Alta tensão

Concessionária deve indenizar por morte causada por fio elétrico

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14 de outubro de 2005, 18h23

Uma concessionária de energia elétrica foi condenada a indenizar o filho de homem morto por choque elétrico. A decisão, unânime, é da 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que não aceitou recurso da CEEE — Companhia Estadual de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul.

O homem morreu ao passar com o pneu da bicicleta em cima de um fio de alta tensão que estava estendido na rua, após a queda de um poste de energia. Segundo os depoimentos, moradores já tinham avisado a concessionária que o poste estava ameaçando cair. Na madrugada do dia anterior à morte do homem, o poste caiu durante uma tempestade na cidade de Sapiranga, Rio Grande do Sul.

A CEEE alegou sua “ilegitimidade passiva”, já que com a criação da AES Sul, concessionária da região, a responsabilidade pelo ocorrido seria da nova empresa. Por outro lado, disse que a queda do poste se deve à tempestade, portanto, obra do acaso, o que afastaria o dever de indenizar.

O desembargador Odone Sanguiné afastou a possibilidade de ilegitimidade. Segundo ele, o acidente já tinha acontecido quando houve a separação das empresas, “não podendo se cogitar de transferência à sucessora — AES Sul”.

Para o desembargador, “a morte da vítima não decorreu diretamente da tempestade anterior, mas da permanência do fio de alta tensão caído na via pública por tempo considerável”. A negligência da empresa teve maior comprovação com a série de depoimentos dos vizinhos do homem morto. O desembargador disse que os testemunhos dão conta de reclamações seguidas e que, depois da queda do poste, a concessionária foi alertada.

“Portanto, a morte da vítima era perfeitamente evitável, acaso a CEEE tivesse atendido com presteza aos chamados dos moradores para o reparo do poste e a retirada do fio da via pública, daí não se falar em inevitabilidade do evento que gerou o dano”, afirmou.

A condenação foi mantida em R$ 30 mil de indenização ao filho e mais uma pensão equivalente a 2/3 do valor do salário do pai na época da sua morte, até que o filho complete 25 anos.

Leia a íntegra da decisão

APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. MORTE POR CHOQUE ELÉTRICO EM FIO DE ALTA TENSÃO CAÍDO NO SOLO. CASO FORTUITO E FORÇA MAIOR. INOCORRÊNCIA. ACONTECIMENTO DANOSO PREVISÍVEL E EVITÁVEL POR PARTE DA CEEE. CARACTERIZAÇÃO DO NEXO CAUSAL. DEVER DE REPARAR CONFIGURADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.

I. Preliminar de ilegitimidade passiva afastada, ante a responsabilidade solidária da CEEE após a sua cisão parcial. II. Inocorrência de caso fortuito e força maior, pois a tempestade não foi a causa adequada do evento morte do pai do autor e sim a conduta omissiva e negligente da ré, que, diante dos vários chamados dos moradores, não substituiu o poste e nem retirou, imediatamente, o fio de alta tensão caído no meio da via pública. Dano evitável e previsível. Evidenciado o nexo causal entre a omissão da ré em fornecer um serviço de qualidade, consubstanciada na má condição do poste com fio de alta tensão e na sua queda decorrente de tempestade. III. Manutenção da sentença que reconheceu a responsabilidade civil da demandada.

APELO IMPROVIDO. UNÂNIME.

Apelação Cível: Nona Câmara Cível


Nº 70011522265: Comarca de Sapiranga

COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELETRICA: APELANTE

ALMIR DE MORAIS RIBAS: APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Nona Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso de apelação.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Luís Augusto Coelho Braga (Presidente e Revisor) e Desa. Marilene Bonzanini Bernardi.

Porto Alegre, 24 de agosto de 2005.

DES. ODONE SANGUINÉ,

Relator.

RELATÓRIO

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

Trata-se de apelação interposta por CEEE – Companhia Estadual de Energia Elétrica – contra sentença prolatada nos autos da AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS, ajuizada por ALMIR DE MORAIS RIBAS, perante a 2ª. Vara Judicial da Comarca de Sapiranga, que julgou parcialmente procedente aos pedidos deduzidos na demanda para (a) condenar a ré ao pagamento de indenização a título de danos morais no valor de R$30.000,00; (b) condenar a ré ao pagamento mensal e consecutivo, desde a data do fato danoso até que o autor complete 25 anos, de valor equivalente a 2/3 da remuneração auferida pelo de cujus à época do falecimento; (c) condenar a demandada ao pagamento das custas judiciais e dos honorários advocatícios aos Patronos do autor, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação (fls. 155/162).

Em razões do apelo (fls. 171/185), a ré assevera, em preliminar, a sua ilegitimidade passiva, ante a cisão da CEEE e a criação da AES Sul, cuja concessão abrange a região do caso concreto. No mérito, aduz a ocorrência de caso fortuito ou força maior, consubstanciados na tempestade causadora da queda do poste, com o fio de alta tensão que resultou na morte do pai do autor. Afirma a quebra do nexo causal a ensejar o dever de reparar. Aduz que não restou comprovada a circunstância de os vizinhos terem solicitado à CEEE a troca do poste que se encontrava em más condições de manutenção. No ponto, ainda alega a presença de contradição nos depoimentos testemunhais, motivo pelo qual não lhes deve ser conferido valor probante. Por fim, requer o provimento do recurso para reconhecer a ilegitimidade passiva da ré ou, alternativamente, isentar a responsabilidade da apelante pelo sinistro.


Devidamente intimado (fl. 38), o demandante deixou transcorrer in albis o prazo para apresentação de contra-razões ao apelo (fl. 386v.).

Subiram os autos a esta Corte. Distribuídos, vieram conclusos a minha Relatoria.

É o relatório.

VOTOS

Des. Odone Sanguiné (RELATOR)

Eminentes Colegas:

I – Em preliminar:

O recurso é próprio, cabível e tempestivo.

a) Ilegitimidade passiva:

A preliminar suscitada em razões recursais, no sentido da ilegitimidade da CEEE para integrar o pólo passivo da demanda, sob o argumento de que a cisão da companhia transferiu à AES Sul a responsabilidade pelas obrigações na respectiva área de concessão, não merece prosperar.

O evento danoso (morte do pai do autor) ocorreu em 10/08/1993 (fl. 02), sob a égide da geração, da distribuição e do fornecimento de energia por parte da CEEE, conforme Decreto nº 61065/67. Assim, veja-se que, ao tempo da cisão, já havia ocorrido o evento danoso, não podendo se cogitar de transferência à sucessora.

Com efeito, a cisão parcial da CEEE em 1996, não gerou a sua extinção, permanecendo responsável solidária com a AES Sul pelas obrigações já existentes quando da cisão, até porque o respectivo ato nada dispôs sobre a solidariedade da CEEE e daquelas que absorveram parte do patrimônio da cindida que continua a existir. Por conseguinte, tenho que não se aplica à hipótese a exclusão da solidariedade passiva referida no parágrafo único do art. 233 da Lei das S/A, porque o demandante não possuía título executivo hábil à época da cisão, logo não lhe era dado o direito de se opor à cláusula que previa a exclusão da responsabilidade solidária.

De outra banda, embora a Lei nº 10900/96 tenha previsto que a CEEE continuava responsável pelo passivo trabalhista, o entendimento prevalente é no sentido de que em relação às demais espécies de passivos a CEEE liberou-se apenas face aqueles que, à época da cisão parcial, já estavam constituídos, sendo os eventuais demandantes aptos a se opor, o que, como já dito, não é o caso dos autos.


Assim é que a privatização parcial da CEEE não tem o condão de lhe exonerar da obrigação adquirida anteriormente à sucessão, nos termos dos seguintes julgados desta Corte, in verbis:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CEEE. PRIVATIZAÇÃO. ARGÜIÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA AFASTADA. 1. Tendo ocorrido privatização parcial da CEEE, a cindida não se extingue, permanecendo responsável solidária com as demais, pelas obrigações já existentes quando da cisão. 2.Tendo a demanda indenizatória por ato ilícito sido ajuizada contra a agravante, que sofreu condenação no processo principal, é de ser rejeitada a alegação de ilegitimidade passiva para a execução de sentença, com o prosseguimento normal do feito executivo. NEGADO SEGUIMENTO DE PLANO. (Agravo de Instrumento Nº 70007848732, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Nereu José Giacomolli, Julgado em 19/12/2003)

EMBARGOS INFRINGENTES. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DE TARIFA DE ENERGIA ELETRICA. LEGITIMIDADE DA CEEE. HAVENDO CISAO PARCIAL DA COMPANHIA ESTADUAL DE ENERGIA ELETRICA, EM CUJO ATO NÃO SE DISPOS SOBRE A SOLIDARIEDADE DESTA E DAQUELAS QUE ABSORVERAM PARTE DO PATRIMONIO DA CINDIDA QUE CONTINUA A EXISTIR, VIGORA O PRINCIPIO ESTATUIDO NO ART-233, DA LEI 6404/76. PERMANECENDO A SOLIDARIEDADE, O CONSUMIDOR PODE EXIGIR TANTO DA CEEE, COMO DA AES SUL, O PAGAMENTO INDEVIDO DE TARIFA. EMBARGOS ACOLHIDOS. (9FLS – D.) (EMBARGOS INFRINGENTES Nº 70004060653, PRIMEIRO GRUPO DE CÂMARAS CÍVEIS, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: MARCO AURÉLIO HEINZ, JULGADO EM 04/10/2002)

PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. CEEE. PEDIDO DE RESTITUIÇAO DO INDEBITO. PERIODO DE CONGELAMENTO DO PLANO CRUZADO. PORTARIAS 38 E 45/86, DO EX-DNAEE. CISÃO. SOLIDARIEDADE. CREDITO CONSTITUIDO ANTES E DEPOIS DA CISAO. 1. COM A DITA PRIVATIZACAO DO SERVIÇO DE DISTRIBUIÇAO DE ENERGIA ELETRICA, FORAM CRIADAS, POR CISAO DA CEEE, MAIS DUAS COMPANHIAS, ESTIPULANDO-SE QUE A CINDIDA CONTINUAVA RESPONSAVEL PELO PASSIVO DA LEGISLAÇAO TRABALHISTA (LEI-RS 10.900/96). A CISAO PODE PROVOCAR A EXTINÇAO DA CINDIDA, QUANDO TODO O PATRIMONIO E TRANSFERIDO PARA UMA, OU MAIS, SOCIEDADE CONSTITUIDA PARA ESTE FIM, OU OUTRAS JA EXISTENTES, CASO EM QUE AS RESPONSABILIDADES SE TRANSFEREM. A CISÃO TAMBEM PODE ACONTECER MEDIANTE VERSÃO PARCIAL, CASO EM QUE A CINDIDA NÃO SE EXTINGUE; LOGO, PERMANECE RESPONSAVEL SOLIDARIA COM AS DEMAIS PELAS OBRIGAÇOES ANTERIORES A CISAO. POR SUA VEZ, O ATO DE CISÃO PARCIAL PODE ROMPER COM A SOLIDARIEDADE. TUDO DEPENDE DA REGULAMENTAÇAO. POR OUTRO LADO, O CREDOR ANTERIOR PODE SE OPOR EM RELAÇAO AO SEU CREDITO. DISSO CONCLUI-SE QUE A SOLIDARIEDADE E A REGRA, POIS O ROMPIMENTO DEPENDE DE ESTIPULAÇAO. CONSEQUENTEMENTE, QUEM AINDA NAO ERA CREDOR (RECTIUS, NAO TINHA UM TITULO CONSTITUIDO), TAMBEM NÃO TINHA COMO SE OPOR, A FIM DE, PERANTE ELE, EXCLUIR A EFICÁCIA DO ROMPIMENTO DA SOLIDARIEDADE. POR CONSEGUINTE, NO CASO DA CISÃO DA CEEE, EMBORA A REFERENCIA DE QUE CONTINUAVA COM O PASSIVO DA LEGISLAÇÃO TRABALHISTA, QUANTO AOS DEMAIS LIBEROU-SE APENAS FACE AQUELES QUE, A EPOCA, JA ESTAVAM CONSTITUIDOS E QUE, POR ISSO, TINHAM COMO SE OPOR. QUANTO AOS CONSTITUIDOS POSTERIORMENTE, IMPUNHA-SE NORMA ESPECIFICA, SOB PENA DE SUBSISTIR A SOLIDARIEDADE, CONFORME A EXEGESE DOS ARTS. 229 E 233, E RESPECTIVO PARAGRAFO UNICO, DA LEI 6.404/76. (8 FLS.) (EMBARGOS INFRINGENTES Nº 70003695111, PRIMEIRO GRUPO DE CÂMARAS CÍVEIS, TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RS, RELATOR: LISELENA SCHIFINO ROBLES RIBEIRO, JULGADO EM 09/08/2002)


Nestes lindes, afirmo a legitimidade passiva da ré para responder por eventual indenização por danos materiais e morais perante a autora, decorrentes de omissão em retirar e consertar fio de alta tensão caído no meio da via pública e conseqüente morte do autor por descarga elétrica.

II- No mérito:

De pronto, registro o acerto da sentença guerreada no reconhecimento da responsabilidade da ré pela morte por choque elétrico em fio de alta tensão que se encontrava caído no meio da via pública, após uma tempestade.

Examine-se.

Aduz a demandada a presença de excludente do nexo causal de sua responsabilidade civil, ante a ocorrência de caso fortuito ou força maior, consubstanciado(s) na tempestade ocorrida no dia anterior ao evento danoso. Afirma que o evento natural determinou a queda do poste de luz, o qual abrigava o fio de alta tensão produtor do choque elétrico que resultou na morte do genitor do autor.

Não lhe assiste qualquer razão.

De início, saliento que grande parte da doutrina brasileira, capitaneada por Arnoldo Medeiros da Fonseca[1], aduz a inutilidade de se efetuar a distinção entre caso fortuito da força maior, pois as expressões são sinônimas, comportando efeito idêntico: excluir o nexo da causalidade. No ponto, ressalvo a lição de Sérgio Cavalieri Filho, segundo o qual: “estaremos em face do caso fortuito quando se tratar de evento imprevisível e, por isso, inevitável; se o evento foi inevitável, ainda que previsível, por se tratar de fato superior às forças do agente, como normalmente são os fatos da natureza, como as tempestades, enchentes etc, estaremos em face de força maior, como o próprio nome diz. É o ‘act of God’, no dizer dos ingleses, em relação ao qual o agente nada pode fazer para evitá-lo, ainda que previsível.”[2]

Nestes lindes, tanto a noção de caso fortuito ou a de força maior decorre de dois elementos: a “inevitabilidade” do evento (ou a sua “necessidade”, para Caio Mário Pereira[3]) e a “imprevisibilidade de sua ocorrência” (ou, a “ausência de culpa”, para Arnoldo Medeiros[4]).

Pois bem: a inevitabilidade ou necessidade ocorre quando o acontecimento leva obrigatoriamente ao ato danoso. Não é o que ocorreu no caso em exame, pois a morte da vítima por choque elétrico não decorreu diretamente da tempestade anterior, mas da permanência do fio de alta tensão caído na via pública por lapso considerável, conforme fica assente nos depoimentos testemunhais, in verbis:


“Lembra-se que havia um fio de alta tensão caído na rua, saído do poste que ficava em frente da casa da vizinha Geni, estendendo-se em direção à rua. Ao que sabe, a vizinha havia avisado a CEE sobre a queda do fio.” (Almir Ribas: fl. 98)

“Lembra-se que o poste que fica um pouco abaixo de sua casa, que estava podre, no dia do acidente caiu, sendo que o fio de alta tensão ficou estendido na rua. A depoente acha que o poste caiu de madrugada e durante toda a manhã permaneceu alertando os transeuntes de que havia um fio de alta tensão estendido na rua. Porém ao meio dia precisou entrar para fazer o almoço (…). Logo após ter entrado, ouviu uma gritaria (…) e viu o pai do autor estendido no chão, esticado, ganhou um choque. De manhã, assim que viu o fio estendido na rua, a depoente telefonou para a CEEE e a Empresa lhe disse que viria realizar o conserto ‘eu tava atenta esperando a vinda deles, mas eles não vieram” (Geni Splander: fl. 1

“O depoente não presenciou o acidente, mas no dia em que este ocorreu vui o cabo na rua, O fio estava estendido na rua. (…) Não havia nada, como por exemplo um cavalete, isolando o local” (Arnelio Shuatz: fl. 99)

“Na mesma semana do acidente, numa quarta ou quinta-feira, a depoente esteve na CEEE solicitando o conserto do poste, que estava podre. (…) A depoente retornou de viagem no Domingo, depois do acidente e encontrou o pose derrubado no chão.” (Mareli Webwer: fl. 101)

“A vítima vinha de bicicleta e o pneu desta enroscou-se no fio de que havia caído do poste. (…) Ao que sabe já tinham pedido para trocar o poste, que estava meio ruim. Que sabe, uma vizinha avisou a CEEE sobre o fio esticado na rua.”

(Élcio Silva: fl. 102)

Do acima exposto, fica claro que o fio de alta tensão permaneceu por considerável período de tempo estendido no meio da via pública, mesmo após os moradores do local terem exposto a situação de perigo para a CEEE e solicitado o reparo do poste. No ponto, desimporta para o deslinde da controvérsia o exato horário em que ocorreu o acidente ou em que a CEEE esteve no local para repará-lo. Ora, as testemunhas demonstram, de forma inequívoca, a desídia e a negligência da prestadora de serviços em permanecer inerte, por duas ocasiões: a primeira, diante de solicitação de moradora, Sra. MARELI, para a troca do poste; a segunda, face ao pedido da Sra. GENI para a retirada do fio de alta tensão atravessado na via pública por ocasião da queda do poste não consertado.

Portanto, a morte da vítima era perfeitamente evitável, acaso a CEEE tivesse atendido com presteza aos chamados dos moradores para o reparo do poste e a retirada do fio da via pública, daí não se falar em inevitabilidade do evento que gerou o dano.


No ponto, situa-se, também, o exame do segundo elemento para eventual exclusão do nexo causal: a imprevisibilidade ou ausência de culpa da demandada pelo evento danoso.

É certo que uma tempestade pode ser imprevisível quanto à sua real intensidade, bem assim inexiste culpa de outrem na sua ocorrência. Todavia, a morte do pai do autor não é atribuível à tempestade ocorrida na região, mas a um ato culposo/negligente da CEEE e por ela facilmente evitável, mediante o atendimento diligente dos pedidos de reparos na rede elétrica da região. Logo, há culpa do demandado pelo evento danoso.

Nesta senda, impende trazer à colação a doutrina de Sérgio Cavalleri Filho, para quem o nexo causal é o elemento referencial entre a conduta e o resultado danoso, in verbis: “A rigor, é a primeira questão a ser enfrentada na solução de qualquer caso envolvendo responsabilidade civil. Antes de decidirmos se o agente agiu ou não com culpa teremos que apurar se ele deu causa ao resultado. E assim é por uma questão de lógica elementar: ninguém pode responder por algo que não fez, de modo que não tem o menor sentido examinar culpa de alguém que não tenha dado causa ao dano. [5]

Sobre o nexo da causalidade na responsabilidade civil, a teoria acolhida em nosso país é a da causalidade adequada, a teor do que dispõe o art. 403 do Código Civil, in verbis: “Ainda que a inexecução resulte do dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato”. Ressalta-se, no ponto, que “efeito direto e imediato” não indica necessariamente a causa temporalmente mais ligada ao evento, mas sim a mais direta, a mais adequada a produzir concretamente o resultado danoso. Logo, no âmbito da responsabilidade civil, nem todas as condições que contribuíram para o evento são equivalentes, (como ocorre com a responsabilidade penal), mas somente aquela que foi a mais idônea a produzir o resultado.

Na lição de Martinho Garcez Neto, “o que se deve indagar é, pois, qual dos fatos, ou culpas, foi adequado para o evento danoso, isto é, qual dos atos imprudentes fez com que o outro, que não teria conseqüências por si só determinasse, adjuvado por ele, o acidente.[6]

Neste diapasão, vislumbro presentes os elementos para a caracterização da culpa do ré no caso. Em primeiro lugar, fica evidente a sua conduta voluntária com resultado involuntário, consubstanciada na inércia da CEEE em realizar os reparos necessários na rede elétrica local, a ponto de a população local manifestar a sua insatisfação. Em segundo lugar, o resultado, embora não previsto, era previsível, o que fica assente na péssima condição do poste de luz de alta tensão que se encontra “podre” ou “meio ruim”. Por último, presente a falta de cuidado do réu ao deixar a rede elétrica em evidente má condição.

Por conseguinte, no caso concreto, pergunta-se: a omissão da CEEE em proceder aos reparos na rede elétrica no local, disponibilizando um serviço inadequado ao consumidor, é capaz de, por si mesma, causar o dano? A resposta é positiva, pois restou comprovado nos autos a presença de defeito do poste da rede elétrica fornecida pela CEEE. Tivesse a CEEE substituído o poste ou efetuado tal reparo, teria evitado o sinistro.


Assim, bem andou a sentença ora recorrida da lavra do eminente Juiz de Direito Sérgio Augustin ao reconhecer a presença do nexo causal entre a conduta da demandada em negligenciar os comunicados de moradores do local, o que produziu a morte do pai do demandante.

Por tais razões, estou em negar provimento ao recurso de apelação.

É o voto.

Des. Luís Augusto Coelho Braga (PRESIDENTE E REVISOR) – De acordo.

Desa. Marilene Bonzanini Bernardi – De acordo.

DES. LUÍS AUGUSTO COELHO BRAGA – Presidente – Apelação Cível nº 70011522265, Comarca de Sapiranga: "APELO IMPROVIDO. UNÂNIME."

Julgador(a) de 1º Grau: SERGIO AUGUSTIN


[1] Caso Fortuito e teoria da imprevisão, Rio de Janeiro, 1943, 2ª ed., ns. 83 e segs, p. 113 e segs.

[2] Programa de Responsabilidade Civil, 4ª ed., Malheiros, 2003, p. 85.

[3] Responsabilidade Civil, Rio de Janeiro, 8ª ed., Forense, 1997, p. 302.

[4] Op. cit., p. 147.

[5] Ob. cit., p. 66.

[6] Neto, Martinho Garcez, Prática de Responsabilidade Civil, 2ª ed., Saraiva, São Paulo, p. 45.

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