Rio São Francisco

AGU e Ibama contestam paralisação das obras no São Francisco

Autor

17 de outubro de 2005, 19h15

As obras de transposição do Rio São Francisco continuam paralisadas por determinação da Justiça. O projeto promete integrar a Bacia do São Francisco com a Bacia do Nordeste Setentrional. Enquanto isso, partes interessadas seguem com a briga. Dessa vez, a Advocacia-Geral da União e o Ibama entraram com duas Reclamações no Supremo Tribunal Federal.

O objetivo é suspender decisões de primeira e segunda instâncias que paralisaram as obras. As decisões em discussão são da 14ª Vara da Justiça Federal da Bahia e do Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Nas Reclamações, a AGU e o Ibama alegam que a competência para julgar as duas ações é do STF porque envolvem conflitos entre a União e os estados, com potencialidade lesiva ao pacto federativo. Além disso, segundo os órgãos, na Reclamação 3.074/MG, o próprio Supremo já decidiu que questões desse tipo não podem ser julgadas pelas instâncias ordinárias, sujeitas a pressões e interesses locais.

Histórico

A primeira ação contra as obras do Projeto do Rio São Francisco foi apresentada pelo Ministério Público Federal. Em primeira instância, foi concedida a liminar para interromper as obras e foi determinada a remessa dos autos ao Supremo. O MPF recorreu ao TRF da 1ª Região e a desembargadora Isabel Galotti, embora tenha determinado a remessa dos autos principais ao STF, decidiu manter as obras paralisadas até a decisão do relator na Corte Suprema.

Na outra ação, proposta pelo MPF, Ministério Público da Bahia e várias entidades de classe e ambientais, o juízo da 14ª Vara da Justiça Federal da Bahia considerou-se competente para apreciar a causa. E concedeu liminar para interromper as obras.

Leia a íntegra da representação

Excelentíssimo Senhor Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal Distribuição por dependência ao Ministro Sepúlveda Pertence, Relator da Reclamação nº 3.074/MG A UNIÃO, pessoa jurídica de direito público interno, devidamente representada por seu Advogado-Geral (art. 4º, III da Lei Complementar nº 73/93), e o INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS –IBAMA, devidamente representada por seu Procurador-Geral, vêm, nos termos do art. 102, I, “l” da Constituição da República de 1988, propor a presente RECLAMAÇÃO COM PEDIDO LIMINAR em caráter de urgência em face da usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal praticada pelo JUÍZO FEDERAL DA 14ª VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DA BAHIA, nos autos do Processo nº 2005.33.00.020557-7. Para tanto, expõe os seguintes argumentos de fato e de direito:

I – DO CASO DOS AUTOS

O Ministério Público Federal, o Ministério Público do Estado da Bahia, a AATR – Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia, o GAMBÁ – Grupo Ambientalista da Bahia, o IAMBA – Instituto de Ação Ambiental da Bahia, a Associação Movimento Paulo Jackson – Ética, Justiça e Cidadania, e a Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Bahia – OAB/BA, todos integrantes do FÓRUM PERMANENTE DE DEFESA DO SÃO FRANCISCO, não resignados com a condução da política governamental conferida ao Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, ajuizaram, em litisconsórcio, ação civil pública em face da União e do IBAMA – Instituto Brasileiro do Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis, pleiteando, liminarmente e inaudita altera pars (processo nº 2005.33.00.020557-7), o seguinte:

a) A suspensão do procedimento de licenciamento ambiental para a obra de transposição do Rio São Francisco, que se encontra em tramitação no IBAMA (tombado sob o nº IBAMA/MMA – ADM CENTRAL, 02001.003718/94- 54SMA);

b) A suspensão dos efeitos da Licença Prévia 200/2005, concedida pelo IBAMA ao Projeto de Integração do São Francisco;

c) Que o IBAMA se abstenha de conceder a Licença de Instalação para o Projeto de Integração do São Francisco;

d) Que a União não pratique qualquer ato tendente a concretizar o Projeto de Integração do São Francisco, tal como a realização de licitação para a obra.

e) A determinação da oitiva imediata das comunidades indígenas que habitam a área da Bacia ligada ao projeto, e a conseqüente submissão do projeto à avaliação do Congresso Nacional.

O juízo reclamado concedeu a liminar, com base no art. 12, da Lei nº 7.347/85, determinando, verbis:

“(…) a) a suspensão do procedimento de licenciamento ambiental para a obra de transposição do Rio São Francisco, que se encontra em tramitação no IBAMA; b) a suspensão dos efeitos da Licença Prévia 200/2005, concedida pelo IBAMA ao PISF; c) a abstenção, pelo IBAMA, da concessão da Licença de Instalação para o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias do Nordeste Setentrional; d) a abstenção, pela União, da prática de qualquer ato tendente à concretização do Projeto de Integração da Bacia do São Francisco, como a efetivação de licitação pública já em curso ou contratações porventura necessárias”.


Ressalte-se, de início, que a ação civil pública na qual foi proferida a decisão acima transcrita (processo nº 2005.33.00.020557-7), foi distribuída por dependência ao processo nº 005.33.00.000008-0, o qual já teve sua remessa determinada a essa Excelsa Corte pelo juízo de primeira instância.

Assim sendo, por entenderem ter havido manifesta usurpação da competência jurisdicional atribuída ao Supremo Tribunal Federal, a União e o IBAMA, sem prejuízo da adoção de todas as medidas judiciais cabíveis nas instâncias inferiores, ajuízam a presente reclamação, com fundamento no art. 102, I, alínea “l”, ab initio, da Constituição da República de 1988, com o propósito de preservá-la.

II – DA DISTRIBUIÇÃO POR DEPENDÊNCIA À RECLAMAÇÃO Nº 3074/MG

Inicialmente, cumpre destacar que a presente reclamação deve ser distribuída por dependência ao Ministro Sepúlveda Pertence, relator da reclamação nº 3074/MG, na qual também se discute o Projeto de Transposição do Rio São Francisco.

Nessa reclamação, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada no dia 04 de agosto do corrente ano, afirmou sua competência originária para processar e julgar as ações que tenham por objeto a transposição do Rio São Francisco, por entender que a discussão sobre tal projeto, além de possuir nítido substrato político, põe em conflito interesses de diversos Estados e da União, com potencialidade lesiva ao pacto federativo.

Assim sendo, em virtude da clara conexão existente entre a reclamação nº 3074/MG e a presente reclamatória, requer-se desde já a sua distribuição por dependência ao Ministro Sepúlveda Pertence.

III – DA USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A União e o IBAMA demonstrarão que o caso sub judice deve ser processado e julgado por esse Pretório Excelso, por força do que dispõe o art. 102, I, “f”, uma vez que: a) trata-se de discussão potencialmente lesiva aos valores que informam o pacto federativo; b) a quaestio iuris envolve tema de eminente substrato político, por se referir a obra de grande magnitude que encampa claro projeto de governo.

III.1. Da lesão ao pacto federativo O art. 102, I, “f”, da Carta Política de 1988, confere ao Supremo Tribunal Federal, pura e simplesmente, a competência para, originariamente, processar e julgar “as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta”.

Desde longa data, porém, a Excelsa Corte pacificou entendimento no sentido de que a inteligência do referido dispositivo constitucional restringe a sua incidência a hipóteses excepcionais, nas quais o equilíbrio federativo esteja sob ameaça.

Com efeito, debruçando-se sobre a mesma norma constitucional hoje insculpida no art. 102, I, “f”, e então presente no art.119, I, “d”, da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, o Ministro Xavier de Albuquerque pontificou que “o dispositivo constitucional invocado visa a resguardar o equilíbrio federativo” (RTJ 81/330-331).

Já na vigência da Constituição da República de 1988, o eminente Ministro Celso de Mello deu contornos ainda mais eloqüentes à restrição imposta à mencionada norma constitucional, salientando a função de Tribunal de Federação exercido pela Corte Suprema e a necessidade de restringir a sua competência para hipóteses em que os valores que informam o princípio federativo no ordenamento jurídico pátrio reclamem o seu resguardo. É o que se verifica da elucidativa passagem do seu voto condutor proferido no julgamento da ACO 359/QO, verbis:

“Esse entendimento jurisprudencial evidencia que a aplicabilidade da norma inscrita no art. 102, I, f, da Carta Política restringe-se, tão-somente, àqueles litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Vale dizer, ausente qualquer situação que introduza instabilidade no equilíbrio federativo ou que ocasione a ruptura da harmonia que deve prevalecer nas relações entre as entidades integrantes do Estado Federal, deixa de incidir, ante a inocorrência dos seus pressupostos de atuação, a norma de competência que confere a esta Suprema Corte o papel eminente de Tribunal de Federação.” (STF – ACO 359 QO – Pleno – Relator Ministro Celso de Mello – DJ 11/03/94)

No caso em exame, tem-se manifestamente a possibilidade de ruptura da harmonia que deve prevalecer entre os entes do Estado Federal, a atrair a competência jurisdicional do Pretório Excelso.

De fato, o procedimento judicial instaurado por meio de ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, pelo Ministério Público do Estado da Bahia, pela Ordem dos Advogados do Brasil e por uma série de associações civis baianas enseja o comprometimento das funções que à União incumbe exercer, ainda que por intermédio do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, tratando-se, pois, de discussão com clara potencialidade ofensiva ao pacto federativo, a reclamar a competência originária dessa Excelsa Corte.


Com efeito, o fato de o Estado da Bahia não constar formalmente do pólo ativo da referida cautelar não retira dessa demanda o seu potencial ofensivo ao equilíbrio do pacto federativo, fundado que está nos valores, entre outros, da justiça, da tranqüilidade nacional e do bemestar geral.

Nesse exato sentido merece registro o voto vencedor do Ministro Sepúlveda Pertence no julgamento da Reclamação 424, in verbis:

“Significativamente, o art. 102, I, “f”, incluiu na competência do tribunal não apenas as causas entre a União e o Estadomembro – o que poderia levar à exigência de que ambos participassem formalmente na relação processual -, mas também os conflitos entre eles, termo que comporta a hipótese de uma contraposição de interesses substanciais entre os dois entes federativos, na qual – malgrado sujeitos ambos da lide -, um deles não o seja do processo, dada a substituição processual pelo autor popular”. (grifou-se).

Do trecho do voto acima transcrito, percebe-se, claramente, que o fato de a demanda não possuir, em ambos os pólos, entes políticos integrantes da federação não impede a configuração do conflito de interesses entre a União e os Estados, uma vez que a referência constitucional a “causas e conflitos” transcende o conceito formal de relação jurídica processual.

Evidencia-se, desse modo, a excepcional competência dessa Colenda Corte para dirimir a controvérsia, ainda que, na origem, esteja ausente o Estado-Membro, uma vez que, pela natureza dos interesses envolvidos, configura-se o conflito entre a União e o Estado da Bahia, na medida em que os autores não defendem direito próprio, coletivo ou difuso, mas sim interesse direto daquele ente federativo.

III.2. Do substrato que envolve o caso sub judice No julgamento da ACO 359/QO, também se decidiu pela necessidade de a questão colocada em debate apresentar substrato político, a justificar a aplicabilidade do disposto no art. 102, I, “f”, da Constituição da República, consoante se verifica, a contrario sensu, da leitura do seguinte trecho, verbis:

“Causas de conteúdo estritamente patrimonial, fundadas em títulos executivos extrajudiciais, sem qualquer substrato político, não justificam se instaure a competência do Supremo Tribunal Federal prevista no art. 102, I, f, da Constituição, ainda que nelas figurem, como sujeitos da relação litigiosa, uma pessoa estatal e um ente dotado de paraestatalidade.”

Ocorre que a causa ora em debate, que se refere ao Projeto de Integração do Rio São Francisco, obra de grande magnitude, possui nítido substrato político, não se constituindo, de forma alguma, em questão de natureza meramente patrimonial.

Com efeito, de acordo com o art. 3º da Constituição Federal de 1988, constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, dentre outros, garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, sendo que, para cumprimento de tal mister, compete unicamente à União:

“Art. 21. (…)

IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico social;

XVIII – planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e inundações;”

Além disso, para atendimento do postulado constitucional insculpido no art. 3º da Carta Magna, também cabe à União, em cooperação com os demais entes da federação:

“Art. 23. (…)

X – combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização, promovendo a integração social dos setores desfavorecidos;”

E é justamente com o propósito de dar concretude aos objetivos fundamentais do Estado brasileiro que a União, por meio do Ministério da Integração Nacional, está desenvolvendo o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, o qual se pretende paralisar sob argumentos insustentáveis.

Desde 1994 o mencionado projeto de integração foi alçado à condição de política governamental, tendo sido criado, na oportunidade, o Grupo de Ações Integradas no âmbito do então Ministério da Integração Regional para o seu desenvolvimento e sua supervisão, com a fixação das finalidades do programa, conforme se extrai dos arts. 1º e 2º do Decreto presidencial de 06 de julho de 1994, in verbis:

“Art. 1º. Fica criado, no Ministério da Integração Regional, o Grupo de Ações Integradas para o desenvolvimento e supervisão do programa do Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco.

Art. 2º. O Programa compreenderá projetos e ações na área do Semi-Árido Nordestino abrangida pelo Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco, tendo por finalidade:

I – remover obstáculos à integração da área à economia regional e nacional;

II – acelerar o desenvolvimento de áreas prioritárias;

III – melhorar as condições de vida e de renda da população rural;

IV – incrementar a produção de alimentos;

V – reduzir o fluxo migratório para as concentrações urbanas.”


Para o governo atual, o Projeto de Revitalização e Integração do Rio São Francisco também se mostra essencial ao combate à seca no Nordeste Setentrional, sendo que apenas no orçamento de 2005 foram alocados recursos da ordem R$ 970 milhões.

A comprovar a condição de política governamental do Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional, a matéria constante da Revista “BRASIL, UM PAÍS DE TODOS”, Ano 2/ Número 4, fls. 49, em que o Governo Federal presta contas à Nação das realizações e informa acerca dos projetos a serem executados para propiciar o desenvolvimento nacional e o combate à seca, especialmente com o Programa de Revitalização e Integração do Rio São Francisco. Confira-se:

“Rio São Francisco O grande projeto do “velho Chico”

O projeto de Revitalização e Integração do Rio São Francisco, discutido no Brasil desde os tempos do Império, finalmente vai sair do papel no próximo ano, resolvendo em definitivo o problema de água na região do semi-árido brasileiro, uma das mais pobres do País, e que deve beneficiar nada menos que 15,1 milhões de pessoas.

Em 2003, o governo federal criou um grupo de trabalho interministerial para discutir a proposta. Em 2004, a meta foi conseguir o licenciamento ambiental do projeto, que deve ser concluído em janeiro do próximo ano, dando início ao cadastramento fundiário para futuras desapropriações. Já foram alocados R$ 970 milhões no Orçamento de 2005 para o início das obras.

O projeto de integração do São Francisco não prevê o desvio do rio, como muito se alardeou, mas sim que uma pequena parte do seu volume – apenas 2% da água que ele joga no mar – seja captada para garantir o consumo humano e animal na região do Polígono das Secas (área que abrange oito Estados nordestinos e mais o norte de Minas Gerais, sujeita a repetidas crises de prolongamento das estiagens).

Quanto à revitalização do rio, as obras já foram iniciadas.

Com 2700 km, banhando cinco Estados (Bahia, Minas Gerais ,Pernambuco, Sergipe e Alagoas), o “velho Chico”, como é conhecido, vem recebendo ações de reflorestamento, controle de erosão, monitoramento da qualidade da água e repovoamento de peixes. Em 2004, o governo investiu R$ 25 milhões nessas ações. Para sistemas de abastecimento de água e tratamento de esgotos nos municípios e comunidades ribeirinhas foram comprometidos R$ 600 milhões em 2004 para a conclusão de obras até 2006. E para garantir os recursos até o final dos trabalhos, o governo enviou ao Congresso proposta De emenda constitucional criando o Fundo para a Revitalização da Bacia do Rio São Francisco.”

Portanto, não resta dúvida de que o Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional constitui política de governo fundamentada nos postulados constitucionais que clamam pelo combate à pobreza e pela redução das desigualdades sociais, com o desenvolvimento harmônico do País.

Assim sendo, a demanda em que se discute a regularidade do exercício de função atribuída constitucionalmente à União traduz-se, essencialmente, em política governamental que, na hipótese dos autos, reclama a competência jurisdicional da Suprema Corte, por apresentar evidente substrato político, e colocar em risco o próprio equilíbrio federativo.

III – DO PRECEDENTE FIRMADO PELO PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

A comprovar os argumentos acima suscitados em favor da competência originária desse Pretório Excelso para julgamento das causas que envolvam o Projeto de Integração do Rio São Francisco, pode ser citada recente reclamação1 ajuizada pela União, em que se discutia também esse mesmo Projeto.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de flagrante conflito federativo e a sua conseqüente competência para julgar o feito. Veja-se a decisão monocrática do Ministro Nelson Jobim, verbis:

1 Reclamação nº 3074, Relator, Ministro Sepúlveda Pertence.

2. Da Decisão. O art. 102, I, f, da CF preceitua:

“Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I – processar e julgar, originariamente:- f) as causas e os conflitos entre a União e os Estados, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta.”

A matéria em questão configura-se em política governamental, que transcende aos interesses locais do Estado de Minas Gerais. Em razão da importância do tema e do evidente cunho político, que envolve também os princípios informadores do pacto federativo, caracteriza-se, a competência desta Corte. Há precedentes nesse sentido:

“O art. 102, I, f, da Constituição confere ao STF a posição eminente de Tribunal da Federação, atribuindo-lhe, nessa condição, o poder de dirimir as controvérsias que, irrompendo no seio do Estado Federal, oponham as unidades federadas umas as outras. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, na definição do alcance dessa regra de competência originária da Corte, tem enfatizado o seu caráter de absoluta excepcionalidade, restringindo a sua incidência às hipóteses de litígios cuja potencialidade ofensiva revele-se apta a vulnerar os valores que informam o princípio fundamental que rege, em nosso ordenamento jurídico, o pacto da Federação. Ausente qualquer situação que introduza a instabilidade no equilíbrio federativo ou que ocasione a ruptura da harmonia que deve prevalecer nas relações entre as entidades integrantes do Estado Federal, deixa de incidir, ante a inocorrência dos seus pressupostos de atuação, a norma de competência prevista no art. 102, I, f, da Constituição. – Causas de conteúdo estritamente patrimonial, fundadas em títulos executivos extrajudiciais, sem qualquer substrato político, não justificam se instaure a competência do Supremo Tribunal Federal prevista no art. 102, I, f, da Constituição, ainda que nelas figurem, como sujeitos da relação litigiosa, uma pessoa estatal e um ente dotado de paraestatalidade.” (ACO 359 QO – Pleno -Relator Ministro Celso de Mello – DJ 11/03/94)

.

Ademais, o meio ambiente, bem que se pretende preservar na ação civil pública, não parece sofrer ameaça, diante da simples realização de audiência pública marcada exatamente para “discussão do Relatório do Impacto Ambiental – RIMA relativo ao Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional”.

Assim, ante a manifesta usurpação de competência desta Corte, defiro a liminar para cassar a decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública, até o julgamento de mérito desta Reclamação.

Comunique-se, com urgência, por fac-símile, ao Juízo da 12ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Minas Gerais, ao Estado de Minas Gerais, à Gerência- Executiva do Ibama em Minas Gerais, ao IBAMA e à União.

Publique-se. Brasília, 25 de janeiro de 2005. Ministro NELSON JOBIM Presidente”.


Tal reclamação foi apreciada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no último dia 04 de agosto de 2005, o qual a julgou procedente, afirmando a sua competência para julgar ações que tenham por objeto discussão relativa ao Projeto de Transposição do Rio São Francisco. Veja-se o teor do acórdão, verbis:

“Reclamação: procedência: usurpação de competência originária do Supremo Tribunal (CF., art . 102, I, ‘f’).

Ação civil pública em que o Estado de Minas Gerais, no interesse da proteção ambiental do seu território, pretende impor exigências à atuação do IBAMA no licenciamento de obra federal – Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional: caso típico de existência de ‘conflito federativo’, em que o eventual acolhimento da demanda acarretará reflexos diretos sobre o tempo de implementação ou a própria viabilidade de um projeto de grande vulto do governo da União.

Precedente: ACO 593 – QO, 7.6.01, Néri da Silveira, RTJ 182/420.” (destaque não constante do texto original)

Nesse sentido, observa-se que os efeitos decorrentes da discussão travada nos autos da ação civil pública, que poderá paralisar o Projeto de Integração do Rio São Francisco, serão suportados não apenas pelo Estado da Bahia e pela União, mas também por todos os Estados nordestinos, o que seguramente delineia e confirma o caráter essencialmente político da questão.

De fato, um projeto de tamanha envergadura não pode ficar ao alvedrio de decisões judiciais vindas dos “quatro cantos do país”, ferindo a competência originária dessa Suprema Corte construída sobre precedentes muitas vezes menores que a presente questão. Quanto a isso, registre-se a Intervenção do Ministro Sepúlveda Pertence ainda no julgamento da reclamação 3074:

“(…).

É preciso ir aos precedentes. Quando temos recusado a nossa competência? Na ACO 396, FURNAS cobrava tarifas da CESP.

Na ACO 417, da minha relatoria, o IAPAS cobrava contribuição previdenciária devida por um Estado. Na ACO 359, relator o Ministro Celso de Mello, o Banco do Estado de São Paulo executava um crédito seu garantido por fiança do Estado do Maranhão E assim por diante. A ACO 509, relator o Ministro Carlos Velloso, tratava da cobrança de uma fundação estadual contra fundação federal.

Julgávamos, porém, já haver ´conflito federativo’, quando uma autarquia federal litigava com um Estado-Membro sob domínio de determinadas glebas de terras devolutas: na ACO 519, relator o Ministro Néri da Silveira, a União contendia com uma autarquia estadual, o ITERPA, sobre a validade ou nulidade de títulos de terra por ela, autarquia estadual, emitidos.

Tudo muito menor que a questão da integração da Bacia do Rio São Francisco com a Bacia do Nordeste setentrional, em que diversos Estados se opõem à obra ou a aspectos ambientais dos estudos da obra.

Nela, porém, evidentemente, está em causa um imenso projeto governamental, que não deve ficar sujeito, em cada unidade da Federação, a querelas locais”. (grifou-se).

Como não bastasse o indiscutível caráter político da discussão que está sendo travada nos autos da ação civil pública em que foi proferida a decisão ora atacada, a magnitude e a importância dos interesses envolvidos também poderão vir a afetar sensivelmente o equilíbrio federativo, atraindo para si a competência do Supremo Tribunal Federal, como bem já salientou o eminente Ministro Carlos Velloso no seguinte excerto:

“a competência originária do SupremoTribunal Federal inscrita no art. 102, I, f, da Constituição é para questões que, por sua importância ou pela importância dos interesses em debate, podem pôr em risco a harmonia federativa”. (STF – Pleno – ACO 509/DF – Relator Ministro Carlos Velloso)

Nessa linha, importante se faz registrar mais uma vez que os interesses envolvidos na demanda não se restringem tão-somente às esferas da União e do Estado da Bahia, mas, também, de mais sete Estados Federados, o que certamente coloca o Supremo Tribunal Federal como o único órgão jurisdicional apto a processar e julgar o feito.

III – DA POSSIBILIDADE DE DANO IRREPARÁVEL

A demonstração de efetiva usurpação de competência por parte do Juízo Federal da 14ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado da Bahia mostra-se suficiente para respaldar o deferimento de provimento liminar consistente na suspensão do trâmite do processo nº 2005.33.00.020557-7, assim como, e principalmente, dos efeitos da liminar nele concedida.

Sem embargo, não se pode conceber que decisão proferida por juízo manifestamente incompetente, em claro desrespeito à competência do Supremo Tribunal Federal, continue a propalar efeitos. Certo é que o juízo reclamado é absolutamente incompetente para processar e julgar o feito, razão pela qual todos os atos decisórios por ele praticados são nulos de pleno direito, conforme preceitua o art. 113, § 2º, do Código de Processo Civil.


No caso dos autos, a par da patente competência dessa Excelsa Corte, a suspensão das fases do projeto que impliquem execução de obra, provoca graves danos à política governamental relativa ao Projeto de Integração do Rio São Francisco, impedindo o cumprimento da função constitucional atribuída à União, como bem ressaltado no corpo da petição.

Ademais, a continuidade desse projeto nenhum dano traz ao Estado da Bahia, ao meio ambiente e à sua população, nem mesmo aquela que reside em torno da bacia do Rio São Francisco, sendo inteiramente despropositado e descabido o periculum in mora vislumbrado pelas autoridades reclamadas.

De fato, o meio ambiente, bem público que supostamente se pretendeu proteger no provimento liminar proferido na ação civil pública, não está nem estará sofrendo qualquer ameaça com a continuidade das fases do projeto, iniciada com a realização de inúmeras audiências públicas, seguida do processo de licenciamento ambiental. A pretensão dos autores da ação na qual foi proferida a decisão ora reclamada resume-se à indicação de alguns vícios formais no procedimento de licenciamento ambiental e nas ações governamentais tendentes à implantação do projeto.

Mas tais argumentos não resistem a uma análise mais profunda do tema. Logo se vê que não há sequer uma justificativa plausível que indique que o meio ambiente, ou qualquer outro interesse público, possa vir a sofrer dano de natureza irreparável com a implantação do Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco na presente demanda, de modo que concessão da medida liminar por parte do juízo reclamado, com intuito de paralisar a implantação do referido projeto, mostra-se totalmente injustificada.

Afinal, diante do princípio da continuidade do serviço público, os projetos a serem implantados pela administração pública não podem estar sujeitos a interrupções sem justa causa, que não se fundem em um mínimo de suporte probatório que indique a necessária intervenção do Poder Judiciário.

Entender de forma contrária significa jogar por terra o princípio constitucional da Separação dos Poderes, pois se trataria de clara hipótese de interferência do Poder Judiciário no Poder Executivo, em sede de cognição sumária, sem a necessária e imprescindível demonstração de que posições subjetivas estariam sob o risco da atuação estatal.

Esclareça-se, desde já, que não se trata aqui, sob hipótese alguma, de defender a soberania e a supremacia dos atos administrativos diante da atividade jurisdicional, mas simplesmente de registrar que o Poder Judiciário somente pode intervir em atos do Poder Executivo em sede de tutela de urgência diante de uma aparência mínima de desvio administrativo cumulada com o risco de grave dano ao interesse público.

Lembre-se que a atividade administrativa pressupõe a necessária solução de conflitos de interesses, de maneira que, a se admitir a injustificada paralisação de sua atividade, bastará aos administrados que tenham seus interesses sobrepujados pelo interesse público recorrer ao Judiciário e pleitear, sem a necessidade de qualquer respaldo jurídico à sua tese – como acontece no caso dos autos -, a suspensão da atividade administrativa até que o órgão jurisdicional, após longo período, se manifeste definitivamente sobre o caso. Instalado estará, pois, o caos.

A esse respeito, aliás, citando o magistério de Hely Lopes Meirelles, assim se manifestaram Arnold Wald e Gilmar Ferreira Mendes:

“O uso generalizado e indiscriminado das ações civis públicas como outrora do hábeas corpus, dos interditos possessórios e do próprio mandado de segurança, pode constituir séria ameaça à ordem jurídica e ensejar um clima de litigiosidade, insegurança e contestação generalizada, que é nocivo ao desenvolvimento do país. O risco apresentado é proporcional à densidade e efetividade do remédio, como está ocorrendo em relação às armas atômicas e aos antibióticos, já antes referidos.

O uso desenfreado dos novos remédios pode ameaçar a manutenção da ordem jurídica e impedir o bom funcionamento da Administração, da Justiça e da Economia. Já o insuspeito defensor das instituições democráticas e dos remédios processuais de maior densidade que foi Hely Lopes Meirelles teve o ensejo de salientar, há alguns anos atrás, na presente obra, que “a ação popular vem sendo desvirtuada e utilizada como meio de oposição política de uma Administração a outra, o que exige do Judiciário redobrada prudência no seu julgamento, para que não a transforme em instrumento de vindicta partidária, nem impeça a realização de obras e serviços públicos essenciais à comunidade que ela visa a proteger” (MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança. 27ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, pp. 232/233)


Ora, na espécie dos autos não restou apontado sequer um dano concreto ao interesse público, estando a ação proposta fundada apenas em ilações e suposições que não encontram esteio em qualquer elemento constante dos autos, e nem mesmo – e nem poderia ser de outra forma – , nos argumentos vazios elencados na petição inicial.

Diante disso, não se mostra correta a suplicada aplicação do princípio ambiental da precaução ao caso, pois não se está diante da existência de qualquer dúvida razoável, devidamente justificada, quanto à ocorrência de danos ambientais, mas apenas de meras conjecturas.

A par disso, o procedimento de licenciamento ambiental que está sendo processado pelo IBAMA não apresenta quaisquer dos supostos vícios suscitados na exordial, razão pela qual, inclusive, a licença prévia já foi concedida.

Ora, não custa lembrar que o órgão responsável pela verificação da legalidade e da regularidade dos procedimentos ambientais da obra em discussão é o IBAMA, e não o Ministério Público. Não se pode admitir que o Parquet, via ação civil pública, oponha-se injustificadamente a projetos de governo importantes, no intuito claro de confundir os seus interesses com o interesse público e de arvorar-se a condição de único conhecedor da real vontade comum.

Cabe ao Ministério Público, como custos legis, velar pelos interesses supra-individuais decorrentes da má-aplicação da lei, vedandose- lhe, todavia, atentar contra objetivos políticos de suma relevância, contidos em programas governamentais que visam a atender os interesses da comunidade, obedecendo à legítima reserva de atuação política discricionária. “O Parquet não pode querer transformar-se em senhor dos interesses sociais, contrapondo-se aos mesmos, a revelar-se ‘mais realista do que o rei’” (Cf. voto do Ministro Luiz Fux, do STJ, no julgamento do REsp 434.283)

Registre-se, ainda, que o início do procedimento de licenciamento ambiental prescinde da apresentação da documentação reclamada na inicial.

Com efeito, o licenciamento ambiental constitui-se em procedimento complexo, que requer uma série de providências do empreendedor que não necessariamente deverão ser apresentadas por ocasião do protocolo do pedido. Tal fato, por si só, já comprova a fragilidade dos argumentos dos autores.

Não obstante, como já dito, o IBAMA concedeu a licença prévia para o projeto, que consiste tão-somente em licença concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implantação, a teor do disposto no art. 8º da Resolução 237/97 do CONAMA:

“Art. 8º – O Poder Público, no exercício de sua competência de controle, expedirá as seguintes licenças:

I – Licença Prévia (LP) – concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;

II – Licença de Instalação (LI) – autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante;

III – Licença de Operação (LO) – autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.

Parágrafo único – As licenças ambientais poderão ser expedidas isolada ou sucessivamente, de acordo com a natureza, características e fase do empreendimento ou atividade.

Observe-se que a concessão da licença prévia não esgota o procedimento de licenciamento ambiental, que terá continuidade com a verificação do cumprimento das condicionantes impostas pelo IBAMA ao projeto, para posteriormente se conceder a licença de instalação e, por último, a licença de operação.

Isso tudo demonstra a seriedade do governo e a submissão do Projeto de Integração da Bacia do São Francisco a normas exclusivamente técnicas. Definitivamente, não há se falar em sobreposição de interesses políticos a técnicos.

Quanto à vaga alegação de que haveria várias outras alternativas ao Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco, menos custosas e mais úteis ao seu propósito, cumpre consignar que os autores, apesar de darem ênfase à questão, não indicaram qualquer outra solução para o problema do semi-árido nordestino.

Vale registrar que, nos termos do art. 5º, I, da Resolução 01/86 do CONAMA, caberia ao EIA apresentar as alternativas tecnológicas e de localização do projeto, confrontando-se com a hipótese de não execução do mesmo. E diante do tema, assim se manifestou o Parecer nº 031/2005 – COLIC/CGLIC/DILIQ/IBAMA, que analisou o Projeto após a apresentação do EIA/RIMA:


“5. ANÁLISE

Neste item, prevê-se a avaliação dos principais tópicos abordados pelo proponente do empreendimento ao longo do Estudo de Impacto Ambiental, dentre os quais cabem ser destacados as alternativas tecnológicas, o diagnóstico ambiental, a avaliação dos impactos ambientais (conforme proposto pelo empreendedor), impactos adicionais (não propostos e avaliados pelo empreendedor), além das medidas mitigadoras. Por fim, este documento pretende tecer algumas considerações acerca de possíveis impactos incidentes na bacia doadora e nas bacias receptoras, não considerados no estudo.

5.1 – Alternativas tecnológicas ao Projeto de Integração de Bacias:

O estudo apresentou uma aboradgem sobre as várias alternativas consideradas como passíveis de suprimento para a demanda hídrica da região do semi-árido, no nordeste setentrional, destacando-se: açudagem e água subterrânea. No primeiro caso, conclui que a disponibilidade hídrica, mesmo considerando a construção e a entrada em operação de novos reservatórios projetados, não atenderia a demanda estimada para cenários futuros. No segundo caso, a disponibilidade hídrica, quando existente (aqüíferos limitados ou mal distribuídos no espaço regional), esbarra na qualidade das águas, visto ser esta uma região de característica geológica essencialmente cristalina, com aqüíferos pouco significativos. Mesmo em áreas notadamente sedimentares, onde a oferta e a capacidade de recarga são ampliadas, a disponibilidade apresenta-se com significativas concentrações de sal.

Embora controverso, o fato é que, apesar destas serem alternativas viáveis, representam meios de abastecimento locais (principalmente o uso de cisternas e de água subterrânea), não se caracterizando como capazes de substituir o Projeto de Integração em seu objetivo principal, que é dar garantia hídrica à região. Ressalta-se que não foi feita uma abordagem da compatibilização destas alternativas com o empreendimento de forma a reduzir o volume de água a ser transposto pelo mesmo.”

Como se viu, o parecer acima reproduzido demonstra que o Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco á a alternativa mais eficaz para o propósito de promover o equilíbrio de oportunidades para a população residente na região semi-árida nordestina, o que, ao lado da falta de indicação de alternativas pelos autores, somente comprova que a alegação de que o Projeto não seria a melhor alternativa carece de fundamento técnico, não devendo, por isso, ser considerada para fins de deferimento de medida cautelar.

Ademais, definir qual a medida administrativa a ser adotada para dar concretude aos direitos fundamentais da população do semi-árido nordestino é tarefa exclusiva da administração pública, não cabendo ao Poder Judiciário fazer às vezes do administrador, excluindo as alternativas de solução do problema que aos seus olhos não pareçam as melhores.

Decididamente, se não há ilegalidade no ato administrativo, como se demonstra na hipótese, tratando de opção sujeita à discricionariedade do administrador, não pode o Poder Judiciário intervir sob hipótese alguma.

Não há se falar também que o Governo Federal estaria desrespeitando o princípio da participação popular ao levar adiante o projeto sem considerar que diversos segmentos da sociedade civil, em Conferência Nacional do Meio Ambiente realizada em 2003, deliberaram proibir a “transposição” do Rio São Francisco.

Ora, em primeiro lugar cumpre esclarecer que a Conferência Nacional do Meio Ambiente não constituiu o meio próprio para a discussão do Projeto de Integração, inclusive porque nele não foi apreciado o EIA/RIMA.

Em segundo lugar, registre-se que a participação popular em projetos desse porte não visa a submetê-lo à aprovação, mas expor aos interessados o conteúdo do EIA/RIMA, esclarecer dúvidas e recolher críticas e sugestões, o que, por óbvio, não foi feito naquele foro.

Além disso, o requisito da participação popular foi plenamente atendido na medida em que foram oportunizadas tais informações e esclarecimentos sobre o projeto por meio de 09 (nove) audiências públicas designadas para diferentes cidades, não se podendo afirmar que a administração desconsiderou a participação popular.

Deixe-se claro, por oportuno, que a manifestação popular nessas audiências públicas não vincula o administrador, e até mesmo não teria como, pois diante de opiniões diversas, a favor e contrárias ao projeto, como se sucedeu no caso em análise, cabe ao administrador, e somente a ele, solucionar o conflito de interesses, definindo qual solução melhor atende ao interesse público.

E no caso do semi-árido nordestino, após ponderar todas as circunstâncias técnicas apresentadas, inclusive o conflito de interesses entre as populações diretamente afetadas pelo Projeto, o Governo optou – diga-se de passagem, legitimamente, pois para tanto foi eleito – pela implantação do Projeto de Integração do Rio São Francisco.

Por fim, importa consignar que a alegação de que o EIA seria frágil não mostra relevância, pois não lograram os autores demonstrar qualquer deficiência, limitando-se a declarar a sua irresignação sem qualquer amparo técnico.

Desse modo, demonstra-se que a manutenção da liminar que impede o prosseguimento do Projeto de Integração da Bacia do Rio São Francisco não encontra respaldo nos autos, devendo por isso, e pelo fato de ter sido proferida por juízo incompetente, ser suspensa liminarmente, e cassada ao final da demanda.

Em verdade, observa-se na espécie a existência de periculum in mora inverso, na medida em que a União, os Estados envolvidos e todas as pessoas residentes no semi-árido nordestino que eventualmente poderiam vir a ser beneficiadas com o projeto, certamente serão prejudicadas pela paralisação do processo de licenciamento ambiental e das fases subseqüentes do projeto.

Por tudo isso, é imperiosa a concessão do pedido liminar, para suspender o trâmite do processos nº 2005.33.00.020557-7, assim como, e principalmente, dos efeitos da liminar nele concedida, que impede o prosseguimento do Projeto de Revitalização e Integração da Bacia do Rio São Francisco.

IV – CONCLUSÃO E PEDIDOS

Ex positis, requerem a União e o IBAMA, liminarmente, seja suspenso o trâmite do processo nº 2005.33.00.020557-7, bem como os efeitos da liminar concedida pelo juízo reclamado que ainda impede o prosseguimento do Projeto de Revitalização e Integração da Bacia do Rio São Francisco.

Em provimento definitivo, pleiteiam os reclamantes, nos termos do art. 161, I, do RISTF, seja avocado o conhecimento do processo em que se verifica a usurpação de competência do Supremo Tribunal Federal, anulando-se todos os atos decisórios praticados no seu curso, especialmente a liminar irregularmente deferida.

Protestam os reclamantes provar o alegado pela anexa Documentação.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000,00 (hum mil reais).

Brasília, 14 de outubro de 2005.

ALVARO AUGUSTO RIBEIRO COSTA

Advogado-Geral da União

ANDRÉ AUGUSTO DANTAS MOTTA AMARAL

Advogado da União

ANDRÉ LUIZ SANTA CRUZ RAMOS

Procurador Federal

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!