Cobrança indevida

DirectTv não pode impor contratação de assistência técnica

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18 de outubro de 2005, 13h17

Empresa de televisão por assinatura não pode impor ao consumidor a contratação de serviço de assistência técnica. O entendimento é do 3º Juizado Especial Cível de Brasília, que anulou cláusula contratual da DirectTv e também determinou que a empresa devolva em dobro as tarifas cobradas pelo serviço que o cliente não contratou.

O advogado Humberto Vallim entrou com ação contra a Galaxy Brasil (razão social da DirectTv). Ele alegou que pagava R$ 4,90 por mês de taxa de assistência técnica prevista na cláusula 5 do contrato, que diz que “o cliente pagará pela assistência técnica, taxa mensal ou anual conforme tabela em vigor e ficará isento de quaisquer cobranças por ocasião de visitas técnicas”.

A ação sustentava que o consumidor não pode ser obrigado a contratar serviço e que, o valor indevido foi automaticamente cobrado por meio de débito em conta. As informações são do Espaço Vital.

Conforme a decisão, “o fato de o consumidor ter contratado visando usufruir do fornecimento de TV por assinatura, não autoriza a parte ré, mediante contrato de adesão, a impor ao autor o fornecimento de outro serviço, mesmo que de valor ínfimo se comparado ao da contratação principal”.

Leia a íntegra da decisão

Processo : 2005.01.1.064032-6

Vara : 1403 – TERCEIRO JUIZADO ESPECIAL CIVEL

Dispensado o relatório, nos termos do artigo 38, “caput”, da Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Trata-se de AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE NULIDADE CONTRATUAL c/c REPETIÇÃO DE INDÉBITO proposta por HUMBERTO VALLIM contra GALAXY BRASIL LTDA (DIRECTV), ambos qualificados nos autos à f. 02.

O requerente pleiteia, em síntese, a declaração de nulidade de cláusula contratual que condiciona o serviço contratado desejado com outro igualmente prestado pela empresa ré. Requer, ainda, a devolução em dobro de qualquer valor cobrado indevidamente.

A ré, por outro lado, afirma que a cláusula em debate não é abusiva, vez que possibilitou ao autor a opção em contratar de forma diversa. Aduz, ainda, que a aludida cláusula é vantajosa para o consumidor, na medida que o valor cobrado por aquele serviço avulso corresponde a quase dez vezes mais do que o montante pago mensalmente a título do adimplemento contratual. Refuta, por fim, a possibilidade de o autor requerer em nome próprio direito alheio, haja vista pretender a exclusão da cláusula para todos aqueles consumidores que se encontrem em situação similar.

O Código de Defesa do Consumidor – Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, instituiu subsistema jurídico autônomo, dotado de princípios próprios, destinado a regular as “relações de consumo”. Os sujeitos desta particularizada relação jurídica são:

a) consumidor, considerado como “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, cuja definição padrão ou “standard” está prevista no artigo 2º, “caput” do Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, nesse mesmo diploma legal, encontram-se, por equiparação à definição padrão ou “standard”, mais três DEFINIÇÕES de consumidor, a saber: 1. Coletividade (artigo 2º, parágrafo único); 2. Vítimas de acidentes de consumo (artigo 17); 3. Todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais ou à proteção contratual (artigo 29);

b) fornecedor, admitido como “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”, nos termos do artigo 3º, “caput” do Código de Defesa do Consumidor.

No tocante ao objeto da relação jurídica de consumo, esse será sempre e necessariamente um produto (qualquer bem móvel ou imóvel, material ou imaterial) ou um serviço (qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, excluídas as relações trabalhistas), cujas respectivas definições estão expressas no artigo 3º, §§ 1º e 2º do Código de Defesa do Consumidor.

Destarte, cuida-se de relação de consumo, submetida ao crivo do Código de Defesa do Consumidor, porquanto presentes todos os seus elementos. Imperativa a aplicação da Lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, ao caso em análise, vez que é regida por normas de ordem pública e interesse social (artigo 1º), inclusive com o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor (artigo 4º, inciso I) e cláusula geral de boa-fé objetiva (artigo 4º, inciso III).

Não é outro o entendimento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios:

“…PROCESSUAL CIVIL. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. CONSUMIDOR. CONCEITO. CDC. APLICAÇÃO. INADEQUAÇÃO DO SERVIÇO PRESTADO. ÔNUS DA PROVA.


1. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

2. Tratando-se a relação estabelecida entre fornecedor-consumidor como de consumo, pois consubstancia-se em prestação de serviços devidamente remunerada, impõe-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor…”(APC nº 2000.01.1.030092-9/DF. Órgão Julgador: 4ª Turma Cível. Relatora: Vera Andrighi. Publicação no DJU em 30/10/2002. p. 62).

Visto que a relação ora tratada deve ser submetida ao crivo das normas constantes no Código de Defesa do Consumidor, passemos a análise do mérito. O âmbito da causa está restrito à validade ou não de cláusula contratual em que condiciona o serviço principal prestado a outro igualmente desenvolvido pela ré. Ora, a parte autora contratou com a requerida visando usufruir de uma prestação de serviço relativo a TV por assinatura, mas, em contrapartida, lhe foi imposta pela cláusula quinta do contrato em discussão um serviço de assistência técnica.

Diante do contexto fático apresentado, percebe-se facilmente que estamos diante de um contrato de adesão em que a parte mais vulnerável, isto é, o consumidor, apenas adere a cláusula predisposta pelo fornecedor do serviço. O que, por si só, deve impor maior rigor na apreciação do mencionado contrato, eis que há desequilíbrio entre as partes, inerente à própria relação estabelecida. A autonomia da vontade, assim, resta mitigada, sobretudo pela função social do contrato.

Eis o teor do artigo 54, “caput” da Lei Federal nº 8.078/90:

“art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo.”

Portanto, há que se analisar o contrato em discussão (f. 09-10) à luz dos princípios trazidos pelas normas de proteção ao consumidor. Ora, sabe-se que na relação de consumo a parte mais vulnerável normalmente é o consumidor, que usualmente padece com as atitudes abusivas dos fornecedores. Assim, mesmo que não houvesse disposição legal expressa, poderia o juiz da causa atenuar os efeitos nefastos decorrentes deste desequilíbrio contratual entre fornecedor/ prestador de serviços e o próprio consumidor.

Contudo, a Lei Federal nº 8.078, de 1990, isto é, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 39, inciso I, prevê:

“Art. 39 É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I- condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos.”

Esta prática de associação de um serviço principal a outro (s) de natureza acessória visa obviamente a coagir o consumidor a anuir com o recebimento de bem ou prestação de serviço que não deseja. Estas condutas são freqüentemente adotas pelas empresas de mercado mas não por isso ficaram imunes ao olho do legislador consumerista. É a chamada venda casada, vedada, como visto, pelo CDC.

O fato de o consumidor, in casu, ter contratado visando usufruir do fornecimento de Tv por assinatura, não autoriza a parte ré, mediante contrato de adesão, impor ao autor o fornecimento de outro serviço, na hipótese dos autos, de Serviço Premium. Mesmo que de valor ínfimo se comparado ao da contratação principal. Diante disso, não pode prevalecer esta cláusula de operação casada.

Neste sentido, vale transcrever no que interessa as seguintes ementas proferidas em sede de julgamentos proferidos pelas Turmas Recursais dos Juizados Cíveis e Criminais do Distrito Federal:

“CONSUMIDOR – EMPRÉSTIMO CONDICIONADO A CONTRATAÇÃO DE SEGURO DE VIDA – OPERAÇÃO CASADA – CLÁUSULA ABUSIVA – NULIDADE POR ESTAR EM DESACORDO COM O SISTEMA DE PROTEÇÃO DO CONSUMIDOR –

1. Constitui prática abusiva condicionar o fornecimento de serviço ao de outro, fornecimento e serviço, comparecendo nula de pleno direito qualquer cláusula que assim disponha, por encontrar-se em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.

2. Noutros termos: o inciso I do art. 39 do Codecon veda que se imponha a venda de um produto “X” se, e somente se, o consumidor adquirir também o produto “Y”, retirando-se, portanto, do consumidor, a vontade livre e consciente de contratar, não lhe acudindo outra alternativa: para conseguir o serviço efetivamente pretendido submete-se, sem nenhuma possibilidade de escolha, a imposição do prestador de serviços.

3. Prática conhecida comercialmente como “operação casada”.

4. Sentença mantida por seus próprios e jurídicos fundamentos. (20020110797932ACJ Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do D.F. Relator : JOÃO EGMONT LEÔNCIO LOPES. Publicação no DJU: 17/06/2003 Pág. : 115)


“JUIZADOS ESPECIAIS. PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALEGAÇÃO DE VENDA CASADA. LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. ERRO DE INTERPRETAÇÃO DO CONSUMIDOR.

2. A venda casada e proibida pelo art. 39 do código de defesa consumidor, somente se caracteriza quando o fornecedor condiciona a respectiva liberação à aquisição de um outro serviço ou produto. Isso não acontece quando se disponibiliza cortesia a cargo de outra empresa, sem cláusula obrigatória para a aquisição dos serviços ou produtos.

4. Recurso parcialmente provido”. (ACJ nº 20030110087768. Primeira Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do DF. Relator : ANTONINHO LOPES publicação no DJU: 24/06/2005 Pág. : 137

No que toca a questão referente a extensão da pretensa nulidade da cláusula quinta do contrato de f. 09-10 a todos aqueles consumidores em similar situação, ouso discordar da exposição contida na contestação oral (f. 25-26). Não está aqui nestes autos o autor pleiteando em nome próprio direito alheio. Muito pelo contrário, está pugnando sim por nulidade de cláusula de contrato firmado em seu nome e que apenas gera efeitos em sua própria esfera de direitos. Não consta do pedido feito na exordial qualquer medida que de pronto estenda a outros cidadãos a anulação da referida cláusula. Apenas requereu a intimação da Promotoria de Defesa do Consumidor do Distrito Federal para que tomasse ciência da suposta prática abusiva noticiada nos presentes autos. Portanto, sem razão a ré.

Ademais, qualquer valor pago indevidamente pelo autor como conseqüência da aludida cláusula quinta do contrato deve ser restituída em dobro, nos termos do parágrafo único, do artigo 42, da lei Federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, que assim preceitua: “o consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”

Traz-se à colação julgado da Segunda Turma Recursal dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais do Distrito Federal:

“…CDC…REPETIÇÃO DO INDÉBITO VERSANDO DIREITO PESSOAL RECONHECIDA…LEGITIMIDADE ATIVA…DE REAVER O QUE PAGOU INDEVIDAMENTE – APLICAÇÃO DAS NORMAS DO PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 42 DO CDC – RESTITUIÇÃO DO VALOR INDEVIDO EM DOBRO – ADMISSIBILIDADE…

2. As normas do artigo 42, e de seu parágrafo único, do CDC, têm aplicação no caso, a ensejar a repetição, por valor igual ao dobro do que o consumidor pagou em excesso.” (ACJ nº 2003.01.1.074085-0. Relator: João Batista Teixeira. Publicação no DJU em 24/06/2004. p. 71).

Destarte, cabível a restituição ao requerente, em dobro, do valor eventualmente pago com base na cláusula retrocitada.

Ante o exposto, julgo procedentes os pedidos para declarar nula a cláusula quinta do contrato de f. 09-10 referente a vigência do Serviço Premium e conceder a repetição do indébito, por valor correspondente ao dobro do que o autor eventualmente pagar a título da aludida cláusula, acrescido de correção monetária e juros legais.

Incabível a condenação da parte requerida em custas processuais e honorários advocatícios, conforme determinação do artigo 55, “caput”, da Lei Federal nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

Publique-se.

Registre-se.

Intimem-se.

Brasília-DF, 13 de outubro de 2005 às 16h47.

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