Máfia do apito

Bom funcionamento das instituições desmantelou máfia do apito

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14 de outubro de 2005, 15h24

A bem sucedida operação conjunta entre Ministério Público do estado de São Paulo e Polícia Federal desbaratou perniciosa quadrilha que operava fraudes seguidas no futebol brasileiro, contando com a colaboração efetiva de pelo menos dois árbitros atuantes nos gramados nacionais. Foram meses de investigação, minuciosa e eficiente, levada a cabo pelo Gaeco — Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado, com suporte em denúncia trazida pela revista Veja.

No sentido técnico da palavra, a máfia do apito é uma quadrilha formada por dois árbitros de futebol já conhecidos e por diversos empresários (dois deles já passaram pelas dependências da Polícia Federal). Os criminosos se organizaram para ganhar dinheiro ilícito, em detrimento da credibilidade do esporte, do sentimento de milhões de pessoas, do patrimônio de clubes de futebol e das economias de inocentes cidadãos.

Os “árbitros” em questão fabricavam resultados, alterando o curso normal das partidas, seja inventando penalidades inexistentes, seja irritando jogadores até expulsá-los ou intimidá-los, tirando-lhes a concentração, seja truncando o jogo com inversão ou criação de faltas, entre outros variados recursos insidiosos. As partidas com resultados dirigidos eram objeto de apostas em sites acessados em todo o país através da rede mundial de computadores, recolhendo dinheiro de um número indeterminado de pessoas de boa fé, que, iludidas, punham suas economias, apostando em um jogo de cartas marcadas.

A organização criminosa lucrava aproximadamente R$ 400 mil por partida fraudada, pagando aos árbitros fraudadores a quantia de R$ 10 mil por resultado bem sucedido. Até onde se sabe — porque a investigação está em curso — não há notícias de envolvimento de atletas, clubes ou dirigentes. A opção pela Polícia Federal decorreu de suas conhecidas mobilidade, eficiência e credibilidade no combate a organizações atuantes em vários estados brasileiros e, até mesmo, no exterior. O fato, aliás, revelou que a atuação da Policia Federal ajuda e muito no combate de graves delitos, inclusive os de competência da Justiça Estadual. É parceria a ser incentivada para o futuro.

Os crimes de que já se tem notícia são o estelionato (o popular um-sete-um), que consiste em utilizar fraude para enganar pessoas e causar-lhes prejuízo. São diversas as suas vítimas, entre elas o apostador bem intencionado dos sites, o torcedor que pagou seu ingresso nos estádios e o clube mandante, a quem competia o pagamento da arbitragem dentro do vestiário, antes das partidas, supondo isenção do árbitro.

Há, inclusive, um clube que foi rebaixado no Campeonato Paulista (torneio já encerrado), onde também houve confessada atuação da quadrilha e, pode ter de disputar a segunda divisão, fato que lhe acarretará, no mínimo, prejuízo da ordem de R$ 500 mil. Há, também, crime contra a economia popular, que consiste em obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento de um número indeterminado de pessoas, dentre a massa de torcedores da maior paixão nacional.

Da mesma forma, houve falsidade ideológica, pois os árbitros preenchiam as súmulas das partidas mentindo sobre o seu conteúdo, reconhecidamente fraudado. Já se sabe que Edílson falsificava anualmente declaração prestada à Federação Paulista sobre atividade remunerada — a de técnico em telefonia — na verdade inexistente. Finalmente, houve o crime de formação de quadrilha, que decorre da simples reunião das pessoas com o fim de cometer os crimes anteriormente mencionados.

O Gaeco e a Polícia Federal também investigam a atuação clandestina de bingos e sites de apostas. É grave, também, o reflexo das fraudes diretamente no futebol. As partidas do Campeonato Brasileiro foram anuladas. Solução idêntica ou intermediária deverá mediar as partidas de torneios encerrados e a Série B do Brasileiro. Fato concreto é que as instituições funcionaram e a organização foi desmantelada. Ciúmes à parte (que as operações bem sucedidas sempre despertam) ganhou o futebol, livre dos fraudadores da arte maior de nosso povo. Ganhou a sociedade brasileira que pode continuar contando com instituições fortes e atuantes.

*Artigo publicado no Jornal da Tarde nesta sexta-feira (14/10).

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  • Brave

    é promotor de Justiça da Cidadania, professor universitário e criminalista com diversas obras publicadas de direito penal, processual penal e constitucional.

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