O preço da dor

O dano moral e a fixação do valor da indenização

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22 de outubro de 2005, 6h00

Com o advento da nova legislação civil em 2002, tornou-se expressa a possibilidade de reparação dos danos causados a outrem, ainda que de caráter exclusivamente moral. Contudo, a Lei, acertadamente, deixa de estabelecer critérios para a fixação do valor da reparação, atribuindo tal encargo ao juiz de direito, que deverá utilizar-se dos elementos trazidos aos autos, bem como das circunstâncias que envolvem o caso concreto para finalmente chegar a um valor aparentemente justo para a indenização.

A falta de critérios pré-estabelecidos cria imensa discussão tanto jurisprudencial como doutrinária. Em busca de um denominador comum, inúmeras fórmulas foram elaboradas, todas, a meu ver, equivocadas, tendo em vista a impossibilidade de se mensurar a dor, o sofrimento e a angústia, passíveis de indenização por danos morais através de uma regra matemática.

Primeiramente necessário se esclarecer que a reparação por danos morais não tem o condão de fazer com que as partes retornem ao status quo ante, pois incompatível com a própria natureza deste tipo de indenização. Desta forma, resta claro que a indenização pleiteada tem como espoco reduzir o irreparável ou minorar a extensão do mal que padeceu.

A reparabilidade do dano moral não apaga o sofrimento do lesado, tendo, contudo duplo escopo: em relação à vítima, subjetivamente pode amenizar o sofrimento, na medida em que o fato tenha reconhecimento judicial, servindo de resposta ao seu desalento; em relação ao ofensor, serve como freio visando que a conduta não se repita.

A função da quantia paga em dinheiro, em espécie, não é a de repor matematicamente um desfalque patrimonial, mas apenas a de representar para a vítima uma satisfação igualmente moral ou, que seja psicologicamente capaz de neutralizar ou anestesiar em parte o sofrimento impingido. Por fim, a prestação pecuniária tem função meramente satisfatória.

Mas, tomando como regra na prática a reparação pecuniária, a falta de regulamentação específica (já que não é possível ao legislador enunciar todas as hipóteses de danos, e, de outro lado, especificar os diferentes critérios de ressarcimento admitidos pela experiência jurídica, conforme se demonstrará), sendo competência a fixação do quantum ao prudente arbítrio do magistrado, coloca-se em questão a dificuldade para alcançar um valor que seja o ideal, uma indenização justa e próxima da realidade dos fatos, para que esta possa elevar a valoração humana por meio do resgate da dignidade, na tentativa de agasalhar a dor com valores monetários, o que certamente não é sua característica.

Discute-se doutrinariamente se o valor da indenização deve respeitar limites mínimo e máximo fixados legalmente, a exemplo do que se vê na Lei de Imprensa, ou deve ser entregue, como quer a Lei, ao arbítrio prudente do Magistrado, cabendo a este estimar livremente o quantum, verificadas as particularidades de cada caso concreto. Partiremos assim deste pressuposto, respeitando os dizeres da Lei, que nada menciona acerca de limites para a fixação da indenização por danos morais. Particularmente compartilho do segundo posicionamento

Desta forma, em se tratando da fixação da reparação por dano moral, o voto de confiança na atividade jurisdicional se faz ainda mais imprescindível, pois a valoração da pessoa do juiz de direito, sem dúvida, tem infinitas vantagens sobre a previsão fria e genérica da Lei.

Assim, em nosso ordenamento jurídico, resta claro o entendimento do legislador que o valor preestabelecido não é a melhor alternativa de se realizar a justiça – até porque o contrário seria tarifar a dor, hipótese totalmente absurda, e sim ser competência do magistrado a fixação, pois terá conhecimento das peculiaridades de cada caso, e será prudente em seu arbítrio.

Desta forma, utilizando-se do livre arbítrio e da equidade, estipularam-se parâmetros em hipóteses excepcionais ao arbitramento, que passamos a estudar.


O Código Brasileiro de Telecomunicações traz critérios para as considerações do juiz ao caso concreto, e inclusive valores a lhe servir de limites máximo e mínimo para a fixação do montante. Contudo, não se trata de indenização tarifária. São eles: a posição social ou política do ofendido; a situação econômica do ofensor; a intensidade do ânimo de ofender; e a gravidade e repercussão da ofensa.

De acordo com estes aspectos, regula ao Juiz a indenização entre o valor mínimo de 5 (cinco) e o máximo de 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no país, podendo, ainda, dobrar o valor no caso de reincidência ou se praticado no interesse de grupos econômicos ou visando a objetivos antinacionais.

Do mesmo modo a Lei de Imprensa, que estabelece como critérios:

“I – a intensidade do sofrimento do ofendido, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa e a posição social e política do ofendido.

II – a intensidade do dolo ou o grau da culpa do responsável, sua situação econômica e sua condenação anterior em ação criminal ou cível fundada em abuso no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e informação;

III – a retratação espontânea e cabal, antes da propositura da ação penal ou cível, a publicação ou transmissão da resposta ou pedido de retificação, nos prazos previstos na Lei e independentemente de intervenção judicial, e a extensão da reparação por esse meio obtida pelo ofendido”.

Não obstante estes parâmetros terem sido destinados a regular situações excepcionais previstas nestes dispositivos, tiveram suas incidências alargadas, atingindo um grande número de conflitos, matérias, que seriam, inicialmente, estranhas ao seu princípio.

Deste modo, tem-se que, ao fixar o montante pecuniário devido nos casos de danos morais, o juiz deve atender a elementos objetivos e subjetivos. A avaliação subjetiva está voltada para a apreciação in concreto da situação, ou seja, avaliação real e efetiva dos prejuízos sofridos pela vítima. Já a avaliação objetiva, está voltada para a apreciação in abstrato do caso, baseando-se em conceitos como o homem médio, bonus pater família, ou em tabelas e critérios pré-estabelecidos.

Os critérios devem ser utilizados concomitantemente porque sua aplicação isolada poderia, no caso do critério objetivo, desconsiderar importantes dados reais e individuais do caso concreto, e no caso do critério subjetivo, dar margem a excessivas variações, chegando até a ferir o princípio da isonomia dos jurisdicionados em certas situações.

Considerando-se a natureza dúplice da satisfação dos danos morais, através do critério subjetivo, em se tratando do caráter reparatório da compensação, levar-se-á em conta o sofrimento efetivo da vítima, suas circunstâncias pessoais e econômicas.

Avaliar-se-á, através do critério objetivo, quanto à reparabilidade, o sofrimento experimentado pelo homem médio em face ao dano e decisões judiciais de natureza semelhante, e quanto ao caráter sancionatório, utilizar-se-á dos mesmos parâmetros (homem médio e decisões semelhantes) para medir o grau de punibilidade do ofensor.

Tanto a utilização de critérios subjetivos, como a utilização de critérios objetivos, trazem soluções adequadas para que se avalie a proporcionalidade entre a reparação pecuniária e o dano, devendo serem usados de forma conjunta para que a satisfação do lesado seja feita de forma integral.


Ao valorar-se o dano moral segundo os critérios objetivos e subjetivos, dá-se ao juiz certo arbítrio, que aí não se esgota, pois a ele resta ainda a possibilidade de utilizar-se da equidade para ajustar a situação ao caso concreto.

É permitido ao julgador, portanto aumentar ou diminuir o valor da avaliação através da análise das características particulares do caso, ampliando-se consideravelmente sua discricionariedade.

Portanto, o uso de critérios objetivos, subjetivos e da equidade, pelo juiz, são elementos que devem ser ponderados, de acordo com as peculiaridades da situação concreta, para chegar-se à reparação cabível.

A nossa jurisprudência ainda é tímida, talvez em face da realidade econômico-social do País, pois, diante de uma sociedade que margeia a miserabilidade, qualquer valor situado acima do mínimo necessário à sobrevivência humana já é visto como demasiado. Com efeito, condenar um trabalhador que aufere salário mínimo a pagar indenização em valor pouco acima deste já seria um disparate. No entanto, a mesma quantia seria motivo de escárnio por parte do ofensor mais abastado.

Assim é que o remédio a ser aplicado há de se compatibilizar com a situação econômica do lesante, sob pena de se fazer do Direito letra morta.

Deve o juiz, ao estimar o valor, averiguar o valor pedido pelo ofendido, que, em tese, em um primeiro momento, obviamente, seria o único capaz de mensurar o quantum suficiente para minimizar os sentimentos de revolta e indignação, aliados ao natural desejo de punir.

Assim, passaria o magistrado a apreciar se o valor pretendido se ajusta à situação posta em julgamento, afastando, de pronto, a possibilidade de sucesso de quaisquer especulações desonestas que se evidenciem por parte daqueles que pretendem se ver compensados, pois deve haver comedimento, como forma de impossibilitar que o instituto seja transformado em mera fonte de enriquecimento.

A doutrina e a jurisprudência se manifestam, majoritariamente, no sentido de que o julgador há de considerar, em princípio: a extensão e gravidade do dano, as circunstâncias (objetivas e subjetivas) do caso, a situação pessoal e social do ofendido e a condição econômica do lesante, na busca de relativa objetividade com relação à satisfação do direito atingido, preponderando, como orientação central, a idéia de sancionamento do ofensor, como forma de obstar a reiteração de casos futuros. Tudo isso consideradas as circunstâncias concretas do caso, à luz da prudência e razoabilidade.

Conclui-se, assim, que cada caso concreto reclama exame próprio e único.

Tutela o Direito o dever amplo de não lesar, ao qual corresponde a obrigação de indenizar, que se revela sempre que de determinada conduta decorra algum prejuízo material ou ofensa moral para outrem.

A reparação em danos materiais se mostra mais simples, tendente a reconduzir o patrimônio da vítima ao estado em que se encontrava antes da perpretação da lesão.

Enquanto que no dano moral o retorno ao status quo ante é dificultado. O quê certamente não impossibilita a reparação, pois todo dano deve ser reparado.

Assim se justifica a função, ou o papel desempenhado pelo dinheiro na reparação do dano moral, que não apresenta, como nos danos materiais, os característicos de um equivalente (idéia de sanção civil indireta representada pela noção de perdas e danos), mas sim os de um valor que atenue, ao menos em parte, as conseqüências dos efeitos do dano suportados pela vítima em face da atitude de outrem – natureza compensatória e punitiva – amenizando a dor do ofendido.

E hoje, enraizada no sistema normativo brasileiro, tanto na Constituição Federal como, agora também, no Código Civil, a reparação tem aplicação certa no Direito pátrio, diante de qualquer lesão injusta ao patrimônio moral da pessoa.

Assim prudência e razoabilidade devem ser tomadas como palavras-de-ordem em todo o processo de apuração do dano moral e da indenização devida em função deste.

Sendo assim, incumbe ao juiz determinar a gravidade ou extensão do dano, as circunstâncias (objetivas e subjetivas) do caso, a situação pessoas e social do ofendido e a condição econômica do lesante.

Nessa análise, deve ponderar a idéia de sancionamento do ofensor, desestimulando reiteração da conduta em virtude do quantum expressivo, e a cautela para o enriquecimento do ofendido, banindo as especulações desonestas.

Somente considerados todos esses aspectos pelo Judiciário estaria assegurada a quantificação da indenização devida por dano moral de forma a punir de fato o ofensor, na proporção da gravidade da lesão por ele cometida – o que, por certo, não ocorreria se o valor fixado fosse simbólico ou “tabelado” –, e a compensar o ofendido, embora em pecúnia, observado o poder por esta alcançado no terreno das satisfações humanas, ao mesmo tempo em que se impede seja o quantum expressão de puro arbítrio, alcançando-se, assim, o ideal de justiça.

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