Processo contra Dirceu

Leia o relatório de Júlio Delgado no processo contra Dirceu

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18 de outubro de 2005, 10h14

Se depender do Supremo Tribunal Federal, o deputado Júlio Delgado (PSB-MG) vai ler nesta terça-feira (18/7), às 14h30, seu relatório no processo disciplinar contra o deputado José Dirceu (PT-SP).

Dirceu pediu ao STF que impedisse a leitura do relatório até fosse analisado seu outro pedido, de suspensão do processo disciplinar. Mas o Supremo informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o ministro Sepúlveda Pertence não analisará o pedido nesta terça.

No relatório, o deputado Delgado faz questão de ressaltar que em todo o processo na Câmara dos Deputados foi garantido o direito à ampla defesa, mas não revela se vota contra ou a favor da cassação de Dirceu.

O Plenário do STF vai julgar nesta quarta-feira o pedido de José Dirceu contra o prosseguimento do processo de cassação. A defesa do ex-ministro chefe da Casa Civil se baseia no argumento de que Dirceu não pode ser acusado de quebra de decoro parlamentar por fatos que ocorreram quando ele estava licenciado da Câmara dos Deputados porque ocupava o cargo de ministro.

Leia o relatório de Júlio Delgado

CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR

PROCESSO No 4, DE 2005

(Representação no 38, de 2005)

Representante: Partido Trabalhista Brasileiro – PTB

Representado: Deputado JOSÉ DIRCEU

Relator: Deputado JÚLIO DELGADO

I – RELATÓRIO

Representação do Partido Trabalhista Brasileiro – PTB

Em 2 de agosto deste, o Partido Trabalhista Brasileiro, por meio de seu presidente Flávio Martinez, dirigiu a este Conselho representação requerendo a instauração de processo disciplinar em face de JOSÉ DIRCEU, Deputado Federal pelo PT/SP, como incurso na provisão do art. 55, inciso II, e § 1º da Constituição Federal, combinado com o art. 244 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, e art. 4º, inciso IV, do Código de Ética e Decoro Parlamentar, por considerar que o Deputado fraudou o regular andamento dos trabalhos legislativos, visando a alteração do resultado das deliberações em favor do Governo, praticando atos incompatíveis com o decoro parlamentar.

Arrima-se em depoimentos prestados ao Procurador-Geral da República e à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios por Marcos Valério Fernandes de Souza e Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, em 14 e 16 de julho de 2005, respectivamente. Segundo a Representação, os depoentes informaram que o Deputado José Dirceu, “enquanto licenciado dessa Casa para exercer as funções do cargo de Ministro-Chefe da Casa Civil da Presidência da República, em conluio com o Secretário de Finanças do Partido dos Trabalhadores – PT, DELÚBIO SOARES, levantou fundos junto ao Banco Rural e Banco de Minas Gerais — BMG, tomados sob a intervenção e responsabilidade de MARCOS VALERIO, com a finalidade de pagar parlamentares para que, na Câmara dos Deputados, votassem projetos em favor do Governo.”

A Representação afirma que esses fundos, “levantados como se empréstimos fossem, eram compensados pelo favorecimento aos Bancos mencionados – cujos diretores, entre eles, FLÁVIO GUIMARÂES (BMG) e KATIA RABELLO (Rural), estiveram reunidos com JOSÉ DIRCEU – e pelo favorecimento às empresas de que participa MARCOS VALÉRIO, em contratos governamentais, de sua administração indireta ou autárquica, garantidos pela influência do Representado, de modo a que, embora tais mútuos não tenham sido honrados pelos tomadores, tampouco houvesse cobrança daquelas instituições financeiras de seu crédito”.

O Representante acosta, como prova, considerando-as “elementos da notoriedade dos fatos imputados”, as matérias publicadas, em 27.07.05, nos jornais Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo, Correio Braziliense e O Globo, intituladas, respectivamente,: “Dirceu sabia dos empréstimos, diz mulher de Valério”; “Dirceu sabia de empréstimos ao PT, diz Renilda; ele nega”; “Mulher de Valério liga Dirceu a empréstimos”; “Renilda envolve Dirceu e apressa sua convocação”.

Requer, ainda, cópia dos depoimentos prestados por Marcos Valério Fernandes de Souza ao Procurador-Geral da República, em 14.07.05 e por Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza à CPMI dos Correios, em 26.07.05; remessa de cópia da Representação à CPMI dos Correios, a fim de que outros documentos julgados relevantes sejam remetidos ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar; depoimento pessoal do Representado; oitiva do testemunho de Marcos Valério Fernandes de Souza, Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, Kátia Rabello e Flávio Guimarães, diretores dos bancos Rural e BMG, que estiveram tratando do assunto com o Representado, em Belo Horizonte e Brasília; admissão e produção de todo o gênero de prova.

Notificação ao Deputado José Dirceu

Recebida a representação na mesma data, 2 de agosto de 2005, pelo Presidente do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, Deputado Ricardo Izar, foi por este determinada a imediata remessa à Mesa da Casa para as providências preliminares de numeração e publicação. Em 10 de agosto o Presidente instaurou o processo disciplinar, nos termos da Resolução nº 25, de 2001, Código de Ética e Decoro Parlamentar, bem como de seu Regulamento.


Determinou a notificação do Deputado José Dirceu, na qualidade de Representado, com a entrega de cópia integral da respectiva representação e dos documentos e elementos de prova que a instruem para apresentação de defesa em cinco sessões (art. 8º do Regulamento).

O Presidente Ricardo Izar indicou-me Relator do feito, decisão esta comunicada ao plenário deste Conselho na reunião ordinária ocorrida em 10 de agosto deste ano, ocasião na qual o presidente também deu, oficialmente, conhecimento ao plenário da Representação nº 38, de 2005 e a conseqüente instauração do Processo disciplinar nº 04, de 2005.

Dando cumprimento às determinações do Sr. Presidente, e conforme dispõe o art. 14, § 4º, II, do Código de Ética, a Secretaria do Conselho notificou o deputado representado na tarde de 15 de agosto (fls. 80/81), comunicando-o da instauração do processo e do prazo para apresentar defesa, documentos e indicar provas.

Defesa apresentada

Dentro do prazo regulamentar, o Deputado José Dirceu apresentou sua defesa (fls. 83/229), nos termos do art. 8º do Regulamento do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados.

Em síntese, a defesa alega, em sede preliminar, a incompetência do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar para julgar atos atribuídos ao Representado praticados fora do exercício do mandato de Deputado Federal, do qual estava licenciado para exercer cargo no Poder Executivo. A seu juízo, se tivessem realmente ocorrido, tais atos “estariam sujeitos ao controle administrativo ou judicial, nunca ao juízo político da quebra do decoro parlamentar, que pressupõe o exercício do mandato”.

Transcreve o artigo 231 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados para destacar que “no exercício do mandato, o Deputado atenderá às prescrições constitucionais e regimentais e às contidas no Código de Ética e Decoro Parlamentar, sujeitando-se às medidas disciplinares nelas previstas”.

Contesta o parecer do Dr. José Theodoro M. Menck, da Consultoria Legislativa da Câmara, considerando que “o mencionado parecer, além de investir contra o Regimento da própria Casa Legislativa, incide em manifesto equívoco, pois as hipóteses por ele invocadas são diferentes, visto que nos três casos referidos discute-se tão-somente a possibilidade de o parlamentar responder, em uma legislatura, por quebra de decoro em razão de ato praticado no exercício de mandato em legislatura anterior, situação completamente diversa daquela que ora se apresenta”.

Analisa aspectos dos processos de cassação dos Deputado Hildebrando Pascoal, Talvane Albuquerque e Feres Nader e conclui que esses precedentes examinaram situações diversas e que, no caso do Deputado Federal Feres Nader, ficou devidamente registrada a tese defendida de “que somente quem estiver no exercício do mandato parlamentar poderá agir de forma a agredir a honorabilidade da Casa Legislativa”.

Reproduz opinião de especialistas publicada no jornal O Globo de 03.08.05, corroborando a tese esposada pela defesa de que estando afastado das funções de deputado, não há como falar em quebra de decoro.

Argúi, ainda em sede de preliminar, a inépcia da representação, uma vez que, no seu entender, a petição inicial não conteria os elementos mínimos à identificação da conduta que se pretende ter como indecorosa, não indicaria qual ou quais trabalhos legislativos teriam tido seu regular andamento fraudado, qual ou quais deliberações teriam tido seu resultado alterado, nem quais os parlamentares teriam sido favorecidos.

A representação, segundo a defesa, limita-se a noticiar que “Marcos Valério Fernandes de Souza e sua mulher Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, em depoimentos prestados à CPMI dos Correios, teriam afirmado que o representado, em conluio com Delúbio Soares, à época Secretário de Finanças do Partido dos Trabalhadores, teria levantado fundos junto ao Banco Rural e ao Banco de Minas Gerais para pagar parlamentares a fim de que, na Câmara dos Deputados, votassem a favor do Governo”.

Argumenta, amparando-se em ilustres juristas, que a forma genérica da acusação “impede que o Representado seja específico em relação a algum caso particular, na medida em que a defesa deve estar, necessariamente, relacionada aos fatos apontados pela acusação”.

Quanto ao mérito, nega que tenha participado de qualquer conluio com a finalidade de levantar fundos para pagar parlamentares, a fim de que votassem projetos a favor do governo.

Considera que, ao contrário do afirmado na acusação, uma leitura dos depoimentos prestados por Marcos Valério e sua mulher Renilda mostra que nunca houve levantamento de fundos para pagar parlamentares. O que existiu foi a realização de empréstimos junto a instituições bancárias para saldar obrigações de campanhas eleitorais.


Esses empréstimos, de acordo com o declarado por Delúbio Soares e Marcos Valério, teriam sido tomados a partir de fevereiro de 2003, após o Representado haver se afastado das funções partidárias, em razão dos relevantes encargos que assumiu no Governo do Presidente Lula. Não teve nenhuma participação, quer em relação à decisão de buscar recursos no mercado, quer no que diz respeito à concretização de tal decisão.

Afirma que as pessoas referidas pela representação se limitaram a dizer que tinham sido informadas por terceiros de que o Deputado José Dirceu tinha conhecimento desses empréstimos: “Marcos Valério disse que Delúbio Soares lhe havia dito isso, mas Delúbio não confirmou tal fato. Pelo contrário, declarou que nunca tratou desse assunto com o Representado. Renilda, por sua vez, disse que seu marido comentou que alguém lhe havia dito que o Deputado José Dirceu sabia, mas foi contraditória ao informar quem teria sido essa terceira pessoa, ora Delúbio Soares (que nega), ora diretores de banco (que também negam)”.

Assevera que todas as pessoas relacionadas com os empréstimos obtidos foram unânimes em informar que os recursos obtidos com os empréstimos destinavam-se a saldar dívidas de agremiações políticas, ligadas a campanhas eleitorais.

No seu entender, o Deputado Roberto Jefferson, ao procurar vincular os recursos destinados ao pagamento de dívidas relacionadas com campanhas eleitorais a um suposto pagamento de propinas em troca de apoio em votações de projetos de interesse do governo, é voz isolada nas referências a essa atividade irregular, da qual não foi apresentada nenhuma prova e que, de qualquer modo, nunca contaria com o apoio ou a concordância do Representado.

Declara que não se ocupou da parte financeira da campanha eleitoral de 2002, tendo sido um dos coordenadores políticos da campanha presidencial e também candidato no pleito proporcional federal, no Estado de São Paulo. Encerrada a campanha, o Representado participou ativamente da montagem do novo governo e após a posse do Presidente Lula assumiu importante cargo, cujas funções ocupavam todo seu tempo, impossibilitando qualquer participação nas decisões executivas do Partido dos Trabalhadores. Pelas mesmas razões também não teve nenhuma participação na administração financeira das campanhas municipais de 2004, o que seria incompatível com as elevadas funções de que se ocupava.

Considera, portanto, não ser razoável supor que o Representado pudesse ter conhecimento das condições e dos detalhes dos empréstimos obtidos ou das dívidas existentes. Apenas sabia, genericamente, que o Partido dos Trabalhadores estava com problemas financeiros e que buscava empréstimos junto a bancos, mas não conhecia os detalhes e não participou de qualquer negociação relativa a empréstimos, nem prometeu favores aos bancos envolvidos.

Sobre seus contatos com esses bancos, registra que participou de algumas reuniões com seus dirigentes, mas nunca tratou de empréstimos para o Partido dos Trabalhadores ou para Marcos Valério, fato que as duas instituições confirmaram, conforme documentos anexos à peça de defesa (nota do Banco Rural e declaração do Dr. Sérgio Bermudes, advogado do Banco BMG).

Por fim, tece considerações sobre o processo político, acerca de sua decisão de não renunciar ao mandato e de sua história de luta e ideais. Preocupa-se com a possibilidade de se cassar o mandato de um parlamentar apenas pelo que ele representa, o que afetaria o processo democrático. Transcreve partes de seu depoimento como testemunha no processo contra o Deputado Roberto Jefferson.

Arrola as seguintes testemunhas para sua defesa: Márcio Thomaz Bastos, Ministro da Justiça; os Deputados Federais Aldo Rebelo, Eduardo Campos e Arlindo Chinaglia e o jornalista Fernando de Morais.

Ordem dos trabalhos

Este Conselho de Ética, ao longo de todo o processo, preocupou-se com a segurança das partes e testemunhas. Sempre que entendeu conveniente ou quando foi solicitado, requereu a assistência do Departamento de Policia Judiciária da Câmara, no que foi prontamente atendido. O Conselho preservou e garantiu, em todas as suas reuniões, a mais estrita ordem e tranqüilidade em seus trabalhos, e o mais absoluto respeito às normas regimentais e legais atinentes.

Nas reuniões houve sempre a preocupação com a garantia do direito da ampla defesa e do contraditório, o que se pode verificar, entre outros, pela concessão da palavra ao Representado, ou aos seus procuradores, para inquirir testemunhas ou para formular requerimentos diversos, envio de cópias dos autos e o pleno acesso ao processo e às reuniões do Conselho, tendo os mesmos sido devidamente intimados de todas as reuniões realizadas.

As decisões que implicaram a fixação do procedimento a ser adotado, que influíram no andamento do processo e na condução da instrução probatória, foram tomadas nas reuniões ordinárias deste Conselho, tendo sido, registre-se, sempre o defensor e o próprio Representado intimado das reuniões.


De todas as reuniões foi o Deputado José Dirceu intimado com antecedência, seja pessoalmente ou por seus advogados, por carta com aviso de recebimento, correio eletrônico ou fax.

Todas as testemunhas prestaram compromisso de dizer a verdade antes dos depoimentos e foram inquiridas pelo relator, demais membros do Conselho e advogados de defesa.

Como testemunhas de defesa, prestaram depoimento os Deputados Federais Aldo Rebelo, Eduardo Campos e Arlindo Chinaglia e o jornalista Fernando de Morais. O Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos respondeu, por escrito, às perguntas encaminhadas pelos conselheiros e pelos advogados de defesa.

Somente a Sra. Kátia Rabello, presidente do Banco Rural depôs como testemunha de acusação. Marcos Valério Fernandes de Souza, Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza e Flávio Guimarães, apesar de diversas vezes convidados, não compareceram para prestar depoimento.

Foi ouvido, a pedido desta Relatoria, o ex-deputado José Genoíno.

O Partido Trabalhista Brasileiro protocolou pedido de retirada da representação contra o Deputado José Dirceu para que “os julgamentos feitos pela Câmara dos Deputados sejam adotados com base nos elementos colhidos pelas Comissões de Inquérito, por entender serem mais amplos e originários de procedimento e apuração, juridicamente mais eficazes”. Na reunião de 21.09.2005, o pedido foi indeferido pelo Conselho em razão de parecer normativo aprovado considerando a irretratabilidade da representação. O Representado apresentou recurso à Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania contra a decisão do Conselho, não julgada até a presente data.

Foram juntadas cópias fornecidas pela Polícia Federal dos depoimentos prestados por: Sr. Delúbio Soares, Sr. Marcos Valério Fernandes de Souza e Sr. Sílvio Pereira.

Juntaram-se, ainda, cópias dos seguintes depoimentos prestados na CPMI dos Correios: Sr. Marcos Valério Fernandes de Souza, Sra. Renilda Maria Santiago Fernandes de Souza, Sra. Simone de Vasconcelos, Sr. Delúbio Soares, Sr. Ricardo Guimarães e do Sr. José Eduardo Cavalcanti de Mendonça, conhecido como Duda Mendonça. Juntaram-se, também, cópias do depoimento do Deputado Roberto Jefferson na CPMI da Compra de votos.

Constam dos autos cópias, encaminhadas pela CPMI dos Correios, dos contratos de empréstimos firmados pelos bancos Rural e BMG para o Partido dos Trabalhadores e para as empresas do Sr. Marcos Valério Fernandes de Souza; fax de autorização de saque para o Sr. Roberto Marques; CD-rom contendo dados telefônicos e bancários do Representado, do Sr. Delúbio Soares, do Sr. Sílvio Pereira e do Sr. Marcos Valério Fernandes de Souza.

O Presidente declarou na reunião de 11 de outubro, a requerimento do Relator, encerrada a fase instrutória e regimentalmente abriu prazo de cinco reuniões para apresentação do relatório.

Não é demais lembrar que as reuniões plenárias do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, bem como todos os trabalhos realizados pela secretaria, foram consignados nos autos e constam das atas que o instruem.

É o relatório.

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