizado pelo Banco Central quitou integralmente o passivo em aberto do Banco Marka, consistente na necessidade de disponibilizar dólar no mercado futuro.

320. E, portanto, em se tratando de operação de “hedge”, ainda que realizada utilizando-se a cotação do dólar em 1,25, abaixo do preço cotado no mercado à vista, R$ 1,32 na ocasião em que a referida transação foi implantada, considerando-se que a própria reserva do Banco Marka, aliada ao ingresso de numerário proporcionado pela autarquia em questão foram suficientes para liquidar todas operações pendentes do Banco, zerando seu patrimônio, a receita em real auferida pela instituição gerida pelo Apelante ao liquidar os contratos de dólar futuro, em que constava na posição vendida foi canalizada diretamente para os cofres do Banco Central, conforme o previsto.

321. Frisamos, a diferença entre a cotação do dólar no mercado futuro e no mercado à vista, a que alude a r. sentença não ocasionou prejuízo financeiro para o Banco Central, tendo em vista terem sido liquidadas na integra as obrigações em dólar, pendentes no passivo do Marka, possibilitando o ingresso de numerário suficiente para quitar a dívida efetuada com o Banco Central ao realizar operação inversa de compra de dólar, sob a forma de “hedge”.

322. Tratou-se, portanto de operação “casada”, disponibilizando o Banco Central dólar ciente de que seria devolvido no início de fevereiro de 1.999, ocasião em que haveria ingresso de real na mesma proporção, em função da disponibilização de dólar pelo Banco Marka às contrapartes dos contratos futuros que efetuara.

323. Não houve, portanto, por parte do Apelante o cometimento de fraude, seja em relação aos investidores do Banco Marka, seja em relação ao Sistema Financeiro Nacional.

324. E tal fraude, necessariamente deveria ter como contrapartida, de modo a perfazer o ilícito de gestão fraudulenta, acréscimo patrimonial indevido por parte do Apelante, decorrente do engodo com que manteve terceiros prejudicados pela ação fraudulenta.

325. No entanto, tal fato não só não ocorreu, não tendo sido carreada aos autos uma única prova neste sentido, não passando a argüição da r. sentença recorrida neste sentido de mera suposição, como ficou comprovado o efetivo prejuízo financeiro sofrido pelo Apelante, que foi obrigado a retirar-se do mercado financeiro, não sem antes honrar plenamente suas obrigações, tendo em vista que todo o patrimônio do Banco Marka foi absorvido na idônea liquidação dos contratos de dólar futuro, conforme extraí-se do bilhete que enviara ao Sr. Francisco Lopes ao solicitar a realização da operação de “hedge”, cotando-se o dólar a um preço consentâneo com as necessidades do Banco Marka, cujos trechos ora transcrevemos:

“ Francisco,

Preciso muito da tua ajuda, melhor ainda se pudesse falar 5 minutos com você.

É muito importante para mim, para você e para o País.

Caso não consiga me receber, preciso de uma, muito maior interferência sua no sentido do MAUCH ser menos rigoroso e aceitar em um preço razoável. O ideal, mesmo assumindo um prejuízo enorme, seria 1.250, porém está distante da vontade do Diretor.

Em qualquer caso isto acaba com meus 30 anos de mercado e 55 anos de vida. Porém mesmo com esse enorme prejuízo, posso assumir, que fico satisfeito em não dar prejuízo ao mercado, sobreviver com uma não financeira para recomeçar minha e esquecer tudo.” ( sic. Fls.)

326. Denota-se, portanto, do alardeado bilhete endereçado pelo Apelante ao co-Apelante, Francisco Lopes, não só o reconhecimento expresso de que estava tendo prejuízos vultosos em seu patrimônio pessoal como nobre e digníssima intenção de evitar prejuízo aos investidores do Banco Marka.

327. Excelsos Julgadores, não há, na conduta do Apelante, resquício algum de dolo que possa ensejar a aplicação do dispositivo legal que institui o delito de gestão fraudulenta, cuja tipicidade aberta, infelizmente, confere ao operador do direito a oportunidade de aplicá-lo segundo seu próprio entendimento pessoal, sem se ater a nenhum fato objetivo que deveria ser declinado pelo legislador pátrio para evitar-se discricionariedades e arbitrariedades em detrimento de dirigentes de instituições probos e honestos, cuja imagem costuma ser impiedosa e injustamente maculada pelos meios de comunicação de modo a impressionar e sensibilizar de maneira errônea e equivocada as autoridades judiciárias do país.

328. As doutrinas de eminentes juristas amparam plenamente o entendimento do Apelante, destacando-se os ensinamentos do Prof. Dr. LUIZ FLÁVIO GOMES, em seu artigo denominado NOTAS DISTINTIVAS DO CRIME DE GESTÃO FRAUDULENTA: ART. 4º DA LEI 7.492/86, em que se expressa nestes termos:

“ Ainda Ali Mazloum, enfatizando a verdadeira dimensão da conduta típica chama a atenção para o fato de que o legislador, quando pretendeu punir um só determinado ato fraudulento, isolado da atividade de gestão, fê-lo de forma expressa. Cita, exemplificativamente, os artigos 6º, 7º e 9º da Lei 7.492/86.

Em todos esses casos, observa o mencionado autor, o crime se consuma com um único ato fraudulento, o que é diferente da atividade de gestão fraudulenta. Pode-se concluir, por conseguinte, que o crime do art. 4, “não se perfaz com a prática de um único ato; exige, isso sim, certa habitualidade e deve ser extraído de um conjunto de atos que compõem a gestão de uma instituição financeira, considerada necessariamente dentro de um período razoável de tempo.

A gestão financeira, portanto, há que ser composta de uma multiplicidade de atos, na esfera de comando da empresa (da instituição financeira), o que significa que um único ato efetivado em âmbito restrito não preenche a exigência típica ora em questão.

(…)

O requisito típico da gestão fraudulenta, em sua essência, significa ato de direção, administração ou gerência, voluntariamente consciente, que traduza manobras ilícitas, com emprego de fraudes, ardis e enganos (grifo nosso). Ou, nas palavras de Paschoal Manteca, a gestão fraudulenta “caracteriza-se pela ilicitude dos atos praticados pelos responsáveis pela gestão empresarial, exteriorizada por manobras ardilosas e pela prática consciente de fraudes.”

O conceito de gestão fraudulenta, como se percebe, exige o emprego de um meio fraudulento, com capacidade para induzir alguém em erro, em engano.”

328. A jurisprudência dominante acolhe o entendimento do Apelante. Senão vejamos:

“CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL – GESTÃO FRAUDULENTA E GESTÃO TEMERÁRIA – HABEAS CORPUS CABIMENTO

IV – O art. 4º e seu parágrafo único da lei 7.492/86 não definiu o que sejam gestão fraudulenta e gestão temerária, o que levou parte da doutrina e da jurisprudência a considerá-los inconstitucionais por ofensa ao princípio da reserva legal- V- A palavra “gestão” indica espaço de tempo em que a pessoa é administradora de uma pessoa jurídica, e não cada uma das operações que realiza. Gerir é atividade continuada, pressupondo habitualidade, sendo que um ou alguns atos isolados não constituem uma gestão. Opinião de Heleno Fragoso. VI- Gestão fraudulenta é a em que o administrador utiliza, continuada e habitualmente, na condução dos negócios sociais, artifícios, ardis ou estratagema para pôr em erro outros administradores da instituição ou seus clientes, Gestão temerária á em que o administrador agem imprudentemente em transações perigosos, sem a prudência que deve presidir sua atuação. Precedentes jurisprudenciais desta corte”.

(TRF 3ª R. HC 8.001-SP 1 ª T- Rel. Des. Fed, Oliveira Lima – DJU 15.06.1999- p. 689).

329. O Apelante salienta que nenhum cliente do Banco Marka ou quem quer que tenha mantido vínculo comercial com a instituição sofreu qualquer dano em seu patrimônio, após serem liquidados, em fevereiro de 1999, os compromissos assumidos em obrigações contratuais de venda de dólar.

330. Tanto é verdade que não existe nenhuma demanda judicial reclamando por perdas ocorridas em razão de desfalque patrimonial proporcionado pelo Apelante na gestão de atos praticados durante a administração do Banco Marka, especificamente no que diz respeito aos contratos futuros de dólar, cuja liquidação, mediante regular operação efetuada com o Banco Central, criou a celeuma sensacionalista cujas conseqüências acarretaram na presente ação penal.

331. Quer pela técnica econômica, quer pelo Direito, Insignes Desembargadores, a prova dos autos não autoriza, nunca autorizou, e nunca autorizará que a acusação deduza, sponte ignorantia propria, baseada em reportagens de jornais sensacionalistas e em opiniões que nada mais são do que puro exercício de futurologia e “achismos” daqueles que não enfrentaram a situação concreta, a conclusão de que o Apelante concorreu, de qualquer forma que seja, na estrita, expressa e restrita esfera do tipificado penal, para que os acontecimentos ocorressem da forma como ocorreram.

332. Antes, é imperioso o reconhecimento de que TODOS FIZERAM O QUE DE MELHOR ENTENDERAM FAZER PARA QUE SE EVITASSEM, PRONTAMENTE, PREJUÍZOS AOS INVESTIDORES E AO PAÍS. QUALQUER ENTENDIMENTO ALÉM DESSE É ABSOLUTO EQUÍVOCO, EXERCÍCIO DE SUPOSIÇÃO E VONTADE DE CULPAR A ALGUÉM POR ALGO QUE OCORREU POR FORÇAS ALHEIAS À VONTADE NACIONAL. PONTO.

333. Feita esta digressão, fica perfeitamente evidenciado a inocorrência de dolo por parte do Apelante, não se subsumindo a sua conduta ao tipo penal de gestão fraudulenta de instituição financeira, cujos pressupostos, prática de fraude com o intuito de obter proveito próprio em prejuízo de terceiro e da própria instituição não ocorreram, amparando-se a r. sentença em elucubrações e silogismos infundados, que não encontram qualquer amparo na prova dos autos, a qual é indevidamente interpretada, na r. sentença recorrida, em razão da ilícita tipicidade aberta com que foi instituído pelo legislador o delito em tela.

334. Tendo em vista que o Apelante não previu, assim como os demais executivos que integram o mercado, a insolvência generalizada que se instauraria nas instituições financeiras, em decorrência da desvalorização acentuada do real frente ao dólar, o bom senso e a razão não admitem que iria o Apelante, de maneira premeditada, esperar que ocorresse a alta abrupta da moeda americana, para então, angariar numerário junto ao Banco Central, mediante acerto prévio de vontades com seu Presidente, com o intuito de liquidar o passivo do banco que geria e beneficiar-se com a operação, enviando numerário para o exterior.

335. Trata-se de elucubração por demais fantasiosa Ínclitos Julgadores, apropriada para uma película cinematográfica, mas pouco condizente com a vida real, na qual o Apelante foi tomado de surpresa diante de uma situação inusitada provocada por fatores econômicos alheios a sua vontade, sendo obrigado a agir às pressas e de maneira atônita com o objetivo de salvaguardar os interesses dos clientes que contrataram com o Banco Marka, visando adquirir dólar no mercado futuro.

336. Se obteve colaboração do Banco Central, esta foi a única saída encontrada para evitar uma quebra sem precedentes no mercado financeiro que iria levar de roldão as demais instituições que estavam realizando operações assemelhadas no mercado em decorrência da atuação do risco sistêmico, cuja existência a própria r. sentença recorrida reconheceu.

337. Não se verifica, portanto, Nobres Magistrados, nenhuma evidência na conduta do Apelante de que agiu imbuído intencionalmente de praticar o delito de gestão fraudulenta, ao contrário do que afirma equivocadamente e de maneira esdrúxula a r. sentença recorrida, que, frisamos não se apóia em provas consistentes e claras, deduzindo de meras suspeitas fantasiosa as premissas que serviram de suporte para a condenação ora combatida.

g) DO SUPOSTO PECULATO

338. No que concerne à alegação da r. sentença recorrida de que o Apelante, em conluio com os co-Réus, Francisco Lopes e Luiz Augusto Bragança, perpetraram a prática de peculato, desfalcando numerário do Erário Público, está totalmente dissociada da prova carreada aos autos, não merecendo ser mantida por este E. Tribunal.

339. Em relação ao crime de peculato, a r. sentença recorrida não acolheu a definição constante no tipo penal, abrangendo aspectos e circunstâncias que não estão de acordo com os elementos objetivos e subjetivos descritos pelo legislador ao prever a conduta delitiva.

340. O art. 312 do Código Penal preceitua o crime de peculato nestes termos:

“Art. 312. Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

§ 1º – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário”.

340. O legislador, portanto, foi claro ao estabelecer que para a prática do peculato a conduta do agente deve estar inserida no núcleo de uma das seguintes expressões: apropriação, desvio ou subtração.

341. No entanto, a r. sentença recorrida não demonstrou, de forma alguma, que a conduta do Apelante conteve-se nos limites das referidas definições, traçadas pelo legislador, incorrendo a r. sentença recorrida em grave equívoco ao se ater a uma suposta interferência do Apelante perante o presidente do Banco Central, Francisco Lopes, por intermédio da colaboração de um amigo comum, Luiz Augusto Bragança, agindo todos mediante prévio acordo de vontades, direcionado para o desfalque do Erário Público, mediante ação premeditada orquestrada especificamente para utilizar as dificuldades econômicas do Banco Marka como pretexto para obter indevida benesse financeira perante o Banco Central e assim auferirem pessoalmente acréscimo patrimonial ilícito, derivado de desvio de numerário de ente público.

342. Ínclitos Julgadores, o Apelante jamais utilizou indevidamente a interferência de terceiro para obter numerário do Banco Central, não tendo seu Presidente desviado dinheiro da referida Autarquia com a finalidade de que seu patrimônio pessoal obtivesse imotivadamente um acréscimo ilícito.

343. As provas coligidas durante a instrução não traduzem intenção alguma por parte do Apelante de perpetrar o aludido peculato, estando inteiramente descaracterizado o dolo, elemento intencional inafastável para a perfeita configuração do crime em tela, cuja tipicidade não admite presunções e ficções derivadas de fatos isolados e eventuais que não merecem a necessária credibilidade para justificar a condenação proferida.

344. Alude a sentença recorrida que:

“A prova dos autos demonstrou claramente que não só FRANCISCO LOPES e BRAGANÇA eram muito ligado entre si – dado este incontroverso, vez que o primeiro é amigo de infância e padrinho de casamento do segundo – , como também que o irmão de BRAGANÇA , de nome SÉRGIO BRAGANÇA e denunciado nos autos do proc. 990048111-9, é sócio da MACROMÉTRICA, empresa de Consultoria fundada por LOPES, e que teve ARACY PUGLIESE, companheira de LOPES, como sua sucessora na sociedade.

É também incontroverso que BRAGANÇA e NOVAES eram amigos e tinham relações profissionais com CACCIOLA, conforme eles mesmos confessam em seus interrogatórios ( fls. 1069 e 627 do proc. Cinthia).

É verdadeira, portanto, e aliás incontroversa, a existência de ligações entre BRAGANÇA e FRANCISCO LOPES, assim como entre BRAGANÇA, NOVAES e CACCIOLA.

Sobre LUIZ AUGUSTO, apurou-se que, embora não tivesse emprego fixo e fossem pequenos os rendimentos oficialmente declarados à Receita Federal, obteve ganhos financeiros substanciais a partir de meados de 1998. Nesta linha, os bilhetes apresentados por sua ex-namorada, escritos do punho de BRAGANÇA e datados, dois deles, de setembro de 1998 ( época da crise russa, que gerou forte abalo no mercado de câmbio brasileiro), e outro de maio de 1999, anexados à cautelar de quebra de sigilo bancário:

(….)

A compra de um carro modelo Passat alemão em dinheiro por Bragança, em fevereiro, de 1999, foi justificada por sua defesa através de extrato bancário juntado às fls. 3917, que comprova o saque de valores correspondentes da conta bancária do Apelante em data próxima à compra.

Às fls. 2702/2711 e 2712/2719 do proc. 990046981-0, bem como às fls, 1026 do processo desmembrado, as testemunhas LEON SAYEG e OMAR JAHIC, investidores dos fundos MARKA NIKKO, aduzem ter ouvido, do próprio SALVATORE CACCIOLA que ele teria informações de dentro do Banco Central sobre a mudança cambial, que somente ocorreria em fevereiro.

A isto acrescente-se que, durante a crise cambial de 1998, fruto de reflexos no Brasil da crise russa, BRAGANÇA, viajou a Brasília em táxi aéreo fretado pelo Banco MARKA, como deixa ver o documento de fls.2258, assim como o fax para ir a Brasília estar com Francisco Lopes em 13/01/99, conforme documento de fls. 2260.

Hospedado ambas as vezes no Hotel Saint Paul, de lá fez ligações para SÉRGIO, seu irmão, e Novaes (inúmeras) em 14/01, e para NOVAES em 10/09/98 (fls. 2265 do proc Cinthia e 701 do vol 3 do IPL).

Com decretação das buscas e apreensões por este juízo, foi encontrado bilhete na residência de CACCIOLA, com o seguinte teor:

“ Francisco,

Preciso muito da tua ajuda, melhor ainda se pudesse falar 5 minutos com você.

É muito importante para mim, para você e para o País.

Caso você não consiga me receber, preciso de uma, muito maior, interferência sua no sentido do MAUCH ser menos rigoroso e aceitar a negociação em um preço razoável. O ideal, mesmo assumindo um prejuízo enorme, seria 1.250, porém, está distante da vontade do Diretor.

Em qualquer caso isto acaba com meus 30 anos de mercado e 55 anos de vida. Porém mesmo com esse enorme prejuízo, posso assumir que fico satisfeito em não dar prejuízo ao mercado, sobreviver com uma não financeira para recomeçar minha vida e esquecer tudo.

Obrigado

Alberto CACCIOLA.

(Apenso 23 do Inquérito Policial n? 25/99, fls. 110).

Também a busca na residência de LOPES permitiu a apreensão de um e-mail, dando conta de sua presença em reunião da MACROMÉTRICA com uma empresa de informática, de nome ZAP, com quem pretendiam firmar parceria, com o seguinte teor:

“ Prezado João,

Já conversei com um de nossos principais economistas, o Estevão, que está bastante receptivo à idéia. Apenas três pontos colocou:

Vai tirar 15 dias de férias e portanto seria melhor começar a produzir os textos semanais a partir de meados de Novembro.

Sugeriu também que haja exclusividade também da parte de vocês, não fazendo parceria com os nossos concorrentes.

Pediu informações sobre: preço do serviço, receita esperada e percentual da Macrométrica.

Escrevi um pequeno texto, até mesmo para não esquecer certos detalhes de nossa conversa de ontem, que irei apresentar na reunião de diretoria de amanhã e estou lhe enviando em anexo.

Qualquer sugestão para alteração por favor contacte-me.

Estará presente na reunião nosso ilustre fundador o Prof. Francisco Lopes. Acho importante apresentar a ele um portfolio da ZAP ou até mesmo aquela apresentação em CD que vocês mostraram aqui.

Você pode disponibilizar isto e também as informações solicitadas pelo Estevão?

Aguardo retorno então.

Abraços

Fábio.”

(grifo nosso, inquérito Policial, nº 25/99, vo.10, fls, 2946).

Coincidentemente ou não esta empresa era ligada a Fabrizio CACCIOLA, filho de Salvatore CACCIOLA (ver depoimento de fls, 29312 do IPL).

No mesmo apenso 23 consta ainda uma carta da jornalista Daniela Fresch, na qual fornece a Bruno Pugliese, enteado de LOPES, informações sobre reunião que CACCIOLA teria tido com cotistas do MARKA-Nikko, no dia 23/03, no Rio de Janeiro, com o seguinte teor:

“PARA BRUNO PUGLIESE

DE: DANIELA KRESCH

Oi, Bruno. Te mando, como prometi trechos do que o CACCIOLA falou na assembléia com os cotistas do Banco MARKA que aconteceu no dia 23 de março no Rio. Estavam presentes algo em torno de 150 cotistas. Te peço para você não mostrar isso para ninguém a não ser pro Estevão, pra Ciça e pro Chico. Começa com explicações sobre que a conjuntura na época, tec., mas depois começa a ir mais fundo na tentativa de jogar os cotistas do MARKA contra o BC.

Depois, te mando umas perguntas que gostaria de fazer para o Chico, como eu te disse, acho que a história não está acabada apenas com as declarações dele no Globo e no Estadão…Enfim, aquilo que a gente conversou pelo telefone.

Abraços, Dani.”

Apenso 23 do Inquérito Policail nº 25/99, fls. 112).

Por fim, ainda encontrada na residência de LOPES uma declaração de vontade, subscrita por SÉRGIO BRAGANÇA, irmão de LUÍS AUGUSTO BRAGANÇA, datada de 04 de agosto de 1996, na qual este afirma que teria U$ 1.6756.000,00 ( um milhão e seiscentos e setenta e cinco mil dólares), de propriedade de LOPES, depositados em suas contas no estrangeiro.“

Ocorre que para efetivamente haja o crime de corrupção, em separado do delito de peculato, será necessário comprovar que a vantagem oferecida ao funcionário é diversa da mera repartição do produto a ser obtido, futuramente, com a conduta delitiva.

Dito de outro modo: se a vantagem prometida ao funcionário consistir em sua própria cota-parte dos valores desviados, teremos, evidentemente apenas o crime de peculato e o ajuste a respeito deste recebimento nada mais significará do que o acordo de vontades característico do concurso de agentes.

Passemos, pois a analisar se a prova dos autos corrobora esta versão dos fatos, qual seja, a do oferecimento de vantagem, a FRANCISCO LOPES, para que autorizasse a operação de socorro ao MARKA, distinta do mero gozo do produto do crime de peculato ou do ajuste de vontades que o precedeu.

(…)

efetivamente uma ligação entre BRAGANÇA e LOPES, assim como entre BRAGANÇA, NOVAES e CACCIOLA, aliás incontroversa.

Alguns indícios levantam razoável suspeita sobre a existência do fornecimento de informações privilegiadas a CACCIOLA, passadas por LOPES no ano de 1998. Um deles seria a viagem de BRAGANÇA a Brasília durante a crise cambial de 1998, paga pelo MARKA, com ligações telefônicas a NOVAES. Um outro seria o vínculo que LOPES mantinha de fato com a MACROMÉTRICA, empresa por ele fundada, da qual nunca se afastou efetivamente, e que tinha como sócio SÉRGIO BRANGANÇA, irmão de LUÍS AUGUSTO BRAGANÇA e homem de sua inteira confiança, como aponta a declaração de vontade relativa aos dólares no exterior. Um terceiro indício seriam os fac-similes de BRAGANÇA a sua namorada REGINA LÚCIA, dando conta de um substancial enriquecimento justamente naquela época. Por fim, teríamos ainda as palavras de CACCIOLA a cotistas do MARKA NIKKO, confessando que possuiria informações de dentro do Banco Central sobre a desvalorização do real em fevereiro, o que curiosamente coincide com a postura também adotada pelo FONTECINDAM, que conforme relatório de fiscalização de fls. 07 e 414 do apenso 16, também tinha sua estratégia de atuação pautada numa desvalorização significativa do real frente ao dólar somente em fevereiro de 1.999.

É incontroverso que BRAGANÇA e NOVAES foram a Brasília no dia 13/01/99, em táxi aéreo fretado por CACCIOLA, para que BRAGANÇA estivesse com LOPES e intercedesse em favor de CACCIOLA na decisão a ser tomada pelo BACEN.

Este encontro entre LOPES E BRAGANÇA efetivamente ocorreu, e é confessado por ambos, muito embora seja aduzido que a interferência deste último em favor de CACCIOLA tenha sido infrutífera.

A estes dados deve ser acrescido o bilhete escrito por CACCIOLA a LOPES, apreendido na residência do primeiro, que segundo ele teria sido confeccionado no prédio do BANCO CENTRAL, mas que sem dúvida tem conteúdo bastante suspeito. Nele CACCIOLA não só pede uma cotação de dólar que, como se sabe, permitiria sobra de patrimônio líquido após a operação, como também alude a um “esquecer tudo”, sublinhado, que a qualquer leitor soa ou como uma ameaça implícita, como quer o MPF, ou pelo menos como uma cumplicidade quanto a algum fato revelador, ainda não esclarecido.

Mais estranho é verificar que, ao contrário da tese de LOPES e de PUNDEK, que pretendem enfatizar a desimportância do bilhete, cópia dele foi apreendida na residência de LOPES mais de três meses depois dos fatos.

Por fim, o e-mail da jornalista DANIELA KRESCH a BRUNO PUGLIESESE, enteado de LOPES, demonstra a preocupação com que este último acompanhava o desenrolar dos fatos, sobretudo a conduta de um dos seus protagonistas, SALVATORE CACCIOLA.

O que será, pois, toda esta teia de indícios capaz de demonstrar?

Sem dúvida um acordo de vontade, um ajuste entre LOPES, BRAGANÇA E CACCIOLA, que permitiu a concretização do peculato descrito nos itens anteriores. O benefício de CACCIOLA com a intervenção de BRAGANÇA é tão evidente que, não fossem as benesses de não se tornar devedor dos valores aportados pelo BC e não ter seu patrimônio pessoal comprometido, ainda logrou remeter cerca de treze milhões de dólares ao exterior, através da aquiescência do BACEN em incluir no socorro a operação direta com o STOCK MAXIMA, tendo assim o mesmo efeito prático desejado com a taxa de R$ 1,25 por dólar pleiteada no bilhete escrito a LOPES.

Não há porém, prova idônea a demonstrar que esta operação-socorro ao Banco MARKA se deu em função de uma específica oferta de vantagem a FRANCISCO LOPES, divorciada, repita-se, do aproveitamento do produto do ilícito ou do ajuste de vontade que precedeu o peculato.”

345. Infere-se das provas apresentadas pela douta magistrada que encerram inafastável contradição, não evidenciando de maneira indubitável e satisfatória qualquer conluio de vontade entre o Apelante CACCIOLA, LOPES e BRAGANÇA com a finalidade premeditada de ser praticado o peculato em tela.

346. A configuração do peculato não se caracteriza após uma análise criteriosa dos fatos, revelando-se pouco convincente as argumentação sustentada pela r. sentença recorrida. Senão vejamos.

347. Conforme consta da r. sentença recorrida CACCIOLA E BRAGANÇA mantinham relações profissionais, não havendo nenhuma prova no sentido de que eram amigos íntimos.

348. O fato do irmão de LUIZ ANTONIO BRAGANÇA, SÉRGIO BRAGANÇA, ser sócio da empresa MACROMÉTRICA, empresa fundada por FRANCISCO LOPES, sucedido nesta sociedade por sua companheira, não revela por si só, no âmbito de uma relação profissional idônea, que tenha o Apelante se servido desta mera possibilidade de aproximação com o Sr. FRANCISCO LOPES, por intermédio de um amigo comum, o Sr. BRAGANÇA para propor-lhe a prática de peculato.

349. As viagens efetuadas por BRAGANÇA para Brasília, ainda que patrocinadas pelo Banco Marka, não evidenciam que foram realizadas para que fosse efetuada uma intervenção junto ao Presidente do Banco Central, tendo em vista a relação de amizade mantida entre ambos, com a finalidade de serem mantidas tratativas para o cometimento do delito de peculato.

350. A r. sentença monocrática recorrida, extrai fatos inócuos, que não possuem nenhuma conotação intencional, nos quais o dolo intrínseco à prática do peculato não se mostra efetivamente configurada, suposições e suspeitas que não tem eficaz carga valorativa para autorizar a prolação de uma sentença condenatória a título de peculato.

351. Os bilhetes veiculados entre BRAGANÇA e sua namorada revelam apenas e tão somente que LUIZ ANTONIO estava ganhando dinheiro. No entanto, tais comunicações, marcadas pela coloração de um relacionamento apaixonado, não conduz à certeza inconteste de que os rendimentos obtidos pelo Sr. BRAGANÇA, nesta época, derivaram de desvio de dinheiro público, proveniente do Banco Central. Simplesmente, não revelam a origem da renda a que seu subscritor se refere.

352. Ressaltamos que prova coligida no âmbito de processo penal devem ser claras, cristalinas, de modo a revelar a verdade dos fatos sem que estejam maculadas por dúvidas e incertezas, próprios de indícios probatórios fracos e inconsistentes.

353. Ademais, a carta endereçada pela jornalista Daniela Freschi para Bruno Pugliese nada esclarece, aludindo a fatos cuja ocorrência não possuem nenhuma relevância para a configuração do crime de peculato.

354. A mencionada jornalista refere-se à explanação efetuada pelo Apelante na data de 23.03, em assembléia de cotistas do fundo de investimentos Marka-Nikko, onde discorreu a respeito da política econômica adotada pelo governo dentre outras questões.

355. Esta missiva não revela nenhum dado pertinente a um conluio de vontades entre o Apelante e o Sr. Lopes com a finalidade de ser praticado peculato sob a modalidade de desvio de dinheiro público.

356. De maneira alguma pode ser feita esta dedução da alusão feita pela jornalista de que as informações que estava fornecendo não deveriam ser reveladas para ninguém a não ser para o “Estevão, Ciça e Chico.”

357. Trata-se de afirmação superficial e obscura, que nada esclarece, uma vez que não diz porque somente poderiam as informações contidas na carta serem reveladas para as pessoas que menciona.

358. Excelsos Julgadores, admitir que esta carta demonstra a ocorrência de uma combinação entre o Apelante e o Presidente do Banco Central para a prática de peculato significa extrair de um material que não possui nenhuma conotação probatória, sendo evasivo e nada explicando a respeito dos fatos sub-judice a dedução categórica de que houve a prática do questionado crime de peculato, consistindo em uma atitude injustificada, marcada pelo passionalismo da nobre julgadora, que insiste em vislumbrar vínculos próprios da co-autoria onde nada existe.

359. Ademais, Nobres Julgadores, a r. sentença recorrida pretende condenar o Apelante por peculato com base em meras suspeitas de que este detinha informações privilegiadas, em razão de fatos que não revelam, mais uma vez, liame de espécie alguma entre o Apelante o Sr. Lopes.

360. Ressaltamos que no processo penal indícios que não se confirmam suspeitas dúbias e vacilantes não se prestam para conduzir a um decreto condenatório.

361. O que pode ser deduzido dos fatos consistentes: em uma viagem efetuada pelo Sr. Bragança à Brasília durante a crise cambial de 1998, de que o Sr. Lopes mantinha vínculo com a empresa Macrométrica, da qual participava Sérgio Bragança, enriquecimento do Sr. Luiz Antonio Bragança durante a época dos fatos que culminaram na presente ação e a detenção pelo Apelante de informações a respeito da política cambial a ser adotada pelo Banco Central.

362. Nada mais além das informações neles contidas.

363. Estes acontecimentos não demonstram uma combinação de interesses direcionada para a prática de peculato, devendo a prova deste crime estar revestida de indubitável conotação dolosa, que demonstre efetivamente estarem seus autores imbuídos da intenção premeditada de desfalcarem o erário público.

364. Os fatos declinados revelam a mera possibilidade de aproximação entre o Apelante e o Sr. Lopes, circunstância esta que não se mostra apta a comprovar que efetivamente ambos acordaram a prática de peculato mediante desvio de dinheiro público.

365. Se houve qualquer aproximação, foi exclusivamente no sentido de que fosse efetuada a operação de “hedge” pelo Banco Central para socorrer o Banco Marka, cuja legalidade e licitude já foi demonstrada à saciedade no presente recurso.

366. O enriquecimento do Sr. Bragança, na época dos fatos, já frisamos, não teve sua fonte comprovada pela acusação, deixando de ser demonstrado, portanto, qualquer, vinculação das rendas que auferiu com desvio de dinheiro público, originado da operação de “hedge” efetuada entre o Apelante e o Banco Central.

367. Novamente, vale-se a sentença recorrida de mera suposição, deduzindo de indício probatório vago e inconsistente, baseado em troca de bilhetes entre o Sr. Bragança e sua namorada, onde é normal a utilização desmedida de expressões que visam demonstrar a afeição que um sente pelo outro, e que muitas vezes tem conotação fantasiosa, desvinculada da realidade, cujos termos não revelam o intuito de prática de peculato.

368. Ademais, o fato de eventualmente o Apelante deter informações a respeito de política cambial do Banco Central, antes dos fatos que culminaram na desvalorização do real e alta repentina do dólar não revela em hipótese alguma o intuito de desviar numerário do Banco Central, e sim que o Banco Marka estava prestes a enfrentar enorme prejuízo financeiro, razão pela qual teria necessidade de efetuar operação de “hedge” visando garantir o adimplemento dos compromissos assumidos em contratos futuros de dólar.

369. E foi o que fez, atuando com a diligência e probidade que se espera do dirigente de uma instituição financeira, tendo em vista que não havia outra atitude a tomar.

370. A circunstância de que esta operação foi regularmente proporcionada pelo Banco Central não demonstra, frisamos, o intuito de praticar peculato na modalidade de desvio de dinheiro público.

371. A detenção da informação em questão simplesmente “vazou” do Banco Central, mediante declaração de algum funcionário que mantinha contato com as autoridades responsáveis pela execução da política cambial da instituição, não significando, mesmo porque trata-se de mera suposição, que o Apelante manteve conluio com o Sr. Lopes visando desfalcar ilicitamente o patrimônio público, dedução esta que deveria estar amparada em prova idônea e consistente colhida durante a instrução criminal, o que enfatizamos, não ocorreu.

372. A alusão de que o co-Apelante Francisco Lopes, por sua vez, compareceu a uma reunião da empresa MACROMÉTRICA com a empresa de informática ZAP, na qual estas visavam firmar uma parceria, não conduz à conclusão fatal e indubitável de que mantinha o Apelante estreita relação com o Sr. Lopes, a ponto de propor-lhe a prática do delito de peculato.

373. Apenas demonstra, em razão da mencionada empresa prestar serviços de consultoria ao Banco Marka, que havia uma mera possibilidade de aproximação entre o Apelante e o Sr. Chico Lopes, nada além disso, conforme já evidenciado.

374. Qualquer outra dedução, concluindo pela prática de peculato é irreal, equivocada não encontrando amparo na prova dos autos.

375. No que diz respeito à carta endereçada pelo Apelante ao Sr. Lopes, não há em seus termos a revelação de que mantinha contacto com o Sr. Lopes visando deliberadamente praticar peculato.

376. Trata-se de uma solicitação, na forma de apelo desesperado diante das graves dificuldades financeiras enfrentadas pelo Banco Marka, em razão da abrupta desvalorização cambial, que onerou excessivamente as obrigações mantidas em dólares, para que a operação de “hedge“ em vias de ser implementada, cotasse o dólar a um preço que efetivamente atendesse às necessidades da mencionada instituição, com o intuito de garantir na data do vencimento o adimplemento dos compromissos assumidos no mercado futuro.

377. Aliás, esta carta somente vem a ressaltar a inocência do Apelante.

378. Nela fica ressaltada que seu subscritor sofreu enorme prejuízo ao realizar a operação com o Banco Central, a qual foi efetivada com o exclusivo objetivo de zerar o patrimônio do Banco Marka, na medida em que proporcionou acordo de contas entre ativo e passivo.

379. Não houve o fantasioso e espetacular ganho econômico propagado pela mídia sensacionalista, não comprovado nos autos, mas, no entanto, de maneira forçada e insubsistente reconhecido pela r. sentença recorrida.

380. Ao contrário, o que se deduz das próprias provas carreadas aos autos pela acusação, particularmente no que diz respeito ao bilhete enviado pelo Apelante ao co-Apelante Francisco Lopes é de que o primeiro sofreu vultoso prejuízo, tendo em vista que a instituição de onde retirava seu sustento teve seu patrimônio dilacerado em razão da equivocada e desastrada política cambial adotada pelo Banco Central, a ponto do Poder Executivo demitir em questão de uma semana toda a cúpula desta autarquia.

381. É o que se deduz das expressões:

“O ideal, mesmo assumindo um prejuízo enorme, seria 1.250, porém, está distante da vontade do Diretor.”

“Em qualquer caso isto acaba com os meus 30 anos de mercado e 55 anos de vida. Porém mesmo com esse enorme prejuízo (…).”

382. Está plenamente evidenciado, portanto, que, ao contrário do que aduz a r. sentença recorrida, o Apelante teve sim comprometido o seu patrimônio particular, tendo a operação com o Banco Central apenas amenizado os efeitos nocivos e deletérios que a forte desvalorização cambial que se instalou no país, à época dos fatos, ocasionou ao patrimônio do Banco Marka, atingindo por conseguinte a legítima expectativa de lucro do Apelante.

383. Verificamos ainda no bilhete em questão que preocupou-se o Apelante em “não dar prejuízo ao mercado”, demonstrando novamente a probidade, honestidade e ética profissional com que sempre pautou suas atividades frente ao Banco Marka.

384. A expressão “esquecer de tudo” deve ser interpretada no contexto da frase em que é redigida, em que é precedida da intenção do Apelante em recomeçar sua vida tendo em vista que sua vida privada, incluindo imagem e prestígio, sofreram forte abalo, apesar de ter honrado todos os compromissos profissionais pendentes no Banco Marka.

385. Neste diapasão a r. sentença recorrida, ao invés de se ater a uma interpretação razoável e lógica dos termos utilizados pelo Apelante e o co-Apelante Francisco Lopes, parte de uma suposição obscura e extremamente imaginativa, aludindo a uma pretensa “ameaça implícita”, dela extraindo ainda “cumplicidade quanto a algum fato revelador, ainda não esclarecido.”

388. Donde se deduz qualquer ameaça a quem quer que seja da expressão “esquecer de tudo”? Tais termos somente podem se referir ao abalo sofrido pelo Apelante em suas finanças com a política cambial adotada pelo governo.

389. Muito menos autoriza a expressão em análise qualquer cumplicidade entre o Apelante e o Sr. Lopes a respeito da participação em qualquer fato não esclarecido, e que, portanto, se não consta dos autos a sua inteira revelação, despida de presunções dúbias e frágeis, não tem relevância alguma no contexto probatório.

390. Aliás, evidente que não se trata de cumplicidade em delito de peculato, haja vista o prejuízo financeiro incontestável sofrido pela instituição gerida pelo Apelante a que se refere o bilhete constante dos autos.

391. Ademais, o fato desta missiva vir a ser encontrada três meses depois dos fatos na residência do Sr. Lopes somente vem a demonstrar a ausência de dolo visando a prática de peculato.

392. Preclaros Julgadores, ninguém, em sã consciência, que tivesse o propósito de cometer o delito em tela, guardaria nas dependências onde reside qualquer documento comprometedor, principalmente bilhete em que há força de informações com seu comparsa.

393. Finalizando, o fato de eventualmente o Sr. Lopes ter depositado US$ 1.675.000,00 (hum milhão, seiscentos e setenta e cinco mil dólares) na conta de Sergio Bragança no estrangeiro, advertimos que trata-se de fato que não foi devidamente comprovado mediante juntada do extrato bancário do beneficiário, prova que deveria ser facilmente obtida pela Digna Promotoria de Justiça, não passando de mero indício constante de bilhete que inclusive pode ter sido elaborado com a finalidade de prejudicar o Sr. Lopes.

394. Ademais, ainda que este depósito tenha sido efetuado, que ligação podemos extrair entre o Apelante e o numerário em questão?

395. Nenhuma, tendo em vista que não fornece a acusação a origem do referido numerário, que pode ter sido perfeitamente originado dos trabalhos desenvolvidos pelo Sr. Lopes na empresa de consultoria Macrométrica, da qual participava o Sr. Sérgio Bragança. Justificando-se assim a remessa da quantia mencionada.

396. Conclui-se, portanto, que o contexto probatório que serviu de respaldo para a condenação do Apelante por peculato é extremamente frágil e inconsistente uma vez que traz à lume a configuração da prática do delito mediante a indicação precisa e pormenorizada de atos e fatos que indiquem a idealização de propósitos visando o seu cometimento, a entabulação de conversações demonstrando a firme intenção de praticá-lo, e mesmo atos de execução definidos que caracterizam a conduta de quem se propõe a desfalcar o patrimônio público, desviando ou subtraindo numerário que lhe pertence.

397. Não se caracteriza enfim o dolo no comportamento do Apelante conforme a jurisprudência de nossos Tribunais, a seguir transcritas:

O dolo é o conhecimento e a vontade de realização do tipo. Em outras palavras, é a atitude subjetiva de decidir-se pela execução de uma ação lesiva a um bem jurídico, quer dizer, de uma ação que realiza um tipo penal” (Enrique Bacigalupo, Manual de Derecho Penal, 1984, p. 103).

“Sem vontade livre, acompanhada da consciência da anti-juridicidade, ou consciência de que o evento colimado pela vontade incide na reprovação jurídica, não há falar-se em dolo” ( TACRIM sp – ac – Rel. Canguçi de Almeida – JUTACRIM 87/418)

“Dolo é o comportamento psíquico contrário à ordem jurídica e como tal deve ser aferido no momento do delito” ( TJSP – EL- Rel Chiaradia).

Diz-se direto o dolo quando o resultado no mundo exterior corresponde perfeitamente à intenção e vontade do agente. O objetivo por ele representado e a direção da vontade se coadunam com o resultado do fato praticado.”

398. Estando plenamente caracterizado que o Apelante não direcionou sua vontade com a intenção de desviar para si dinheiro público, uma vez que a sentença baseia-se em conjecturas e suspeitas, sem apresentar uma prova conclusiva e efetiva de que houve conluio entre Apelante e os co-Apelantes Francisco Lopes e Luiz Antonio Bragança para, mediante operação realizada entre o Banco Marka e o Banco Central obter disponibilização de numerário proveniente de órgão governamental, configura-se a ausência de dolo direto ou eventual, de modo a se afastar a prática do delito de peculato que lhe é imputada pela r. sentença recorrida, impondo-se desta forma a absolvição do Apelante.

CONCLUSÃO

399. A r. sentença recorrida não demonstrou a materialidade dos delitos de peculato e gestão fraudulenta, pelos quais condenou o Apelante. Não comprovou que a conduta deste foi efetivada com a intenção de locupletar-se ilicitamente às custas do erário público. Não demonstrou a existência da pretensa “conspiração” entre o Apelante e os demais co-Apelantes com o intuito de auferirem indevido acréscimo patrimonial, às custas do erário público . As provas em que se baseou a r. sentença são essencialmente notícias de jornal e bilhetes pouco elucidativos a respeito dos fatos. Os depoimentos das testemunhas nada acrescentaram ou esclareceram para que se pudesse estabelecer a autoria do Apelante pelos delitos pelos quais foi condenado. As provas documentais são inconclusivas, nada esclarecendo sobre os crimes que lhe são imputados. Tampouco foi demonstrado o nexo de causalidade entre os supostos fatos delituosos e qualquer ação do Apelante.

400. A materialidade, que é “um conjunto de elementos e circunstâncias que evidenciam a criminalidade de um ato”[4], não restou comprovada em relação a nenhum dos tipos penais pelos quais foi denunciado

401. Portanto, tampouco a causalidade, que é “o nexo material que liga o fato ao seu autor”, restou demonstrado, tecendo o necessário e fundamental liame entre o autor e os fatos supostamente delituosos.

402. NEY MOURA TELES[5], ponderando a propósito do nexo de causalidade na ação penal, obtempera:

“Nos fatos definidos como crime em que, além de conduta, se exige a produção de um resultado, é imprescindível que entre o comportamento humano e o resultado verificado exista uma relação de causa e efeito, a fim de que se possa atribuí-lo ao agente da conduta. A conduta deve ser a causa do resultado, este a sua conseqüência. É de toda obviedade, pois que não se pode atribuir, ou imputar, a alguém, a responsabilidade por algo que ele não produziu.”

403. Não se provou a ocorrência de gestão temerária ou fraudulenta, porque não existiu prejuízo aos investidores do Banco Marka, condição sine qua non para sua caracterização. Ao contrário, evitou-se uma provável tragédia no mercado financeiro nacional, que certamente adviria da deflagração do chamado “risco sistêmico”. ARMÍNIO FRAGA NETO, que sucedeu Francisco Lopes na presidência do BACEN, no seu depoimento prestado às fls. 1.144 e seguintes, bem definiu a questão:

“[…] que este risco poderia ser conseqüência de problemas na capacidade de a BMF honrar com seus compromissos; que este risco era possível naquela época porque vínhamos de um sistema em que o real era fortemente atrelado ao dólar, sendo que muitas dívidas foram contraídas em dólar, contando com o a correlação até aquele momento vigente […] que gostaria de esclarecer que a possibilidade de risco sistêmico não estava ligada especificamente à quebra do Marka e do FonteCindam, mas sim à possibilidade de que, com a quebra destes bancos, haver uma percepção de que o sistema de proteção não funcionava; que este sistema de proteção era a BMF; que, caso de forma geral chegasse o mercado ao entendimento da impossibilidade de a BMF honrar com os contratos de dólar futuro, haveria uma fuga para o mercado de dólar a vista; que poderia haver uma desconfiança em relação ao sistema de garantias da BMF;”

404. Tão pouco se provou a ocorrência de peculato, porque nenhuma testemunha ou documento demonstrou de forma cabal e efetiva ter o Apelante agido mediante acordo de vontades com os co-Apelantes Francisco Lopes e Luis Antonio Bragança com a finalidade de desfalcar o Banco Central, desviando numerário desta instituição para benefício próprio.

405. O único fato comprovado de maneira clara e transparente nestes autos foi a legítima operação entabulada entre o Banco Marka e o Banco Central com a finalidade desta autarquia socorrer a mencionado instituição disponibilizando-lhe dólar no mercado futuro com o intuito de serem honrados compromissos estabelecidos com base na moeda americana.

406. A surpreendente, rápida e súbita valorização, provocada pela política desastrosa adotada pela equipe econômica dirigida pelo Sr. Francisco Lopes, então presidente do Banco Central, criou tamanha disparidade nas condições contratuais firmadas pelas instituições financeiras que estas, ao se comprometerem a venderem dólar no mercado futuro, contando com a estabilidade do real, conforme reiteradamente anunciado pelos órgãos governamentais, foram colocadas em uma situação de verdadeira insolvência, merecendo ser frisado que não havia legislação, à época dos fatos, delimitando a alavancagem de posição de venda no mercado de dólar futuro .

407. As instituições que honraram seus compromissos, em particular o Banco Marka, gerido pelo Apelante, somente o fizeram mediante ajuda externa, proveniente de um agente econômico em condições de viabilizar-lhe uma operação de garantia, na qual foi disponibilizado dólar ao valor corrente, ou com preço próximo ao do dia no qual em que houve a disponibilização, cujo pagamento pela “compra” foi previsto para ocorrer em data futura, quando da aquisição de real pelas instituições financeiras beneficiadas pela operação, mormente conhecida como “hedge”, a ocorrer quando da entrega a seus clientes dos dólares adquiridos e os constantes em suas reservas, conforme contratado.

408. Não se tratou na verdade a operação em questão de compra de dólar abaixo do preço de mercado, conforme frisou a r. sentença recorrida, mas sim de um negócio “casado”, próprio do mercado financeiro, com vistas a garantir ao Banco Marka o cumprimento de obrigações fixadas em dólar, cuja alta repentina desestabilizou as condições iniciais dos ajustes estabelecidos em contratos firmados no mercado futuro, uma vez que a referida instituição, na qualidade de posição de vendedora, assumiu o compromisso de disponibilizar dólar a uma cotação que passou a não corresponder mais com a realidade do preço desta moeda no momento fixado para ser entregue a outra parte. Esta delicada situação somente pode ser revertida mediante a operação realizada pelo Banco Marka junto ao Banco Central, cuja lisura e idoneidade foi exaustivamente demonstrado pela defesa do Apelante.

409. Como visto, tratou-se de uma operação de socorro que procurou dar uma solução às conseqüências da crise financeira provocada pelo BACEN.

410. Gestão temerária ou fraudulenta, Excelências, não se caracterizada à luz dos fatos, tanto porque não houve prejuízo aos investidores do Banco Marka, como porque, mesmo na hipótese da ocorrência de qualquer prejuízo, ainda assim, este seria ocasionado por culpa exclusiva da solução dada pelo BACEN à conjuntura econômica internacional, provocando uma grave crise cambial. Trataram-se, portanto, de fatores externos à vontade do Apelante, tão pouco provocados pelo Banco Marka, que culminaram por gerar uma situação de insolvabilidade em todo o mercado financeiro, carecendo, portanto, de nexo de causalidade a dar suporte à acusação, neste particular, a conduta do Apelante com os tipos penais que configuram peculato e gestão fraudulenta ou temerária em decorrência da operação realizada entre o Banco Marka e o Banco Central. Acrescentem-se, ainda, os termos do depoimento de Armínio Fraga (fls. 2.161):

“[…] a opção do Banco central em realizar a operação com o MARKA visava proteger a sociedade, tendo em vista que a opção de liquidação poderia provocar os reflexos em cadeia levando em comprometimento o sistema […] que a operação do Marka, por si só, não caracteriza desvio de dinheiro público […] que a sindicância do BANCEN que apurava o vazamento de informações não logrou comprovar a existência deste fato.”

411. Nada mais há que ser dito, Excelências. É patente a clareza dos fatos e a dissociação do Apelante com suas conseqüências. Só se pode cogitar em condená-lo se a lei penal passar a reconhecer “mexerico de imprensa” como prova, como quer a acusação, decretando-se a subversão do sistema penal brasileiro.

412. A alteração de documentos, por igual, como restou demonstrado no tópico relativo ao mérito, não ocorreu. Não há um só testemunho que dê conta desse fato. Os livros referidos na denúncia eram de controle interno, não os oficiais, requeridos em lei.

413. Em síntese, por qualquer ângulo que se analise a questão, tudo o que se tem é um punhado de recortes de notícias de jornal e insinuações inconclusivas. Isso não basta, Excelências, para condenar o Apelante, por mais que a mídia peça sua cabeça, e todos nós sabemos disso. Confiram-se alguns julgados, a propósito do tema da prova em processo crime, que se adequam à exatidão ao caso vertente:

“O art. 157 do Cód. de Proc. Penal deve ser entendido com restrições; conforme adverte a própria Exposição de motivos do referido Código, o juiz, para fixar a sua livre convicção, está adstrito a certas normas tendentes a servir de base ao seu convencimento pessoal. E, segundo Manzini, citado por Espínola Filho (Cód. de Proc. penal, vol. 2º, pág. 357), a avaliação da prova consiste na análise crítica feita pelo magistrado do resultado do exame probatório e em seu conseqüente ente livre convencimento sobre a concludência da própria prova dos fins processuais. O livre convencimento, como adianta o mesmo autor, deve derivar dos fatos examinados e não somente dos elementos psicológicos oriundos de hipóteses formuladas contra a atuação do Apelante.” (TJSP, Rel. Renato Guimarães, RT 164/115).

“O Direito Penal não opera com conjecturas. Sem a certeza total da autoria e da culpabilidade, não pode o Juiz criminal proferir uma condenação”. (TACrimSP, Rel. Goulart Sobrinho, JUTACrim 51/286).

“O ônus da prova cabe às partes. Há uma diferença porém. A da acusação há de ser plena e convincente, ao passo que para o acusado basta a dúvida. É a consagração do `in dubio pro reo´ ou `actore non probante absolvi tur res´; há, então, presunção de inocência do acusado. É o que o Código expressamente consagra no art. 386, VI, do CPP; absolve-se o réu quando `não existir prova suficiente para a condenação´”. (TACrimSP, Rel. Andrade Cavalcanti, JUTACrim 72/26).

“Não basta ao desfecho condenatório a íntima convicção do julgador, estado de espírito que não se confunde com a objetividade do princípio do livre convencimento, este sempre haurido da prova”. (TACrimSP, Rel. Azevedo Júnior, JUTACrim 15/316).

414. A este mesmo propósito, dispõe o artigo 386, II e VI, do Código de Processo Penal:

“Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:

[…]

II – não haver prova da existência do fato;

[…]

VI – não existir prova suficiente para a condenação;”

415. Como se vê, Ínclitos Julgadores, há que se reconhecer que, no caso dos autos, a prova é tênue e inconclusiva, não indo além das irresponsáveis linhas de matérias jornalísticas. Isso não é o suficiente para formar a necessária convicção de ilicitude do Apelante, o qual, repita-se, não cometeu os delitos que lhe são imputados pela acusação. Resta, portanto, desautorizada uma condenação, à luz da lei em vigor.

416. Aguarda-se, apenas, que, com a coragem e independência que caracterizam as condutas de Vossas Excelências, não se deixando de forma alguma influenciar pela mídia sensacionalista, notoriamente divorciada da verdade, se faça Justiça. É o que se pretende, na realidade, apurar no caso vertente, A VERDADE, repelindo o desejo subalterno da acusação em punir sem nada provar, mal avisada que a presunção da inocência é cânone constitucional, não só no Brasil como em qualquer outro País que se diz civilizado.

417. Prezados Julgadores, no caso presente, houve uma cruel exposição da pessoa e imagem do Apelante à imprensa sensacionalista, que exploraram os fatos de maneira irresponsável com o intuito de auferirem lucro às custas da desgraça alheia.

418. Neste diapasão, a conduta da Digna Promotoria, não se conteve nos estritos princípios da impessoalidade e imparcialidade cujos regramentos recaem sobre a nobre função ministerial, deixando-se influenciar pelos noticiários veiculados pela imprensa falada e escrita, que sem deterem informações concretas sobre os acontecimentos macularam o honrado nome do Apelante visando causar alarde e comoção junto ao público com o intuito de promoverem a circulação de notícia passível de consumo.

419. A atitude da digna Promotoria de Justiça foi precipitada, equivocada, despropositada, arvorando-se a um só tempo na condição de titular da ação penal e das funções investigativas próprias da polícia judiciária, invadindo esfera de competência pertencente a Polícia Federal apenas com o intuito dos agentes que promoveram a presente ação penal auferirem notoriedade e credibilidade junto ao público e assim justificarem o dispêndio dos tributos pagos pelos contribuintes que dentre outras finalidades arcam com os exercícios de suas atividades.

420. Todo o presente processo, Cultos Desembargadores, está marcado com a eiva insanável de uma nulidade absoluta configurada pela inconseqüente ação ministerial que precipitou-se, ante a veiculação de noticiário sensacionalista pela imprensa falada e escrita, em uma série de investigações criminais que extrapolaram as atribuições funcionais da promotoria de justiça, cujo órgão ao realizar atos de policia judiciária ficou impedida de atuar no processo criminal, propondo denúncia e acompanhado a ação penal até seu desfecho, tendo em vista ter se destituído da isenção de ânimo e impessoalidade necessários para que a justiça fosse realizada a bom termo.

421. A absoluta nulidade das investigações realizadas pelo Ministério Público Federal, que eivou com vício insanável a ação pública proposta, uma vez que ficou seriamente comprometida a imparcialidade do órgão responsável pela sua promoção recebe repúdio da doutrina e jurisprudência mais abalizada merecendo destaque estudo do Dr. José Carlos Fragoso, professor de Direito Penal da Faculdade de Direito Cândido Mendes em artigo intulado “São Ilegais os “Procedimentos Investigatórios” realizados pelo Ministério Público Federal”, disponível na internet, ora transcrito:

“É indisputável que o Ministério Público ostenta, em face do ordenamento constitucional vigente, especial posição na estrutura do Poder estatal. Todavia, é-lhe estranha, no domínio de suas atividades institucionais, essa função de instaurar e comandar investigações, como se fosse polícia judiciária.

O ordenamento jurídico processual brasileiro está fincado na concepção de que as investigações preliminares, que constituem a fase preparatória da persecutio criminis, devem ser realizadas pelas autoridades policiais, ainda sob o controle do Ministério Público.

Esta concepção tem em conta a necessidade de garantir-se a equitatividade do processo penal, em cujo curso se deve assegurar às partes a igualdade de armas. Assim, entre nós, nos crimes de competência da Justiça Federal, a Polícia Federal é o órgão encarregado de presidir as investigações, que serão, a seguir encaminhadas ao Ministério Público Federal, que é o titular do direito da ação penal pública.

Se estes papéis não foram respeitados, como tem sucedido com preocupante freqüência, tem-se clara violação do preceito constitucional referente ao devido processo legal, assim estatuído: “ Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

O grave inconveniente que se cria com este desrespeito às funções de cada instituição (Polícia, Ministério Público, Magistratura) reside na parcialidade que se estabelece. Se o Procurador da República se traveste de policial, pode ele adotar, desde logo, no início das investigações, um determinado ponto de vista, que tenderá a manter ao longo de todo o procedimento, tornando-se indiferente a qualquer outra alternativa probatória.

‘A respeito desta saudável separação de funções leciona o saudoso ANTONIO EVARISTO DE MORAES FILHO; “ O legislador brasileiro optou por aquele (sistema) que estabelece uma diferenciação de funções, incumbindo à polícia e realização do inquérito, ainda que admitida certa vigilância por parte do Ministério Público. Enquanto para este último ficou atribuída a função de promover a ação pública, em regra com assento nos elementos coligidos pela polícia judiciária” ( “ O Ministério Público e o Inquérito Policial”, Ver, Brás. de Ciências Criminais, vol, 19, p. 106 – grifo nosso).

A persecutio criminis se perfaz, via de regra com a união dos trabalhos realizados por dois agentes distintos: Polícia e Ministério Público, cada qual com suas funções próprias. Como é evidente, a prescindibilidade do inquérito policial aponta para hipótese de coleta de elementos prévios de informação advindos de Comissão Parlamentar de Inquérito, inquérito administrativo, peças extraídas de processos judiciais, etc, mas nunca para a possibilidade de instaurar-se um inquérito no âmbito do próprio Ministério Público.

À parte a análise doutrinária da matéria, o nosso ordenamento constitucional e infra-constitucional veda completamente que o Ministério Público exerça as funções de polícia judiciária.

Nos termos da Constituição Federal, a polícia judiciária da União é exercida, com exclusividade, pela Polícia Federal. É o que estabelece o art. 144, em seu § 1º: “ Art. 144. A segurança pública , dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incomunicabilidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I- polícia federal; (…), § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, estruturado em carreira, destina-se a: I- apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bem, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo o se dispuser em lei; (…) Ivo exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.”

De outro lado, ao tratar das funções institucionais do Ministério Público, a Constituição Federal preceitua, em perfeita harmonia com a “exclusividade” conferida à Polícia Federal para as investigações, que: “ Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: I – promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; II- zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia; III- promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; IV- promover a ação de inconstitucionalidade ou representação para fins de intervenção da União e dos Estados, nos casos previstos nesta Constituição; V- defender judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas; VI-expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva; VII- exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior; VIII- requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais.” ( grifos nossos).

Ou seja; o Ministério Público pode promover ação penal pública, o inquérito civil público, a ação civil pública e ação de inconstitucionalidade, assim como representar para fins de intervenção da União e dos Estados (incisos I, III e IV).

Já nos “procedimentos administrativos de sua competência”, pode também o Ministério Público “expedir notificações requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva” (inciso VI) – o que diz respeito aos feitos mencionados no parágrafo anterior (incisos I, III e IV do art. 129 CF).

Em matéria penal, todavia, a Constituição Federal determina tão somente que o Parquet pode “requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial” ( cf. inciso VIII).

É nítida, portanto, a diferença de tratamento constitucional às atividades de caráter cível, de um lado, e criminal, de outro, do Ministério Público.

Também a legislação infra-constitucional segue, obviamente, o padrão ditado pela Carta Magna, seja quanto à atuação dos Ministérios Públicos Estaduais, seja quanto à do Ministério Público Federal.

Como já foi destacado acima, nos termos do art. 129, VI da atual Constituição, dentre as funções institucionais do art. 129. do Ministério Público, se inclui “expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva.”

Como já foi ressaltado antes, este inciso VI do art. 129 CF refere-se aos feitos previstos nos incisos I, III e IV do mesmo artigo onde estão elencados “ os procedimentos administrativos” de competência do Ministério Público. Todavia, ainda que, por absurdo de interpretação, assim não fosse, a Constituição, ao contrário do que se poderia apressadamente imaginar, não deu um cheque em branco ao Ministério Público, mais sim previu a possibilidade de o Ministério Público fazer requisições diretas e diligências, na forma de lei complementar. Tal lei, no que tange ao Ministério Público Federal, é a Lei Complementar nº 75, de 20/056/93. Vamos examiná-la.

Segundo esta Lei, as atribuições do Ministério Público Federal são análogas àquelas dos Ministérios Públicos dos Estados, como se vê estabelecido no artigo 7º da Lei Complementar nº 75: “ Art. 7º – Incumbe ao Ministério Público da União, sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais: I- instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos; II- requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas; III- requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvados os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas.”

Ou seja; a matéria penal está tratada no inciso II deste art. 7º, da Lei, no qual se dá ao Ministério Público Federal o poder de requisitar: a) diligências investigatórias; b) a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas.

A questão de saber: se o poder de requisitar diligências investigatórias significa poder fazer uma espécie de inquérito criminal no âmbito do próprio Ministério Público, ou se trata do direito de ordenar à autoridade policial que cumpra as diligências de interesses do Parquet.

Ninguém duvida de que o Ministério Público possa requisitar à autoridade policial o cumprimento de diligências. O Superior Tribunal de Justiça já o afirmou, mais de uma vez. É natural que assim seja, já que o Ministério Público é o destinatário da apuração, cabendo-lhe formular a opinio delict. Assim, pode o Ministério Público requisitar a instauração de inquérito policial, pode requisitar a realização desta ou daquela prova, pode acompanhar a atividade do Presidente do inquérito.

Contudo, coisa bem diversa é dar-se ao Ministério Público o direito de ele próprio presidir uma investigação no âmbito da Procuradoria, exercendo atividades de polícia judiciária, sem qualquer controle externo, e violando nitidamente a exclusividade que a Carta Política confere à Polícia Federal nesta matéria (cf. art. 144, § 1º, inciso IV, transcrito acima).

A Constituição Federal e a lei complementar não conferiram jamais ao Ministério Público um poder tão amplo, tão incontrastável assim. Ser o destinatário das investigações, advenham elas de CPI, inquérito policial ou peças de informação, com as atribuições que daí decorre, é razoável e natural, constitui a base lógica de nossa processualística penal.

Não é possível, porém, permitir que o Ministério Público possa acumular as funções de investigador (que a ninguém presta contas), e de instituição encarregada de promover a persecução criminal. Trata-se de um acúmulo perigoso de atribuições, que, sobre ser ilegal e inconstitucional, é absolutamente inconveniente, pois dá lugar, pelo excesso de poder, a abusos intoleráveis.

Como leciona LUIGI FERRAJOLI, fica ofendido o princípio da paridade das partes quando, como aqui, ocorrem “confusiones entre funciones de enjuciamento y funciones de acusación” (Derecho y razón”, Ed. Trotta, MNadrid, 2ª ed. 1997, p. 583).

Também a legislação infra-constitucional segue, obviamente, o padrão ditado pela Carta Magna, seja quanto à atuação dos Ministérios Públicos Estaduais, seja quanto à do Ministério Público Federal.

Como já foi destacado, acima, nos termos do art. 129, VI, da atual Constituição, dentre as funções institucionais do Ministério Público, se inclui “expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva.”

Como já ressaltado antes, este inciso VI do artigo 129 CF refere-se aos feitos previstos nos incisos I, III e IV do mesmo artigo, onde estão elencados os “procedimentos administrativos” de competência do Ministério Público. Todavia, ainda, que por absurdo de interpretação, assim não fosse a Constituição, ao contrário do que poderia, apressadamente imaginar, não deu um cheque em branco ao Ministério Público, mas sim a possibilidade de o Ministério Público fazer requisições diretas de diligências, na forma de lei complementar. Tal lei, no que tange ao Ministério Público Federal, é a lei Complementar nº 75, de 20/05/93. Vamo examiná-la.

Segundo esta Lei, as atribuições do Ministério Público Federal são análogas àquelas dos Ministérios Públicos dos Estados, como se vê estabelecido no artigo 7º, da Lei Complementar nº 75º: Art. 7º- Incumbe ao Ministério Público da União sempre que necessário ao exercício de suas funções institucionais: I – Instaurar inquérito civil e outros procedimentos administrativos correlatos; II- requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas; III- requisitar à autoridade competente a instauração de procedimentos administrativos, ressalvando os de natureza disciplinar, podendo acompanhá-los e produzir provas.”

Ou seja: a matéria penal está tratada no inciso II deste art. 7º da Lei, no qual se dá ao Ministério Público Federal o poder de requisitar: a) diligências investigatórias; b) a instauração de inquérito policial e de inquérito policial militar, podendo acompanhá-los e apresentar provas.

Esta posição tem por base o ensinamento de CARRARA, que discorrendo sobre o que FERRAJOL denomina “ la tendência invasora del ministério público, pontificava; “ El oficial al que se llama Ministério Público y representante de la ley, no debe tener outra atribuición fuera de la de acusar. Si él se mezcla em la inquisición, se tiene oitestad de hacer procesos o dirigirlos, o de influir de cualquier outra forma em los procesos escritos que después valdrón, más o menos, para hacer prueba em contra del Apelante, no será nada más que um inquisidor. Y cuando se lo encadene ao poder ejecutivo, resultará uma mentira llamardo representante de la ley: solo serpa um inquisidor representante del gobierno, y siempre pondrá sobre la voluntad de la ley la voluntad del goierno ( FRANCESCO CARRARA, “ Programa del Curso de Dercho Criminal”, parte General. Vol, II, § 845, Ed. DEPALMA, Buenos Airesm, 1944, p. 215).

Tratando de interpretar o artigo 7º da Lei Complementar nº 765, veja-se ainda uma vez, o comentário e a crítica de EVERISTO DE MORAES FILHO: “ (…) parece clara que adotou um critério diferenciado em matéria de investigações preparatórias; no campo civil, cabe ao Ministério Público instaurar o inquérito civil ou outros procedimentos administrativos pertinentes, ao curso dos quais se admite que realize diretamente diligências (…); já em sede penal, (…) é-lhe facultado meramente requisitar diligências ou a abertura de inquéritos. Entretanto, apesar desta diferenciação fixada nos textos ora invocados, o Ministério Público, pelo menos no Estado do Rio de Janeiro, nas esferas federal e estadual, está querendo adquirir o vezo de promover, diretamente, investigações preliminares, expedindo notificações e tomando depoimentos, numa verdadeira usurpação das atribuições da autoridade policial, a quem a CF. comete as funções de polícia judiciária (art. 144, § 1º, IV, e § 4º) ( cit. P. 109/110)

Em suma, o que se está verificando na prática de nosso foro federal é uma atabalhoada tentativa de ampliação constitucional das funções institucionais do Ministério Público, em contraste com a forma que a Carta Maior e a legislação inferior estabeleceram para a realização da investigação criminal. Data vênia, as conquistas do Ministério Público na nova Constituição Federal já foram de bom tamanho. Pretender ampliá-lo à força significa verdadeira ameaça aos direitos do cidadão.

A matéria versada neste artigo tem sido objeto de diversos pronunciamentos dos Tribunais do país.

Em acórdão unânime da 2ª Turma do E. Superior Tribunal Federal, publicado no DJU de 19/03/1999, sob a relatoria do Ministro CARLOS VELLOSO (Rec. Ext 205. 473-9/AL), resta consignada a falta de atribuição constitucional do Ministério Público para, substituindo-se à Polícia Judiciária, realizar diretamente a investigação criminal; “CONSTITUCIONAL PROCESSUIAL PENAL, MINISTÉRIO PÚBLICO. ATRIBUIÇÕES. INQUÉRITO. REQUISIÇÃO DE INFORMAÇÕES, CRIME DE DESOBEDIÊNCIA. C.F. , ART. 129, VIII, ART,. 144, §§ 1º e 4º. I – Inocorrência de ofensa ao art. 129, VIII, C.F., no fato de a autoridade administrativa deixar de atender requisição de membro do Ministério Público no sentido da realização de investigações tendentes à apuração de infrações penais, mesmo porque não cabe ao Ministério Público realizar, diretamente, tais investigações, mas requisitá-las à autoridade policial, competente para tal ( CF., art. 144, §§ 1º, e 4º).” ( grifos nosso)

Do voto do eminente relator extrai-se: “A requisição de diligências investigatórias de que cuida o art. 129, VIII , CF, deve dirigir-se à autoridade policial, não se compreendendo o poder de investigação do Ministério Público fora da excepcional previsão da ação civil pública ( art. 129, III, CF). De outro modo, haveria uma Polícia Judiciária paralela, o que não combina com a regra do art. 129, VIII, CF. (….) Não compete ao Procurador da República, na forma do disposto no art. 129, VIII, da Constituição Federal, assumir a direção das investigações, substituindo-se à autoridade policial, dado que, tirante a hipótese inscrita no inciso III do art. 129 da Constituição Federal , não lhe compete assumir a direção de investigações tendentes à apuração de infrações penais ( C.F. art. 1444, §§ 1º e 4º ) ( grifos nossos).

Em adição, temos acórdão unânime da 6ª Turma do Eg. Superior Tribunal de Justiça, proferido em 07/11/1995, sendo relator o e. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (RHC 4.769/PR), no qual é destacada a importância de manter a separação entre as funções de investigar e acusar. Veja-se parte do voto do Ministro Relator: “Ministério Público e magistratura não podem estar comprometidos com o caso sub-judice. Daí, a possibilidade de argüição de impedimento ou suspeição dos respectivos membros. Se um ou outro atua na coleta de prova que, por sua vez mais tarde, será a base do recebimento da denúncia ou do sustentáculo da sentença. Ambos perdem a imparcialidade, no sentido jurídico do termo. (…) Além disso, é tradicional, não se confundam o três agentes: investigador do fato (materialidade e autoria), órgão da imputação e agente do julgamento” (grifos nossos)

E mais; no acórdão unânime da 6ª Turma do E. Superior Tribunal de Justiça, proferido em 13.2.1996, relatado pelo E. Ministro WILLIAM PATTERSON (Rec. Esp. Nº 76.171/Al), acerca deste tema, merece destaque a seguinte passagem do v. acórdão: “ A requisição de diligências investigatórias de que cuida o art. 129, VIII, CF, deve dirigir-se à autoridade policial, não se compreendendo o poder de investigação do Ministério Público fora da excepcional previsão da ação civil pública ( art. 129, III , CF). De outro modo haveria uma Polícia Judiciária paralela, o que não combina com a regra do art. 129, VIII, CF ( …) Nada mais precisará ser acrescido ao pronunciamento transcrito, porquanto irrefutável a argumentação desenvolvida”. (voto do e. Min. Relator – grifos nossos)

Veja-se ademais, a seguinte ementa, da mesma eg. Corte Federal da 2ª Região: PROCESSO PENAL – HABEAS CORPUS – INQUÉRITO POLICIAL – COMPETÊNCIA DA POLÍCIA JUDICIÁRIA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO LIMITES – I. Habeas Corpus impetrado objetivando o trancamento da ação penal, defluente de denúncia formulada baseada em subsídios probatórios, extraídos de inquérito policial instaurado, processado e presidido por membro do Ministério Público Federal, subscritores da peça vestibular da ação penal, II- Ilegalidade procedimental por invasão de atribuições reservadas à competência da polícia Judiciária, nos termos do art. 144, § 4º, da Constituição Federal. III- Reconhecimento de competência do Ministério Público do poder-dever de fiscalizar atividades policiais, com requisição legal de Delegados de Polícia. IV- Concessão da ordem de habeas corpus impetrada em favor dos pacientes para determinar o trancamento da ação penal contra eles instaurada em curso no juízo da 13ª Federal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Unânime.” (HC 1273- rel. Des. Fed. NEY FONSECA, 1ª Turma).

Do acórdão destaca-se, por sua relevância a seguinte passagem; “Principalmente, cumpre-nos salientar que a ação penal desfechada contra o Paciente, lastreada em inquérito penal realizado pelo próprio órgão do Ministério Público constituiu, realmente, fato inusitado e estranho, face à falta de atribuição do Parquet quanto ao acolhimento de provas com a finalidade de instaurar ação penal, eis que cabe ao mesmo tão-somente, realizar inquéritos civis, conforme reza a nossa Carta Magna, em seu artigo 129, quando dispõe a respeito das funções institucionais do Ministério Público. Assim, as diligências investigatórias destinadas ao inquérito policial refogem ao âmbito de atuação interna do Ministério Público, exatamente porque devem ficar afetas a quem tenha a titularidade de instaurar esse tipo de procedimento, isto é, a polícia civil, e, neste passo, mister ressaltar que é necessário que as funções fiquem bem delimitadas, cada poder, cada órgão ou membro de Poder com suas atribuições e competências bem definidas, sob pena de se descumprir a regra, também constitucional, do devido processo legal. Isto porque, quando se define, estabelecem-se limites, não podendo haver funções ou atribuições superpostas. Se as há, ou serão conflitantes ( devido processo legal ferido), como no caso em tela, ou serão desnecessárias ( economia processual desprezada, com desgaste da máquina estatal).

Em outro acórdão deste mesmo eg. Tribunal Regional Federal/2ª Região, agora relatado pelo eminente Des. Fede. SILVÉRIO CABRAL, a ementa ficou assim redigida: “HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. – O representante do Parquet, sem motivação aparente, instaurou inquérito administrativo que ele mesmo realizou, exorbitando sua competência legal e o qual culminou com o oferecimento de denúncia abusiva – Ordem de ‘habeas corpus’ concedida como requerido na inicial.” ( HC nº 1137/RJ – 2ª T.)

Vale ressaltar que neste último acórdão, citado acima, o parecer do Ministério Público, da lavra do ilustre professor JUAREZ TAVARES, foi no sentido da concessão da ordem.

Em mais outra decisão do mesmo eg. Tribunal que tinha por objeto a decretação de uma prisão preventiva, o tema das atribuições do Ministério Público foi também ventilado, valendo ressaltar um parágrafo do voto do nobre Des. Fed, CASTRO AGUIAR, assim redigido: “Ademais, também entendo que o Ministério Público, no curso de um inquérito policial, não tem atribuição legal para a colheita pessoal e direta de declarações de indiciados ou testemunhas, Pode, sim, requisitar estar presente à realização das mesmas, mas não pode substituir a autoridade policial, a quem compete o exercício , com exclusividade das funções de polícia judiciária da União, nos termos do art. 144, § 1º, IV da Carta Magna” ( HC nº 960209709-4, 2ª T. unânime).

No que diz respeito à doutrina, o ínclito Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA, titular de Direito Constitucional da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e atual Secretário de Segurança Pública do mesmo Estado, é o autor de parecer em que comenta Ato do Colégio de Procuradores de Justiça de São Paulo, que pretendia fazer com que o M.P. passasse a realizar diretamente a investigação criminal. Do parecer do ilustre mestre proferido, em 16/101996, destacam-se os seguintes pontos; “Mais contundentemente inconstitucional é o disposto no art. 26 do Ato 98/96, quando atribui ao órgão do Ministério Público a função investigatória direta (….) Em essência, neste dispositivo institui o Ministério Público, sponte própria, particular forma de inquérito, extrapolando os limites, consignados em lei, que lhes permitem encetar investigação, o que só é possível nas hipóteses de infração penal praticada por Promotores de Justiça, ou nos casos de inquérito civil, medida preliminar à propositura da ação civil pública. O procedimento administrativo, referido no dispositivo, é uma contrafação do inquérito civil previsto no inc. II do art. 129, da Constituição, que não pode ser transmutado em mal disfarçada forma de inquérito policial, porque tem destinação própria qual seja servir de peça informativa prévia à propositura da ação civil pública para fins ali previstos. A apuração das infrações penais é uma das atribuições exclusivas da polícia civil, que se encontra expressamente prevista no art 144, § 4º da Constituição Federal. Não há como passar legitimamente essa atribuição para o Ministério Público por meio de ato administrativo ou de qualquer medida legislativa infraconstitucional, sem grave afronta a normas e princípios constitucionais. Vale dizer, pois, que o tal ‘procedimento administrativo’, é na verdade, um expediente de invasão de competência, desprovido de base legal.” ( grifos nossos).

De outro lado, parecer do eminente L. A. MACHADO, titular de Direito Penal e de Direito Processual Penalk da Faculdade de Direito da Universidade do Paraná, assenta igualmente, a inconstitucionalidade de o Ministério Público presidir diretamente investigações criminais, e consequentemente, a inarredável ilicitude da prova colhida: “ a lei não pode cometer as funções de elaboração de inquérito policial e de investigações criminais a quem não se revista expressamente de autoridade policial, segundo a Constituição Federal. A leitura que se deve fazer dessa atribuição constitucional é ser uma garantia individual, a garantia da imparcialidade e impessoalidade do Ministério Público, dominus litis e que, por isso, não deve, não pode investigar ou coligir informações para o exercício da ação processual criminal. RENÉ DOTTI, com sua notável clarividência e lucidez, já disse: (…) ‘ O conceito jurídico-processual penal de autoridade não poderá, é óbvio, refugir aos indicadores constitucionais e legais. Segundo a lei fundamental, incumbe às polícias civis as funções de polícia judiciária a apuração das infrações penais, exceto as militares. (…) Trata-se de imposição do princípio da legalidade, sintetizado por C.A BANDERIA DE MELLO como obrigação de a administração pública agir quando um texto de lei específico a autorize a agir. (…) Isso porque em sendo autor o M.P. as investigações restariam imprestáveis, por inconstitucionalidade, e seriam, irrecuperáveis, frutos que seriam, da árvore envenenada (poisonous tree) (…) Significa: como a investigação criminal feita pelo Ministério Público é inconstitucional – por ofender o monopólio constitucional das policias civis e federal –p, todas as provas e indícios coligidos são inconstitucionais, entendimento decorrente da futi f poisonous tree doctrine, adotada pelo Supremo Tribunal Federal (…) Antecedente psicológico, portanto, à análise do tema, é a desmilitarização do pensamento quando do tratamento de questões que envolvam o poder de Polícia, mesmo porque, ainda hoje, infelizmente não são poucos – e normalmente os serviçais do Poder e do status quo – que vêem os Delegados de Polícia em nível inferior, partindo de uma priori negativo. Esquecem-se, tais desavisados, que os Delegados de Polícia, como hoje estabelecido em lei são tão bacharéis em Direito quanto os Magistrados e os Promotores de Justiça, separando-os, quanto a este aspecto, e tão só, a realização e aprovação em concursos público diversos,. No mais, cada carreira tem suas peculiaridades, suas vantagens, seus níveis e extensão da própria função (…) Não há como duvidar de que o habeas corpus constitui o remédio adequado para corrigir a ação abusiva do M.P.. ( Heleno Fragoso). (….) III- A conclusão. 1. as policias civis e a polícia federal detêm o monopólio constitucional da investigação criminal, e consequentemente, do inquérito policial (…). 3. ao Ministério Público é constitucionalmente defeso investigar e coletar informações, indícios e provas para o processo-crime” ( interpolações nossas).

É importante, por fim, trazer à colação o acórdão de processo administrativo, realizado na douta Procuradoria-Geral da República, proferido pela 2ª Câmara de Coordenação e Revisão e publicado no DJU de 02 de setembro de 1.998. Nesta decisão administrativa, os eminentes drs. Subprocuradores-Gerais da República EDINALDO DE HOLANDA BORGES, GILDA PEREIRA DE CARVALHO E DELZA CURVELLO, integrantes da cúpula do Ministério Público Federal, assenta, a impossibilidade de membros do M.P.F realizarem, direta e pessoalmente, investigações criminais e sugerem a anulação de procedimento realizado no âmbito da Procuradoria da República em Minas Gerias , nos seguintes termos. EMENTA: Procedimento administrativo criminal instaurado na Procuradoria da República, com fundamento no art. 129, VIII, da Constituição Federal, em virtude de expediente que relata a ocorrência de conduta, em tese delituosa, praticada por Deputado Federal, Tramitação de referido expediente

em Cartório Criminal , instituído por Portaria da Chefia. Instauração de Procedimento Criminal Administrativo pelo Ministério Público. Impossibilidade face aos exatos termos do art. 144, § 1º, da Constituição Federal de 1988 – interpretado como garantia constitucional do cidadão de somente ser investigado pela Polícia Judiciária. Situação constitucional diversa do regime anterior. Fundamentos de tal assertiva, o juízo de instrução e a legislação processual penal brasileira, em face das garantias constitucionais. Parecer no sentido do imediato encaminhamento ao expediente indevidamente autuado ao Procurador-Geral da República, único titular da ação penal junto ao Supremo Tribunal Federal. Encaminhamento ao Procurador-Geral da República do presente procedimento administrativo, solicitando cancelamento da autuação, bem como revisão do ato administrativo que criou o noticiado “cartório criminal”, em face dos princípios contidos na Constituição Federal” ( grifos nossos). E prossegue o acórdão: “ A investigação criminal iniciada pelo Procurador da República (….) se constitui em prática – procedimento – alheio ao ordenamento jurídico vigente, eivado de inconstitucionalidade – visto que é atribuição exclusiva da Polícia Federal o exercício das funções de polícia judiciária da União – art. 144, § 1º, IV da Constituição Federal de 1988,e que ao Ministério Público somente é permitida a instauração de inquéritos civis (…) Esse cuidado do Constituinte de 88 tem razões históricas, que puderam ser colhidas do período em que vivemos em regime de exceção, quando procedimentos investigatórios sobre a conduta dos cidadãos podiam – e eram instaurados por diversos órgãos ligados ao sistema estatal – congêneres – investigações essas que muitas vezes deram origem a prisões de cidadãos que ficavam detidos pelos órgãos de segurança, restando aos seus familiares e amigos procura incessante, para saber onde e porque se encontrava o ‘ desaparecido’ detido, Diante desse quadro bastante conhecido assegurasse ao cidadão todas as garantias do regime democrático, procurou ele ajustar o texto constitucional, de sorte que o cidadão pudesse ser investigado por um e determinado órgão estatal, previsto constitucionalmente (…) Dessa forma, as diligências investigatórias destinadas ao inquérito policial, e futura ação penal fogem à atuação do Ministério Público porque devem ficar jungidas a quem tenha titularidade para instaurar esse tipo de procedimento, sob pena de restar ferido o princípio do devido processo legal (voto vencedor da dra. Subprocuradora-Geral da República DELZA CURVELLO ROCHA ( grifos nossos).

Chegou a tal ponto a expansão de atribuições do Ministério Público Federal, exposta na mídia por força de episódios recentes que foram objeto de grande destaque, que mesmo aos leigos já não escapa o extremo perigo de pretender-se acumular tantos poderes nas mãos do parquet. Veja-se, a propósito, o seguinte trecho do editorial publicado pelo jornal “ o Estado de São Paulo’, em sua edição do dia 08/06/99, intitulado “ Os limites do Ministério Público”: “ O Ministério Público, que emergiu da Constituição de 1988 com novos e maiores poderes, tem um importante papel a cumprir na defesa da lei, e principalmente, na moralização da administração pública, Não pode, porém constituir-se num Quarto Poder, sem qualquer controle, expandindo suas atribuições e margem de arbítrio ao sabor da interpretação pessoal que os procuradores fazem da lei. Os procuradores brasileiros gostam de seguir o exemplo dos procuradores italianos – que, ao contrário dos daqui, são autoridades judiciárias que conduziram a Operação Mãos Limpas. Devem, portanto, cuidar de não ultrapassar, com seu zelo, os limites da lei e a fronteira dos direitos individuais para não anular com abusos, como fizeram vários de seus colegas italianos, um esforço sério de moralização da vida pública.

Em conclusão: é absolutamente ilegal o procedimento do Ministério Público Federal, ao instaurar um inquérito administrativo no âmbito da própria Procuradoria da República, para a apuração de eventuais delitos, O Ministério Público Federal não dispõe de atribuições para tanto, e , assim agindo, viola flagrantemente a exclusividade que a Constituição Federal comete à Polícia Federal, para exercer as funções de polícia judiciária da União, bem como o próprio estatuto do Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75, de 20/05/03).”

422. Deduz-se de todo o exposto que a presente ação penal iniciou-se mediante uma iniciativa ilícita da Promotoria de Justiça, que, contrariando o posicionamento dos Tribunais pátrios, realizou investigações criminais no âmbito da competência atribuída pela Constituição Federal exclusivamente à policia judiciária, indo além, portanto das funções que lhe foram outorgadas pela Carta Magna e pela própria Lei Complementar do Ministério Público, de modo macular o presente processo com a pecha de nulidade absoluta.

423. O órgão que realiza apuração do delito e de sua autoria não pode ser o mesmo órgão, que promove a denúncia, atuando no pólo ativo do processo criminal, sob pena de incorrer-se em impedimento de seus agentes.

424. Não há – repita-se à exaustão – qualquer prova que dê suporte às mendazes imputações irrogadas contra o Apelante. Daí, a defesa, por amor ao Direito, que é o meio de existir de todos nós, espera de Vossas Excelências façam prevalecer a VERDADE, a fim de que, no amanhã, seu significado esteja atrelado ao contexto social, sem se dobrar a imprensa irresponsável, na espécie o único e reles pé-de-barro a dar azo ao frágil e descabido libelo acusatório, razão pela qual, diante dos fatos enunciados e debatidos neste recurso.

DA EXCESSIVA DOSIMETRIA DA PENA APLICADA AO APELANTE SALVATORE CACCIOLA – APELANTE PRIMÁRIO E SEM ANTECEDENTES CRIMINAIS e ILIBADA VIDA PREGRESSA

425. Apenas ad argumentandum tantum, na remota hipótese de V. Exas. não acolherem as preliminares e razões de mérito aduzidas anteriormente, e apenas por amor ao debate, mantiverem a condenação do Apelante, Salvatore Alberto Cacciola, é imperioso neste tópico discutirmos sobre o excessivo rigor e absoluta e incompreensiva severidade da pena aplicada na r. sentença monocrática, ao ora Apelante, agindo a r. sentença contra legem e bom senso, o qual deveria ser preservado.

426. O r. decisório de 1ª instância, equivocadamente, ao julgar parcialmente procedente a ação penal ofertada pelo Parquet Federal, julgou o Apelante injustamente culpado pelo crime de peculato e gestão fraudulenta, em concurso material, aplicando a ele a pena de 13 (treze) anos de prisão em regime fechado, e 156 dias-multa (cento e cinqüenta e seis), aduzindo o r. decisório guerreado que aplicou pena superior ao mínimo legal, tendo em vista a personalidade do Apelante, os motivos e as circunstâncias do crime. Vejamos:

“(…) Passo à individualização da pena de SALVATORE CACCIOLA.

Quanto ao crime previsto no art. 312 do CP, o réu é primário e não ostenta antecedentes. No que tange à culpabilidade, tem formação superior e perfeita consciência da gravidade da conduta perpetrada. Homem de personalidade controvertida, SALVATORE CACCIOLA demonstrou, ao longo desta ação penal, ser capaz de utilizar-se de quaisquer meios para a obtenção de vantagem nos negócios e na vida privada. Valendo-se de BRAGANÇA, amigo íntimo de LOPES, obteve uma ajuda ilícita de proporções monumentais para seu Banco. Contrariado com declarações de uma testemunha, não relutou em telefonar-lhe para proferir ameaças (fls. 805 do proc. desmembrado). Homem muito rico e indubitavelmente carismático, acreditava poder “resolver tudo com dinheiro”, como expressamente afirmou em um dos diálogos interceptados (fita 07, conversa 02 do apenso 28). Foi claramente impelido à prática do crime por motivação reprovável, consistente em cobiça e ambição desmedidas, com o intento de manter-se rico às custas do dinheiro público, mesmo quando seus prejuízos advinham de erros por ele levados a cabo. As circunstâncias e conseqüências do crime são-lhe também desfavoráveis, haja vista o descomunal volume de recursos públicos (cerca de novecentos milhões de reais) de que se teria beneficiado ilicitamente em proveito próprio, sem ressarcimento de qualquer tostão aos cofres públicos. Em sendo assim, atendendo à personalidade, motivos e circunstâncias do crime, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 8 anos de reclusão e noventa e seis dias-multa, que fixo no valor unitário de cinco salários mínimos, por se tratar de réu com excelente situação financeira, segundo atesta sua qualificação de fls. 556/557, pena esta que torno definitiva na ausência de circunstâncias agravantes ou atenuantes e de causas de aumento ou diminuição.

Quanto ao crime previsto no art. 4º. da Lei 7492/86, deixo de repetir, por desnecessário, as circunstâncias de natureza subjetiva acima citadas. Quanto às circunstâncias e conseqüências do crime, parece-me especialmente reprovável a estupenda alavancagem do Banco MARKA no mercado de futuros em janeiro de 1999, de 20 vezes o valor do patrimônio líquido, claramente com o objetivo de obtenção de lucros astronômicos a qualquer preço. A ela acrescente-se a manobra com o Fundo Stock Máxima, através da qual optou por impactar o patrimônio do Banco, e posteriormente o erário, para salvar milhões de dólares de seu patrimônio pessoal. Em sendo assim, a gestão irresponsável e desonesta de SALVATORE ALBERTO CACCIOLA à frente do Banco MARKA está a merecer reprimenda acima do mínimo legal. Posto isto, fixo a pena-base acima do mínimo legal, em 5 anos de reclusão e sessenta dias-multa, que fixo no valor unitário de cinco salários mínimos, por se tratar de réu com excelente situação financeira, segundo atesta sua qualificação de fls. 556/557, pena esta que torno definitiva na ausência de circunstâncias agravantes ou atenuantes e de causas de aumento ou diminuição.

Os dois crimes estão, em meu sentir, em concurso material, haja vista que decorreram de ações distintas, separadas no tempo e no espaço. Em sendo assim, e seguindo os ditames do art. 69 do CP, procedo à soma de penas, obtendo assim a pena definitiva de treze anos de reclusão e cento e cinqüenta e seis dias-multa, no valor unitário de cinco salários mínimos.

O regime inicial de cumprimento de pena será o fechado.”

427. Esta decisão é excessivamente rigorosa, de fazer inveja aos tempos da inquisição e do macartismo, não atentando para a vida pregressa sem qualquer antecedente, imaculada, do Apelante. Merece esta rigorosa decisão, pois, reforma, uma vez que a aplicação da pena foi excessivamente dura e pesada, e sobretudo contrária à legislação e ao bom senso.

428. Quando da fixação da pena, deve o Juiz, por força do artigo 59 do Código Penal, atender a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade do agente, aos motivos, as circunstâncias e conseqüências do crime, para somente depois fixar a pena no quantum que entender necessário.

429. Nada disto foi observado na pena perversa e cruel imposta ao Apelante

430. Salienta-se que mesmo sendo reconhecida na r. sentença combatida que o Apelante é réu primário e não ostenta antecedentes de espécie alguma (doc. fls. 539), a pena-base foi fixada muito, muitíssimo acima do mínimo legal, ignorando, por completo, as circunstâncias judiciais, afrontando deste modo as diretrizes do artigo 59 do Código Penal.

431. De acordo com o disposto no artigo 312 do Código Penal Brasileiro, a pena mínima prevista para o crime de peculato é de reclusão de dois anos. In verbis:

“Art. 312 – Apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio:

Pena – reclusão, de dois a doze anos, e multa.

§ 1° – Aplica-se a mesma pena, se o funcionário público, embora não tendo a posse do dinheiro, valor ou bem, o subtrai, ou concorre para que seja subtraído, em proveito próprio ou alheio, valendo-se de facilidade que lhe proporciona a qualidade de funcionário.

§ 2° – Se o funcionário concorre culposamente para o crime de outrem.

Pena – detenção, de três meses a um ano.

§ 3° – No caso do parágrafo anterior, a reparação do dano, se precede à sentença irrecorrível, extingue a punibilidade; se lhe é posterior, reduz de metade a pena imposta.” (grifamos)

432. Por outro lado, no caso do crime de gestão fraudulenta, previsto no artigo 4° da Lei 7.492/86, a pena mínima legal é de três anos de reclusão. In verbis:

“Art. 4° – Gerir fraudulentamente instituição financeira:

Pena – reclusão, de três a doze anos, e multa.

433. Assim, apenas por amor e respeito ao debate, caso seja mantida a culpabilidade do Apelante, o correto da fixação da pena que supostamente poderia ter sido aplicada ao Apelante no caso vertente corresponde a 5 (cinco) anos de reclusão e jamais os absurdos e incoerentes 13 (treze) anos aplicados pelo r. decisório guerreado.

434. Conforme restou provado nos autos da presente ação penal, os fatos anteriores da vida pregressa do Apelante, que é primário, trabalhador, sem antecedentes, excelente pai de família, gozando de bom conceito no meio social, constituindo estes elementos inafastáveis pressupostos a serem sopesados na dosimetria da pena.

435. Deveria ser especialmente considerado que os supostos delitos pelos quais o Apelante foi condenado na presente ação penal, caso mantidos por este E. Tribunal constituem episódios esporádicos na vida do Apelante, fato incontroverso, que embora reconhecido na r.sentença monocrática, deixou de ser inexplicavelmente ponderado e acolhido por ocasião da fixação da pena, a qual foi aplicada com um rigor absolutamente incompreensível.

436. Fato relevantíssimo concernente às diretrizes do artigo 59 do Código Penal, diz respeito à conduta social do Apelante, pregressa e atual, a qual deixou de ser injustamente considerada pela r. sentença recorrida, em total desrespeito à lei material vigente, pois não existem nos autos qualquer prova que desabone o comportamento pregresso do Apelante no meio em que vive.

437. Conforme já salientamos, sendo o Apelante primário, e detentor de bons antecedentes, a sua culpabilidade, personalidade e conduta social, os motivos, circunstâncias e conseqüências do crime não autorizam aplicação tão excessiva da pena pelos supostos crimes pelos quais foi condenado em patamar muito acima do mínimo legal.

438. A fundamentação da r. sentença recorrida neste sentido foi vaga, imprecisa, não se atendo, ao fixar esta excessiva pena, o contexto dos fatos que servem de subsídio para a análise da personalidade, dos antecedentes, da culpabilidade e da conduta social do Apelante.

439. Este E. Tribunal deve considerar que o Apelante jamais foi constrangido, antes da presente ação penal, a suportar o ônus de um processo criminal. Sempre foi considerado pela comunidade pátria como pessoa idônea, honesta e de boa-fama.

440. A r. sentença, portanto, influenciada pelo alarido da imprensa, retirou de uma circunstância isolada, relativa à forte personalidade do Apelante, alterada diante dos fatos e circunstâncias imprevistas que atingiram a sua honra e dignidade, um fator a preponderar sobre os demais parâmetros insculpidos no art. 59 do Código Penal que devem orientar o julgador na aplicação da reprimenda penal.

441. Faz alusão a r. sentença recorrida a termos utilizados pelo Apelante, e a atitudes tomadas de maneira irrefletida, em razão da pressão psicológica a que estava submetido, ressaltando que o Apelante tem a idéia fixa de poder resolver tudo com dinheiro.

442. Esta é mera presunção equivocada da decisão recorrida.

443. Excelsos Julgadores, não constam dos autos nenhum fato que respalda alusão feita pela r. sentença, tendo em vista que a instrução criminal e o desenrolar regular do feito não sofreram nenhum óbice em razão de qualquer oferta de numerário oferecida pela Apelante a quem quer que seja.

444. A privilegiada posição sócio-econômica de banqueiro, adquirida pelo Apelante após longos e árduos anos de trabalho e dedicação não se traduz circunstância que deve refletir, por si só, negativamente na individualização da pena que lhe foi aplicada.

445. A r. sentença recorrida deixou-se conduzir por esta circunstância referente à posição social do Apelante.

446. O r. decisório guerreado, portanto, não fundamentou adequadamente a dosimetria da pena, violando o disposto na artigo 59 do Código Penal, ao não considerar os parâmetros constantes no referido dispositivo em sua integralidade, dentro de um contexto configurado pelos fatos e pelo direito que deram margem ao proferimento da combatida condenação.

447. A argumentação ora desenvolvida para a aplicação da pena no mínimo legal abrange as multas impostas na condenação, as quais também foram fixadas em patamares exacerbados, nos valores de 96 dias multa e 60 dias multa, sendo estabelecido como valor unitário 05 salários mínimos.

448. Foi obrigado, portanto, o Apelante a pagar aos cofres públicos a absurda quantia de R$ 234.000,00 (duzentos e trinta e quatro mil reais) a título de multa, aduzindo a r. sentença recorrida que assim se faz necessário em decorrência da abastada situação financeira do Apelante.

449. Vale lembrar que a alegação de que a condição sócio-econômica do Apelante é ilusória, a vista dele ter perdido tudo que tinha com o fim do Banco Marka, não constitui argumentação plausível para ser aplicada pena de multa em valores faraônicos, tendo em vista que o art. 59 do Código Penal não faz referência a esta circunstância como fator a ser considerado na dosimetria da multa.

450. Mais uma vez, a r. sentença fundamenta de maneira excessiva e rigorosa insatisfatória as razões pelas quais aplica a pena na condenação imposta ao Apelante, deixando de avaliar de maneira coerente e sensata os seus antecedentes, vida pregressa, culpabilidade, personalidade, motivos, circunstâncias e conseqüências dos delitos pelos quais foi condenado.

451. Aplicando-se a pena no caso vertente, no mínimo legal, atinge-se um total de cinco anos para seu cumprimento, incidindo a regra constante do artigo 33, § 1º, letra “b” que fixa o regime semi-aberto como regime inicial para o cumprimento da pena, quando se trata de réu não reincidente e a pena é estabelecida entre 04 (quatro) e 08 (oito) anos.

452. O Superior Tribunal de Justiça e demais Tribunais pátrios acolhem inteiramente esse entendimento nos julgados ora transcritos:

“HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. FURTO QUALIFICADO. PENA FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA

1- A fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição Federal, é condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.

2- Tal fundamentação, para mais, deve ser deduzida em relação necessária com as questões de direito e de fato postas na pretensão e na sua resistência, dentro dos limites do pedido, não se confundindo, de modo algum, com a simples reprodução de expressões ou termos legais, postos em relação não raramente com fatos e juízos abstratos e inidôneos à incidência da norma invocada.

3- Os elementos que informam a individualização judicial da pena, na sentença, estão contidos, por inteiro, no artigo 59 do Código Penal, compreendendo, pois, as denominadas “circunstâncias judiciais”, que outras não são que não aqueles mesmo elementos, quando a lei penal não lhes atribui função obrigatória como circunstância legal, agravante ou atenuante, ou causa de aumento e diminuição, e cuja função deve ser determinada pelo juiz caso a caso.

4- Por certo, assim, nenhuma diferença ontológica há entre as circunstâncias judiciais, legais e as causas de aumento ou de diminuição de pena, assinalando, como assinalam, tão só, funções dos elementos de individualização de resposta penal.

5- Não é menos correto, por outro lado, que a fundamentação das decisões do Poder Judiciário, tal como resulta da letra do inciso IX do artigo 93 da Constituição da República, constitui-se em condição absoluta de sua validade e, portanto, pressuposto da sua eficácia, substanciando-se na definição suficiente dos fatos e do direito que a sustentam, de modo a certificar a realização da hipótese de incidência da norma e os efeitos dela resultantes.

6- A exacerbação da pena-base, bem assim o indeferimento de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direito, à mingua de fundamentação específica, constituem constrangimento ilegal sanável na via estreita do habeas corpus.

Ordem parcialmente concedida.” (HC 43812/RJ – Relator: Hamilton Carvalhido – Órgão Julgador: 6ª Turma do STJ – Data do Julgamento: 17.05.2005)

“PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. ROUBO QUALIFICADO. FIXAÇÃO DA PENA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE. NULIDADE CONFIGURADA. PRESCRIÇÃO. INSUFICIÊNCIA DE DADOS. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

O juiz deve observar a necessidade e adequação da pena para a reprovação do crime, examinando minuciosamente os elementos constantes dos autos para fixá-la.

A fixação do quantum da pena a partir de uma fundamentação vaga e deficiente nulifica a sentença no tocante à dosimetria da pena.

Malgrado a anulação da sentença não afete a validade do édito condenatório, não tornando inócua a interrupção do lapso prescricional, os autos não trazem dados suficientes sobre o início do cumprimento da pena, cabendo, portanto, ao juiz de primeiro grau, observado o novo quantum da reprimenda, examinar ocorrência da prescrição.

Ordem parcialmente concedida.” (HC 39321/SP – Relator:Ministro Arnaldo Esteves Lima – Órgão Julgador: Quinta Turma do STJ- Data do julgamento:24/05/2005)

“CRIMINAL. HC. ESTELIONATO. PENA-BASE FIXADA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. MAUS ANTECEDENTES. PROCESSOS EM CURSO, MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. REGIME PRISIONAL MAIS GRAVOSO. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. DETERMINAÇÃO DO REGIME SEMI-ABERTO. SUBSTITUIÇÃO DA PENA CORPORAL POR RESTRITIVA DE DIREITOS. INVIABILIDADE VIA ELEITA. OMISSÃO DA SENTENÇA. ANÁLISE OBRIGATÓRIA. INOBSERVÂNCIA DO CRITÉRIO TRIFÁSICO. DESCONSIDERAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA. AUMENTO DA PENA EM RAZÃO DO CONCURSO FORMAL. MOTIVAÇÃO NECESSÁRIA ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

I. Alegação de nulidade da sentença, pela majoração da pena-base acima do mínimo legal, ante os maus antecedentes do réu, acusado em diversas ações penais, pela fixação do regime fechado sem a devida fundamentação e por não ter apreciado a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

II- É viável o exame da dosimetria da pena por meio de habeas corpus, devido a eventual desacerto na consideração de circunstância ou errônea aplicação do método trifásico, se daí resultar flagrante ilegalidade e prejuízo ao Apelante- hipótese dos autos.

III- Ante o princípio constitucional da presunção de não-culpabilidade, é defeso ao Magistrado considerar como maus antecedentes a existência de ações penais ainda em curso, instauradas em desfavor do réu, para efeito de majorar a pena-base.

Precedentes.

Se o paciente preenche os requisitos para o cumprimento da reprimenda em regime aberto, em função da quantidade da pena imposta e diante do reconhecimento da sua primariedade, afastados os maus antecedentes, não cabe a imposição de regime fechado com fundamento na sua fuga pretérita e na usa intenção de se furtar, em tese à aplicação da lei penal. Incidência da Súmula nº719 do STF.”(HC 42151/ES – Ministro: GILSON DIPP – Órgão Julgador: Quinta Turma – Data do Julgamento: 02/06/2005)

“A pena deve ser estipulada no mínimo se, além do primário, inexistirem circunstâncias judiciais desfavoráveis” (TRF da 3ª R., Ap. 22732, DJU 30.11.94, p. 69431)

“A pena-base deve atender para o grau mínimo quando o acusado for primário e de bons antecedentes.” (TJMG, JM 128/336)

453. Outrossim, tem-se que inexiste qualquer das circunstâncias agravantes previstas no artigo 61 e 62 do Código Penal, razão pela qual, não se pode admitir a aplicação da pena ao ora Apelante, acima do mínimo legal, conforme expressamente determina o artigo 68 do Código Penal.

454. Destarte pleiteia-se a este E. Tribunal sejam as penas pertinentes aos delitos de peculato e gestão fraudulenta fixadas no mínimo patamar legal, não ultrapassando o total de 05 (cinco) anos de reclusão, estabelecendo-se ainda como regime inicial para o cumprimenta da reprimenda penal o regime semi-aberto.

DO PEDIDO

455. Por todo exposto o Apelante requer a reforma da r. sentença recorrida para que:

a) sejam acolhidas as preliminares argüidas anulando-se o processo desde o início em razão da incompetência absoluta do juízo, haja vista lhe assistir prerrogativa de foro para que seja julgado perante o Supremo Tribunal Federal, de cerceamento de defesa, atuação ilícita do Ministério Público que exorbitou de suas funções legais, violando os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa.

b) caso não acolham Vs. Exas as preliminares suscitadas seja decretada a absolvição do Apelante em razão de absoluta ausência de provas aptas a confirmar os fatos narradas na denúncia, nos termos do artigo 386, VI, do Código de Processo Penal, bem como da coisa julgada em ficou provado não existir gestão fraudulenta ou temerária.

c) Na hipótese remota de Vs. Exas. manterem a condenação, seja a pena aplicada no patamar mínimo legal.

Termos em que,

pede deferimento.

Rio de Janeiro, 17 de outubro de 2.005.

p.p. CARLOS ELY ELUF

OAB/SP 23.437

p.p. CARLOS CYRILLO NETO

OAB/SP 11.706

p.p. ALAN BOUSSO

OAB/SP 122.600


[1] Fundo ANEXO VI – Fundos de Renda Fixa – Capital Estrangeiro, constituídos na forma da Resolução nº F2.034, de 17 de dezembro de 1993, do Conselho Monetário Nacional

[2] CDB (Certificado de Deposito Bancario) do Banco Marka, resgatados a valor simbolico, com desagio quase total, por exigencia do Banco Central do Brasil (R$ 10.755,40).

[3] Quota de Fundos que tiveram perdas em 13 de janeiro, resgatadas com prejuizo.

[4] Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, verbete sobre materialidade.

[5] TELES, Ney Moura, Direito Penal – Parte Geral I, LED Editora de Direito: São Paulo, 1996, p. 241, v. 1.

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