Ação Civil Pública

Ação Civil Pública é instrumento da cidadania ou marketing?

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21 de outubro de 2005, 19h57

Foi lançada recentemente em São Paulo, pelo Ministério Público, campanha publicitária denominada “Histórias Extraordinárias”, em homenagem ao vigésimo aniversário da Lei 7.347/85, que criou a Ação Civil Pública e segundo a notícia de um jornal paulistano, foi “criada para defender direitos coletivos da população”.

Traz a reportagem informação de que farto material publicitário será divulgado em jornais, rádios, TVs, outdoors e painéis eletrônicos. Além disso, a Imprensa Oficial do Estado, que edita os jornais mais caros do mundo, os nossos Diários Oficiais, estaria imprimindo 10 mil livretos sobre o assunto, fartamente ilustrados. Não consta quanto toda essa comemoração vai custar e se os recursos virão dos cofres públicos, isto é, do nosso bolso.

Lei é Lei e deve ser cumprida. Mas comemorar o aniversário de um instrumento jurídico não parece ser algo tão importante, especialmente pelo fato de que nem todas as ACPs que a Lei 7.347 viabilizou revestiram-se dos princípios éticos adotados pela Constituição que a recepcionou.

Uma das questões mais controversas da ACP é a que se refere à legitimidade ativa, quando permite que seja proposta por “associação que esteja constituída há pelo menos um ano…” e que se dedique a proteger o meio ambiente, o consumidor, etc. Aí é que a coisa se complica.

Aproveitadores das mais diferentes espécies já se utilizaram e ainda se utilizam da ACP como meio de obter vantagens indevidas. Da mesma forma, políticos sem escrúpulos criam associações para obter votos, utilizando-se desse instrumento jurídico. Golpistas profissionais fundam “associações” disto e daquilo, para faturar e até advogados que ignoram a ética as inventam para angariar clientela.

Essa é, sem dúvida, a maior falha da Lei, quando não cria exigências mais rigorosas para a legitimidade da ACP, como, por exemplo, um número mínimo de associados para essas “associações”, que não se submetem a nenhum controle por parte do Poder Público.

Qualquer picareta pode abrir hoje uma ONG, bastando que reúna meia dúzia de parceiros, invente um nome imponente, uma sigla pomposa, faça um estatuto e a registre no cartório da esquina.

Um ano depois da sua constituição, a ONG já terá legitimidade para propor uma ACP, mesmo que todos os seus sócios não sejam suficientes para lotar uma “Kombi” e ainda que todos eles sejam parentes, empregados ou “laranjas” do verdadeiro “dono” da “associação”.

Aliás, o mesmo ocorre com a fundação de igrejas, outro campo fértil para que floresçam as mais rentáveis picaretagens. E tanto uma quanto outra — “ONG” ou “Igreja” — funcionam sem pagar qualquer imposto, o que as transforma nas mais eficientes lavanderias do mundo para limpar dinheiro de origem duvidosa.

Exemplos recentes dessas aventuras são ações propostas por uma associação com sede em cidade da região metropolitana de São Paulo, cuja sede é um escritório de advocacia e que se especializou em propor ações contra concessionárias de veículos a pretexto de proteger “consumidores” ante a publicação de anúncios onde taxas de juros supostamente não estariam claras.

Parece ser óbvio que o consumidor de hoje já não é o coitadinho que se imagina. Já existe até mesmo a figura do consumidor “profissional” que faz compra pensando em achacar a empresa no futuro com uma ação de danos “morais”.

Por outro lado, juros bancários, especialmente na venda de automóveis, devem ser números cabalísticos, altamente secretos, que ninguém conhece.

Essa associação, aliás, instada a informar quantos sócios possui, se é que possui algum, não dá a informação a ninguém, nem mesmo ao juiz que vai julgar a ACP proposta por ela. E já conseguiu com isso algumas liminares, pois magistrados há que acreditam que qualquer ONG é séria, pelo simples fato de existir há mais de um ano.

Aliás, tempos atrás, uma “associação” que dizia defender consorciados, moveu várias ações contra administradoras de consórcio em nome de seus “sócios” e sumiu com o dinheiro que conseguiu arrancar das empresas e que deveria entregar aos tais “sócios”.

No mesmo ramo das “associações de defesa de consumidores” existe uma que, com sede no centro da capital paulistana, não admite sócios! Um consorciado que nela desejava ingressar foi recusado, com a informação de que o “quadro social” estava repleto e que só aceitavam pessoas que pretendessem outorgar procuração aos seus advogados para promoverem ações individuais! Claro que, nessa hipótese, deveriam pagar “honorários” ao escritório.

Esse fértil campo das ONGs, que ninguém fiscaliza, já permitiu até mesmo que um deputado federal criasse um serviço de informações jurídicas por telefone, onde se cobrava muito bem por minutos de informações prestadas por estudantes de direito.

Nesse caso, havia vítimas em todos os lados. Os “consulentes” pagavam caro por informação sem qualquer valor, e pior ainda, prestada por pessoas sem formação jurídica completa. Já os estudantes que pouco sabiam, quase nada ganhavam, além de serem enganados pela ONG , que lhes acenava com estágio profissional sem qualquer valor, posto que impossível de ser reconhecido pela OAB.

Mas, lamentavelmente, mesmo o Ministério Público vem se utilizando de forma bastante discutível da ACP, com o que já ocorreram muitas ações improcedentes, com prejuízos para a sociedade.

Um exemplo antigo é a Ação Civil Pública Ambiental, distribuída em 1990 na Comarca de Franca, julgada improcedente na primeira instância e que, no recurso, teve um pequeno resultado prático.

Pretendia o MP interditar empresa de alimentos estabelecida há mais de 50 anos no local, a pretexto de que causava danos ao meio ambiente.

A empresa não existe mais, mas à época ficou comprovado nos autos, através de laudo técnico feito por um Professor da USP, nomeado como perito pelo Juiz, que não havia os danos apontados na inicial.

A ação, no caso, serviu apenas aos interesses de determinado político da cidade, candidato a um cargo eletivo. Aliás, o povo, mais sábio que nós todos, não o elegeu. Mas a ACP, no caso, acabou por apressar a morte de uma tradicional empresa, que possuía mais de uma centena de empregados e dava trabalho ainda para cerca de 500 pessoas de forma indireta.

E se queremos exemplos mais recentes, podemos citar as ACPs propostas na comarca de Barueri, onde o MP pretendia anular inscrições de contribuintes do ISS — Imposto Sobre Serviços sob a alegação de teriam sido concedidas fraudulentamente pelo município.

Com o louvável propósito de combater suposta sonegação, o MP usou a ACP sem levar em conta as normas constitucionais que regulam o tributo e mesmo sem respeitar a autonomia municipal. Além disso, usou na ação provas obtidas por meio ilícito, que eram as diligências feitas por fiscais e policiais que deveriam ser processados e presos, pois infringiam todas as normas que juraram respeitar, inclusive, quanto aos últimos, o Estatuto da Polícia Civil!

Com tais procedimentos totalmente contrários à Lei Maior, o MP acabou perdendo todas as ações já julgadas, até mesmo no Superior Tribunal de Justiça (RE 73.086-SP).

Todos nós respeitamos o Ministério Público, uma entidade que tem relevante papel na sociedade brasileira, que vem cumprindo com grande brilhantismo. Os equívocos aqui apontados em nenhum momento podem empanar tal brilho, não só porque errar é humano, mas sobretudo ante a grandeza da própria instituição que, certamente, saberá com o tempo controlar os exageros, os equívocos e mesmo a ridícula arrogância de alguns de seus membros.

Mas não nos parece que seja necessária ou justificável uma campanha publicitária para comemorar o aniversário de uma Lei. As leis, como sabemos, não são obras do MP, do Executivo, do Judiciário ou mesmo do Legislativo. Não precisam apagar velinhas, nem ouvir o parabéns a você.

As Leis, ainda que propostas pelo Executivo, aprovadas pelo Legislativo, fiscalizadas pelo MP e examinadas pelos Tribunais, são obras da sociedade como um todo. Afinal, qualquer pessoa alfabetizada sabe que, nos termos da Constituição Federal TODO PODER EMANA DO POVO.

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