Vesícula fantasma

Hospital paga indenização por tratar de vesícula inexistente

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22 de outubro de 2005, 6h00

O hospital Copa D’Or, do Rio de Janeiro deve indenizar uma cliente em R$ 9 mil por danos morais, por errar um diagnóstico de um exame. A decisão é da juíza Adriana Angeli de Araújo do V Juizado Especial Cível do Rio de Janeiro.

O resultado do exame, feito no hospital por uma médica da equipe, indicou que a paciente possuía “vesícula biliar de volume normal, com paredes finas, sem cálculos.” A paciente, no entanto, já tinha feito uma cirurgia há 10 anos atrás para a retirada da vesícula.

A mulher disse ter ficado apavorada com a idéia de ainda ter o órgão e de possivelmente ter que se submeter a uma nova cirurgia. Apenas depois de repetir o exame em outro laboratório constatou que ela realmente não tinha mais a vesícula.

Os advogados da paciente, Renato Cesar Porto e Adriana Moniz Cardoso entraram com ação pedindo indenização por danos morais tanto do hospital, quanto do laboratório da rede Labs, que presta serviços ao Copa D’Or.

De acordo com a defesa, a mulher não conseguia sequer cogitar que poderia haver um erro diagnóstico por serem duas empresas de saúde “renomadas e dignas de confiança.”

Os advogados alegaram que houve culpa do laboratório e do hospital com base no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.” Pediram 40 salários mínimos de reparação.

A juíza não aceitou o argumento de legitimidade passiva para responsabilizar também o laboratório, já que não existem documentos que indiquem a participação do laboratório e da sua equipe médica. Por isso, ela extinguiu a ação contra o laboratório sem julgamento do mérito.

Mas, quanto ao hospital, a juíza disse que o conjunto de provas reunidas pela paciente foi o suficiente para caracterizar o fato. “ Até porque, o hospital sequer trouxe algum parecer ou laudo médico capaz de suscitar no juízo a mais mínima dúvida.” justificou.

Para ela é nítida relação de consumo e por isso, devem ser aplicadas as normas do Código de Defesa do Consumidor, já que houve defeito na prestação do serviço.

Também não restam dúvidas à juíza de que a mulher sofreu uma “enorme angústia, sofrimento, aflição e desespero ao receber o resultado do exame” o que não caracteriza mero aborrecimento. Para ela, a situação “foge à normalidade, extrapolando o limite tolerável no convívio social e gerando desequilíbrio do bem-estar da reclamante.”

Quanto ao valor, a juíza achou que R$ 12 mil seria exagerado, já que não visa o enriquecimento da paciente. E decidiu por R$ 9 mil por considerar o erro do hospital grave. Também fundamentou que por ser um hospital de grande porte e bastante conhecido, o estabelecimento deve redobrar os cuidados dispensados aos consumidores para evitar que fatos como esse se repitam, por isso o valor serviria como punição.

Leia a íntegra da sentença:

Juízo de Direito do V Juizado Especial Cível da Comarca da Capital

Processo n° 2004.800.173567-5

SENTENÇA

Trata-se de ação proposta por ALEX MAGALHÃES CORREA em face de FMG — EMPREENDIMENTOS HOSPITALARES LTDA (HOSPITAL COPA D’OR) E LABS CARDIOLAB EXAMES COMPLEMENTARES LTDA.

Dispensado o relatório, a teor do artigo 38 da Lei n° 9099/95, decido.

Primeiramente, acolho a preliminar de ilegitimidade passiva argüida pelo segundo reclamado, porquanto, conforme bem sustentado às fls.25, “inexistem nos autos documentos indicando vestígio sequer de participação do mesmo nos fatos descritos na exordial”, não constando no laudo de fls. 14 qualquer referência à rede de laboratórios LABS ou à equipe médica dela integrante, devendo feito, no tocante ao segundo reclamado, ser julgado extinto, sem julgamento do mérito.

Com relação, porém, ao primeiro reclamado, rejeito a preliminar de incompetência do juizado, tendo em vista que não há qualquer necessidade da produção de prova pericial, já que o conjunto probatório carreado aos autos aliado a matéria fática aduzida pelas partes, permite com absoluta segurança e tranqüilidade, o convencimento do juízo, até porque sequer trouxe o primeiro reclamado qualquer parecer ou laudo médico capaz de suscitar no juízo a mais mínima dúvida a ser dirimida pela perícia.

No mérito, cumpre registrar que, diante da nítida relação de consumo existente entre as partes, devem ser aplicados as normas e os princípios constantes do Código de Defesa do Consumidor, sobretudo no que se refere à responsabilidade objetiva do prestador de serviços quanto aos danos recorrentes de sua atividade e quanto à inversão do ônus da prova.

Sendo assim, força é reconhecer o defeito na prestação do serviço por parte do primeiro reclamado.

Isso porque, conforme se verifica nos autos, a reclamante, no ano de 1995, foi submetida, dentre outros procedimentos, a uma “colecistectomia por vídeo laparoscopia” (fls.13) que nada mais é do que uma cirurgia de “extirpação da vesícula biliar” (v. novo Aurélio Século XXI: o dicionário da língua portuguesa, AURÉLIO BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, Nova Fronteira, 3ªed., 1999, p.500), havendo, portanto, flagrante e grosseiro erro médico no laudo de fls.14, em que foi atestado pela Dra AUREA RAMOS, da equipe do primeiro reclamado, que a reclamante apresentava “vesícula biliar de volume normal, com paredes finas, sem cálculos.”

Quanto à configuração do dano moral, no caso concreto tal dano vislumbra-se inarredável, tendo em vista que a reclamante foi submetida a enorme angústia, sofrimento, aflição e desespero ao receber o resultado do exame feito pelo primeiro reclamado, já que “lhe assombrava o fato de poder estar com o referido órgão e ter que se submeter a uma possível segunda cirurgia” (fls. 3), muito embora tivesse a reclamante, quase dez anos antes, procedido a extirpação da vesícula biliar. Ora, não se pode dizer que toda essa situação caracterize mero aborrecimento, eis que foge à normalidade, extrapolando o limite tolerável no convívio social e gerando desequilíbrio do bem-estar da reclamante, o que é passível de ser indenizado.

No que tange ao quantum do dano moral, requereu a reclamante fosse fixado o equivalente a 40 salários mínimos, que hoje correspondem a R$ 12.000,000, quantia esta que se afigura excessiva ao Juízo, parecendo razoável a importância de R$ 9.000,00, considerando a gravidade do defeito na prestação do serviço e das conseqüências advindas à reclamante, como acima exposto. De se ter em conta, ainda, que o primeiro reclamado é pessoas jurídica de grande porte, notoriamente reconhecido no ramo de suas atividades, devendo por isso mesmo redobrar os cuidados dispensados aos consumidores para evitar que tais fatos se repitam. Não se pode olvidar, porém, que a reclamante, 25 dias depois, “realizou um novo exame de USG Abdominal Total (…) onde pode constatar que possui uma Colecistectomia e que realmente teria sido vítima de errro em análise de exame” por parte do primeiro reclamado (fls 3), não tendo por conseguinte, havido prejuízo à vida ou à integridade física da reclamante. Assim, entendo que a quantia fixada atende á finalidade de restituição, ao caráter punitivo e ao aspecto pedagógico do dano moral, sobretudo a fim de evitar a reiteração da conduta lesiva do primeiro reclamado, sem, no entanto, permitir o enriquecimento sem causa por parte do reclamante.

Diante do exposto, quanto ao segundo reclamado, JULGO EXTINTO, o processo, sem julgamento do mérito, com base no art.267, VI do CPC. No mais, JULGO PROCEDENTE EM PARTE, o pedido formulado na inicial para condenar o primeiro reclamado a pagar á reclamante a importância de R$ 9.000,00 a título de indenização por dano moral, a ser acrescida de juros e correção monetária contados a partir da citação.

Sem custas e honorários (artigo 55 da Lei n° 9099/95).

P.R.I.

Rio de Janeiro, 17 de junho de 2005-10-21

ADRIANA ANGELI DE ARAUJO

Juíza de Direito

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