Processo disciplinar

STF rejeita pedido de petistas ameaçados de cassação

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17 de outubro de 2005, 12h17

O ministro Carlos Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, arquivou nesta segunda-feira (17/10) o Mandado de Segurança (MS 25.594) impetrado por cinco deputados federais do PT. Os parlamentares pediam liminar para suspender o pedido de abertura de processo que pode levar à cassação de seus mandatos por quebra de decoro parlamentar.

Os deputados federais João Paulo Cunha (SP), Josias Gomes da Silva (BA), Professor Luizinho (SP), Paulo Rocha (PA) e José Mentor (SP) impetraram o mandado na sexta-feira, para evitar que o Conselho de Ética instaurasse o processo disciplinar contra eles.

A Mesa Diretora da Câmara aprovou parecer da Corregedoria da Casa que concluiu pela Representação contra 16 parlamentares. Entre eles, os cinco petistas. O pedido de instauração dos processos disciplinares foi encaminhado ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar e deve ser iniciado nesta segunda-feira.

Os deputados alegavam que o ato da Mesa Diretora poderá levar à cassação, de forma “arbitrária e ilegal”, de seus mandatos. A defesa dos parlamentares ressalta o direito à garantia individual ao devido processo, à presunção de inocência e à ampla defesa.

Segundo a defesa, a Corregedoria da Câmara simplesmente descreveu fatos imputados aos 16 parlamentares, por suposto envolvimento no “mensalão”, sem apontar “qual parlamentar eventualmente tenha quebrado o decoro parlamentar e em qual medida”.

A defesa sustentou, ainda, que não há qualquer fundamentação que justifique a supressão dos procedimentos regimentais da Câmara. O relator da ação no STF, ministro Carlos Ayres Brito, não acolheu os argumentos.

Leia a íntegra da decisão

MANDADO DE SEGURANÇA 25.594-3 DISTRITO FEDERAL

RELATOR: MIN. CARLOS BRITTO

IMPETRANTE(S): JOÃO PAULO CUNHA

IMPETRANTE(S): JOSIAS GOMES DA SILVA

IMPETRANTE(S): LUIZ CARLOS DA SILVA OU ANTONIO CARLOS ALVES DA SILVA OU LUIS CARLOS DA SILVA

IMPETRANTE(S): PAULO ROBERTO GALVÃO DA ROCHA

IMPETRANTE(S): JOSÉ MENTOR GUILHERME DE MELLO NETTO

ADVOGADO(A/S): MÁRCIO LUIZ SILVA

IMPETRADO(A/S): MESA DIRETORA DA CÂMARA DOS DEPUTADOS

DECISÃO: vistos, etc..

Cuida-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado pelos Deputados Federais João Paulo Cunha, Josias Gomes da Silva, Luiz Carlos da Silva, Paulo Roberto Galvão da Rocha e José Mentor Guilherme de Mello Netto. Mandamus pelo qual os impetrantes contestam ato da Mesa da Câmara dos Deputados, “consubstanciado na aprovação de parecer da Corregedoria que concluiu pela Representação de autoria da Mesa contra os dezesseis parlamentares nele mencionados, que encaminha, sem observância do devido processo, ao CONSELHO DE ÉTICA E DECORO PARLAMENTAR DA CÂMARA DOS DEPUTADOS, pedido de instauração de processo disciplinar”.

2. Sustentam os acionantes que, “não obstante o compromisso formalizado pela autoridade coatora em obediência ao princípio do contraditório, consubstanciado na concessão do prazo conforme preconiza o Regimento da Câmara dos Deputados, o devido processo continuou e continua solenemente ignorado e frontalmente desrespeitado”. Isto sob a alegação de que o parecer da Comissão de Sindicância, datado de 05/10/2005, é idêntico ao parecer de 13/09/2005, sabido que este último não chegou a ser objeto de deliberação, tendo em vista concessão de liminar nos autos do MS 25539. Mais: os demandantes impugnam o fato de o novo parecer caracterizar-se pela inserção em bloco (vale dizer, não individualizada) dos comportamentos imputados a eles, impetrantes, e tidos por incompatíveis com o decoro parlamentar. Noutros termos, defendem a imperiosidade jurídica da elaboração de relatórios que individualizem as condutas dos parlamentares ali nominados, tanto quanto a indicação das respectivas penalidades e gradações.


3. Nessa marcha batida, os autores processuais aduzem que, além da “possibilidade de punição e restrição de direitos decorrentes do procedimento disciplinar”, estão a sofrer constrangimento no tocante à “faculdade constitucionalmente assegurada” no § 4º do artigo 55 da Constituição Federal. Que é a faculdade de renunciar ao respectivo mandato, antes de iniciado qualquer processo disciplinar que vise ou possa levar à respectiva perda.

4. Acresce que os acionantes entendem que todos os atos por eles impugnados como ofensivos do devido processo legal não são constitutivos de matéria interna corporis. Razão por que requerem a concessão de liminar para o fim de “imediata suspensão da tramitação e processamento de medida disciplinar contra os Impetrantes, encaminhada pela autoridade coatora ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados, até o julgamento final do presente mandamus, (…)”.

5. No mérito, o que se pede é a confirmação do provimento acautelatório, com “a efetiva observância do devido processo, nos termos do Ato da Mesa nº 17”.

6. É o relatório.

7. Passo a decidir. Ao fazê-lo, expresso o meu entendimento de que toda a questão jurídica a solver neste processo de cognição sumária consiste em saber se as garantias constitucionais do contraditório e da ampla defesa restaram ou não violadas. Mas restaram ou não violadas, aclare-se, à luz de dispositivos constantes do próprio acervo normativo da Constituição. Isto para que se faça a necessária distinção entre matéria rigorosamente interna corporis da Câmara dos Deputados (imune a controle jurisdicional de constitucionalidade) e matéria francamente externa corporis (submetida, então, ao referido controle).

8. Pois bem, para esse nuclear exame, começo pelo juízo de que a perda do mandato de Deputados e Senadores é tema de explícita previsão constitucional. Quero dizer: a Constituição Republicana chamou para si a regulação da matéria. E o fez para arrolar as hipóteses de perda de mandato, os conteúdos da conduta incompatível com o decoro parlamentar, as instâncias responsáveis pelo respectivo processo e as garantias outorgadas aos processados (artigo 55 da CF).

9. Deveras, faz parte do regime jurídico diretamente constitucional a indicação dos pressupostos de perda de mandato parlamentar, e, dentre elas, a cassação. Nele, Texto Magno, está grafado que a perda do mandato por cassação (perda é gênero, de que extinção e cassação de mandato são espécies) é de se dar “pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal” (§ 2º do artigo 55). Estas as duas instâncias processantes e julgadoras, conforme se trate de acusação contra Deputado Federal, ou Senador. Sobremais, em qualquer dessas duas instâncias a decisão é de se tomar “por voto secreto e maioria absoluta (…), assegurada ampla defesa” (ainda o § 2º do artigo 55).

10. Segue adiante a Constituição para vocalizar as hipóteses de processo e julgamento no âmbito da Mesa de cada qual das duas Casas Legislativas, assim como na esfera do Plenário mesmo (§§ 2º e 3º do artigo 55). Sendo que a garantia da ampla defesa é de se observar em qualquer das citadas instâncias: o Plenário, ou a Mesa, conforme se trate de cassação de mandato ou de extinção, respectivamente. Confira-se:


“Art. 55.

(…)

§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

§ 3º Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

(…)”

11. Daqui se deduz que a garantia da ampla defesa é de ser exercida, sim, porém nas instâncias em que o próprio Magno Texto manda que ela se observe. E que instâncias são essas? Instâncias nominadas pela Constituição mesma?

12. Bem, à luz dos comandos diretamente constitucionais, conforme visto, o tema da perda de mandato parlamentar implica a efetivação da garantia da ampla defesa: a) perante o plenário da Câmara Federal ou do Senado da República, quando o caso estiver entre aqueles referidos pelos incisos I, II e VI do artigo 55 da Magna Carta (a conduta incompatível com o decoro parlamentar está no inciso II); b) perante a Mesa da Câmara ou do Senado, quando o caso figurar entre aqueles descritos nos incisos III, IV e V do mesmo artigo 55. Leia-se, ainda uma vez:

“Art. 55 Perderá o mandato o Deputado ou Senador:

I – que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;

II – cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;

III – que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;

IV – que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;

V – quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;

VI – que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.

(…)

§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por voto secreto e maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.


§ 3º Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.

(…)”

13. Ora bem, como a situação vivida pelos impetrantes (situação protagonizada até a data do ajuizamento deste mandado de segurança) não é de submissão a julgamento nem perante a Mesa nem perante o Plenário da Câmara dos Deputados, ter-se-ia a desembaraçada conclusão de ainda não lhes ser possível o manejo da garantia da ampla defesa, em sede imediatamente constitucional. Pois o fato é que a própria petição de mandado de segurança deixa claro que a irresignação dos demandantes se restringe ao atuar de duas outras instâncias do Poder Legislativo Federal: a Corregedoria e a Mesa da Câmara. Mais exatamente, se restringe a impugnar, por supostos vícios formais, tanto a elaboração do parecer do Corregedor quanto à homologação que sobre esse parecer recaiu. Homologação que tem o específico fim de provocar a abertura de processo disciplinar no âmbito da Comissão de Ética e Decoro Parlamentar, essa terceira instância de atuação não-propriamente legislativa da Câmara dos Deputados Federais.

14. Mas as coisas não são assim tão simples. É preciso ver que duas outras ordens de consideração ainda se impõem à análise da causa. A primeira delas é que o Magno Texto Federal não teve a intenção de exaurir a regulação de tudo quanto diga respeito a perda de mandato parlamentar. E tanto não exauriu, que dele mesmo se contém autorização para que regimento interno possa definir outras condutas incompatíveis com o decoro parlamentar (§ 1º do artigo 55).

15. Já a segunda consideração, esta emerge da compreensão de que u´a mais atenta leitura do inciso LV do art. 5º da Constituição (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”) permite concluir que esse emblemático dispositivo extravasou os diques do processo de índole judicial, ou simplesmente administrativa, para estender os seus efeitos a quantos se encontrem na condição de “acusados em geral”. E aí já não importa a natureza mesma do processo: se judicial, se administrativo, se parlamentar, se de prestação ou de tomada de contas… O que unicamente importa é o fato de alguém se encontrar na condição de acusado: a) frente aos poderes sancionatórios do Estado; b) atuando o Estado por forma processualizada, que já pressupõe o encadeamento cronístico de atos-fase para cada manifestação da vontade dele, Estado, tudo formal e antecipadamente esquadrinhado[1][1].

16. Pronto! Este o aspecto central da questão! Esta a pergunta que verdadeiramente conta: os impetrantes se achavam na condição de pessoas processualmente acusadas perante a Corregedoria da Câmara? E perante a respectiva Mesa, quando da aprovação e encaminhamento do mesmo parecer à Comissão de Ética e Decoro, tal condição subjetiva era de pessoas processualmente acusadas?


17. A resposta me parece negativa. Ainda não havia acusados (como até agora não há), pois tal qualificação subjetiva começa é com a abertura de processo disciplinar na instância para esse fim concebida: o Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. Conselho nominado e regulado pelo artigo 6º do Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados para, justamente, processar pessoas investidas no cargo de Deputado Federal.

18. É no bojo desse Diploma Regimental (instituído pela Resolução nº 25, publicada em 26 de outubro de 2001) que a locução “processo disciplinar” é tecnicamente usada. Tanto quanto a palavra “acusados”. Confira-se:

“(…)

Art. 6º. Ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar compete:

(…)

II – processar os acusados, nos casos e termos previstos no art. 13.

Art. 14. A aplicação das penalidades de suspensão temporária do exercício do mandato, de no máximo trinta dias, e de perda do mandato são de competência do Plenário da Câmara dos Deputados, que deliberará em escrutínio secreto e por maioria absoluta de seus membros, por provocação da Mesa ou de Partido Político representado no Congresso Nacional, após processo disciplinar instaurado pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, na forma deste artigo.

(…)

§ 4º Recebida representação nos termos deste artigo, o Conselho observará o seguinte procedimento:

(…)

II – constituída ou não a Subcomissão referida no inciso anterior, será remetida cópia da representação ao Deputado acusado, que terá o prazo de cinco sessões ordinárias para apresentar sua defesa escrita e indicar provas;

(…)

Art. 16. Os processos instaurados pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar não poderão exceder o prazo de sessenta dias para sua deliberação pelo Plenário, nos casos das penalidades previstas nos incisos I, II e III do art. 10.


§ 1º O prazo para deliberação do Plenário sobre os processos que concluírem pela perda do mandato, prevista no inciso IV do art. 10, não poderá exceder noventa dias.

§ 2º Em qualquer das hipóteses previstas neste artigo, a Mesa terá o prazo de dois dias, improrrogável, para incluir o processo na pauta da Ordem do Dia, sobrestando todas as demais matérias, exceto as previstas no art. 64 da Constituição Federal.

(…)”

(Original sem destaques)

19. Esse vínculo operacional direto entre o processo parlamentar de natureza disciplinar e a figura do acusado é símile do que transcorre entre o processo penal já instaurado e toda pessoa que se veja como alvo de uma denúncia ministerial pública, ou, então, de uma queixa-crime. E o fato é que a Constituição mesma sinaliza nessa clara direção, ao falar que “A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º” (sem os caracteres negritados).

20. Salta aos olhos a inspiração técnica e moral desse comando constitucional. Se já existe processo que vise ou possa levar à perda do mandato, é porque já existe pelo menos um parlamentar formalmente posto na condição de acusado. Ao contrário, se ainda não se deu a abertura desse tipo de processo, é porque também ainda não existe sequer um parlamentar formalmente posto na condição de acusado. Condição que somente se perfaz, no caso (é de se repetir), quando a Comissão de Ética e Decoro Parlamentar praticar os atos de que trata o § 4º do artigo l4 do Código de Ética e Decoro Parlamentar.

21. Precisamente para a hipótese de formação desse engate lógico é que foi redigido o citado § 4º do artigo 55 da Constituição. Dispositivo pelo qual se toma em linha de conta (verdadeiro marco temporal) a preexistência de processo disciplinar como causa de proibição ao parlamentar “processado” (não apenas “investigado”) de renunciar ao respectivo mandato. Prescrevendo com isso a Lei Maior que, nessa processualizada condição de acusado, o titular de mandato legislativo que trate de fazer uso da garantia da ampla defesa para se ver absolvido (e são plúrimas essas possibilidades, a teor dos dispositivos incrustados no referido Código). Isto porque, se afinal condenado à perda do cargo, a natureza sancionatória da desinvestidura já não comporta um tipo arrevesado de comutação em renúncia.

22. Dizendo tudo isso por modo reverso, o que se teve até agora foi um conjunto de medidas investigatórias ou pré-processuais. Medidas ou providências que se preordenaram à apuração de fatos determinados, protagonizados sob suspeita de incompatibilidade com o decoro parlamentar. E de cuja valoração pela Corregedoria e Mesa da Câmara estão eles (os fatos) a alcançar dimensão que justifica o seu encaminhamento à Comissão de Ética e Decoro Parlamentar. Encaminhamento que se traduz em pedido de abertura de processo, é verdade, mas que processo ainda não é. Tudo a evocar a lembrança do velho e sempre novo inquérito policial, que também não é processo nem faz a automática transformação de um mero investigado em necessário acusado. E assim como o inquérito policial não é incorporante da defesa em toda a sua plenitude, as fases pré-processuais de investigação parlamentar também não o são, ao menos em sede de imediata emanação constitucional[2][2].


23. Nesse rumo de idéias, mesmo que haja comandos regimentais, ou de outras fontes parlamentares de menor hierarquia, que assegurem o uso da garantia da ampla defesa ainda no curso desses procedimentos preambulares (a Constituição não esgotou a regulação do tema, já anotamos), ainda assim não passará de tutela simplesmente interna corporis de direitos. Não de tutela genuinamente constitucional, apenas ocorrente naquelas situações em que já se vinculam organicamente as figuras do processo e do acusado. Não antes disso.

24. É essa fundamental distinção entre o que é garantia genuinamente constitucional e garantia simplesmente intra-muros que vai possibilitar uma segura demarcação de áreas de atuação do controle judicial e do controle legislativo de constitucionalidade dos atos emanados dos membros dirigentes do Poder Legislativo. Demarcação precisa, tecnicamente segura, de que tanto depende a integridade do princípio da autonomia recíproca dos dois Poderes. E que pode ser expressa na fórmula de que, ali onde a garantia da ampla defesa parlamentar é de exclusivo berço corporativo (sem conotação pejorativa), o que se tem é tão-somente a possibilidade de um controle interna corporis de sua violação. Ao contrário, ali onde a garantia em causa é de matriz diretamente constitucional, o que se tem já é a ampliada possibilidade de um controle externa corporis. Sem que se possa acusar o Poder Judiciário, portanto, de indébita intromissão em assuntos de economia doméstica do Parlamento.

25. Cuida-se de fórmula demarcatória de atuações que me parece extraível da própria Constituição. É exprimir: a própria Constituição é que dispõe sobre as duas categorias de atos parlamentares: os de índole interna e os de natureza externa corporis. É ainda dizer: a Constituição mesma já oferece os indicadores daquilo que seja intra-muros do Parlamento e daquilo que não seja. Logo, ela é que baliza a atuação do Poder Judiciário (leia-se: do Supremo Tribunal Federal), em tema de controle constitucional dos atos praticados no exercício de cargo de direção das instâncias parlamentares.

26. Por este modo de ver as coisas, tudo o que significar direta violação das autoridades do Parlamento a dispositivo constitucional é matéria externa corporis, suscetível de controle por este Supremo Tribunal Federal. Somente o que sobejar dos próprios enunciados da Constituição para se conter nas apertadas fronteiras da legiferação corporativa do Parlamento é que se define pela marca do intra-muros (repise-se), escapando, então, aos misteres controladores que são próprios desta Excelsa Corte de Justiça.

27. Em boa verdade, este modo de ver as coisas prestigia entendimentos já manifestados por esta Casa de Justiça, na matéria, além de homenagear o princípio constitucional da Separação dos Poderes. Vejam-se, ilustrativamente, os MS’s 21.443, Rel. Min. Octavio Gallotti; 22.503, Rel. Min. Marco Aurélio; 23.529, Rel. Min. Octavio Gallotti; 24.356, Rel. Min. Carlos Velloso; 21.754- AgR, Rel. Min. Marco Aurélio; RE 113.314, Rel. Min. Aldir Passarinho. Valendo transcrever, pelo seu cristalino didatismo, as seguintes ementas:

“A natureza interna corporis da deliberação congressional – interpretação de normas do Regimento Interno do Congresso – desautoriza a via utilizada. Cuida-se de tema imune à análise judiciária. Precedentes do STF. Inocorrência de afronta a direito subjetivo.”


(MS 21.754-AgR)

…………………………………..

“PRELIMINAR: IMPETRAÇÃO NÃO CONHECIDA QUANTO AOS FUNDAMENTOS REGIMENTAIS, POR SE TRATAR DE MATÉRIA INTERNA CORPORIS QUE SÓ PODE ENCONTRAR SOLUÇÃO NO ÂMBITO DO PODER LEGISLATIVO, NÃO SUJEITA À APRECIAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO; CONHECIMENTO QUANTO AO FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL.”

(MS 22.503)

28. É certo que os demandantes ainda pugnam pela aplicação analógica da Lei nº 8.038/90. Pretensão que tenho por descabida (sem desdouro das opiniões em contrário), uma vez que o seu acolhimento investiria o Judiciário da seguinte e extravasante competência: impor ao Legislativo, em tema de perda de mandato parlamentar, juízos e procedimentos concebidos para o modo típico de atuar do Poder Judiciário.

29. Explico. A Magna Carta Federal, ao conferir ao Parlamento o direto poder de processar e julgar os respectivos membros por quebra do decoro, conferiu ao mérito da decisão afinal proferida um caráter político-jurídico. Não propriamente técnico-jurídico. E esta natureza político-jurídica de atuação decisória confere ampla margem de subjetividade ao órgão julgador, no mencionado plano do mérito da condenação em si (desde, obviamente, que essa condenação ocorra nos marcos das apenações constitucionalmente admitidas). Órgão julgador, esse, que se movimenta no mais dilargado âmbito de discricionariedade, porquanto orientado por critérios de conveniência e oportunidade. De cuja soma resulta o que se pode chamar de necessidade imperiosa, imune a controle jurisdicional[3][3].

30. Em palavras outras, impor ao Legislativo, por força de aplicação analógica da Lei nº 8.038/90, aquilo que nem sequer o Texto Magno se permitiu, parece desbordar das pautas constitucionais de cassação de mandato parlamentar. A significar, então, um sério risco de abalo na estrutura do proto-princípio da Separação dos Poderes.

31. Presente esta ampla moldura, convencido de que os impetrantes cimentam sua pretensão em normas essencialmente interna corporis ou de economia doméstica da Câmara dos Deputados, nego trânsito à presente ação mandamental. Ficando prejudicado, por conseqüência, o pedido de medida liminar, nos termos do artigo 8º da Lei nº 1.533/51, combinado com o § 1º do artigo 21 do RI/STF.

Comunique-se, com urgência.

Publique-se.

Brasília, 17 de outubro de 2.005.

Ministro Carlos Ayres Britto

Relator


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