Escândalo do painel

Jornal do Brasil é condenado a indenizar Heloísa Helena

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17 de outubro de 2005, 11h00

O Jornal do Brasil foi condenado a pagar R$ 100 mil de indenização por danos morais à senadora Heloisa Helena (PSOL-AL) e à ex-senadora Emília Fernandes (PT-RS) por ter publicado reportagem considerada ofensiva à honra das parlamentares. A decisão é do juiz da 6ª Vara Cível de Brasília, Giordano Resende Costa.

O texto, publicado em maio de 2001, relatava a violação do painel eletrônico do Senado durante a votação do processo cassação do ex-senador Luiz Estevão. O painel foi violado a mando do então presidente da Casa, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), com auxílio do senador José Roberto Arruda — hoje deputado federal pelo PFL-DF.

Nesse contexto, iniciou-se uma especulação sobre os votos das senadoras. ACM teria dito ao jornal que, por motivos políticos, Heloísa Helena e Emília Fernandes haviam votado contra a cassação de Luiz Estevão, o que poderia ser confirmado com uma lista que nunca veio a público.

Inconformadas com as afirmações, as senadoras ingressaram com ação contra o Jornal do Brasil por abalo à imagem e dano moral. Para se defender, o periódico alegou a veracidade, a correção e a isenção dos textos jornalísticos, assim como a ausência do caráter difamatório, além de argumentar de que o dever de informar esteve presente em toda a publicação.

Também sustentou que a imprensa não é obrigada a examinar os fundamentos de uma declaração ou apuração administrativa divulgada. Defendeu ainda a “decadência dos direitos”, pois as notícias foram publicadas em 2001 e a ação ajuizada em 2002. A Lei 5.250/6 — Lei de Imprensa prevê a decadência do direito no prazo de três meses (artigo 46).

Decisão

O juiz esclareceu que o dispositivo sobre a decadência do direito previsto na Leio de Imprensa não foi recepcionado pela Constituição de 1988, por isso não seria possível atender a pretensão do jornal. A própria Constituição Federal, no artigo 5º, diz serem “invioláveis” a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização por dano moral ou material.

Para o juiz, o direito à informação e os direitos personalíssimos estão lado a lado e não existe hierarquia entre eles. De acordo com a decisão, o jornalista não pode simplesmente confiar na fonte e publicar a informação incondicionalmente, pois a repercussão e os efeitos sociais do noticiário podem causar desde um mero desconforto até um abalo de grandeza incalculável à imagem do sujeito objeto do texto.

O Jornal do Brasil foi condenado a pagar R$ 50 mil para cada uma das autoras da ação, com juros e correção monetária. Na próxima semana, o juiz deve decidir se concede ou não efeito suspensivo à decisão, já que tramita no Tribunal de Justiça do Distrito Federal um recurso de apelação.

Leia a íntegra da sentença

Processo: 2002.01.1.014197-4

Ação: INDENIZAÇÃO

Autor: HELOÍSA HELENA LIMA DE MORAES CARVALHO e outro

Réu: JORNAL DO BRASIL S/A

SENTENÇA

Trata-se de ação de conhecimento com pedido de condenação em pagamento de quantia certa ajuizada por HELOISA HELENA LIMA DE MORAES CARVALHO e EMÍLIA THEREZINHA XAVIER FERNANDES em desfavor do JORNAL DO BRASIL S/A.

As autoras são Senadoras da República eleitas pelos Estado de Alagoas e Rio Grande do Sul e sustentam que o réu publicou matéria jornalística lesiva a honra das autoras.

A matéria refletia um momento político delicado, pois em virtude da cassação do Sen. Luiz Estevão de Oliveira Neto, veio a público a revelação de que o painel eletrônico de votação do Senado Federal teria sido violado, a mando do então presidente Sen. Antônio Carlos Magalhães, com a colaboração do Sen. José Roberto Arruda.

A partir deste fato iniciou-se uma especulação acerca dos votos das autoras, estas alegam que por motivos políticos o Sen. Antônio Carlos Magalhães “inventou” que as autoras haviam votado contra a cassação do Sen. Luiz Estevão. Argumentam que a suposta lista nunca veio a público.

Argumentam que o réu sem questionar a veracidade das informações publicou diversas matérias jornalísticas, imputando as autoras conduta inexistente e incompatível com as atividades por elas desenvolvidas. Sustentam o abalo da imagem, razão pela qual requerem a condenação do réu ao pagamento de indenização por danos morais.

Juntou documentos de fls. 21/202.

O réu foi citado e apresentou contestação às fls. 305/329.

Sustenta em sede preliminar a decadência do direito com a aplicação do prazo de 03 meses, previsto no artigo 56 da Lei n° 5.250/67, ao passo que as matérias jornalísticas foram publicadas no ano de 2000 e a ação foi ajuizada em março de 2002.

Alega a inépcia da inicial, ao argumento de não ter formulado pedido certo e determinado, o que impede o regular exercício do direito de defesa.


No mérito sustenta a veracidade, a correção e isenção das matérias jornalísticas, assim como a ausência de caráter difamatório, pois o dever de informação sempre esteve presente em toda a fase da respectiva publicação.

Aduz a ausência de má-fé e de que a “imprensa não é obrigada a examinar os fundamentos de uma declaração ou uma apuração administrativa por ela divulgada” (fls. 318).

Por fim, inicia a abordagem do dano moral, primeiramente discorre sobre a ausência de prova dos referidos danos e ao final analisa a questão de quantificação e limitação da indenização ao teto do artigo 12 da Lei n° 5.250/67.

Ao final requer o acolhimento das preliminares aventadas e a extinção do processo sem a apreciação do mérito ou no mérito a improcedência do pedido.

Juntou documentos de fls. 330/348.

Réplica às fls. 352/358.

Não houve possibilidade de composição civil entre as partes no ato designado para esta finalidade (fls. 387).

É breve o relatório. Decido.

Cuidam os autos de pedido de indenização por dano moral por suposto abuso no direito de comunicação via imprensa escrita.

DAS PRELIMINARES

Antes de adentrar a análise da questão meritória, aprecio as preliminares suscitadas pelo réu no bojo de sua contestação.

Em relação a preliminar de inépcia, não vejo como prosperar eventual alegação neste sentido, pois não vejo como ser a peça inicial incoerente e contraditória, pois mesmo de forma sucinta, as autoras delineou os fatos e os fundamentos do pedido, realizando de forma adequada os pedidos, atendendo assim os requisitos do artigo 282 do C.P.C.

O simples argumento de não terem as autoras indicado quantitativamente o valor pretendido a título de danos morais não é suficiente para impingir a inépcia da inicial. Compreendo que o requisito do artigo 286 do C.P.C. foi devidamente atendido, porquanto o pedido centra-se na condenação do réu ao pagamento de quantia certa e há entendimento substancioso no sentido de admitir que nas ações de indenização por dano moral, quando o autor desconhecer a extensão dos danos, possa formular pedido e deixar a cargo do magistrado a fixação do valor.

Neste sentido, trago a colação os presentes arestos:

“1. O processo civil moderno não se coaduna com o apego exarcebado ao formalismo. Dessa forma, é necessário, tão-somente, que a exposição inicial permita a avaliação do pedido e possibilite a defesa e o contraditório. Quanto à falta de indicação do quantum pleiteado na ação de reparação por danos morais, desnecessária sua formulação na exordial, posto que seu montante está adstrito ao arbítrio do juiz.” (APC n° 2002.01.1.039833-6, Relator : SANDRA DE SANTIS, Publicação no DJU: 10/03/2005 Pág. : 83)

“Não argüida a inépcia da inicial por ocasião da contestação, a matéria torna-se preclusa. E mesmo que assim não o fosse, o vício não existiria, pois o fato de não ter sido especificado o valor pretendido, não invalida a pretensão, posto ter sido deixado ao critério do sentenciante a sua fixação.” (APC n° 1999.01.1.033532-3, Relator : HAYDEVALDA SAMPAIO, Publicação no DJU: 17/12/2003 Pág. : 63)

De outro lado, não há que se falar em prejuízo para o exercício do direito de defesa por parte do réu, pois este aviou sua contestação de forma adequada, não demonstrando a existência de nenhum prejuízo.

Em que pesem os argumentos levantados, não vejo como acolher a preliminar de mérito de decadência.

O réu argumenta que as autoras deixaram transcorrer o prazo previsto no art. 56 da Lei n.º 5.250/67, razão pela qual operou-se a decadência.

Em que pesem os argumentos expedidos, compreendo que o referido dispositivo não foi recepcionado pela Constituição. O art. 5º, caput, da Constituição Federal dispõe, em seu inciso X, que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”, mas não impôs qualquer limitação de tempo ou de valor. Assim, inexistindo requisitos constitucionais para o ajuizamento de ação de indenização por danos morais, a conclusão lógica é que o art. 56 da Lei de Imprensa não foi constitucionalmente recepcionado.

Segundo Arruda Miranda, na obra “Comentários à Lei de Imprensa”, RT, 3ª ed., p. 746, “o art. 56 da Lei de Imprensa limita a 3 meses, da data da publicação ou transmissão que lhe deu causa, a ação para haver indenização por dano moral, prazo esse de decadência. Ocorre que a Constituição Federal de 1998, quando em seu art. 5º, no caput, estabeleceu a igualdade de todos perante a lei e, no inciso X, prescreveu a inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, também assegurou o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação, igualando os dois efeitos, sem ressalvas, revogando, implicitamente, o citado prazo decadencial. (…) nem seria compreensível um prazo tão restrito para um dano tão grave como é o dano moral em relação ao dano material, que não tem prazo. Seria evidente cerceamento de defesa uma tal disposição, pois o indivíduo ofendido que estivesse ausente do local na data da publicação da ofensa, em viagem, e voltasse após transcorridos os 3 meses, ficaria sem defesa, marcado pela ofensa a sua honra, só podendo reclamar dano material que venha a existir”.


Neste sentido trago a colação os presentes arestos que corroboram com a presente decisão:

“CONSTITUCIONAL. CIVIL. DANO MORAL: OFENSA PRATICADA PELA IMPRENSA. DECADÊNCIA: Lei 5.250, de 9.02.67 – Lei de Imprensa – art. 56: NÃO-RECEPÇÃO PELA CF/88, art. 5º, V e X. I. – O art. 56 da Lei 5.250/67 – Lei de Imprensa – não foi recebido pela Constituição de 1988, art. 5º, incisos V e X. II. – R.E. conhecido e provido.” (RE 420784 / SP, Relator: Min. CARLOS VELLOSO, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação: DJ 25-06-2004 PP-00066 EMENT VOL-02157-10 PP-01871)

“I – O prazo decadencial previsto no art. 56 da Lei de Imprensa não foi recepcionado pela carta magna de 1988. Precedentes da corte e do superior tribunal de justiça.” (APC 2002.01.1.045046-3/DF, 1ºT., Rel. Des. Nívio Gonçalves, Julg. 24.11.03, DJU 17.02.04, p. 110) (grifo nosso)

“1. Inúmeros precedentes das Turmas integrantes da Segunda Seção desta Corte apontam no sentido de que, com o advento da Constituição de 1988, não mais prevalece o prazo decadencial nem a tarifação da indenização devida por dano moral, decorrente da publicação considerada ofensiva à honra e à dignidade das pessoas. Precedentes.” (AgRg no AG 605917/RJ, 4ºT., Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, Julg. 14.12.04, DJ 01.02.05, p. 573) (grifo nosso)

Rejeito, portanto, as preliminares. Passo à apreciação do mérito.

DO MÉRITO

A imprensa desempenha notável papel no atual estado democrático, na medida em que faz veicular informações de relevância política e econômica, além de estimular críticas e exercer um policiamento na conduta dos administradores públicos e demais Autoridades.

Esse exercício tem amparo constitucional, consoante se verifica pelo artigo 220. Confira-se:

“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”.

Da disposição do § 1º suso extraem-se:

“Art. 5º …

“IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XIII – é livre o exercício de qualquer trabalho, oficio ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;

XIV – é assegurado a todos o acesso a informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional”.

Poder-se-ia acrescentar, porquanto pertinente, o seguinte inciso:

“IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.

Do quanto escrito, extrai-se que, não obstante a proteção ao direito de informação, pelas restrições contidas na parte final do § 1º do art. 220, a Constituição garante, por outro lado, o direito à dignidade da pessoa, na medida que restringe o exercício de comunicação, quando em conflito com alguns dos direitos e garantias particulares, considerados fundamentais. Há, portanto, o que se poderia denominar de antinomia, dadas as circunstâncias de confrontos entre direitos constitucionalmente garantidos.

Contudo, sendo certo que inexistem antinomias constitucionais, confere-se ao aplicador da lei o direito-dever de observar, entre os direitos assegurados, o de maior prevalência, no particular, a fim de se dar maior efetividade às disposições constitucionais. Os valores constitucionalmente garantidos não se subordinam uns aos outros, mas se harmonizam entre si, em função de seu caráter relativo, que deve ser apreciado em cada caso, dentro do qual entraram em conflito.

Confira-se a lição de Alexandre de Morais, in Direito Constitucional, 12ª e., p. 43/4:

“O conflito entre direitos e bens constitucionalmente protegidos resulta do fato de a Constituição proteger certos bens jurídicos (saúde pública, segurança, liberdade de imprensa, integridade territorial, defesa nacional, família, idosos, índios, etc), que podem vir a envolver-se numa relação do conflito ou colisão. Para solucionar-se esse conflito, compatibilizando-se as normas constitucionais, a fim de que todas tenham aplicabilidade, a doutrina aponta diversas regras de hermenêutica constitucional em auxilio ao intérprete(…)

Canotilho enumera diversos princípios e regras interpretativas das normas constitucionais:


” da unidade da constituição: a interpretação constitucional deve ser realizada de maneira a evitar contradições entre suas normas;

” da concordância prática ou da harmonização: exige-se a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito de forma a evitar o sacrifício total de uns em relação aos outros.(…)

Aponta, igualmente, com Vital Moreira, a necessidade de delimitação do âmbito normativo de cada norma constitucional, vislumbrando-se sua razão de existência, finalidade e extensão.

Esses princípios são perfeitamente completados por algumas regras propostas por Jorge Miranda:

” A contradição dos princípios deve ser superada, ou por meio da redução proporcional do âmbito de alcance de cada um deles, ou, em alguns casos, mediante a preferência ou a prioridade de certos princípios”.

No Brasil, considerando que o direito à informação e os direitos personalíssimos estão lado a lado, não existe hierarquia entre eles. Mas como todo direito está sujeito a restrição, um sempre será limitado pelo outro, porquanto seu exercício depende de ausência de abuso, a fim de se garantir a convivência harmônica entre eles.

Extrai-se dos autos que se encontram em conflito dois direitos constitucionalmente garantidos, quais sejam, o direito do Requerido de informação e o direito das autoras em ver preservada as suas intimidades. Da lição destacada, vislumbra-se, na espécie, que, conquanto o Requerido tivesse garantido o seu direito de informar, não poderia violar o direito fundamental das autoras, qual seja, o direito à sua dignidade.

Considera-se, ademais, a circunstância de que referido direito está erigido como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, consoante se verifica do art. 1º da nossa Constituição.

Confira-se:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III – a dignidade da pessoa humana.”

Assim, a dignidade da pessoa humana passa a ser o vetor do ordenamento jurídico, razão pela qual a sua ofensa pode gerar, e normalmente gera, direito à reparação por um dano moral experimentado.

Se por um lado, a Constituição Federal veda a prática da censura, por outro não se revela censura a atividade que visa a responsabilizar depois que a expressão se exteriorizou. Assim, embora a censura seja proibida, os responsáveis pelos meios de comunicação não detêm a liberdade de veicularem o que bem entenderem. E se as notícias ou opiniões veiculadas forem inexatas ou falsas, agindo dolosa ou culposamente, estarão eles sujeitos a sanções previstas na Constituição e na legislação infraconstitucional.

Isso porque o direito à informação deve atender à sua função social e, como tal, gera ônus e riscos para quem pratica a atividade em questão.

Ensina Antônio Jeová Santos, in Dano Moral Indenizável, 4ª e., p. 300:

“Para a divulgação de fatos, necessária a constatação de que eles ocorreram no mundo exterior da realidade de quem é incumbido pela pesquisa da informação. Em princípio, emite-se um juízo de existência do fato. Se o informador agrega o que pensa sobre o acontecimento, está efetuando juízo de valor (…). Apesar disto, aos meios de comunicação não é dado confiar cegamente nas fontes e deixar de checar as informações até joeirar o falso do veraz. Afinal, o meio de comunicação assume a responsabilidade de verificar de forma exaustiva, o que vai publicar, e não pode ser esquecido que ele assume o risco pelas possíveis inexatidões da notícia.

O Des. Álvaro Lazzarini, em lapidar acórdão ressaltou que ‘o direito à informação, por inserido no art. 5º da Constituição, com que alguns repórteres invocam para pressionar desavisados, é também um dever, é um direito-dever de bem informar ao leitor, em especial quando em confronto com o direito à inviolabilidade da intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas (art. 5º, X, da CF), que, repete-se, não pode ser culpadas até o transito em julgado da sentença penal condenatória (art. 5º, LVII, da CF)'”.

O certo é que a proteção constitucional da liberdade de imprensa não exclui a responsabilidade civil pelos danos que causam quando, por meio dela, são vulneradas a dignidade, a honra, a intimidade ou os sentimentos do ofendido.

É assente na doutrina que a responsabilidade civil, inclusive para a indenização por danos morais, tem por fundamento a existência de uma conduta culposa, a existência de dano e a relação de causalidade entre eles. Passo a examinar estes elementos.

DA CULPA

A culpa, segundo o conceito mais corrente, é “… o descumprimento de um dever de cuidado, que o agente podia conhecer e observar, ou, como querem outros, a omissão de diligência exigível….” (FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo. Malheiros, 2000, pág. 37).


No caso dos fatos envolvendo o exercício da atividade jornalística a caracterização de uma conduta culposa pode ser identificada na inobservância dos limites impostos pelas normas jurídicas e éticas que disciplinam o seu exercício, considerado como um dos pilares do regime democrático e posto na Constituição Federal como um dos instrumentos da ordem social na organização do Estado brasileiro (art. 220 da CF).

É certo que esta atividade tem na proteção à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas os limites de sua atuação (art. 5º, inciso X da CF). O abuso no exercício da liberdade de expressão consiste tanto no desrespeito a estes valores antes citados, quando no descumprimento de procedimentos profissionais necessários ao exercício da função jornalística dentro dos patrões éticos e jurídicos.

A liberdade de expressão não foi estabelecida para dar ao estardalhaço, ao sensacionalismo e à ganância por tiragem ou índices de audiência carta branca e espezinhar os mais relevantes valores da pessoa humana. De outra parte, a excessiva sensibilidade à crítica não pode restringir o direito de informar, consagrado na Carta de Direitos.

Tanto assim, que as garantias fundamentais colocam a liberdade (inclusive de expressão) no mesmo patamar de importância da vida (com a garantia da honra), na forma do art. 5º da Constituição Federal.

O tema central da lide posta assenta-se na denominada colisão de direitos fundamentais. Isso porque há proteção constitucional simultânea de não apenas um, mas três princípios fundamentais da ordem fundamental, os quais, neste caso, encontram-se em inevitável tensão.

O embate está travado entre a “liberdade de imprensa” (artigo 220, § 1º, da CF) e os “direitos individuais” honra e imagem das pessoas (artigo 5º, inciso X, da CF), e o princípio republicano (art. 1º.), que exige transparência e publicidade da atividade dos agentes públicos (art. 37 da Constituição Federal).

Para se efetuar o exame da relação entre esses direitos fundamentais, o intérprete do direito precisa encontrar o ponto de equilíbrio entre os valores constitucionais em contradição, pois decorre do princípio da unidade constitucional o fato de que a Constituição Federal não pode estar em colisão consigo mesma.

Em socorro à solução do conflito entre o exercício da liberdade de imprensa e o respeito à inviolabilidade dos direitos individuais vem o princípio da proporcionalidade, no sentido de indicar se o meio utilizado encontra-se em razoável proporção como fim perseguido, complementando o juízo de adequação e necessidade, o qual, muitas vezes, não é bastante para determinar a justiça da medida adotada (BASTOS, Suzana Toledo. O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais. 3ª ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2003, pp. 84 e 85).

A ordem constitucional não concebeu a liberdade de expressão como direito absoluto. Pelo contrário, subordinou expressamente o exercício dessa liberdade à observância do “disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV”, como prescrito no § 1º, do artigo 220, da Constituição Federal.

Sobre o tema ensina o Ministro GILMAR FERREIRA MENDES:

“Como se vê, a formulação aparentemente negativa contém, em verdade, uma autorização para o legislador disciplinar o exercício da liberdade de imprensa, tendo em vista sobretudo a proibição do anonimato, a outorga do direito de resposta e a inviolabilidade da intimidade da vida privada, a honra e da imagem das pessoas. Do contrário, não haveria razão para que se mencionassem expressamente esses princípios como limites para o exercício da liberdade de imprensa. Tem-se, pois, aqui expressa a reserva legal qualificada, que autoriza o estabelecimento de restrição à liberdade de imprensa com vistas a preservar outros direitos individuais, não menos significativos, como os direitos da personalidade em geral” (in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade. Estudos de Direito Constitucional. Instituto Brasileiro de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Ribeiro Bastos Editor, 1998, p. 87) (grifos não constam no original).

De outra parte o direito à intimidade e à honra também não são absolutos. É que os direitos fundamentais se expressam em princípios, os quais não encerram ordens concretas, mas valores a serem concretizados mediante um procedimento de otimização.

Como destaca o jurista belga Robert Alexy, os princípios encerram determinações. Não são normas vagas, porém têm uma tarefa que é a de otimizar o valor que encerra, como nos ensina o jurista belga Robert Alexi (ALEXY, Robert: Derecho y Razon práctica. México: Biblioteca de Ética, Filosofia Del Derecho y Política, 1993, p. 15.)

Assim, a intimidade e a honra não se postam como muros de proteção contra qualquer crítica feita dentro dos parâmetros da razoabilidade que é natural na vida em sociedade.


No exercício da atividade pública a crítica e a divergência de opiniões sobre a conduta dos agentes do estado é não só uma faculdade, mas um dever moral dos cidadãos, que constantemente são convocados a participar das decisões fundamentais da nação (art. 1º. da Constituição Federal).

Para a consecução destes objetivos é que se estabeleceu a publicidade como um dos princípios da atividade do estado.

Por isso, quem age em nome da coletividade deve abdicar de parte de sua intimidade, para submeter-se ao crivo da opinião pública, inclusive por intermédio dos órgãos de imprensa.

Como se destacou, o que não se admite é a má fé e a negligência grosseira no desempenho do direito de informar e emitir opinião.

Embora redigida sob governo de pouco afetos aos valores democráticos, neste ponto, a Lei de Imprensa (Lei n. 5.250/67) soube captar a essência do equilíbrio entre liberdade e responsabilidade ao estabelecer que:

Art. 27. Não constituem abusos no exercício da liberdade de manifestação do pensamento e de informação:

Vl – a divulgação, a discussão e a crítica de atos e decisões do Poder Executivo e seus agentes, desde que não se trate de matéria de natureza reservada ou sigilosa;

Parágrafo único. Nos casos dos incisos II a VI dêste artigo, a reprodução ou noticiário que contenha injúria, calúnia ou difamação deixará de constituir abuso no exercício da liberdade de informação, se forem fiéis e feitas de modo que não demonstrem má-fé.

No caso presente, o mote da questão centra-se nas na análise das reportagens publicadas nos dias 29 de maio de 2001 e 30 de maio de 2001.

É desnecessário transcrever os trechos das matérias jornalísticas, a uma, por haver a cópia integral das reportagens acostadas aos autos às fls. 23 dos presentes autos; a duas, por não haver controvérsia quanto ao conteúdo publicado nos autos.

É certo que a atividade jornalística deve ser prestigiada, pois é um poderoso instrumento de divulgação social dos acontecimentos que interessam a coletividade. Devem os veículos de informação ser um espelho dos fatos ocorridos e devem zelar pela veracidade das notícias publicadas, pois atingem uma massa indeterminada de sujeitos, gozam de grande prestígio social e transparecem uma confiança colossal.

Não pode o jornalista simplesmente confiar na fonte da informação e publicá-la incondicionalmente, pois a repercussão e os efeitos sociais do noticiário poderão causar, além de um mero desconforto, um abalo de grandeza incalculável frente à imagem do sujeito objeto da matéria jornalística.

Novamente, é desnecessária a análise da veracidade dos fatos que são imputados às autoras, pois o próprio réu não os defende. Ora, resta incontroverso nos autos (art. 302 e 334, III, do C.P.C.) que o fato das autoras terem votado contra a cassação do então Sen. Luiz Estevão de Oliveira Neto é infundado e fruto unicamente das manifestações do Sen. Antônio Carlos Magalhães.

O próprio réu sustenta que “não é a imprensa obrigada a examinar os fundamentos de uma declaração ou uma apuração administrativa por ela divulgada, analisando-a para constatar quem realmente falta com a verdade ou o eu deve ser feito para a realização de sua correção.” (fls. 318)

Destaco, inclusive, que sequer houve a produção de um mínimo de elemento de convicção da veracidade dos fatos articulados nas matérias. Portanto, para este juízo é inconteste a falta de fundamento da matéria jornalística levada à publicação.

Não se pode admitir que um veículo de comunicação do porte do réu e de grande influência no meio social possa valer-se de informações despropositadas e divulgá-las indiscriminadamente, pois não pode na contraposição dos direitos haver uma prevalência da notícia infundada em face da dignidade da pessoa humana.

Assim, na colisão de garantias de direito fundamental, deve neste caso haver a prevalência do direito da dignidade da pessoa humana. Resta-se, portanto, caracterizado a culpa do réu.

DO DANO

O pedido centra-se na análise da violação do patrimônio moral da pessoa, patrimônio este consistente no conjunto das atribuições da personalidade. É a “lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo. Editora Malheiros, 2000, pág. 74).

A indenização por dano moral encontra amparo no art. 186 do Código Civil e no próprio texto constitucional, art. 5º, incisos V e X e, para que se configure a responsabilidade, mister a comprovação da conduta do agente, do nexo de causalidade e do dano.

O dano que se verifica é o dano moral.


Dentre os casos que configuram o dano moral indenizável se encontra a integridade moral, em face de estar abalada pela agressão frontal à honra subjetiva e objetiva das autoras, pois as cópias dos e-mails acostados às fls. 43/69 denotam a extensão e a gravidade que as ofensas atingiram a honra das autoras.

Assim, considerando que a obrigação de indenizar civilmente, pela prática de calúnia, difamação ou injúria, não exige a comprovação dos mesmos pressupostos que autorizam a condenação penal, especialmente o dolo, configurada a simples culpa, ainda que in eligendo, do responsável pela notícia veiculada, impõe-se a obrigação de reparação dos danos eventualmente experimentados pela vítima.

A prova do dano, neste caso, como deseja a Requerida, é despicienda. Para a configuração do dano moral não se necessita da demonstração do prejuízo, e sim da prova do fato que deu ensejo ao resultado danoso à moral da vítima, fato esse ilícito e que guarda nexo de causalidade com a lesão sofrida o que, no presente caso, entendo devidamente comprovados. Ademais, mais provas são desnecessárias, na medida em que decorrem das publicações anexadas aos autos e das cópias dos e-mails.

Assim, deve o réu responder por tais danos.

Do valor da indenização

Não há critérios legais para a fixação da indenização, razão pela qual, com esteio na doutrina, devo considerar vários fatores, que se expressam em cláusulas abertas como a reprovabilidade do fato, a intensidade e duração do sofrimento, a capacidade econômica de ambas as partes (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo. Editora Malheiros, 2000, pág. 81).

Nesses casos, os sentimentos e o sofrimento atingem os mais íntimos direitos da personalidade. Não se pode, entretanto, esquecer que o principal fundamento para a indenização por danos morais é o caráter pedagógico da indenização.

No caso presente, além da gravidade do dano, a conduta do réu é merecedora de reprovabilidade excepcional, diante da necessidade de que atos como estes, que causaram prejuízos de várias ordens às autoras, não sejam banalizados.

É relevante, neste caso, o valor de desestímulo para a fixação do dano moral, que representa o caráter pedagógico da reparação.

É que, além do aspecto compensatório, o dano moral tem um efeito preventivo que é observado pela teoria do valor de desestímulo: “a função presente na teoria do valor do desestímulo do espírito lesivo do agente, exerce papel de relativa importância nos futuros atos que venham a ser praticados pelo ofensor no meio social” (REYS, Clayton. Os novos rumos da indenização do dano moral. Rio de Janeiro. 2003, pág. 162).

Esta tendência é verificável também na jurisprudência, conforme já sinalizou o Superior Tribunal de Justiça: “… Ademais, a reparação deve ter fim também pedagógico, de modo a desestimular a prática de outros ilícitos similares…” (RESP 355392 Min. NANCY ANDRIGHI).

Por outro lado, não pode prosperar a tese defendida pelo réu quanto ao valor pretendido a título de reparação, porquanto a jurisprudência tem afastado a tarifação prevista na Lei de Imprensa, se manifestando contrariamente a ela, como se verifica em nosso Tribunal, pelo seguinte precedente:

“III – o Colendo Superior Tribunal de Justiça tem posicionamento firmado no sentido de que a limitação tarifária contida nos arts. 51 e 52 da lei de imprensa é discriminatória e não atende à amplitude indenizatória instituída pelo art. 5°, incisos V e X da Constituição Federal. Nesse sentido, também, a jurisprudência deste egrégio Tribunal de Justiça, inclusive a desta colenda 3ª Turma Cível.” (APC n° 2002.01.5.0009

25-1, relator Lécio Resende, relator designado Wellington Medeiros, DJU 04/12/2002, pág: 43).

Confira-se, outrossim, o enunciado da recente Súmula editada pelo STJ:

Súmula 281: “A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa”.

Neste sentido devem ser consideradas as circunstâncias e a necessidade de que os veículos de comunicação não se valham de informações infundadas para a divulgação, de modo a tornarem confiáveis e justas as publicações.

Considero, estes elementos e o valor de desestímulo, especialmente a necessidade de se reprimir o abuso na ânsia de captar clientela, as condições econômicas das autoras e do réu, para entender que uma indenização de R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais) é suficiente como resposta para o fato da violação do direito de cada autora.

DO DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido para condenar o réu a pagar as autoras, a título de dano moral, a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais), que deverá sofrer correção monetária e juros de 0,5% (meio por cento) ao mês (estes até 10 de janeiro de 2002), a partir de 29 de maio de 2001, data da publicação da primeira edição com as notícias em questão (enunciados 43 e 54 do STJ), e juros de 1% (um por cento) ao mês, a partir de 11 de janeiro de 2002, nos termos do artigo 406 do CC/02 c/c art. 161, § 1°, do CTN. Em conseqüência, julgo extinto o processo com a apreciação do mérito, nos termos do artigo 269, I, do C.P.C.

Condeno, ainda, o réu ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação, nos termos do artigo 20, § 3°, do C.P.C.

Após o trânsito em julgado da decisão e do efetivo recolhimento das custas finais, dê-se baixa na Distribuição e arquive-se.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Brasília/DF, 19 de setembro de 2005.

GIORDANO RESENDE COSTA

Juiz de Direito Substituto

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