Porque não

Suprimir direitos não contribui para reduzir a violência

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20 de outubro de 2005, 11h47

A discussão sobre o desarmamento que toma conta do país dias antes do referendo imprimiu um aspecto positivo no inconsciente coletivo da sociedade brasileira ao jogar em suas mãos a decisão sobre o assunto, sem se limitar aos interesses de uma maioria parlamentar no Congresso Nacional, que sabe-se lá com base em que fundamentos é formada.

Seja qual for o resultado da votação do próximo domingo, a cidadania se reafirma soberana de suas vontades na saudável prática da legítima consulta popular. Cenas de democracia explícita como estas poderiam repetir-se no debate nacional de outros temas importantes para a vida brasileira.

Embora prevista pelo Estatuto do Desarmamento em dezembro de 2003, a escolha sobre a proibição ou não do comércio de armas e munições tem sido usada, do ponto de vista do marketing, como estratégia do governo federal que vê na campanha um conteúdo a ser explorado na presidencial do próximo ano, no caso de vitória do “sim”.

Se assim o for, qualquer redução do índice de homicídios acidentais daqui até lá, mais do que comemorada do ponto de vista humano, será utilizada na publicidade eleitoral da sucessão do presidente da República.

O referendo popular foi inserido no artigo 35 do Estatuto por pressão de pessoas e organizações defensoras da proibição do comércio, temerosas de que a decisão intramuros no poder Legislativo estaria mais permeável ao lobby da indústria armamentista.

O governo procura “apoderar-se” da iniciativa para mostrar ao país e à comunidade internacional mais um ponto de sua agenda humanitária ao lado do combate à fome. Com o festival de denúncias de corrupção que nos espantam há meses, o referendo se transformou também em ferramenta para desviar a atenção dos escândalos que já derrubaram dezenas de pessoas entre dirigentes de estatais e deputados ligados ao Executivo, seja por renúncia a cargos e mandatos ou demissão e risco de cassação.

Lobby por lobby, a vitória dos defensores do “sim” lá em 2003 pode revelar-se um tiro no pé. As pesquisas hoje mostram que a população, sem tirar o olho das notícias sobre a corrupção em Brasília, não quer abrir mão dos poucos direitos que lhe restam, como a legítima defesa de sua vida e de sua família.

Ao apoiar a campanha do “sim” o governo se revela um aliado incômodo, pois muitos poderão votar no “não” em protesto contra sua figura institucional, mais que por discordar de sua política de segurança pública, que também tem deixado muito a desejar.

Não é fácil para um magistrado manifestar-se sobre o direito ao porte de armas, já que o Poder Judiciário o tem garantido pela Constituição, assim como outras profissões. Mas justamente por ser juiz há 36 anos creio poder falar sobre direitos. E não me parece que suprimir mais um contribuirá para reduzir a violência no país. O preço da manutenção dos direitos do cidadão é a consciência da sua responsabilidade na hora de exercê-los.

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