Indústria de software

Contratos de tecnologia se ajustam às necessidades do mercado

Autor

  • André de Almeida

    é membro titular do CNCP — Conselho Nacional de Combate à Pirataria conselheiro da Abes — Associação Brasileira de Empresas de Software e da Câmara E-Net. É também vice-presidente da Seção de Direito Internacional da Inter American Bar Association e sócio de Almeida Advogados.

15 de outubro de 2005, 7h00

Antes de iniciarmos qualquer estudo sobre os contratos de tecnologia, imperioso se faz termos em mente que a natureza jurídica do software é de direito autoral, conforme disposto no artigo 7, inciso XII da Lei 9.610/98 (“Lei de Direitos Autorais”). Isto implica que os direitos do autor do software possuem dois aspectos: o patrimonial, que regula as relações jurídicas de utilização econômica das obras intelectuais; e o moral, relacionado com as garantias da titularidade da autoria, ineditismo e integridade da obra protegida.

Os direitos do autor são regulados no Brasil pela Lei de Direitos Autorais, que estabelece expressamente o acima disposto, ao atribuir em seu artigo 22 os direitos patrimoniais e morais sobre a obra a seu autor. Mais ainda, de acordo com a mesma Lei, os direitos morais de autor são inalienáveis e irrenunciáveis (artigo 27 da Lei 9610/98). Sua propriedade, portanto, não é transferível integralmente, dada a existência de vínculo contínuo e indissociável entre o produto e seu criador.

De acordo com o artigo 9º, da Lei 9.609 de 19 de fevereiro de 1998 (“Lei de Software”), o uso dos programas de computador no Brasil se dá por meio dos chamados contratos de licença. A Lei de Software, portanto, sustenta a tese de que a comercialização de software não se opera pela transferência da propriedade do programa, uma vez que este continua permanentemente vinculado ao titular dos direitos autorais sobre ele incidentes[1], operando-se pela cessão do direito de uso.

Dessa maneira, não cabe falar em contrato de compra e venda de software, uma vez que o software não é entendido como mercadoria. De fato, forma extrínseca de apresentação, modernizada para atender a grande massa de usuários interessados em possuí-lo, não modifica a sua natureza jurídica, que é de direito autoral. Conforme explica Sílvio de Salvo Venosa, “o adquirente, o consumidor de obra intelectual, obtém para seu patrimônio o corpo físico ou material (o livro, o disco, a escultura, o programa de informática), adquirindo tão-só o direito de sua fruição no âmbito privado[2]. A relação de comercialização de software é ultimada sempre entre o titular dos direitos de autor e o usuário final, independentemente do fato de sua forma de apresentação ter sido alterada para atingir maior competitividade no mercado.

Como forma de exploração da obra, a indústria internacional de software foi, ao longo dos anos, criando as figuras da transferência de tecnologia, distribuição, licença, leasing, school agreement e contrato open, as quais passamos a descrever.

Contrato de Licença de Software

A Lei de Software dispôs que o uso de programa de computador no país será objeto de contrato de licença. Contudo, não dispôs acerca conteúdo do contrato, sobre o qual as partes contratantes podem livremente contratar, observando apenas a proibição da existência de cláusulas que: limitem a produção, a distribuição ou a comercialização, em violação às disposições normativas em vigor; e/ou eximam quaisquer dos contratantes das responsabilidades por eventuais ações de terceiros, decorrentes de vícios, defeitos ou violação de direitos de autor.[3]

Usualmente, os contratos de licença de software possuem quatro características primordiais, quais sejam: (i) caráter perpétuo; (ii) onerosidade; (iii) caráter limitado; e (iv) não-exclusividade.

O contrato de licenciamento de software padrão é firmado entre duas partes claramente individualizadas, licenciante e licenciado, regulamentando o uso do software pelo licenciado.

Já os contratos de licença de software de prateleira, ou seja, software produzido em larga escala, de maneira contínua e uniforme, posto à disposição do público em geral, não são firmados e assinados entre partes perfeitamente definidas e determinadas. Os softwares de prateleira geralmente apresentam uma espécie de termo regulamentando as condições de uso do software licenciado, a shrinkwrap license.

Contratos de Distribuição

O distribuidor, pessoa jurídica estabelecida no país, recebe autorização do titular dos direitos sobre o software, geralmente sem exclusividade, para comercializar licenças do produto no país. O distribuidor representa os interesses do titular dos direitos sobre o software, no que tange à sua comercialização ao usuário final.

De fato, o distribuidor é mero representante do licenciante, responsável pela comercialização dos softwares daquele, ou ainda, da comercialização das denominadas shrinkwrap licenses, ou seja, licenças padrão encaminhadas juntamente com o software ao usuário final.

Caso o distribuidor venha a oferecer ao usuário final vantagens adicionais àquelas estipuladas nas shrinkwrap licenses, será responsabilizado por tal fato perante o usuário final, sem que lhe caiba o direito de regresso contra o titular dos direitos.

Ademais, nos termos do artigo 8º da Lei de Software, aquele que comercializa programa de computador, seja titular dos direitos do programa, seja titular dos direitos de comercialização, fica obrigado, no território nacional, durante o prazo de validade técnica da respectiva versão, a assegurar aos usuários a prestação de serviços técnicos complementares relativos ao adequado funcionamento do programa, consideradas as suas especificações.

De fato, a Lei de Software, em seu artigo 7º, exige que o prazo de validade técnica do programa de computador seja consignado no contrato de licença de uso, ou no documento fiscal, ou no suporte físico, ou na embalagem do software.[4]

Transferência de Tecnologia de Software

O software tem natureza jurídica de direito autoral, caracterizando, portanto, uma vinculação permanente entre autor e obra. Desta forma, tendo em vista a natureza jurídica de direito autoral do software, os conhecimentos tecnológicos expressos no código-fonte são preservados em sigilo, visto estar no código-fonte todo o processo criativo do autor.

A transferência do uso do código-fonte a terceiros é formalizada por meio de contrato de transferência de tecnologia, que deverá ser averbado no INPI, nos termos do artigo 211 da Lei 9.279, de 14 de maio de 1996 (“Lei 9.279/96”), e do artigo 11 da Lei de Software uma vez que tal averbação é condição para gerar efeitos perante terceiros.

Pelo contrato de transferência de tecnologia, o titular dos direitos sobre o software aliena ao contratante os conhecimentos tecnológicos que detém gratuita ou onerosamente, de forma definitiva, ampla e irrestrita, ou restrita.

Na transferência definitiva, o licenciante disporá dos conhecimentos tecnológicos que originaram o software (código-fonte), possuindo a faculdade de se beneficiar do software como melhor lhe aprouver. Já na transferência restrita, as partes disporão contratualmente acerca das condições a que o negócio estará submetido.

Licenciamento Temporário com Conversão Opcional em Perpétuo – Leasing

Esta modalidade trata-se de uma forma de licenciamento de software por tempo determinado, mediante o pagamento de prestações pecuniárias periódicas, cumulada com a opção de, ao término do prazo de licenciamento, o licenciado vir a transformar sua licença temporária em licença definitiva, i.e. perpétua, nos termos acima definidos, por meio do pagamento de sua parcela de amortização, correspondente ao licenciamento definitivo do software.

A licença temporária, no caso, é válida por períodos subseqüentes (normalmente um mês), à medida que são efetuados os pagamentos das prestações (também normalmente mensais). Sua renovação, portanto, é constante (normalmente mês a mês).

Enfim, vale ressaltar, não obstante a característica inicialmente temporária da licença então concedida, devem ser considerados os seguintes aspectos: a possibilidade de sua conversão, de licença temporária para licença perpétua, pelo exercício da opção de conversão pelo licenciado; e o fato de permanecerem inalteradas as demais características: (a) onerosidade; (b) limitação; e (c) não-exclusividade.

Contratos Educacionais

Nesta modalidade, o licenciante firma contrato de licenciamento de software com uma Instituição de Ensino, contrato este com as características usuais dos contratos de licenciamento, ou seja, onerosidade, limitação e não-exclusividade, exceto pela perpetuidade, que neste caso cede lugar à temporariedade.

Por meio de Contratos Educacionais, o direito de uso do software pela Instituição de Ensino também abrange os alunos, professores e centros de pesquisa da Instituição. Entretanto, a licença concedida aos entes ligados à Instituição de Ensino é dependente da licença principal e, assim como esta, é temporária, válida apenas enquanto durar o contrato. O pagamento pelo uso da licença de software é feito diretamente da Instituição para o licenciante. Entretanto, o ressarcimento da Instituição pelo uso das licenças por alunos, professores e centros de pesquisa fica a cargo da política interna da Instituição que determinará se será ou não ressarcida.

Contratos Abertos

Os contratos open são firmados entre uma empresa holding e o licenciante do software de forma perpétua, limitada, onerosa e não-exclusiva. Por meio deste contrato, a licença de uso de software também é concedida às empresas controladas pela holding, com as mesmas características da principal, porém não dependem desta. As empresas controladas efetuam o pagamento diretamente para a empresa licenciante.

Assim, como o licenciamento nos Contratos Abertos são feitos apenas com a interveniência de empresas controladoras, mas não dependem dos contratos de licenciamento que estas fazem com os licenciantes, em caso de fusão, cisão ou qualquer outra forma de reorganização societária da controlada, o contrato de licenciamento existente entre desenvolver/dententor do direito autoral e o usuário permanece válido.

Ao contrário dos anos 80, em que a indústria de software tinha poucas formas de licenciar seus produtos, o que se nota atualmente é que os contratos de tecnologia tendem cada vez mais a se ajustar às necessidades mercadológicas atuais e visam alinhar estratégias de licenciamento de software às peculiaridades verticais de setores próprios da economia.

[1] WEIKERSHEIMER, Deana. Comercialização de Software no Brasil: uma questão legal a ser avaliada (Commercialization of Software in Brazil: a legal question to be evaluated) [versão para o inglês da autora; revisão por Melvin Ross] – Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 35/36.

[2] VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais – 5ª Edição – São Paulo: Atlas, 2005, p. 640.

[3] Lei de Software, artigo 10, parágrafo 1º: “São nulas as cláusulas que: I – limitem a produção, a distribuição ou a comercialização, em violação às disposições normativas em vigor; II – eximam qualquer dos contratantes das responsabilidades por eventuais ações de terceiros, decorrentes de vícios, defeitos ou violação de direitos de autor”.

[4] Lei de software, artigo 7º: “O contrato de licença de uso de programa de computador, o documento fiscal correspondente, os suportes físicos do programa ou as respectivas embalagens deverão consignar, de forma facilmente legível pelo usuário, o prazo de validade técnica da versão comercializada.

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    é membro titular do CNCP — Conselho Nacional de Combate à Pirataria, conselheiro da Abes — Associação Brasileira de Empresas de Software e da Câmara E-Net. É também vice-presidente da Seção de Direito Internacional da Inter American Bar Association e sócio de Almeida Advogados.

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