Comércio de armas

Cidadão comum já não pode andar armado na rua

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19 de outubro de 2005, 11h41

Este texto não pretende apresentar argumentos favoráveis ou contrários ao resultado do referendo, mas tão-somente trazer esclarecimentos para dúvidas muito comuns das pessoas relativas às regras atuais sobre as armas e munições.

Muito assusta a desinformação geral relativamente à legislação que trata da aquisição e do porte de armas de fogo. Como pode um cidadão ser consultado sobre a proibição da venda de armas se ele não conhece quais são as regras atuais sobre o tema e como ficarão as regras após o resultado do referendo? É mais ou menos como indagar se o sujeito prefere um sofá da cor cáqui ou salmão, sendo que ele desconhece ambas as cores. Em princípio, ele responderia que salmão é um peixe, e que cáqui poderia até ser uma fruta (se pronunciado como oxítona), no entanto, ele terá obrigatoriamente que escolher entre uma das duas cores. Útil, assim, um roteiro jurídico sobre o tema das armas, para que se possa votar o referendo de maneira consciente.

No sistema jurídico brasileiro, somente a Lei obriga as pessoas. Essa é a premissa básica. Decretos, Instruções Normativas, Expedientes etc também regulam condutas, mas somente a Lei pode inovar no sistema jurídico com caráter obrigatório. E isso é assim em virtude de um dos incisos mais importantes do artigo 5º da Constituição em vigor, que subordina todo e qualquer veículo introdutor de normas no país: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CF/88).

Dessa forma, a conduta relacionada com a aquisição e porte de armas, portanto, não poderia deixar de ser regulada por uma lei, como de fato o é. Trata-se, atualmente, da Lei 10.826/03. Para acessar o conteúdo da lei, que não é extenso, basta entrar no site www.planalto.gov.br, clicar em legislação e encontrá-la pela busca de ano (2003).

Em primeiro lugar, é importante diferençar os termos técnicos “registro” e “porte” usados pela lei. Na linguagem comum essas palavras às vezes são confundidas, mas tecnicamente, de acordo com a lei, possuem significação própria. “Registro” é o documento expedido pelas autoridades que dá direito ao proprietário “a manter a arma de fogo exclusivamente no interior de sua residência ou domicílio, ou dependência desses, ou, ainda, no seu local de trabalho, desde que seja ele o titular ou o responsável legal pelo estabelecimento ou empresa” (artigo 5º da Lei 10.826/03). Já o “Porte” refere-se ao direito de efetivamente transitar com a arma, mesmo fora de casa ou fora do estabelecimento da empresa (artigo 6o, parágrafo 1o, da referida Lei).

Esse direito de porte (andar com a arma de fogo na rua, por exemplo), atualmente, só existe para os integrantes das Forças Armadas, Policiais, Empresas de Segurança e Transporte de Valores etc. O rol dessas pessoas autorizadas está disposto no artigo 6º da lei em questão. Qualquer outra pessoa não pode portar arma, sob pena de cometer o crime do artigo 14 da lei (porte ilegal).

Assim, mesmo aquele que possua o “registro” não poderá andar com a arma na rua (“porte”). Poderá, apenas, manter a arma de fogo em casa ou no estabelecimento empresarial. Portanto, é importante observar que o “porte” de arma já é proibido no Brasil, conforme o mencionado artigo 6º: “É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para…”. Somente os órgãos autorizados pela lei (Polícia, Exército etc.) é que podem portar arma. Para alguns, essa informação pode parecer óbvia, mas para muitos não é tão evidente assim.

E quanto ao “registro” da arma (direito de mantê-la exclusivamente no interior de casa ou da empresa), quem pode obtê-lo? A resposta está na Lei, pois, conforme ressaltado acima, somente a lei obriga ou desobriga no Brasil. O artigo 4º da Lei 10.826/03 traz os requisitos para aquele que quiser adquirir uma arma: “– comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal; II – apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa; III – comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei”. Quem preencher esses requisitos poderá comprar a arma e obter o registro, sem, contudo, adquirir o direito de portar essa arma (andar com a arma).

Mais uma vez: só os órgãos autorizados pela lei podem portar arma (Polícia, Forças Armadas etc.), conforme já afirmado e agora repetido, com o perdão da redundância, para que fique bem claro.

Quem não puder registrar a arma, mediante o preenchimento dos requisitos mencionados, não poderá adquiri-la, caso contrário cometerá o crime definido no artigo 12 da Lei 10.826/03 (posse ilegal de arma), já que toda arma deve ser registrada no órgão competente (artigo 3o da lei).

Demonstradas as regras atuais, passa-se ao exame das regras futuras, que vigorarão após o resultado do referendo.

O referendo das armas, ao contrário do que muitos pensam, não é uma invenção atual do Governo. A ocorrência do referendo foi determinada em dezembro de 2003, por imposição da mesma Lei 10.826/03. Dispôs essa lei no artigo 35:

“Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei.

§ 1o Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005.

§ 2o Em caso de aprovação do referendo popular, o disposto neste artigo entrará em vigor na data de publicação de seu resultado pelo Tribunal Superior Eleitoral.”

Como se percebe, já existe um dispositivo legal proibindo a comercialização de armas e munição no território nacional. Contudo, ele ainda não tem vigor e, portanto, ainda não se aplica às condutas humanas, porque depende de aprovação do referendo. Somente no caso do referendo validar esse dispositivo é que ele começará a vigorar no país. Portanto, somente se o “SIM” ganhar a votação é que o art. 35, supracitado, terá vigor.

Como se viu acima, o “porte” de arma já é proibido pela Lei 10.826/03. Somente a Polícia e os órgãos autorizados é que podem portar armas. Aqueles que podem “registrar” arma somente têm o direito de mantê-la no interior da residência ou do estabelecimento empresarial. Então o que mudará caso a proibição de comercialização acima ganhe vigor? A resposta está, mais uma vez, na mencionada Lei.

Se o artigo 35 for referendado pelo “SIM”, a comercialização de armas e munição ficará proibida a partir da data da publicação do resultado da votação pelo Tribunal Superior Eleitoral, salvo, claro, a comercialização para as Forças Armadas, a Polícia e demais entidades que podem hoje portar arma (pois expressamente excepcionados pelo artigo 35: “É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no artigo 6º desta Lei”.

O cidadão não integrante de tais órgãos (o cidadão “comum”), contudo, não poderá mais adquirir armas ou munição. Essa é a mudança que o resultado do referendo trará, bastando, para tanto, a publicação do resultado da votação pelo TSE (artigo 35, parágrafo 2o, da Lei 10.826/03).

Se o artigo 35 não for referendado pelo “SIM” (caso ganhe a votação do “NÃO”), então as regras permanecerão como hoje estão, ou seja, as pessoas comuns continuarão a poder adquirir arma, mas somente para mantê-la no interior de casa ou do trabalho, e desde que preencham os requisitos da lei, continuando a ser crime o porte. Para a Polícia, Forças Armadas etc., não fará qualquer diferença, pois elas já podem e continuarão podendo adquirir e portar armas. Dessa forma, seja qual for a opinião do leitor sobre o assunto, o importante é que vote conhecendo as implicações jurídicas do referendo. Ou seja, conhecendo quais as regras jurídicas que estão em vigor e quais entrarão em vigor após o referendo. Boa votação.

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