Proteção à concorrência

Cade deve ficar atento para os efeitos dos oligopólios

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21 de outubro de 2005, 16h29

Reconhecidamente, cartéis sempre foram o ponto de maior preocupação das autoridades mundiais de concorrência dentre todo o leque de práticas anti-concorrenciais existentes. A edição de uma das primeiras legislações concorrenciais da história, o Sherman Act norte americano de 1890, visava combater cartéis que, já naquele aquele tempo, operavam através da formação de grandes trustes, especialmente os relacionados à produção e comercialização de óleo, açúcar, tabaco e whisky. A eliminação da concorrência e fixação de preços supra-normais por parte desses trustes despertaram o congresso americano para a necessidade da proteção direta do instituto da concorrência e, conseqüentemente, indireta do consumidor.

Desde então políticas de defesa concorrencial evoluíram à sombra do desenvolvimento econômico, passando a englobar diversas práticas reconhecidamente prejudiciais ao bem estar social. A lei de proteção de defesa da concorrência passou a analisar, com cuidado, não somente restrições horizontais, mas também restrições verticais. O controle preventivo de concentrações também passou a ser matéria de escrutínio público com a edição de outro ato legislativo pioneiro norte americano, o Celler Kefauler Act de 1950 (posteriormente alterado pelo Hart-Scot Rondino Act de 1976, que instituiu o controle preventivo de fusões).

Não obstante toda essa evolução, um tema ainda gera grande controvérsia entre doutrinadores e juristas devido à impossibilidade de extensão da jurisdição legal concorrencial a referidas práticas. Trata-se do comportamento colusivo ou coordenação tácita entre concorrentes.

Ao contrário do que se pode verificar em cartéis, donde se evidenciam acordos formais ou informais, o comportamento colusivo pressupõe, simplesmente, uma atitude econômico-racional de empresas em busca do objetivo maior inerente à moderna organização industrial capitalista: o lucro.

A idéia do comportamento colusivo é explicada por modelos econômicos diversos, mas encontra seu ponto fundamental de sustentação na teoria dos jogos e no Equilíbrio de Nash. Dessa forma, em estruturas oligopolistas, empresas consideram as práticas empresariais de seus concorrentes, especialmente no que tange preço e produção, para fixação de sua própria política empresarial. Assim, empresas reconhecem, baseadas em estudos empíricos, sua estratégia dominante, ou em outras palavras, a melhor estratégia de preços ou produção em vista da estratégia de seus competidores.

Comportamentos colusivos são caracterizados, portanto, por ações independentes de um agente, ainda que consciente da estratégia de seus competidores. A empresa adota uma estratégica lógica em busca de maior lucratividade.

Exemplos de comportamentos colusivos verificam-se no dia a dia das empresas participantes de mercado oligopolista. A fim de se estabelecer produção ou preço de um modelo de automóvel, por exemplo, a Volkswagen não pode ignorar as projeções ou expectativas da Ford para maximização de seus lucros, e vice-versa.

Outro exemplo que também parece sugerir comportamento colusivo trata-se dos recentes aumentos anunciados por Varig, Tam e Gol nas suas tarifas aéreas. A Varig foi a primeira empresa a anunciar o aumento dos preços de seus bilhetes, um reajuste anunciado no dia 4 de agosto de cerca de 10%. As demais empresas participantes do mercado, Tam e Gol, anunciaram seus aumentos nos mesmos patamares poucos dias após o anúncio da Varig.

Sem adentrar em detalhes da justificativa do aumento, reconhecida pelas empresas como aumento de seu custo variável em decorrência do aumento do preço dos combustíveis, e sem adentrar na discussão de mérito com relação ao nível de preços, a qual requer análise econômica apurada, é inegável que o curto período de tempo entre os anúncios de reajuste e o semelhante nível percentual de aumento anunciado, tendo-se em vista um mercado oligopolista, sugerem reconhecimento das estratégias dominantes das empresas concorrentes no mercado, ou, em outras palavras, comportamento colusivo.

Contudo, não se pode perder de vista que referidas empresas agem dentro da legalidade do sistema concorrencial brasileiro ao pautarem suas decisões independentemente, ainda que levem em conta, para referida decisão, a “provável” estratégia de seus concorrentes.

Quisessem as autoridades concorrenciais proceder à investigação do nível de preços praticado aos consumidores, entrariam em seara delicada e de difícil comprovação econômica e justificação legal, pois arbitrar-se o conceito de lucro excessivo é poder ainda não exercido pelas autoridades concorrenciais brasileiras.

Quisessem, por outro lado, investigar coordenação expressa ou cartel, evidências acerca de comportamento acertado não independente das empresas deveriam ser trazidas à baila. Se, por um lado, tal comportamento acertado pode parecer facilitado em vista das recentes colaborações em compartilhamento de vôos por Varig e Tam, por outro lado parece haver fortalecimento da concorrência em decorrência da entrada e crescimento da Gol. O fato é que parece insensato se cogitar de cartel em referido segmento de mercado.

Diante das limitações legais e do tênue liame existente entre a proteção da defesa concorrencial e os direitos constitucionais à propriedade e à exploração de atividade comercial, evidencia-se a inexistência de controle repressivo direcionado à coordenação tácita entre concorrentes quando da verificação de prejuízos ao sistema concorrencial.

A alternativa que se tem verificado plausível e intensamente estimulada, principalmente na Comunidade Européia, é o controle preventivo de fusões tendentes a criar estruturas oligopolistas facilitadoras de coordenação entre concorrentes. Assim, remédios estruturais ou comportamentais poderiam ser impostos a propostos atos de concentração, não somente pelo perigo do exercício do poder unilateral de mercado, mas também pela possibilidade de facilitação da coordenação entre concorrentes.

Dessa forma, mais do que lamentar-se pela existência de um “gap oligopolista” na legislação concorrencial, as autoridades, dentre as quais o Cade, devem manter-se atentas para os efeitos esperados de concentrações. E a única forma de se mensurar a possibilidade de coordenação entre concorrentes é através do uso de modelos econométricos voltados à especulação acerca dos efeitos concorrenciais de eventuais operações. Essa parece ser, até o momento, a única forma de se lidar com comportamentos colusivos que tragam prejuízo ao bem estar social e ineficiência alocativa e distributiva aos mercados.

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