Tortura na Febem

Arquivamento de inquérito de tortura na Febem causa protesto

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21 de outubro de 2005, 10h42

Um grupo de entidades de Direitos Humanos redigiu uma carta aberta em que protesta contra o arquivamento do inquérito policial que investigava as denúncias de tortura no presídio de Tupi Paulista, para onde foram levados alguns internos da Febem-SP.

Além do arquivamento do inquérito por crime de tortura, foi aberto um novo inquérito, desta vez contra os internos da entidade, para apurar o crime de denunciação caluniosa. Os internos da Febem transferidos para Tupi Paulista são maiores de 18 anos e cumprem medidas sócio-educativas por atos infracionais que cometeram quando eram adolescentes.

“É inédito e totalmente improvável que os jovens tenham arquitetado um plano de auto-flagelação visando à falsa incriminação dos agentes penitenciários”, afirmam Antonio Maffezoli Leite, Frederico dos Santos e Ariel de Castro Alves, que assinam o texto. Eles são, respectivamente, coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do CONDEPE – Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana, presidente do CONDEPE e conselheiro nacional do MNDH – Movimento Nacional de Direitos Humanos.

No texto, eles destacam que integrantes do Ministério Público Federal e da Procuradoria de Assistência Judiciária estiveram no presídio, no interior paulista, e constataram as agressões aos internos. Eles argumentam ainda que os depoimentos das supostas vítimas foram tomados dentro da unidade, o que facilitaria que eles fossem alvo de pressão dos acusados.

Para as entidades, a tese de complô dos internos, que teriam se auto-flagelado para tentar incriminar os funcionários da Secretaria de Administração Penitenciária, é absurda e contraria o histórico de violência dentro das unidades da Febem e do sistema prisional brasileiro. O caso deve ser discutido nesta sexta-feira (21/10) na Comissão de Direitos Humanos da OEA – Organização dos Estados Americanos.

Leia a íntegra da nota divulgada pelas entidades de defesa dos Direitos Humanos

As entidades de direitos humanos vêm, por meio desta, manifestar profunda preocupação com arquivamento do inquérito policial que investigava a prática do crime de tortura contra jovens que cumpriam ou cumprem ilegalmente medidas sócio-educativas no Presídio de Tupi Paulista. Preocupação ainda maior ocorre em virtude da instauração de outro inquérito policial para apurar eventual cometimento, pelos jovens, do crime de denunciação caluniosa.

É inédito e totalmente improvável que os jovens tenham arquitetado um plano de auto-flagelação visando à falsa incriminação dos agentes penitenciários.

Membros de diversas entidades de direitos humanos, da Procuradoria de Assistência Judiciária e do Ministério Público Federal visitaram aquela unidade prisional e puderam verificar as lesões cometidas e ouvir dos jovens a confirmação de que foram torturados pelos agentes penitenciários. Num segundo momento, já com as investigações em curso, os jovens relataram que os policiais tomaram os depoimentos deles nas dependências do próprio presídio, em salas que permaneciam abertas, permitindo a aproximação de qualquer dos agentes penitenciários que estavam sendo investigados. Alguns jovens também relataram – já naquela ocasião – que os policiais lhes faziam promessas de transferência para São Paulo, caso negassem as acusações de tortura. No entanto, a maioria dos depoimentos confirmaram as denúncias de tortura.

Também destacamos que a suposta auto-flagelação contraria todo o histórico de praticas comprovadas de tortura dentro da Febem que nos últimos 5 anos já resultaram em processos criminais por tortura contra mais de 200 funcionários e centenas de procedimentos investigatórios que jamais demonstraram auto-flagelação e sim comprovaram lesões, maus-tratos e tortura. A prática sistemática de tortura na instituição já foi amplamente denunciada pelas entidades e devidamente comprovadas pelos promotores da infância e juventude da capital e de Ribeirão Preto, entre outros. Os casos também já foram relatados em vários documentos da ONU (Organização das Nações Unidas) e da Anistia Internacional. Inclusive, alguns dos casos serão discutidos nesta sexta-feira (21/10) na reunião da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização do Estados Americanos), em Washington (EUA).

Nos causa estranheza também que em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa de São Paulo ocorrida em junho (portanto, há 4 meses!), o diretor do Presídio de Tupi Paulista já antecipava que o inquérito policial iria concluir pela auto-flagelação dos jovens, que iriam responder por crime de denunciação caluniosa.

É histórica, também, a dificuldade que as entidades de direitos humanos constatam em todas as apurações contra policiais, agentes penitenciários e funcionários da Febem que envolvem crimes de tortura ou homicídios, vide os casos emblemáticos do massacre do Carandiru, de Eldorado dos Carajás, 42º DP, entre outros, que demoraram anos para indicar a culpabilidade de agentes públicos pelas torturas e assassinatos cometidos.

Assim, diante de mais uma demonstração da impossibilidade de se ver no Estado de São Paulo uma apuração isenta dos fatos relatados pelos jovens, as entidades abaixo assinadas estão, no momento, juntamente com a Conectas Direitos Humanos e a AMAR (Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco) analisando a viabilidade de representarem à Procuradoria Geral da República solicitando a federalização da apuração e do julgamento dos referidos fatos.

Antonio Maffezoli Leite

Coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do CONDEPE (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana)

Frederico dos Santos

Presidente do CONDEPE (Conselho Estadual dos Direitos da Pessoa Humana)

Ariel de Castro Alves

Conselheiro Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)

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