Ginástica contratual

Cláusula que não permite rescisão de contrato é nula

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16 de outubro de 2005, 6h00

As cláusulas de contrato que impedem a rescisão do contrato por parte do usuário, muito comum nos documentos das academias de ginástica, são nulas. É o que entendeu o juiz da 20ª Vara Cível de São Paulo que mandou a academia Bio-Ritmo retirar a previsão contida no seu contrato. Mandou reitrar também o artigo que autoriza a utilização pela academia da imagem dos alunos sem autorização prévia.

As cláusulas 1 e 4 do contrato, que deveria ser assinado no momento da matrícula, previam que no caso de rescisão, os alunos da academia estariam sujeitos a multa moratória de 10% e não teriam seu dinheiro, pago antecipadamente, devolvido. Na cláusula 13 constava que o aluno só poderia reaver os valores das mensalidades com vencimento futuro se transferisse o seu plano para outra pessoa com o pagamento de R$ 200. E a cláusula 37 previa a utilização da imagem sem autorização.

A Anadec — Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor ajuizou ação civil pública contra a academia alegando que as cláusulas em questão, vão contra o Código de Defesa do Consumidor.O advogado Ronni Fratti, do órgão de defesa do consumidor, também pediu para que as cláusulas fossem retiradas dos futuros contratos e que a escola de ginástica anexe aos autos a cópia do contrato modificado.

Para o juiz, Clávio Kenji Adati, a Constituição Federal estabelece no artigo 5º, inciso XX, que ninguém é obrigado a se associar ou permanecer associado. E que, mesmo nas contratações com prazo determinado, não se pode proibir a rescisão do contrato e nem impor a perda do valor total pago adiantado.

O juiz considerou que as cláusulas são abusivas porque coloca o consumidor em desvantagem exagerada. Também concordou que as cláusulas ferem o Código de Defesa do Consumidor, no artigo 53, que proíbe no caso de rescisão de contrato que ocorra a perda total dos valores já pagos.

Apesar de ser direito das academia poder aplicar uma multa em caso de rescisão sem motivo, a multa imposta na cláusula 13 é abusiva, como entendeu o juiz, e contradiz o artigo 52 do CPC que diz que a multa moratória pode ser de até 2%.

Também foi considerada nula a cláusula que prevê a utilização da imagem dos alunos sem autorização prévia “O direito a imagem é um direito da personalidade e, portanto, irrenunciável e indisponível.” afirmou o juiz.

As quatro cláusulas foram consideradas nulas e estão proibidas de constarem nos contratos futuros sob pena de multa de R$ 2 mil por contrato em que conste alguma das cláusulas abusivas. A academia também foi condenada a pagar as custas, despesas processuais e honorários advocatícios, em 10% sobre o valor da condenação.

Leia a íntegra da decisão:

ANADEC – ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DA CIDADANIA E DO CONSUMIDOR devidamente qualificada, ajuizou ação civil pública em face de BIO RITMO – ESCOLA DE NATAÇÃO E GINÁSTICA BOSWIN LTDA. e BIO RITMO – ESCOLA DE NATAÇÃO E GINÁSTICA ARENA ESPORTIVA LTDA., também devidamente qualificadas.

A autora sustenta a abusividade das cláusulas 1, 4, 8, 13 e 37 do Termo de Matrícula das rés por afronta aos preceitos do Código de Defesa do Consumidor. Referidas cláusulas estabelecem a proibição de rescisão antecipada do contrato, sob pena de perda dos valores pagos antecipadamente pelos alunos desistentes, bem como multa moratória de 10% e utilização gratuita da imagem do aluno. Requer a autora a declaração de nulidade parcial das cláusulas 1, 4, 8 e 13, como também a declaração da integral nulidade da cláusula 37.

Requer ainda a condenação da autora para que se abstenha de incluir nos futuros contratos com seus alunos cláusulas com o conteúdo impugnado na presente demanda, trazendo aos autos cópia do contrato modificado. Citadas, as rés apresentaram contestação conjunta em que sustentaram a regularidade das cláusulas impugnadas, na medida em que mantêm o equilíbrio da relação jurídica consumerista e garantem a operacionalidade econômica das sociedades rés. Negaram a existência de violação ao direito de imagem dos alunos. Foi apresentada réplica (fls. 110/115).

Intimado, o Ministério Público desempenhou regularmente a função de custus legis, opinando pela integral procedência da demanda. As partes declinaram do direito de especificar provas, requerendo a autora o julgamento antecipado da lide.

É o relatório.

Decido.

A demanda apresenta condições de ser julgada antecipadamente, nos termos do art. 330, inc. I, do Código de Processo Civil, pois, as questões a serem solucionadas são exclusivamente de direito. O direito discutido nesta demanda é inegavelmente regido pelo Código de Defesa do Consumidor, na medida em que as rés são fornecedoras de serviços a consumidores finais.

As cláusulas 1 e 4 estabelecem a proibição de rescisão do contrato quando celebrado por prazo superior a 1 (um) mês. A única hipótese de o aluno reaver os valores das mensalidades com vencimento futuro é a transferência do plano a terceiro, mediante o pagamento de parcela de R$ 200,00 (duzentos reais), como determina a cláusula 13 do Termo de Matrícula.

A Constituição Federal estabelece, em seu art. 5º, inc. XX, que ninguém é obrigado a associar-se ou permanecer associado. Por analogia, mesmo nas contratações a prazo determinado, é vedado estabelecer a vedação da rescisão contratual, não se proibindo, por óbvio, que a rescisão injustificada implique no pagamento de uma cláusula penal. A imposição de uma cláusula penal, no entanto, não pode implicar na perda da totalidade de valores adiantados pela parte inadimplente.

Referida previsão fere frontalmente a disciplina das relações de consumo que considera abusivas cláusulas que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade.

O art. 53, do Código de Defesa do Consumidor, que pode ser aplicado analogicamente ao caso concreto, estabelece expressamente a vedação da perda de valores já pagos em caso de pedido de rescisão de contrato de compra e venda parcelada de imóveis ou móveis ou alienação fiduciária. Outrossim, o Novo Código Civil, no art. 413, estabelece expressamente que a cláusula penal pode ser eqüitativamente reduzida se a obrigação for parcialmente cumprida pelo devedor.

Dessa forma, era lícito às rés estabelecerem contratualmente a exigência de cláusula penal em caso de inadimplemento injustificado, desde que de modo proporcional ao inadimplemento verificado. Não se inviabilizaria, assim, a operacionalidade administrativa das rés, posto seriam adequadamente ressarcidas pelo inadimplemento injustificado dos consumidores. São nulas de pleno direito e, portanto, abusivas as cláusulas 1 e 4 do Termo de Matrícula, no tocante aos aspectos examinados na presente sentença.

É também abusiva a cláusula 13 quando conjugada com as cláusulas 1 e 4, pois faz com que a rescisão do contrato deixe de ser uma opção unilateral do contratante consumidor, que, para não perder a integralidade dos valores pagos, deve contar com a colaboração de terceiro.

Deverá a ré, portanto, excluir da cláusula 1 a expressão “FICA VEDADO O CANCELAMENTO DOS PLANOS ANTES DE SEU PRAZO, RESSALVADA, ENTRETANTO, A POSSIBILIDADE DE O ALUNO TRANSFERIR O SEU PLANO”. Da cláusula 4 deve ser excluída a expressão: “SENDO VEDADO O CANCELAMENTO DO PLANO ANTES DO TÉRMINO DE SEU PERÍODO DE VIGÊNCIA”. É também abusiva a cláusula 8 que estabelece a multa moratória de 10%.

Não pode se dar acolhida ao argumento das rés de que o contrato não implica fornecimento de crédito aos consumidores. Com razão a Promotoria de Justiça ao declinar que o contrato fornecido pelas rés implica na concessão de crédito aos consumidores, na medida em que o consumidor sabe de antemão qual o valor total do contrato, que é pago parceladamente enquanto se desfruta do serviço.

Aplicável, assim, o art. 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, que é norma de ordem pública e de incidência imperativa, tornando abusiva a exigência de multa moratória no percentual de 10%, que deve ser fixada em, no máximo, 2%.

A cláusula 37 dá às rés o direito de exploração gratuita da imagem dos alunos dentro e fora do território nacional e nos mais diversos meios de divulgação, tais como, outdoors, banners, mídia impressa e audio-visual. O direito a imagem é um direito da personalidade e, portanto, irrenunciável e indisponível.

Entretanto, nosso ordenamento jurídico permite que, obedecidos os preceitos constitucionais, o conteúdo econômico desse direito seja explorado por meio do contrato de cessão da imagem, por exemplo. A cessão dos direito de imagem, portanto, deve ser bastante minuciosa e destinar-se a uma finalidade específica, evitando-se que seja admitida verdadeira renúncia implícita a ele.

A cláusula 37 do Termo de Matrícula representa verdadeira renúncia ao direito de imagem, posto tratar-se de cessão gratuita e genérica que permite sua utilização para inúmeros fins. A violação a esse direito personalíssimo torna-se ainda mais evidente por estar consubstanciada em contrato de adesão, em que a parte vulnerável não tem qualquer poder de barganha. Nula de pleno direito, portanto, a cláusula 37 do Termo de Matrícula que deverá ser retirada dos contratos vigentes, impossibilitando sua contratação nos futuros contratos.

Ante o exposto JULGO PROCEDENTE a demanda para declarar nulas as seguintes cláusulas: A) 1, 4 e 13 do Termo de Matrícula; B) 8 do Termo de Matrícula no que tange ao estabelecimento de multa moratória de 10%, impondo-se a redução de referido percentual ao no máximo 2%, nos termos do art. 52, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor. C) 37 do Termo de Matrícula, pois violadora do direito à imagem dos consumidores dos serviços prestados pela autora.

Condeno às rés BIO RITMO – ESCOLA DE NATAÇÃO E GINÁSTICA BOSWIN LTDA. e BIO RITMO – ESCOLA DE NATAÇÃO E GINÁSTICA ARENA ESPORTIVA LTDA. a excluir da cláusula 1 do Termo de Matrícula de todos os contratos vigentes a expressão “FICA VEDADO O CANCELAMENTO DOS PLANOS ANTES DE SEU PRAZO, RESSALVADA, ENTRETANTO, A POSSIBILIDADE DE O ALUNO TRANSFERIR O SEU PLANO” e da cláusula 4 do Termo de Matrícula de todos os contratos vigentes a expressão: “SENDO VEDADO O CANCELAMENTO DO PLANO ANTES DO TÉRMINO DE SEU PERÍODO DE VIGÊNCIA”.

Ficam as rés proibidas de incluírem nos contratos futuros todas as cláusulas declaradas nulas, bem como de neles incluir cláusulas de conteúdo diverso que visem obter os mesmos efeitos, sob pena de multa de R$ 2000,00 (dois mil reais) por contrato em que conste alguma das cláusulas abusivas. Condeno ainda às rés a arcar com o pagamento das custas, despesas processuais e honorários advocatícios, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação.

P.R.I.

Clávio Kenji Adati,

20ª Vara Cível de São Paulo.

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