Execução penal

Não basta bom comportamento para obter progressão de regime

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20 de outubro de 2005, 12h03

Questão tormentosa que tem sido muito discutida ultimamente, no campo da execução penal, diz respeito ao exame do mérito do reeducando para a progressão de regime.

O artigo 112 da Lei de Execuções Penais, que teve sua redação alterada pela Lei 10.792/03, não mais exige o prévio parecer da Comissão Técnica de Classificação e o exame criminológico do reeducando, para a instrução do pedido de progressão de regime.

Contudo, é certo que o mencionado dispositivo legal exige, agora, que o reeducando, para ser beneficiado com a progressão de regime prisional, deve, além do requisito de ordem objetiva, temporal, ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento prisional. Como se observa, não basta que a direção do estabelecimento penal ateste que o preso possua bom comportamento carcerário.

Mas, como ensina Júlio Fabbrini Mirabete, “não basta o bom comportamento carcerário para preencher o requisito subjetivo indispensável à progressão. Bom comportamento não se confunde com aptidão ou adaptação do condenado e muito menos serve como índice fiel de sua readaptação social” (in Execução Penal, 11ª Edição, Ed. Atlas, pág. 423).

O reeducando, enquanto preso e sob o poder de coerção do Estado pela administração penitenciária, vai se portar conforme as regras do presídio. Sob coerção todos se portam conforme o regramento.

“Ensina Hans Göbbels:

“O bom comportamento de um preso não pode ser determinante imediata para estabelecer-lhe um prognóstico biológico-social favorável, principalmente porque tal ‘comprovante’ de melhoria se baseia fundamentalmente em informes de funcionários de prisões, fornecidos pouco antes da liberação, e que se atêm ao bom comportamento externo, a fim de facilitar a readaptação sem inconvenientes ao termo da condenação. Mas este comportamento externo só de forma incompleta permite tirar conclusões sobre o caráter e a conduta futura do preso. Na verdade, a adaptação do sentenciado à organização do estabelecimento se deve a vários e múltiplos fatores simultâneos e justapostos, e somente a verificação dos motivos predominantes permitirá uma conclusão motivada sobre o caráter”. É necessário, pois, que se conheça a capacidade provável do condenado de adaptar-se ao regime menos rigoroso, não bastando o seu bom comportamento” (Apud Júlio Fabbrini Mirabete, ob. cit., pág. 423/424).

“Contentar-se com o ‘bom comportamento’ carcerário para essa progressão é transformar o sistema progressivo em mera aparência, com grandes danos para a ressocialização do condenado e a segurança da comunidade” (RT 628/301 – Rel. Des. Dante Busana).

Para a progressão de regime, portanto, é necessário que, através de prova documental, laudos periciais ou outra prova técnica adequada, se comprove méritos duradouros do reeducando à progressão, ou seja, que está apto a ingressar no novo regime, que já tenha adquirido valores suficientes para desenvolver o senso de responsabilidade, o ânimo de se melhorar e a disposição de abandonar o mundo da criminalidade, exigível para o ingresso em regime mais brando, com natural afrouxamento da vigilância estato-prisional.


Mas, por outro lado, não se pode dizer que a nova lei violou o princípio constitucional da individualização da pena.

A Carta Magna conferiu ao legislador ordinário competência para dispor sobre a individualização da pena (artigo 5º, XLVI).

E a novel legislação não excluiu a aferição do mérito do condenado como requisito a ser observado para a progressão de regime. E nem poderia, porque o mérito do reeducando, nos termos da exposição de motivos da Lei de Execução penal, é “o critério que comanda a execução progressista” (item 29) (Apud Júlio Fabbrini Mirabete, ob. cit., pág. 423).

De fato, como já dito, a nova lei não mais exige o prévio parecer da Comissão Técnica de Classificação e o exame criminológico do reeducando para a instrução do pedido de progressão de regime, sendo bastante, além do requisito temporal, a comprovação de bom comportamento carcerário pelo diretor do estabelecimento prisional.

Isso, no entanto, não pode significar restrição ou interferência no poder jurisdicional e no livre convencimento do juiz da execução, que ficaria adstrito a parecer administrativo ou a mero atestado de conduta carcerária emanado de autoridade administrativa, em flagrante violação ao princípio da independência dos Poderes da República, Estado Democrático de Direito que é, subtraindo do Estado Juiz a direção do processo judicial de execução penal, porquanto, em decorrência do princípio da jurisdicionalidade da execução penal, adotado pela Lei de Execução Penal, nos artigos 2º, caput, e 194, cabe somente ao Juiz da Execução Penal valorar o aproveitamento e absorção da laborterapia penal do reeducando, promovendo-o ou regredindo-o de regime prisional.

Dessa forma, o magistrado, ao analisar os pedidos de progressão, não fica adstrito ao conteúdo do atestado ou da documentação fornecida pelo diretor da unidade prisional.

Em havendo, pois, dúvida quanto ao mérito do condenado, a despeito da nova redação dada pela Lei 10.792/03 aos artigos 6º e 112 da Lei de Execuções Penais, deve o magistrado determinar a realização de outras provas, como faculta o artigo 196, § 2º, da LEP (não estando o juiz vinculado a qualquer documento para tal fim), com o objetivo de obter mais subsídios para a concessão do benefício, ou seja, ficará a cargo do juiz da execução analisar se as provas então apresentadas são suficientes ou não para demonstrar o mérito do reeducando.

Neste sentido, a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS COM A NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 10.792/2003. PROGRESSÃO DE REGIME. EXAME CRIMINOLÓGICO.


Muito embora a nova redação do art. 112 da Lei de Execuções Penais, dada pela Lei n.º 10.792/2003, não exija mais o exame criminológico, esse pode ser realizado, se o Juízo das Execuções, diante das peculiaridades da causa, assim o entender, servindo de base para o deferimento ou indeferimento do pedido (Precedente). Writ denegado” (HC 40.278/PR; HABEAS CORPUS 2004/0176250-1 – Relator(a) Ministro FELIX FISCHER (1109) – Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA – Data do Julgamento 07/04/2005 – Data da Publicação/Fonte: DJ 20.06.2005 – p. 313).

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. ART. 112 DA LEI DE EXECUÇÕES PENAIS, COM A NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI N.º 10.792/2003. PROGRESSÃO DE REGIME. EXAME CRIMINOLÓGICO. POSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO QUANDO AS PECULIARIDADES DA CAUSA ASSIM O RECOMENDAREM.

1. O art. 112 da Lei de Execução Penal, com sua nova redação, dada pela Lei n.º 10.792/93, dispõe ser necessário, para a concessão da progressão de regime, apenas o preenchimento cumulativo dos requisitos objetivo – tiver cumprido ao menos 1/6 (um sexto) da pena no regime anterior – e subjetivo — ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento –, sem tratar sobre a necessidade do exame criminológico.

2. Contudo, a realização do referido exame pode perfeitamente ser solicitada pelo Juízo das Execuções, quando as peculiaridades da causa assim o recomendarem, atendendo-se, assim, ao princípio da individualização da pena, prevista no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal. 3. Ordem denegada” (Processo HC 42.513/PR; HABEAS CORPUS 2005/0041790-9 – Relator(a) Ministra LAURITA VAZ (1120) – Órgão Julgador T5 – QUINTA TURMA – Data do Julgamento 28/06/2005 – Data da Publicação/Fonte: DJ 29.08.2005 – p. 386).

Resumindo: à luz da Lei Federal 10.792/03, a aferição do merecimento do reeducando passou, pois, de norma de competência vinculada à regra de competência discricionária, sem qualquer violação à norma constitucional, ou seja, o novo texto legal tão-somente suprimiu a obrigatoriedade dos exames técnicos, não obstando, contudo, que o julgador, no exercício da jurisdição e à luz do caso concreto, determine sua realização sempre que entenda necessário para avaliar o mérito do reeducando.

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