Direito de torcedor

Juíza nega liminar para torcedor ferido em estádio

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21 de outubro de 2005, 9h48

A juíza Daise Fajardo Nogueira Jacot, da 15ª Vara Cível da Capital, negou tutela antecipada no valor mensal de R$ 3,5 mil ao torcedor Rui Nelson de Moura Júnior. Na noite de 14 de maio de 2003, antes do início do jogo do Corinthians contra o River Plate, pelas quartas-de-final da Taça Libertadores da América, ele sofreu um grave acidente no estádio do Morumbi. Rui ficou com uma lança atravessada no corpo por cerca de 50 minutos, passou por uma série de cirurgias, perdeu o baço e fraturou o fêmur.

O torcedor, que antes do acidente trabalhava como taxista, ao requerer a tutela antecipada argumentou que estava inabilitado para o trabalho. Segundo sua defesa, o valor reclamado equivaleria aos proventos mensais de sua profissão. Reclamou, ainda, que a justiça interditasse ou suspendesse jogos de futebol no Morumbi. A juíza também indeferiu a suspensão de jogos no estádio. Nesta quinta-feira (20/10) estava marcada audiência para ouvir as testemunhas do caso. A Justiça cancelou os depoimentos.

O torcedor ingressou na Justiça contra o São Paulo e o Corinthians reclamando indenização, por danos morais, de 10 mil salários mínimos de cada um, total equivalente, na época da propositura da ação, a R$ 4,8 milhões. Pede, ainda, que seja indenizado por danos materiais, desde a data do acidente, em valor a ser arbitrado em liquidação judicial.

O advogado do São Paulo Kalil Rocha Abdalla ingressou com pedido de impugnação do valor da causa alegando que o mesmo seria “exorbitante”. Reclamou o rebaixamento para R$ 24 mil. A juíza atendeu em parte o pedido arbitrando o valor em R$ 96 mil.

Na ação Rui acusa os clubes de omissão, negligência ou imprudência. “Os réus, cada qual dentro de suas respectivas atuações, permitira, por omissão voluntária, negligência ou imprudência, a falta de segurança plenamente capaz de evitar a ocorrência do fato juridicamente relevante, violando direito e causando danos não só de ordem moral, mas também material em desfavor do autor, cometendo, por isso, o chamado ato ilícito”, afirmam seus advogados.

O torcedor conta que depois de um tumulto generalizado entre torcedores e policiais foi arremessado violentamente, de uma altura de 20 metros, para o piso inferior do estádio. Rui ficou espetado nas lanças da grade das arquibancadas que separam os setor vermelho e laranja da torcida. Para retira-lo, foi necessário que o Corpo de Bombeiros cortasse a lança, que atravessou uma de suas pernas.

O Corinthians se defende contestando a versão do torcedor. Sustenta que Rui estava embriagado e decidiu se juntar a um amigo que se encontrava na parte inferior do estádio. Para isso, descumpriu as normas de segurança, deixando de usar os acessos como rampas e escadarias o que provocou o acidente.

“Tivesse o autor se utilizado das rampas e escadarias existentes no estádio para descer de uma arquibancada superior para a inferior, certamente teria evitado a queda e o acidente que o vitimou, certamente não teria constrangido o público com o dantesco e execrável espetáculo que isoladamente proporcionou”, afirmam os advogados style=”mso-bidi-font-weight: normal”>Sérgio Dante Grassini estyle=”mso-bidi-font-weight: normal”> Diógenes Mello Pimentel Neto.

Já o São Paulo sustenta sua ilegitimidade para o pólo passivo da ação e a inépcia da inicial e pede, no mérito, pela improcedência do pedido. Argumenta que apenas alugou o estádio do Morumbi a pedido do Corinthians para a partida de futebol, não assumindo qualquer responsabilidade a respeito da organização do jogo.

Leia o despacho que negou pedido de antecipação de tutela

Vistos.

1.- O autor, que é taxista, pede a condenação dos Clubes réus no pagamento de indenização por danos morais e materiais em razão do acidente ocorrido no dia 14 de maio de 2003 nas dependências do Estádio Cícero Pompeu de Toledo, conhecido como "Campo do Morumbi". Afirma que trabalha inclusive nos sábados, domingos e feriados para a composição do orçamento doméstico, mantendo mulher e filhos; é torcedor do Corinthians e que, no dia do acidente, logo no início do jogo, houve uma concentração na arquibancada com tumulto generalizado entre os torcedores e a Polícia Militar "… fazendo com que o mesmo, no entrevero, fosse arremessado violentamente para o piso inferior do Estádio" ("sic", fl. 7, item 3); com a queda, após alcançados cerca de vinte (20) metros de altura, acabou sendo espetado pelas lanças instaladas na grade das arquibancadas que separam os setores vermelho e laranja da torcida; ficou "crucificado" de cabeça para baixo cerca de cinqüenta (50) minutos; as lanças atingiram o abdômen, o intestino, o baço, a perna esquerda e as costas; foi socorrido por Policiais Militares e pelo Corpo de Bombeiros, tendo sido levado para o Hospital das Clínicas com a grade fincada em seu corpo; foi submetido a inúmeras intervenções cirúrgicas, com a retirada do baço e parte do intestino, raspagem no osso da perna esquerda; vem sofrendo nefastos prejuízos de ordem moral e material; está ainda em estado de convalescença; os réus agiram de forma irresponsável e devem responder pelos danos morais e materiais decorrentes do fato; o Estádio do Morumbi é de propriedade do São Paulo Futebol Clube, que se houve com omissão, negligência e imprudência; por outro lado, o Esporte Clube Corinthians Paulista detinha o "mando" do jogo no dia dos fatos, condição que lhe impunha maiores deveres e obrigações, daí sua legitimidade passiva para o caso; ambos os réus, dentro de suas respectivas atuações, permitiram, por omissão voluntária, negligência ou imprudência, a falta de segurança para evitar a ocorrência do fato; eles cometeram ato ilícito conforme o artigo 186 do Código Civil; está configurado no caso o nexo de causalidade entre a ação, a omissão e o dano; os réus estão obrigados à reparação conforme o artigo 927 do mesmo Código Civil; há relação de consumo e o fornecedor de serviços responde pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeito na prestação dos serviços, tal como estabelecido no artigo 14 da Lei nº 8.078/90; no caso, ficou caracterizado o serviço potencialmente nocivo e perigoso à saúde ou à segurança; deverá permanecer muito tempo acamado, deixando de auferir mensalmente no período a renda de R$ 3.500,00; os réus são extremamente poderosos do ponto de vista financeiro e devem arcar com danos morais, correspondentes à quantia de vinte mil (20.000) salários mínimos ou naquela que vier a ser arbitrada pelo Juízo; tem direito à antecipação parcial da tutela, prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil, devendo os réus depositar mensalmente a quantia de R$ 3.500,00, até que sobrevenha a decisão definitiva no tocante; o caso exige também, em antecipação da tutela, a suspensão ou a interdição do Estádio do Morumbi até que seja atestada a ausência de perigo para a vida, saúde ou integridade física por perícia (fls. 3/24).

2.- Os réus, por sua vez, insurgem-se contra o pedido por meio de contestação.

2.1.- O São Paulo Futebol Clube sustenta sua ilegitimidade para o pólo passivo da Ação e a inépcia da inicial, pugnando no mérito pela improcedência do pedido. Argumenta que apenas locou o seu Estádio a pedido do co-réu para a partida de futebol em causa, não assumindo qualquer responsabilidade inerente à organização do jogo; cabia ao co-réu efetivamente organizar o evento futebolístico e assegurar o bom andamento do jogo e a segurança das pessoas no local; não laborou com qualquer tipo de culpa no evento em causa; a inicial é inepta no que tange aos valores postulados, pois o autor pede indenização a título de danos materiais sem quantificá-los, pleiteando pensão mensal de R$ 3.500,00 com base em estimativa do Sindicato dos Taxistas e pede danos morais estimados em dez mil (10.000) salários mínimos contra cada réu sem indicar o parâmetro utilizado; o pedido de ressarcimento de lucros cessantes deveria ter sido expressamente justificado; além disso, o autor pede indenização por danos materiais a serem arbitrados mediante liquidação por artigos, sem mensurá-los e sem comprová-los; o autor despencou para o piso intermediário do Estádio ao tentar de forma irresponsável e imprudente descer escalando um cano existente entre o terceiro e o segundo pavimentos, onde está localizado o setor das "numeradas"; foi o próprio autor, que estava alcoolizado, o responsável pelo acidente tal como noticiado em vários Jornais; a Imprensa também divulgou a correção das instalações de segurança do Estádio e o próprio "CONTRU" isentou o contestante de qualquer responsabilidade; as lanças existentes nas grades que fazem a separação entre os setores do Estádio são "itens de segurança", comuns em vários locais públicos; não agiu com culpa e não tem a obrigação de indenizar; o Código de Defesa do Consumidor não tem aplicação na espécie; não estão presentes os requisitos para a antecipação da tutela pleiteada (fls. 144/194).

2.2.- O Sport Club Corinthians Paulista, por sua vez, também argüiu ilegitimidade passiva, sustentando no mérito a improcedência da Ação. Argumenta que os fatos narrados referem-se a reclamos relativos às instalações do Estádio do Morumbi e não pode ser responsabilizado como locatário pelo acidente ocorrido; não praticou qualquer tipo de conduta omissiva ou comissiva capaz de causar prejuízo ao autor; ele descumpriu norma de segurança, pois estava embriagado e quis juntar-se a um amigo na parte inferior do Estádio, deixando de utilizar os acessos próprios como rampas e escadarias; todos os prédios destinados ao uso público possuem grades, divisórias, lanças, ofendículos etc; o fato de o autor ter adquirido ingresso não dá a ele os direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor; os pedidos de indenização a título de danos materiais e danos morais são descabidos e absurdos (fls. 225/239).

2.3.- Portanto, os pontos controvertidos consistem na ocorrência de prática ou não de conduta culposa por parte dos réus, na existência ou não de nexo de causalidade entre eventual conduta culposa e os danos reclamados e no cabimento ou não de eventuais danos passíveis de demonstração no curso do processo.

3.- Rejeito as preliminares de ilegitimidade passiva argüidas por ambos os réus, ao menos por ora, porquanto entrosadas com questões de mérito. Assim, relego o melhor exame no tocante para a fase de sentenciamento.

4.- Admitindo pois a legitimidade das partes, tenho como configurado o interesse de agir por parte do autor e também vislumbro a possibilidade jurídica do pedido, afastando a alegada inépcia da inicial porquanto configurados os requisitos previstos no artigo 282 do Código de Processo Civil. Declaro saneado o processo e defiro a produção das provas documental, oral e pericial médica, esta em primeiro lugar. Como o autor é beneficiário da gratuidade, oficie-se ao IMESC para a indicação de Médico especializado e a designação de data e local para a apresentação do autor ao exame. A audiência de instrução e julgamento será designada após a conclusão da perícia.

5.- No que tange ao pedido de antecipação parcial da tutela, para determinar aos réus o pagamento mensal de R$ 3.500,00 e para interditar ou suspender a atividade no Estádio do Morumbi, não se acham configurados os requisitos autorizadores da medida a teor do disposto no artigo 273 do Código de Processo Civil. Por isso, indefiro o pedido no tocante. Int.

Leia despacho impugnando valor da causa

INCIDENTE DE IMPUGNAÇÃO AO VALOR DADO À CAUSA referente a AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS, que lhe é movida por RUI NELSON DE MOURA JÚNIOR, porque, segundo alega, o valor da causa deve ser reduzido para R$ 24.000,00.

Argumenta que o valor de R$ 4.800.000,00 é exorbitante, mormente considerando a ausência de qualquer elemento de indicação de culpa no evento e do nexo causal e ainda que o pedido de dano moral não tem conteúdo econômico imediato. Fundamenta o Incidente no artigo 261 do Código de Processo Civil (fls. 2/8).

Manifestando-se a propósito, o impugnado insurgiu-se contra o Incidente, argumentando que o impugnante visa, com a redução, menor desembolso de tributo para o preparo recursal; ele não está aquilatando a dor e as seqüelas físicas deixadas na alma e no corpo; o pedido envolve danos morais e materiais (fls. 10/16). Tem razão em parte o impugnante.

Com efeito, o autor visa a condenação dos Clubes réus no pagamento de indenização por danos materiais mediante pensão mensal de R$ 3.500,00 desde a data do fato com arbitramento mediante liquidação por artigos e em danos morais em quantia correspondente a vinte mil (20.000) salários mínimos ou naquela que vier a ser arbitrada pelo Juízo. Com base nessa estimativa, deu à causa o valor de R$ 4.800.000,00.

Malgrado o sofrimento experimentado pelo autor, ora impugnante, em decorrência do terrível acidente, o certo é que a quantia estimada revela-se mesmo exorbitante, mesmo porque não se sabe ainda se os réus agiram efetivamente com culpa ou não na produção do evento danoso. Não há, ao menos até esta parte, prova dos pressupostos indicadores da responsabilidade nem elementos de convicção para a mensuração do dano seja na esfera material seja na esfera moral.

Como quer que seja, tem-se como razoável para a causa o valor estimativo de quatrocentos (400) salários mínimos para a causa, que correspondia a R$ 96.000,00 na época do ajuizamento. De resto, observo que essa estimativa não vincula o Juízo nem constitui de modo algum qualquer espécie de prejulgamento.

Diante do exposto, ACOLHO EM PARTE a impugnação apresentada e o faço para o efeito de reduzir o valor da causa para a quantia de R$ 96.000,00. Incabível na espécie condenação em verba honorária. Int.

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