Plano de saúde

Programa de qualificação da ANS fere a livre concorrência

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18 de outubro de 2005, 11h46

A Constituição Federal de 1988, ao tratar em seu Título VII sobre a Ordem Econômica e Financeira e, pontualmente, no Capítulo I do referido título, dos Princípios Gerais da Atividade Econômica, prevê em seu artigo 170 que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: I — soberania nacional, II — propriedade privada, III — função social da propriedade e IV — livre concorrência”, dentre outros previstos nos incisos seguintes que não cabem ser analisados para o propósito destas breves considerações.

Assim prima o texto constitucional pela proteção da livre concorrência de mercado o que significa que vedada está a concorrência desleal bem como a intervenção de órgãos públicos no sentido de favorecimento de uma empresa ou de uma atividade em detrimento de outra. Aliás, a legislação nacional, como um todo, segue os princípios da livre concorrência, sendo poucos os casos de intervenção governamental para o controle da atividade privada, o que se dá, v.g., quando da formação de cartel ou da prática de dumping, quando então a ingerência é necessária e saudável.

A ANS — Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia criada no ano de 2000 para a regulação das atividades das empresas operadoras de planos de saúde e de seguro saúde, para promover o cumprimento do texto da Lei Federal 9.656/98 e das normas regulamentares, colocou em prática, no ano de 2004, o denominado “programa de qualificação”. O programa tem como finalidade principal avaliar inicialmente as empresas do setor segundo a qualidade da atenção à saúde, qualidade econômico-financeira, qualidade de estrutura e operação e satisfação dos beneficiários.

Promovendo a avaliação de cada operadora de planos de saúde e empresas de seguro saúde, segundo os critérios acima referidos, devemos analisar a conseqüência desta atuação sob dois aspectos. Um positivo e outro negativo. O positivo vem no sentido de que assim agindo poderá a ANS obter dados estatísticos até então não levantados e municiar o consumidor de informações para que este possa, após prévia consulta à autarquia, via site por exemplo, optar pela empresa que melhores condições apresentar já que a ANS noticia em seu site, de forma pública portanto, uma nota para cada empresa e segundo os critérios estabelecidos. De outro lado o programa de qualificação se revela como um verdadeiro despropósito jurídico, eivado que está, desde o nascedouro, da nulidade máxima, qual seja a sua patente inconstitucionalidade.

Certo é que o Estado deve ter instrumentos hábeis e eficazes para, em sendo o caso, intervir na economia do país, quer de maneira geral quer pontualmente em determinados setores. O artigo 174 da Constituição Federal é exemplo disso já que dispõe que “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado”. Contudo, ao conferir uma nota para cada operadora interfere o Estado na livre concorrência, elevada à condição de princípio constitucional no artigo 170, inciso IV.

Evidentemente que a iniciativa, de origem e intenção salutares, se afasta da norma constitucional já que fará com que as empresas com maior capacidade financeira tenham, provavelmente, as melhores avaliações e notas, gerando este procedimento, cada vez mais, o enfraquecimento das menores, e não por isso piores, empresas do setor.

Assim é que o programa seria interessante para que a ANS obtivesse melhores dados técnicos deste específico e complexo mercado, mas no momento em que é conferida uma nota às empresas e esta é tornada pública, fere, o procedimento, as normas de mercado, como, explicitamente, o artigo 1º da Lei Federal 8.158, de 8 de janeiro de 1991, lei que instituiu normas para a defesa da concorrência mostrando a preocupação do legislador em preservar a competição justa, transparente e sem favorecimentos.

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